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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.004 de 4 de Junho de 2019

EMENTA N° 12.004
Averbação de via de acesso por força de regularização de parcelamento do solo. Solicitação por parte do órgão técnico de cancelamento da averbação. Estudo de domínio que confirmou o caráter privado da passagem. Existência de lotes confrontantes. Inexistência de impedimento jurídico ao pedido de cancelamento.

Processo nº 1980-0.008.447-3

INTERESSADO: SEHAB

ASSUNTO: Cancelamento da averbação de passagens perante o Registro de Imóveis.

Informação n. 0778/2019-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

Em atenção a solicitações da então Supervisão Especial de Regularização de Loteamentos e Arruamentos - SERLA (fls. 62/68), o Sexto Registro de Imóveis procedeu à averbação de duas passagens situadas na Rua Tamuatá, n. 115 (Passagem A) e 155 (Passagem B), no Ipiranga, onerando, respectivamente, a Transcrição n. 58.519 e a Matrícula n. 5.403 daquela serventia predial (fls. 70/71).

No entanto, com a informação de que o parcelamento do solo não havia sido executado (fls. 78), foi solicitado a PATR o cancelamento de tais averbações (fls. 83/84).

Proposta a reavaliação do caso (fls. 86), RESOLO apurou que a Transcrição n. 102.254 foi parcelada, gerando as matrículas n. 102.254 a 102.263 (fls. 105/114), todas com frente para a Passagem A. Diante disso, o Departamento solicitou novamente a PATR o cancelamento da averbação da Passagem B e a análise quanto ao possível cancelamento da Passagem A (fls. 131/132).

PATR-23, contudo, recomendou a elaboração de estudo de domínio a respeito (fls. 133).

Na instrução correspondente, foi identificado o Decreto n. 24.062/87 revogou o art. 2º do Decreto 18.245/82, que havia oficializado as passagens em questão (fls. 217/218), o que levou ao cancelamento do respectivo croqui patrimonial (fls. 216).

DEMAP-11 observou que os lotes que possuem frente para a Passagem A permaneceram no mesmo âmbito familiar e que a passagem não foi executada conforme o plano aprovado, já que ela não dá acesso para edificações residenciais, mas a galpões ou garagens. No tocante à Passagem B, apontou-se que o proprietário não havia anuído com sua averbação no registro correspondente e que realmente não houve a implantação do logradouro e tampouco o parcelamento do lote onde se deu a averbação. Tendo havido a caducidade do alvará, já que as passagens não foram implantadas, e não tendo havido alienação de lotes a terceiros, realmente não seria possível afirmar que elas tivessem sido incorporadas ao patrimônio municipal (fls. 222/240).

Acolhendo essa conclusão, a Diretoria de DEMAP submete o caso a esta Coordenadoria, observando que, embora não se vislumbrem dificuldades quanto ao cancelamento da averbação da Passagem B, a situação da Passagem A seria mais complexa, já que houve a abertura de matrículas a partir da referida Transcrição n. 58.519, até mesmo para lotes com frente para tal passagem. Por isso, o pedido poderia enfrentar a resistência por parte dos atingidos. Assim, solicitou-se orientação em termos de prosseguimento (fls. 241/247).

É o relatório do essencial.

O estudo de domínio realizado baseou-se na reiteração de entendimento consolidado nesta Procuradoria Geral do Município no sentido da ausência de efeitos dominiais decorrentes de parcelamentos atingidos pela caducidade (Ementa n. 11.859 - PGM-AJC), bem como da ausência da caracterização do concurso voluntário em caso de parcelamento que gere unidades imobiliárias mantidas em um mesmo âmbito familiar (Informação n. 050/2015 - PGM-AJC).

Não parece haver peculiaridade que possa recomendar algum questionamento a respeito, de modo que não existiria razão para discutir o entendimento alcançado por DEMAP quanto à definição da titularidade da passagens em questão, que assim merecem ser entendidas como particulares. Portanto, deve-se analisar aqui apenas o encaminhamento das providências decorrentes dessa conclusão, especialmente no tocante à Passagem A, que dá acesso para lotes objeto de matrículas próprias perante o Registro de Imóveis.

Não parece possível descartar a hipótese de que o cancelamento em questão ocorra com a concordância dos proprietários dos lotes, com a concomitante unificação das matrículas envolvidas, para o restabelecimento da situação fundiária original. Nesse caso, seria desfeita a averbação indevida da passagem e todos os efeitos dela decorrentes. Essa alternativa seria a mais adequada sob a perspectiva jurídica e, ao que parece, daria cabo a todas as questões decorrentes, inclusive no que dizer respeito à tributação da passagem.

Outro cenário seria aquele em que os interessados não tivessem interesse em desfazer também o parcelamento do solo. Neste caso, seria realmente necessário considerar a viabilidade de que o cancelamento se restringisse à averbação da via, permanecendo incólumes as matrículas existentes. Em sendo viável tal providência, ela não poderia ser obstada simplesmente pela eventual resistência dos interessados, a qual deveria ser enfrentada, por meio dos procedimentos adequados, até mesmo com a submissão do caso à Corregedoria Permanente de Registros Públicos. Cabe, portanto, analisar a viabilidade do simples cancelamento da averbação.

No mérito, não há como questionar o cancelamento de uma averbação efetuada de modo indevido. No entanto, é de se reconhecer que, embora a passagem não tenha sido implantada nem entregue ao uso público, sua averbação acabou por propiciar a existência de um parcelamento juridicamente consolidado, uma vez que as matrículas foram abertas com frente para tal logradouro, de acordo com a planta de regularização. Em havendo uma situação consolidada, é necessário avaliar se ela realmente poderia ser desfeita ou se sua manutenção deveria ser tolerada, em respeito à segurança jurídica.

Na verdade, a invocação da segurança jurídica somente poderia ter algum proveito de modo associado à demonstração dos prejuízos que decorreriam do cancelamento da averbação. À primeira vista, o fato de os lotes deixarem de ter frente para via pública poderia caracterizar tal prejuízo. No entanto, analisada a questão com mais profundidade, outra conclusão parece impor-se.

De fato, embora a doutrina considere inviável o arruamento particular1, a existência de lotes matriculados não pressupõe necessariamente, na prática, um acesso direto para via pública. Com efeito, embora a confrontação com via pública possa ser a regra, é preciso apontar que a Municipalidade convive, na prática, com a existência de lotes que têm acesso por meio de vias particulares2.

Assim é que, mesmo em caso de parcelamento do solo, têm sido considerados particulares os acessos a lotes quando não está apurado que estes foram objeto de concurso voluntário, não tendo havido, pois, sua transferência ao domínio público. É isso que ocorre, por exemplo, nas situações em que o leito da passagem se encontra compreendido nos registros lindeiros (Súmula n. 1 da PGM), o que tem sido aplicado, com maior frequência, às situações em que os registros dos lotes incluem frações ideais relativas ao acesso. É também o caso de passagens não aprovadas, sem implantação de melhoramentos públicos, que dão acesso a lotes matriculados (Ementa n. 9724 - PGM-AJC3), bem como dos terrenos encravados, que têm acesso através de outro lote (Ementa n. 11.993 - PGM-AJC). Além dessas situações, há o caso célebre das vias internas de loteamento antigo que, não tendo sido objeto de concurso voluntário, permanecem no domínio privado, segundo uma configuração há muito consolidada (Chácara Flora - Ementa n. 11.965 - PGM-AJC).

Nessa linha, reconhecendo a possibilidade de que lotes individualizados não confrontem necessariamente com uma via pública, já se apontou em outro precedente que a alienação de imóveis confrontantes a terceiros não pode ser sempre considerada uma oferta de logradouros. Não havendo tal oferta, não cabe considerar oficial o acesso a lote com matrícula perante o registro de imóveis, nos termos do Decreto n. 27.568/88 (Ementa n. 11.715 - PGM-AJC).

Também é certo que a legislação tributária municipal reconhece a possível existência de lotes sem acesso para logradouro oficial. Assim é que a Lei n. 10.235/86, que estabelece normas a respeito do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, admite a existência de terrenos encravados - aquele que não se comunica com a via pública, exceto por servidão de passagem por outro imóvel (art. 9º, IV) terrenos de fundo - aqueles que, situados no interior da quadra, comunicam-se com a via pública por um corredor de acesso com largura igual ou inferior a 4 metros (art. 9º, V) - e terrenos internos - aqueles localizados em vila, passagem, travessa ou local assemelhado, de caráter público ou particular (art. 9º, VI).

Além disso, não parece que a Municipalidade possa impedir o aproveitamento dos lotes que tenham acesso por meio de área particular caso não possa investir contra a própria existência de tais lotes. Nessas situações, a solução que se impõe é admitir a regularidade do lote, o que implica, em regra, a possibilidade de seu aproveitamento, sobretudo para fins edilícios. Embora possa haver alguma discussão quanto a como aplicar a legislação urbanística - que parte da situação ordinária dos lotes que possuem frente para via oficial -, a conclusão não poderia ser pela impossibilidade de aproveitamento do lote, cuja regularidade não pode ser colocada em discussão4.

Assim sendo, parece fora de dúvida que a situação resultante do cancelamento da averbação não implicaria alguma irregularidade perante a Municipalidade, de tal modo que não seria possível reconhecer prejuízos aos proprietários particulares envolvidos.

Não obstante, poderia ser considerado o risco de um problema de ordem registrária, sobretudo porque as Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça exigem implicitamente a confrontação com logradouro, já que a matrícula deve ser descrita com a localização e nome do logradouro para o qual faz frente (item 59, I, "a"). Isso se dá, aliás, de modo coincidente com a concepção doutrinária, já mencionada, segundo a qual a sistemática da Lei n. 6.766/79 exige que os lotes tenham acesso para via pública de circulação.

É claro que não cabe à Municipalidade avaliar o mérito do pedido em lugar do Oficial de Registro de Imóveis ou da Corregedoria Permanente. Se tais órgãos entenderem pela inviabilidade do cancelamento, o pedido será indeferido. À Prefeitura cabe, como requerente, apenas sustentar a necessidade de cancelamento da averbação feita indevidamente.

De todo modo, é de se registrar que não há notícia de que os registros de imóveis tenham por praxe o questionamento de situações fundiárias anômalas consolidadas5. Além disso, o sistema jurídico passou a admitir os condomínios simples, na forma do art. 1.358-A do Código Civil, incluído pela Lei n. 13.465/17, e os condomínios urbanos simples, para fins de regularização, na forma do art. 61 e ss. desta última lei. Com isso, seria possível a existência de lotes com acesso por meio de áreas comuns, ficando estas em condomínio entre os titulares dos lotes. Assim sendo, nem mesmo seria o caso de afirmar que a única providência possível por parte dos particulares envolvidos, em caso de cancelamento da averbação, seria a unificação de todas as matrículas, sendo possível manter as matrículas existentes, acrescidas das frações ideais do leito da passagem, agora entendida como de domínio privado. Assim, há plenas condições formais para que a situação existente seja solucionada pelo particular com preservação do parcelamento existente e a previsão de frações ideais sobre o leito da passagem, sem que esta precise estar averbada como pública.

Assim sendo, não parecendo haver motivos, a priori, para considerar inviável o pedido de cancelamento da averbação da passagem cujo caráter público foi afastado, sugere-se o retorno do presente a DEMAP, para o devido prosseguimento.

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São Paulo, 04/06/ 2019.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 06/06/2019.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

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1 Nesse sentido: Gasparini, Diógenes. O lote mínimo no desdobre de terrenos urbanos. In: Revista de Direito Imobiliário, n. 10. São Paulo: IRIB/RT, jul.-dez. 1982, p. 57. De modo semelhante, vale mencionar o entendimento de JOSÉ AFONSO DA SILVA: "Em verdade, o sistema vigente de parcelamento do solo para fins urbanos, com base na Lei 6.766, de 19.12.1979, não admite a existência de ruas particulares, pois as normas de urbanificação (parcelamento do solo, arruamento e loteamento) não permitem a formação de ruas particulares, eis que o arruamento constitui uma exigência do parcelamento de terrenos, e as vias, formadas com ele, se transferem para o domínio público municipal com a inscrição do parcelamento, que, por isso, gera a inalienabilidade dessas vias e demais espaços livres" (Direito urbanístico brasileiro, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 217).

2 Nesse sentido, a antiga Lei n. 9.413/81, que por anos regulou o parcelamento do solo em âmbito paulistano, trazia a previsão expressa de vias de circulação particulares (art. 1º, VIII, "b").

3 Nesse caso, em que houve um profundo estudo do regime dominial relativo às passagens, concluiu-se pelo caráter particular do acesso a lotes pertencentes a proprietários distintos, sem que os registros abrangesse o respectivo leito da passagem, pois, como não houve aprovação da Municipalidade nem houve implantação de melhoramentos, não foi caracterizado o concurso voluntário. Implicitamente, essa conclusão admite a existência de um parcelamento em que os lotes não confrontam diretamente com uma via pública.

4 Nessa linha, a legislação tradicionalmente admite o aproveitamento de lotes que, embora não atendam a todos os parâmetros pertinentes, têm uma origem juridicamente lícita (art. 134, I a III, da Lei n. 16.402/16). 

5 O próprio JOSÉ AFONSO DA SILVA reconhece que o sistema brasileiro não permite mais a formação de rua particular (op. cit., p. 218), mas admite a existência de resquícios do regime anterior ao Decreto-lei n. 58/1937 (p. 217).
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Processo nº 1980-0.008.447-3

INTERESSADO: SEHAB

ASSUNTO: Cancelamento da averbação de passagens perante o Registro de Imóveis.

Cont. da Informação n. 0778/2019-PGM.AJC

PGM

Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido da viabilidade do requerimento de cancelamento da averbação das passagens em questão, que poderá ser pleiteado, no tocante à Passagem A, mesmo que não haja interesse dos particulares lindeiros em desfazer o parcelamento do solo existente.

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São Paulo, 13/06/2019.

TIAGO ROSSI

PROCURDOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo nº 1980-0.008.447-3

INTERESSADO: SEHAB

ASSUNTO: Cancelamento da averbação de passagens perante o Registro de Imóveis.

Cont. da Informação n. 0778/2019-PGM.AJC

DEMAP

Senhora Diretora

Encaminho-lhe o presente, para prosseguimento, com entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo no sentido da viabilidade de que seja requerido o cancelamento da averbação das passagens em questão.

Segue como acompanhante o p.a. n. 1982-0.002.013-4.

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São Paulo,      /      /2019.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo