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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.715 de 17 de Maio de 2017

Patrimônio Imobiliário. Passagem. Inequívoca vontade do particular de oferecer o leito da via ao domínio público. Inexistência. Afetação. Não comprovação. Concurso voluntário não caracterizado. Precedentes.

2016-0.030.354-0

INTERESSADO: Vera Isolina Gama Ribeiro Leite e outras

ASSUNTO : Estudo de domínio. Passagem com início na rua Neves de Carvalho n° 186

Informação: n° 634/2017 - PGM-AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhora Procuradora Assessora Chefe

 

As interessadas requereram ao DGPI uma declaração no sentido da natureza particular da passagem com início na rua Neves de Carvalho n° 186 (fls. 02/03).

Como não foi localizado croqui patrimonial para o local, os autos foram encaminhados ao DEMAP para a realização de um estudo de domínio (fls. 52/53), concluindo o referido departamento, após examinar o assunto, que se trata de logradouro público (fls.109/197 e 201/202).

A PGM e a então Secretaria dos Negócios Jurídicos acompanharam esse entendimento, ressaltando que a passagem foi aprovada, recebeu iluminação pública e foi oficializada (fls. 203/210).

As interessadas, no entanto, solicitaram o reexame do assunto, sustentando, em síntese: que a família designou parte do imóvel originário como área de manobras em razão do encravamento de algumas das casas, sem que isso interferisse em sua titularidade; que não existe acesso de terceiros ao imóvel; que não houve doação da área correspondente ao leito da passagem ao Poder Público, tampouco desapropriação ou qualquer outro procedimento para a transferência do bem com a garantia do contraditório e ampla defesa (fls. 230/231).

É o relatório.

Para a devida apreciação dos aspectos suscitados, convém resgatar, antes de mais nada, o exato conceito do denominado concurso voluntário, tal como exposto por Eduardo Vianna Motta, ao examinar os modos de aquisição dos bens de uso comum do povo pelas pessoas jurídicas de Direito Público.1

Em resumo, como se sabe, compete ao poder público municipal a abertura de vias de circulação urbanas. Contudo, os particulares podem colaborar com a Administração nessa tarefa, transferindo gratuitamente ao patrimônio público os bens destinados a essa finalidade, uma vez que, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, tais bens são públicos.

Tal transferência ocorre mediante o chamado concurso voluntário, que já era admitido pela doutrina e pela jurisprudência mesmo antes da sua consagração na legislação brasileira. Por essa razão, aliás, é que não há necessidade de registro imobiliário dos bens de uso comum.

No entanto, para a caracterização do concurso voluntário é indispensável, em primeiro lugar, a manifestação de vontade do particular no sentido de oferecer o bem, seja de forma expressa, mediante o requerimento de aprovação de parcelamento do solo, seja de forma tácita, mediante a simples abertura das ruas.

Ocorre que, para o aperfeiçoamento do contrato administrativo do concurso voluntário, com a consequente transferência do domínio das vias e logradouros abertos, deve ocorrer também a aceitação desses espaços pela Administração, pois, se assim não fosse, o interesse particular estaria se sobrepondo ao interesse público, já que os munícipes decidiriam quando e onde implantar as vias públicas.

A respeito do assunto, merece ser reproduzida a seguinte lição de Eduardo Vianna Motta:

"Do fato do loteamento inicia-se o processo de formação do concurso voluntário. A vontade do particular, como vimos, pode decorrer de expressa manifestação, de formal declaração, ou decorrer de fatos, e então será de manifestação tácita. Para consumar-se o concurso voluntário, será de mister o acasalamento das duas vontades: a do particular e a da administração. Também está pode dar-se de maneira formal ou tácita. A manifestação da vontade da administração dá-se através da afetação. Sem a afetação, a coisa, embora oferecida irrevogavelmente, ainda é particular.(...) Essa afetação poderá ser tácita: a execução de obras, por exemplo. "2

No mesmo sentido, a manifestação da então Secretaria dos Negócios Jurídicos no PA 2006-0.277.759-0 (informação n° 3.308/2013-SNJ.G), ressaltando que a afetação ao uso público pode assumir uma variedade de formas, expressas ou tácitas, como a regularização de um loteamento, a oficialização de vias ou mesmo a realização de obras públicas em logradouros abertos, não sendo possível o reconhecimento do uso público de um determinado espaço até a prática de algum desses atos, ainda que o local apresente as características correspondentes.

Logo, no caso dos autos, cabe verificar se ocorreu, efetivamente, o concurso voluntário, nos termos assim resumidos por Eduardo Vianna Motta na RT 338/43:

"O que é preciso, sim, para que se realize o contrato administrativo do concurso voluntário é a existência de inequívoca vontade de contratar pelas partes: inequívoca vontade de ofertar por parte do particular, e inequívoca vontade de aceitar, por parte da administração. Desde então, conjugadas as vontades, dar-se-á a transferência do domínio."

Pois bem, no caso dos autos, João Monteiro da Gama obteve, no ano de 1947, alvará para a abertura de passagem e construção de onze habitações no local (fls. 39/40), averbando, no ano de 1951, os novos prédios à margem das transcrições 36.583, 19.634 e 19.786 do 2o CRI (fls. 95/96).

A abertura da passagem, portanto, foi aprovada pela Municipalidade durante a vigência dos artigos 749 a 761 da antiga Consolidação do Código de Obras aprovada pelo Ato n° 663, de 10 de agosto de 1934, que considerava tais logradouros públicos (artigo 2o, item 14 e artigo 734).

Consolidou-se no âmbito da Procuradoria Geral do Município, porém, o entendimento de que não se consuma o parcelamento do solo quando as novas casas permanecem sob o domínio do proprietário original, seus sucessores ou são adquiridas conjuntamente por um terceiro (Informação n° 991/2015-PGM-AJC e Ementa n° 11.675, acolhidas por SNJ.G, conforme, respectivamente, Informação n° 2292/2015-SNJ.G e Informação n° 0420/2016-SNJ.G).

No caso em exame, de fato, as casas 1, 3, 5, 7, 9 e 11 permaneceram sob o domínio da requerente Maria Lúcia Gama E Guimaro, filha de João Monteiro da Gama (fls. 09), conforme certidões de fls. 26/37.

Já as casas 2, 4, 6, 8 e 10 foram transmitidas, inicialmente, à requerente Vera Izolina Gama Ribeiro Leite, também filha de João Monteiro da Gama (fls. 04), e, na sequência, às suas próprias filhas, também requerentes, conforme certidões de fls. 63/86.

Assim, nos termos dos precedentes acima mencionados, realmente não ocorreu, de forma inequívoca, o oferecimento da passagem ao domínio público, circunstância que afasta a caracterização do concurso voluntário. Nesse sentido, ainda, a Ementa n° 11.675.

Aliás, mesmo a simples abertura das ruas e a alienação de imóveis confrontantes a terceiros também não pode, isoladamente, ser considerada, em algumas situações, uma oferta dos logradouros. Vale lembrar, a propósito, o caso da Chácara Flora, loteamento anterior ao Decreto-lei n° 58/37, em que a Municipalidade reconheceu a ausência do requisito da inequivocidade quanto à oferta pelo particular (Ementa n° 11.695).

Assim, diante da não caracterização da oferta do leito da passagem ao Poder Público, parece-me que a via não poderia ter sido oficializada por um decreto genérico, nos moldes do Decreto n° 10.103/72 (fls. 1972), especialmente se for considerado o fato de que a Lei n° 4.371/53, mencionada às fls. 154, item 3, já havia excluído expressamente do seu alcance as vielas e passagens (fls. 169). A propósito, a então SNJ também já se manifestou no sentido de que um decreto genérico de oficialização não pode ser considerado isoladamente para fins de afetação (Informação n° 3217/2013-SNJ.G). Por outro lado, também não foram localizados registros de obras públicas executadas no local (fls. 127), constando apenas uma única luminária na passagem (v. fotografias de fls. 57/58 e informação de ILUME às fls. 144), circunstância, contudo, que não é suficiente para caracterizar, de forma inequívoca, a atuação da Municipalidade no local (Informação n° 1712/2015-SNJ.G), uma vez que, ao que tudo indica, foi instalada em decorrência da equivocada oficialização.

Por fim, vale lembrar que, para a aplicação do disposto no Decreto n° 27.568/88, com as alterações introduzidas pelo Decreto n° 34.049/94, que considera oficiais as vias existentes que sirvam de acesso a lotes com registro junto à circunscrição imobiliária competente, o logradouro deve ter sido previamente oferecido ao Poder o Público, ficando afastada a sua aplicação nos casos em que não houve parcelamento do solo (Ementa n° 5463).

Diante de todo o exposto, parece-me que a conclusão anterior a respeito do assunto (Informação n° 866/2016) deve ser realmente revista, uma vez que os elementos existentes não são suficientes para a Municipalidade sustentar a natureza pública da passagem com início na rua Neves de Carvalho n° 186, devendo o logradouro ser excluído dos efeitos da oficialização promovida pelo Decreto n° 10.103/72, com a consequente adoção das providências subsequentes cabíveis envolvendo a remoção da luminária e o lançamento fiscal, no caso de acolhimento da conclusão alcançada.

 

São Paulo, 17/05/2017.

RICARDO GAUCHE DE MATOS

PROCURADOR ASSESSOR-AJC

OAB/SP 89.438

PGM

 

De acordo.

São Paulo, 18/05/2017.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA  SALGADO

PROCURADOR ASSESSORA CHEFE AJC

OAB/SP 175.186

PGM

 

1RT volumes 332/49, 333/49, 334/57, 335/67, 336/39, 337/44, 338/43, 339/47 e 390/51.

2RT 338/43.

 

 

 2016-0.030.354-0

INTERESSADO: Vera Isolina Gama Ribeiro Leite e outras

ASSUNTO : Estudo de domínio. Passagem com início na rua Neves de Carvalho n° 186

Cont. da Informação n° 634/2017 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Encaminho estes autos com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido de que os elementos existentes não são suficientes para a Municipalidade sustentar a natureza pública da passagem com início na rua Neves de Carvalho n° 186, devendo a via, portanto, ser excluída dos efeitos da oficialização promovida pelo Decreto n° 10.103/72.

 

São Paulo, 25/05/2017.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195-910

PGM

 

 

 2016-0.030.354-0

INTERESSADO: Vera Isolina Gama Ribeiro Leite e outras

ASSUNTO : Estudo de domínio. Passagem com início na rua Neves de Carvalho n° 186

Cont. da Informação n° 634/2017 - PGM.AJC

SGM

Senhor Secretário

Encaminho estes autos com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo da PGM, que acompanho, no sentido de que os elementos existentes não são suficientes para a Municipalidade sustentar a natureza pública da passagem com início na rua Neves de Carvalho n° 186, devendo a via, portanto, ser excluída dos efeitos da oficialização promovida pelo Decreto n° 10.103/72.

 

São Paulo, 25/05/2017.

RICARDO FERRARI NOGUEIRA

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 175.805

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo