Dispões sobre Medidas de Flexibilização para a garantia do direito à aprendizagem.
CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
SEI: 6016.2021/0074453-5
Interessado: Conselho Municipal de Educação – CME
Assunto: Medidas de Flexibilização para a garantia do direito à aprendizagem
Conselheiras Relatoras: Rose Neubauer, Sueli A de Paula Mondini e Neide Cruz
Recomendação CME nº 03/2021
Aprovada em Sessão Plenária de 13/07/2021
I. INTRODUÇÃO
“Não, não tenho um caminho novo.
O que tenho de novo é o jeito de caminhar”.
Thiago de Mello
1. Os desafios da educação a serem enfrentados no século XXI
Desde que se compreendeu que o ser humano só constrói seus conhecimentos por intermédio de suas próprias ações, em seus diversos meios de vida, Piaget, Wallon, Vygotsky ou Bachelard e outros, no século XIX, reforçaram que a participação do estudante é necessária para que ele se instrua e se eduque. “Esse olhar é a base das pesquisas pedagógicas do movimento da Educação Nova e das pedagogias ativas do século XX. As maneiras de tornar ativo o aluno foram múltiplas: dando-lhe a liberdade de agir (pedagogias libertárias); inserindo-o em projetos (Dewey); partindo de seus interesses, de suas necessidades, como brincar (Claparède) ou trabalhar (Freinet); propondo-lhe meios e materiais específicos ao seu alcance (Montessori); tornando-o responsável pela vida comunitária e por suas aprendizagens (pedagogias cooperativas e institucionais); instaurando um trabalho por grupos (Cousinet); levando-o a reinventar os objetos culturais (Decroly)” (VELLAS, 2005).
A problemática da relação entre desenvolvimento e aprendizagem vem sendo discutida há várias décadas, por vários teóricos que realizaram suas pesquisas e trabalhos na primeira metade do século XX.
Piaget pondera que a aprendizagem está associada ao nível de desenvolvimento atingido pela criança. Segundo ele, “é o desenvolvimento que cria as condições de aprendizagem, ou seja, é anterior à aprendizagem. O ensino deve seguir o desenvolvimento, pois só é possível aprender quando há um amadurecimento das funções cognitivas compatível com o nível de aprendizagem” (CENPEC, 2001). Nesse sentido, ele propõe que o conhecimento ocorre por um processo de equilibrações sucessivas: ou seja, frente a uma nova situação, o sujeito assimila, acomoda e atinge um novo equilíbrio provisório que será rompido frente a um novo desafio que o levará a um novo desequilíbrio, assimilação, acomodação, e assim por diante.
Vygotsky, por outro lado, agrega a importância do meio social do indivíduo nesse processo. Considera que o desenvolvimento das funções psíquicas da criança interage continuamente com a aprendizagem, ou seja, apropriando-se do conhecimento socialmente produzido. Segundo o autor isso ocorre através das relações que o sujeito estabelece com o meio social, pela interação com adultos e/ou seus pares.
Outro estudioso do processo de desenvolvimento, Wallon traz contribuições significativas ao propor que a ocorrência do mesmo está necessariamente ancorada na interação de três fatores: sociais, biológicos e psíquicos. Em relação a estes, dá realce especial aos afetivos.
Por outro lado, Freinet tem lugar destacado entre os educadores que, nas primeiras décadas do século XX, se insurgiram contra o método tradicional de ensino, enciclopédico e tendo no professor o centro da relação escolar. Freinet irá disseminar uma educação ativa centrada no estudante.
Na sua proposta pedagógica é o trabalho e a cooperação que permitem o desenvolvimento reflexivo, sendo a ação concreta a medida de adequação à realidade. É ela que possibilita a construção de pensamentos abstratos. Segundo o educador o objetivo da educação deve ser o de formar o cidadão para o trabalho livre e criativo. Nesse processo o papel do professor deve ser o de apoiar e garantir a livre expressão e o êxito dos estudantes. Sua proposta pedagógica tem inspirado, há mais de 50 anos, o trabalho de educadores nos mais diferentes países ao redor do mundo.
A partir das proposições desses estudiosos, a atuação docente torna-se fundamental para promover a aprendizagem dos estudantes, envolvê-los e mobilizar seus processos de pensamento, explorar todas as dimensões e oportunidades de aprendizagem, fazer e refazer percursos, criar e renovar procedimentos – visando sempre seus estudantes, que formam um grupo com características próprias.
Sobre a função docente, Paulo Freire faz a seguinte reflexão: “Assim como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os conteúdos de minha disciplina não posso, por outro lado, reduzir minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um momento apenas de minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-los. É a decência com que o faço. (...)“
Consequentemente, a escola deve responder pelo acesso ao conhecimento que considera necessário à inserção social, para que os mais jovens se apropriem das conquistas das gerações precedentes e se preparem para novas conquistas, por meio da seleção e organização de situações planejadas especialmente para promover a aprendizagem crítica de conteúdos culturalmente valorizados pela sociedade em que ela se insere.
Ensinar e aprender tem no currículo sua chave mestra, toma forma em um projeto de educação, exige planejamento, sustenta-se no trabalho coletivo dos educadores e, um sério preparo profissional que garanta, entre outros requisitos, o saber fazer, o domínio do conteúdo e da metodologia de ensino.
Na medida em que o ser humano é ativo e está em processo constante de transformação interagindo com o meio que o cerca, a aprendizagem será tanto mais significativa quanto mais relações o estudante conseguir estabelecer com seu cotidiano, suas experiências anteriores e sua própria organização do conhecimento. É mais fácil aprender o que nos interessa. Sem motivação o estudante não presta atenção, não participa, não faz tarefas. Ou as executa preocupado simplesmente com a avaliação, as notas, a aprovação.
Na busca da aprendizagem e sucesso de todos os estudantes, é importante que os educadores ao realizarem suas escolhas didáticas garantam o encadeamento progressivo das tarefas e de resultados bem definidos, a fim de possibilitar a cada criança, adolescente, jovem e adulto perceber seus progressos, sentir-se motivado a prosseguir aprendendo, e acreditar-se capaz de vencer os desafios com que se defrontarem.
Os professores, a cada ano interagem com diferentes estudantes. Desse modo, precisam constantemente compreender de que modo eles aprendem, em que ritmo e com quais estratégias. É preciso que estejam conscientes de que todos não são iguais. São diferentes devido aos conhecimentos adquiridos, seus ritmos e estilos de aprendizagem, histórias de vida, heranças culturais. Em suma, é preciso fazer das aprendizagens dos estudantes o ponto central da reflexão e do trabalho escolar, bem como a busca de diferentes estratégias para apoiá-los a superar os obstáculos por eles encontrados.
Em virtude de tais fatores, Mello (2004) enfatiza o papel imprescindível do gestor e da equipe pedagógica da escola e da Diretoria Regional para, em conjunto com os docentes, avaliar e rever as formas como a escola se organiza e interage com: “a) o meio social que será fonte de grande parte dos conteúdos de ensino sobre cujos significados a escola deverá trabalhar; b) a qualidade das aprendizagens que dependerá da capacidade da escola em articular demandas, recursos internos ou externos, talentos disponíveis no meio social em um projeto pedagógico coerente; c) o Projeto Pedagógico que constituirá a expressão e o exercício da escola em função de sua própria identidade.”
O projeto pedagógico é, portanto, o instrumento onde são definidas as competências, habilidades, conteúdos e recursos. Ele entra em ação pela transposição didática. Como Mello (2004) pondera, é por meio da transposição didática “que as intenções educativas, as competências a serem desenvolvidas nortearão as escolhas, o tratamento, o recorte, a partição dos conteúdos que darão conta de tornar viável o que foi anteriormente consensuado”.
Os fundamentos e princípios acima relacionados estão presentes na LDB /1996 e possibilitam que as equipes educacionais se utilizem de diferentes graus de flexibilidade para a construção da escola que necessitamos, capaz de garantir uma trajetória de aprendizagens bem-sucedidas à população escolar – crianças, adolescentes, jovens e adultos. Uma escola que envolva todos na elaboração de propostas que viabilizem o acesso, a permanência dos estudantes e a qualidade do ensino.
Colocar em prática os vários preceitos da LDB, quanto à reorganização dos espaços e tempos escolares no ensino fundamental, médio e nas diferentes modalidades da educação básica, possibilitará à rede municipal de ensino a consolidação das propostas curriculares assim como a permanência e aprendizagem dos estudantes.
Recente estudo denominado “A educação no Brasil: uma perspectiva internacional” (OCDE, 2021) constata que o país se encontra entre os quatro com os maiores índices de reprovação e abandono escolar e que o desempenho geral das suas escolas está bem abaixo dos países da OCDE. Mostra também que a reprovação é mais acentuada nos anos finais do ensino fundamental e no médio.
Os dados apresentados a seguir atestam que essa situação faz-se presente no Município de São Paulo e a urgência de encontrar alternativas para garantir um percurso de sucesso dos alunos nas escolas da rede pública municipal.
2. Indicadores de desempenho e fluxo escolar do Município
No município de São Paulo, o atendimento da pré-escola (4 e 5 anos) está universalizado e em relação às demais faixas etárias residentes no Município há um percentual significativo de atendimento em escolas estaduais, municipais e privadas.
Analisando a Tabela anterior, constatamos que 99,5% da população do município de 6 a 10 anos já está atendida. Em relação à faixa etária de 11 a 14 anos observa-se um percentual de atendimento maior do que 100%, provavelmente resultante de uma projeção subdimensionada pelo Seade dessa população ou o atendimento pelas redes da capital, de estudantes residentes em municípios vizinhos. O problema maior está na população de 15 a 17 anos que além do atraso escolar e o atendimento na EJA cerca de 18 mil jovens encontram-se fora da escola. Desses 18 mil, certamente muitos abandonaram a escola após sucessivas reprovações.
Em 2018, dos 1.219.092 jovens na faixa etária de 18 a 24 anos do Município, há 275.514 (22,6%) que não estudam e nem estão inseridos no mercado de trabalho e, provavelmente, muitos não concluíram o ensino médio e até mesmo o fundamental.
Frente a essa realidade, é importante a estratégia de busca ativa, movimento mundial já utilizado há alguns anos em muitos países para reverter o abandono, a exclusão e a evasão escolar. No município de São Paulo, bem como no Brasil, ela faz-se necessária, considerando os índices de abandono escolar.
Nos indicadores de rendimento escolar da Rede Municipal em 2019, merece atenção especial o crescente índice de abandono e reprovação com o avanço do percurso escolar: 1,8% nos anos iniciais, 5,4% nos anos finais e 15,2% no ensino médio. Resultante do abandono escolar, constata-se outro agravante, o percentual significativo de estudantes com defasagem idade/série em sua trajetória escolar.
No Brasil verificamos que, das aproximadas 35 milhões de matrículas, nos ensinos fundamental e médio das redes pública e privada, mais de 7 milhões apresentam distorção idade-série (dois ou mais anos de atraso na trajetória). Aproximadamente 5 milhões pertencem ao ensino fundamental e outros 2 milhões ao ensino médio.
Apesar de São Paulo apresentar um dos menores percentuais entre as redes estaduais, as taxas de distorção ainda são muito significativas na rede pública: 4,7%, nos anos iniciais, 12,5% nos anos finais e no Ensino Médio 13,4%
Analisando os índices de distorção da Rede Municipal de São Paulo, nota-se uma situação cada vez mais crítica nos últimos anos de cada ciclo. Chama atenção os saltos de crescimento dos índices de distorção: no ciclo de alfabetização quase triplica (de 2,2% para 6,1% no 3ºano) e no ciclo interdisciplinar cresce 50% (de 8,3% para 12,9% no 6º ano).
Nos 7º e 8º anos, em que, surpreendentemente, foi possibilitada a reprovação na rede municipal, ocorrem os mais altos índices de distorção (15%) e (14,4%). Eles parecem ser consequência do aumento da reprovação e evasão escolar presente nesses anos, contribuindo para as estatísticas de adolescentes e jovens que não concluem nem mesmo o ensino fundamental.
A queda no índice de distorção idade/série no 9º ano (de 15% e 14,4% nos 7º. e 8º. anos para 12,2%) indica o represamento de alunos multirepetentes nos dois anos anteriores em decorrência do aumento da reprovação e abandono neles ocorridos.
Na Rede Municipal de Ensino, embora o índice de distorção venha se reduzindo ao longo dos anos a presença de 5,3% nos anos iniciais e 13,6% nos anos finais revela um número elevado de crianças e jovens com, pelo menos, 2 anos de defasagem da idade esperada.
Do total de 417 mil estudantes matriculados na Rede Municipal, tem-se mais de 38 mil estudantes cursando ano escolar inadequado para sua faixa etária, para os quais seria desejável propostas de aceleração de estudos para reverter essa situação e recuperar sua autoestima.
A garantia do direito à Educação coloca-se como imperativo de oportunidade para essas crianças, adolescentes e jovens, sobretudo quando se considera que, do total fora da escola, 61,9% vivem em domicílios com renda per capita de até ½ salário mínimo (UNICEF, abril 2021).
Em relação aos indicadores de desempenho dos estudantes da rede municipal no IDEB, evidencia-se uma situação desfavorável frente à rede pública do Estado que merece atenção especial.
O Município, para os anos iniciais tem, historicamente, apresentado resultados piores do que os das redes estadual e pública de ensino, ainda que em 2017 e 2019 a meta projetada tenha sido atingida. Nos anos finais, embora com um salto positivo de desempenho, os resultados mostram-se, assim como os das demais redes de ensino, muito abaixo da meta projetada. Certamente os indicadores de retenção e evasão escolar interferem negativamente nos resultados apresentados.
Os dados constantes nesta Recomendação reafirmam a necessidade de repensar a organização do ensino fundamental e médio para garantir os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento propostos no Currículo da Cidade. É preciso rever a organização dos tempos, espaços, recursos - inclusive tecnológicos - das diferentes formas de agrupamento dos alunos, das propostas de reforço e recuperação, de aceleração de estudos, com o objetivo de reduzir os índices de distorção idade/série e garantir a trajetória escolar dos estudantes.
No entanto, não basta a escola ou o sistema encontrar o estudante e convencê-lo a retomar seus estudos. É preciso muito mais. É preciso que ele retorne e permaneça na escola para conclusão dos estudos. Para tanto, cada equipe educacional deverá elaborar estratégias diversificadas considerando as especificidades da unidade escolar e as características e possiblidades dos estudantes.
Na concretização do direito à educação e à aprendizagem, o oferecimento de diferentes formas de organização dos sistemas de ensino e das escolas, já garantidas na LDB e outros marcos legais, impactará de maneira positiva a trajetória escolar de crianças, jovens e adultos.
A flexibilização da organização, favorecerá o tripé: acesso, permanência e aprendizagem com qualidade, combatendo efetivamente a evasão e a defasagem idade-série. Nesta Recomendação serão propostas diferentes possibilidades de organização escolar, organização curricular e uso dos tempos e espaços.
3. Autonomia para a Organização Escolar
Muitos procedimentos/possibilidades propostos no artigo 23 e incisos já estão previstos nos Regimentos Educacionais e são utilizados pelas equipes educacionais, tais como:
a. Classificação de alunos, conforme inciso II do artigo 24:
Art. 24... inciso II a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:
a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;
b) por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;
c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;
b. Reclassificação, conforme parágrafo 1º do artigo 23:
Art. 23... §1º A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.
c. Avaliação e Reforço/Recuperação de acordo alínea e, do inciso V do artigo 24
Art. 24.... V.... e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos.
É importante observar que o oferecimento de estudo de recuperação é obrigatório em todas as etapas e modalidades de ensino.
Devido à grande importância do reforço e da recuperação das aprendizagens na trajetória dos estudantes, faz-se mister registrar aqui que além do já garantido a toda Unidade, no referente ao oferecimento de recuperação, foram oferecidas várias propostas, na Rede Municipal no período de 2006 a 2013, com vistas à correção do fluxo escolar. Experiências exitosas de recuperação e consolidação das aprendizagens na idade adequada como os projetos "Toda força ao 1º ano do Ciclo I"; "Projeto Intensivo no Ciclo I - PIC" e "Ler e escrever em todas as áreas do Ciclo II", do “Programa Ler e Escrever - prioridade na Escola Municipal", procuraram reverter o quadro de fracasso escolar ocasionado pelo analfabetismo e pela alfabetização precária dos alunos do Ensino Fundamental e Médio da Rede Municipal de Ensino.
O Projeto “Toda Força no 1º ano” tinha o objetivo de criar condições adequadas para garantir a aprendizagem da leitura e da escrita a todos os alunos ao final do primeiro ano do Ciclo I. O “Projeto Intensivo no Ciclo I – PIC”, destinado aos alunos retidos de 4º ano do Ciclo I, buscava reverter o quadro de fracasso escolar nessa etapa da escolarização. Propunha várias estratégias para melhorar a relação do aluno com o processo de ensino e de aprendizagem, apropriando-se dos conteúdos básicos desse Ciclo e, assim, estar preparado para continuar aprendendo no Ciclo II.
Em 2007, considerando os resultados positivos alcançados com a implantação do PIC nos 4ºs anos, o programa foi reorganizado e, a partir de 2008, o Projeto Intensivo no Ciclo I- PIC- 3º ano, destinou-se à recuperação intensiva dos conteúdos curriculares fundamentais para os alunos que chegaram ao final do 2º ano do Ciclo I sem o suficiente avanço na alfabetização.
Certamente esses projetos contribuíram para o aumento significativo dos indicadores de desempenho dos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental.
Nesse sentido, a critério da SME, poderão, em períodos de férias, serem oferecidos estudos de reforço e recuperação, bem como atividades de compensação de ausências.
4. Flexibilização da organização curricular com dinamização da trajetória escolar
As aprendizagens a serem desenvolvidas pelos estudantes têm como referência as BNCC, as Diretrizes Curriculares Nacionais, as diretrizes de cada sistema de ensino e o Currículo da Cidade.
É a partir do conjunto de Componentes Curriculares, que orientam as aprendizagens essenciais e obrigatórias em cada etapa da educação básica, bem como em cada ciclo do ensino fundamental, que a equipe da escola construirá seu Projeto Pedagógico e organizará sua Matriz Curricular. Desse modo a Matriz Curricular deverá estar presente no Projeto Pedagógico da Unidade Educacional que identifica as características, necessidades e possibilidades para proporcionar um conjunto de propostas pedagógicas diferenciadas e permitir o acesso, permanência, progressão e conclusão da escolaridade obrigatória, com qualidade, de modo a interromper a dinâmica de reprovação, abandono e exclusão e potencializar a trajetória educacional com sucesso dos estudantes.
4.1. Em 2020, o Conselho editou a Recomendação CME nº 03/2020 e Resolução CME 03/2020 aprovadas pela SME que indicavam possibilidades de flexibilização para as Unidades Educacionais construírem propostas diversificadas de organização pedagógica.
A Secretaria Municipal de Educação, por meio de Instruções Normativas, proporciona recursos diversos, de diferentes naturezas, para que cada Unidade Educacional estabeleça suas formas de gestão pedagógica e de organização curricular, dos tempos e dos espaços, coerente com seu Projeto Pedagógico possibilitando:
a. criação de turmas, com estudantes de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, uso da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e outros, considerando o público atendido, as características dos estudantes, suas possibilidades e interesses. Garantida no inciso IV do artigo 23 da LDB,
IV - poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares;
b. espaços educacionais alternativos e acolhedores não limitados aos espaços de sala de aula ou da escola, planejados e registrados no Projeto Pedagógico da Unidade, desde que seja no interesse da aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes;
c. alternância dos tempos escolares com diferentes formas de distribuição de aulas pelas semanas, semestres ou ano letivo ou ainda por meio de blocos alternados, bimestrais, semestrais ou anuais;
d. trabalho interdisciplinar por área de forma a reforçar os conhecimentos dos diferentes componentes curriculares, tendo como eixos a língua portuguesa e matemática para desenvolvimento de projetos curriculares, bem como o trabalho colaborativo de autoria - TCA para o ciclo autoral, que objetiva a mobilização dos conhecimentos e habilidades presentes na matriz de saberes, o protagonismo dos estudantes e a aplicação prática das competências desenvolvidas ao longo do Ensino Fundamental.
e. organização de horário que possibilite a divisão de turmas para aulas práticas.
4.2. Além das alternativas descritas anteriormente, a LDB, nos artigos 23 e 24, adiciona outras com o objetivo de possibilitar o sucesso das aprendizagens e do percurso escolar dos estudantes, a seguir, relacionadas.
a. Organização do Ensino Fundamental em 3 Ciclos na Rede Municipal
No município de São Paulo, o Decreto 54.452 de 10/10/13, com base no parágrafo §2º do artigo 32 da LDB, estabeleceu em seu artigo 4º, parágrafo 3º
Art. 4º... § 3º O currículo no ensino fundamental terá a duração de 9 (nove) anos e deverá ser organizado em 3 (três) ciclos de aprendizagem, assim especificados:
I - ciclo de alfabetização: do 1º ao 3º ano;
II - ciclo interdisciplinar: do 4º ao 6º ano;
III - ciclo autoral: do 7º ao 9º ano.
Desde 2013, o ensino fundamental da rede municipal da capital encontra-se organizado em 3 ciclos, garantindo ao estudante o período de 3 anos para a aquisição das aprendizagens essenciais de cada ciclo. Após o ciclo de 3 anos e garantida a oferta, pela unidade educacional, de reforço e recuperação, se não houver domínio suficiente das aprendizagens essenciais do ciclo, outros institutos legais, a serem apontados na presente Recomendação, são importantes para romper com a cultura do fracasso escolar.
Em relação à implementação de ciclos nas redes públicas, cabe assinalar que foi sempre objeto de acaloradas discussões e de posições a favor e contra. A grande justificativa dos ciclos repousou sistematicamente na importância de possibilitarem “tempo e espaço” para o estudante avançar em sua aprendizagem além do arbitrariamente cunhado como “ideal”, o de um ano calendário. Os diferentes estudos e pesquisas sobre o processo de aprendizagem, relacionados no início desta Recomendação, ressaltam, exaustivamente, que é preciso levar em conta as diferenças individuais e sociais de cada estudante. Entretanto, isso não ocorre em relação à reprovação escolar e à rigidez de conteúdos escolares a serem adquiridos no espaço de um ano. Muitas vezes um estudante é obrigado a retroceder um ano escolar, comprometendo sua confiança como aprendiz, porque não dominou alguns poucos conteúdos, competências e habilidades relacionadas na matriz curricular.
Desde 1968 o Estado de São Paulo iniciou a experiência de ciclos, seguida por nova tentativa em 1985, que ocorreu, de forma simultânea, em vários estados brasileiros. Mas a experiência de organizar em três ciclos todo o ensino fundamental aconteceu, pela primeira vez, em 1992, na rede municipal de ensino da capital, como bem relata Cortella (2002) em seu artigo “Aprendizagem em ciclos: repercussão da política pública voltada para a cidadania”.
A partir de 1995, com a nova LDB os ciclos foram adotados por um grande número de estados brasileiros, alcançando milhões de alunos, o que levaria o MEC a identificá-los e avaliar o desempenho desses alunos no SAEB1. Em 2004, foram publicados resultados de pesquisa (Menezes Filho & Vasconcellos) com base nos resultados do SAEB, analisando e comparando os efeitos da reprovação e evasão no desempenho escolar dos alunos no sistema de progressão continuada em ciclos, com os dos estudantes do sistema seriado, ou seja, com repetência em todas as séries.
A pesquisa mostrou que o desempenho dos alunos na 4ª. série, ou seja, no final do Ciclo I, à época, era semelhante ao dos alunos do sistema de repetência série a série. Portanto, o seu aprendizado não havia sido comprometido pela ausência de repetência. Além disso, a pesquisa evidenciou que a taxa de evasão no regime de ciclos era muito mais baixa o que aumentava significativamente a probabilidade dos alunos dos ciclos concluírem tanto o ensino fundamental como o médio.
Em junho de 2002, o Fórum de Debates “Progressão Continuada: Compromisso com a Aprendizagem” trazia manifestações de vários educadores ressaltando a importância da organização de ciclos na inclusão e permanência dos estudantes na escola. Nesse encontro, Cortella (2202) aponta, em sua palestra, o caminho a ser trilhado: “A ideia dos ciclos não pode ser desqualificada. Isto é, nós, aqueles e aquelas que estamos atuando seriamente em educação, não podemos ser irresponsáveis, não podemos deixar morrer uma das ideias mais importantes para o trabalho pedagógico no momento moderno. ... Não se pode negar, de maneira alguma, deixar de perceber que as comunidades escolares – pais, alunos, professores, funcionários – tem dificuldades com isso. Mas, não significa que a gente deva abandonar a ideia. ... É preciso dar um basta ao pedagocídio nas escolas públicas”.
Nessa mesma direção, Dillon Soares (2007) em pesquisa inédita para o IPEA, sobre repetência no contexto internacional, conclui: “A interpretação é clara: Não há nenhuma evidência de que a adoção de políticas de progressão continuada tenha qualquer impacto negativo sobre o aprendizado”.
Finalmente, vale lembrar o estudo histórico sobre a repetência feito por Celso Vasconcelos, em 2007, no qual conclui: “reafirmamos nossa convicção de que a organização da escola em Ciclos é uma das mais avançadas formas de proposta curricular que conseguimos concretizar em grande escala na atualidade, dentro de um projeto de emancipação humana”.
b. Aceleração de Estudos, previsto nas alíneas b) e c) do inciso V do artigo 24
Art. 24.... V.... b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;
c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;
Com base no índice de distorção idade/série, a unidade educacional poderá promover a aceleração de estudos por meio da organização de turmas específicas para este fim.
A aceleração de estudos foi uma das experiências mais exitosas no Brasil para enfrentar a distorção idade/série. Possibilitava aos estudantes, vítimas de diversas repetências ou que haviam abandonado a escola por algum período, estudarem com o apoio de metodologias e materiais mais adequados a seu desenvolvimento cognitivo e sócio emocional, de modo a vencer mais rapidamente os diferentes níveis de ensino. São Paulo e Paraná (CENPEC, 1997; 1998) desenvolveram materiais e capacitação docente específicos que foram adotados, adaptados e aplicados em vários estados do Brasil afora. Além disso, o Ministério da Educação patrocinou uma nova proposta e colocou à disposição dos Estados materiais e recursos para formação em serviço dos professores.
As experiências dos programas de classes de aceleração para correção do fluxo escolar dos diversos estados foram relatadas numa instigante publicação do MEC, a revista Em Aberto (2000). Várias pesquisas e estudos também apontaram a importância das classes de aceleração no autoconceito e autoimagem dos alunos, entre elas, cabe destacar a avaliação elaborada pela PUC/SP (1998) e a de Izecson e Marinho (1998) sobre percepção dos professores.
Cabe destacar que entre 1998 e 2001 os alunos das classes de aceleração da rede estadual paulista tiveram seu desempenho avaliado pelo SARESP – Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar - juntamente com os das demais escolas da rede estadual paulista. Os resultados revelaram que o desempenho dos alunos dessas classes era superior ao dos repetentes e multirrepetentes que não haviam sido atendidos pelo projeto. Outros estudos avaliativos das classes de aceleração também foram efetuados por outras instituições (PUC) e pesquisadores (PLACCO; ANDRÉ; ALMEIDA).
Em 2003, cerca de 400mil estudantes em São Paulo e 3 milhões no Brasil haviam vivenciado uma trajetória de sucesso em classes de aceleração, ocasionando uma queda significativa na distorção idade/série no país. Esses dados tornam inexplicável o abandono das classes de aceleração num país onde estados e municípios ainda congregam milhares e milhares de alunos fora da faixa etária correta e correndo sérios riscos de abandonarem os estudos.
c. Aproveitamento de Estudos Concluídos com Êxito, previsto na alínea d, inciso V do artigo 24
Art. 24.... V.... d) possibilidade de aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
Para o estudante que em determinado período escolar, não apresentar desempenho satisfatório em um ou até dois componentes curriculares, há que se possibilitar o aproveitamento do estudo dos componentes concluídos com sucesso.
Nesse sentido, a flexibilização dos tempos e espaços é fundamental pois possibilita a continuidade do percurso escolar de cada estudante, com o aproveitamento daquilo que ele já aprendeu. Como enfatiza Paulo Freire, “não podemos ensinar aquilo que a criança, o adolescente, o jovem e o adulto já sabem”. Fazê-los cursar áreas e componentes já concluídos com sucesso, nos quais já conta com habilidades e conhecimentos adquiridos, mostra-se um ato de violência cognitiva que não pode persistir.
Para garantir as aprendizagens essenciais nos componentes não concluídos com êxito poderão ser ofertadas várias formas de recuperação: no período de férias escolares ou, concomitantemente à etapa seguinte, na forma de recuperação paralela ou por meio do ensino remoto, lançando mão das novas possibilidades apontadas pelo ensino híbrido.
d. Matrícula por componente curricular/área de conhecimento, conforme inciso III do Artigo 24
Art. 24... III. nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a sequência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino;
Finalmente, considerando o instituto de Aproveitamento de Estudos, em especial para os estudantes de anos finais do ensino fundamental, inclusive de Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio, há que se prever a possibilidade da progressão parcial com matrícula por componente curricular/área de conhecimento.
II. CONCLUSÃO
De acordo com o ideário especificado neste documento, o Conselho Municipal de Educação, cumprindo seu papel de zelar pela aprendizagem e sucesso dos estudantes da rede Municipal de Ensino, apresenta esta Proposta de Recomendação.
Recomenda-se à SME com o apoio das diferentes equipes regionais mobilizar as unidades escolares no uso dos diferentes institutos legais presentes na LDB para a organização pedagógica, dos tempos e dos espaços, sempre na garantia da aprendizagem e correção do fluxo escolar para os estudantes da educação básica nas diferentes etapas e modalidades do ensino fundamental e médio.
III. DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
O Conselho Municipal de Educação aprova, por unanimidade, a presente Recomendação.
Sala do Plenário, em 13 de julho de 2021.
____________________________________
Conselheira Karen Martins de Andrade
No Exercício da Presidência
Conselho Municipal de Educação – CME
FUNDAMENTAÇÕES LEGAIS
- Lei Federal 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
- Base Nacional Comum Curricular – BNCC – aprovada pela Resolução CNE/CEB 02/2017.
- Decreto nº 54.452, de 10/10/2013 - Institui, na Secretaria Municipal de Educação, o Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino - Mais Educação São Paulo.
- Portaria SME nº 6328/05 - Institui, para o ano de 2006, o Programa "Ler e escrever - prioridade na Escola Municipal", nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental - EMEFs e Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio - EMEFMs.
- Portaria SME nº 5403/07 - Reorganiza o Programa "Ler e Escrever- Prioridade na Escola Municipal" nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental- EMEFs, Escolas Municipais de Ensino
- Indicação CEE nº 180/2019 CE de 19/06/2019 sobre “Procedimentos de flexibilização da trajetória escolar e certificação curricular: garantia à educação e à aprendizagem”.
- Recomendação CME 03/2020 e Resolução CME 03/2020 de Normas para construção, análise e aprovação de projetos especiais/experimentais de Unidades Educacionais da Rede Municipal de Ensino.
- Parecer CME 10/2020 que trata do Currículo da Cidade - Destaques na ótica do Conselho Municipal de Educação São Paulo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO) – Programa de correção do fluxo escolar. Em Aberto. Nº. 71, v.17. MEC/INEP. Brasília, 2000
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Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo