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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 156/2002; OFÍCIO DE 22 de Janeiro de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 156/2002

Ofício ATL nº 047/03

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0770/2002, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara nos termos do inciso I do artigo 84 de seu Regimento Interno, relativa ao Projeto de Lei nº 156/2002.

De autoria do nobre Vereador Antonio Carlos Rodrigues, o projeto proíbe o transporte de passageiros em pé nas lotações, no âmbito do Município de São Paulo.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu ilustre autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por manifesta inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas.

A mensagem aprovada, além de proibir a conduta acima mencionada, impõe ao infrator as seguintes penalidades: advertência por escrito, retenção do protocolo e, em caso de reincidência, apreensão do veículo por 48 horas e perda do credenciamento do titular, com a revogação da respectiva autorização. Prevê, ainda, a criação de uma comissão para o fim específico de julgar defesas.

Patente, pois, que a medida versa sobre assunto relacionado a transporte coletivo de passageiros, dispondo, portanto, sobre serviço público, nos termos do artigo 172 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, matéria de competência exclusiva do Executivo.

Nesse sentido, cumpre salientar que a Lei nº 13.241, de 12 de dezembro de 2001, que dispõe sobre a organização dos serviços do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros da Cidade de São Paulo, e o Decreto nº 42.736, de 19 de dezembro de 2002, que a regulamenta, contemplam disposições específicas, em seus artigos 44, 11 e 12, respectivamente, direcionadas expressamente às lotações, inserindo-as nas delegações para operação no Subsistema Local, que compõe o Sistema Integrado do Transporte Coletivo Urbano de Passageiros.

Assim, de acordo com a legislação municipal que rege o assunto, as lotações são elementos integrantes do transporte coletivo público de passageiros, conceituado como serviço público essencial quer pelo inciso V do artigo 30 da Constituição Federal quer pelo § 1º do artigo 1º da lei supracitada, competindo seu planejamento e regulamentação unicamente ao Poder Público Municipal, por meio da Secretaria Municipal de Transportes, nos expressos termos do artigo 5º, inc. I, c/c o artigo 8º da mesma lei.

Destarte, resta induvidoso que a mensagem aprovada, ao versar sobre questão referente ao sistema de transporte urbano por lotações, ingressa no campo do serviço público, seara que, por disposição legal, lhe é vedada.

A par disso, ao impor sanções e procedimentos administrativos a serem adotados por unidades municipais, em seus artigos 2º, 3º e 4º, bem como ao criar uma comissão específica para deliberar sobre as defesas apresentadas pelos infratores, no parágrafo único de seu artigo 3º, o texto aprovado legisla não só sobre serviço público como também sobre organização administrativa, com evidente interferência em órgãos e atribuições da Secretaria Municipal dos Transportes.

Com efeito, as leis que tratam de organização administrativa, serviços públicos e atribuições de órgãos municipais são de iniciativa privativa do Prefeito, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Cabe, nesse ponto, salientar que, consoante pacífico entendimento jurisprudencial firmado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, a criação e a definição de atribuições de órgãos da Administração Pública traduzem matéria que se insere, por sua própria natureza, na esfera da exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo local, em face da cláusula de reserva, inscrita no artigo 61, § 1º, inc. II, alínea “e”, da Constituição da República, que consagra princípio fundamental, de observância compulsória às demais unidades federadas (cfr, a propósito, ADIN nº 1.391-2/S.Paulo).

Indiscutivelmente, a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências específicas do Executivo, configurando afronta ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local.

Não obstante as razões de inconstitucionalidade sejam suficientes para fundamentar o veto integral do texto vindo à sanção, a medida acaba por incorrer, ainda, em ilegalidade e contrariedade ao interesse público.

Inicialmente, cumpre assinalar que a propositura acha-se em descompasso com a atual situação do sistema de transportes, regido pela Lei nº 13.241/02 e pelo Decreto nº 42.736/02, segundo os quais os veículos utilizados na modalidade “lotação” devem, progressivamente, passar a integrar a categoria de micro-ônibus.

De acordo com o disposto no artigo 42 do decreto acima mencionado, compete à Secretaria Municipal de Transportes, até a criação da Autarquia Reguladora, regulamentar as sanções e multas, bem como editar ato normativo para disciplinar o procedimento de aplicação de penalidades.

Assim, ao dispor sobre infrações e penalidades, a mensagem aprovada incide em flagrante ilegalidade, não apenas por interferir na competência legalmente atribuída à Secretaria Municipal de Transportes para disciplinar o assunto, como também por contrariar o tratamento normativo a ele conferido.

No âmbito municipal, além da legislação supracitada, o transporte coletivo na modalidade “lotação” acha-se regulamentado pelas Portarias nºs 54/01, 167/01 e 23/02 (todas da Secretaria Municipal de Transportes), aplicando-se-lhe também as Portarias nºs 17/02 e 167/02, ambas do Departamento de Transportes Públicos da referida Pasta, as quais disciplinam a imposição de penalidades, compondo um conjunto de normas organizadas de modo sistemático, estabelecendo a dosimetria das sanções em correspondência com a menor ou maior gravidade da infração praticada.

Assim, a condução de auxiliar ou de passageiro em pé acha-se enquadrada na Portaria nº 17/02 como Penalidade do Grupo Leve (PL3), ensejando procedimento de pontuação que pode resultar, em casos extremos, na imposição da penalidade máxima de descredenciamento.

Ocorre que o texto aprovado, além de tratar isoladamente de uma única infração, atribui-lhe sanções muito mais graves do que aquelas adotadas pela atual sistemática municipal, imprimindo-lhe disciplina que com esta colide.

Cabe ponderar que as penalidades de descredenciamento, de apreensão do veículo e de retenção do protocolo afiguram-se, inclusive, desproporcionais à infração apontada na propositura, sendo atualmente admitidas, respectivamente, para os casos de pontuação máxima, para as infrações classificadas como de natureza grave e para os casos de pontuação elevada, visto que impõem a retirada, temporária ou definitiva, do operador do sistema, gerando problemas e transtornos para os usuários desse serviço.

Assim, sem olvidar os elevados propósitos que inspiraram a medida, é imperativo que as sanções estipuladas guardem proporcionalidade com a gravidade da infração cometida, sob pena de resultarem excessivas e de comprometerem a própria validade do ato de polícia.

Nesse aspecto, é oportuno lembrar a lição do Prof. Hely Lopes Meirelles:

“A proporcionalidade entre a restrição imposta pela Administração e o benefício social que se tem em vista, sim, constitui requisito específico para validade do ato de polícia, como, também, a correspondência entre a infração cometida e a sanção aplicada, quando se tratar de medida punitiva.

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Desproporcional é também o ato de polícia que aniquila a propriedade ou a atividade a pretexto de condicionar o uso do bem ou de regular a profissão.” (“Direito Administrativo Brasileiro”, 25ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2.000, pags. 131/132).

Pelo exposto, ante as razões apontadas, que evidenciam a inconstitucionalidade, a ilegalidade e a contrariedade ao interesse público que maculam o texto aprovado, vejo-me compelida a vetá-lo na íntegra, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo