Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 380/99
OF ATL nº 718/03
Senhor Presidente
Acusando o recebimento do Ofício nº 18/Leg. 3/0615/2003, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autentica do Projeto de Lei nº 380/99, de autoria do Vereador Milton Leite, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão do dia 21 de outubro do corrente ano, que objetiva introduzir alterações na sistemática de concessão de licença de localização e funcionamento, sirvo-me do presente para, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica deste Município, comunicar a minha deliberação pelo veto total a essa propositura, na conformidade das razões a seguir expendidas.
De acordo com o texto aprovado, a licença de localização e funcionamento deverá ser concedida no prazo de 5 (cinco) dias, contados da emissão do protocolo do respectivo requerimento (art. 1º). Ainda em consonância com a propositura, na falta de qualquer documento exigível em cada caso concreto, conforme as diferentes categorias, será ela expedida mediante termo de responsabilidade assinado pelo requerente, comprometendo-se este a apresentar a documentação faltante no prazo de até 120 (cento e vinte) dias, sob pena de nulidade da licença nesses moldes concedida, não se aplicando tal procedimento antecipatório apenas e tão só às empresas que fabriquem ou comercializem produtos controlados, bem como às boates e estabelecimentos assemelhados (arts. 2º, 3º, 4º e 7º). Por fim, prevê a mensagem a obrigatoriedade da Prefeitura comunicar ao interessado, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a impossibilidade de concessão de licença de localização e funcionamento na forma do artigo 1º, declinando os motivos que a ensejam. Determina, de outro lado, a apuração, por meio de sindicância interna, de eventuais responsabilidades pelo atraso na expedição da licença (arts. 5º e 6º).
Ocorre que, não obstante os meritórios propósitos que certamente motivaram o seu autor, a mensagem aprovada é inconstitucional e contrária ao interesse público.
Por primeiro, cumpre evidenciar que a expedição de licença de localização e funcionamento, decorrente do exercício do poder de polícia sobre as condições de uso e ocupação do solo, constitui matéria relacionada à organização administrativa e à prestação de serviços públicos, cuja iniciativa legislativa encontra-se privativamente atribuída ao Chefe do Executivo, nos termos do artigo 37, § 2º, inciso IV, combinado com o artigo 70, incisos VIII e XIV, ambos da Lei Orgânica. Verificada, pois, a invasão, pelo Legislativo, de competência legalmente afetada ao Executivo, resta afrontado o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consignado no artigo 2º da Constituição da República e transposto para a órbita do Município na forma do artigo 6º de sua Lei Maior.
A esse respeito, preleciona o insigne constitucionalista CELSO RIBEIRO BASTOS (“in” curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, 11ª edição, S. Paulo – 1999, obra reformulada de acordo com a Constituição Federal de 1988, p. 149), que “Ao contemplar tal princípio, o constituinte teve por objetivo – tirante as funções atípicas previstas pela própria Constituição - não permitir que um dos “poderes” se arrogue o direito de interferir nas competências alheias, portanto não permitindo, por exemplo, que o Executivo passe a legislar e também julgar ou o Legislativo, que tem por competência a produção normativa, aplique a lei ao caso concreto”.
No mérito, a inconstitucionalidade atinge de modo especial o artigo 1º da propositura, por inviabilizar o atuação do poder de polícia administrativa na matéria pertinente ao uso e ocupação do território do Município, e, nesse sentido, confrontar a supremacia do Estado, contrariando o princípio constitucional da soberania estatal (Const. Federal, artigo 1º, inciso I).
De fato, levando-se em consideração a circunstância de que a Cidade de São Paulo, em razão da magnitude, dinâmica e complexidade de seus problemas, reclama infinita, eficiente e eficaz atuação do Poder Público local, não é difícil concluir que o prazo de 5 (cinco) dias para expedição de licença de localização e funcionamento, previsto no artigo 1º do texto aprovado, será insuficiente para a adoção, com segurança, das providências administrativas tendentes àquela expedição, especialmente nos casos de maior relevância e interesse público, como, por exemplo, o funcionamento de postos de armazenamento e abastecimento de combustíveis, o exercício de atividades que ocasionem danos ao meio ambiente, o uso e ocupação de edificações destinadas à prestação de serviços de saúde e outras situações, inviabilizando por completo o seu controle e fiscalização pela Administração, com conseqüências nefastas para o bem comum.
A inconstitucionalidade atinge, também, o disposto no artigo 2º da mensagem ora vetada, por impedir, de igual modo, o prévio exercício do poder de polícia administrativa na área em apreço.
Realmente, decorre a licença de localização e funcionamento, na prática administrativa materializada por meio do “Auto de Licença e Funcionamento” e do “Alvará de Funcionamento” (consoante o disposto na Lei nº 10.205/86 e Ato nº 1.154/36, bem assim no Decreto nº 15.636/78, alterado pelo Decreto nº 24.636/87), de prévia manifestação da Administração, favorável à pretensão do administrado, quanto à ocupação ou utilização de determinado imóvel para instalação e funcionamento de atividades comerciais, industriais, institucionais, de prestação de serviços e similares, em conformidade com as normas em vigor, especialmente as concernentes ao parcelamento, uso e ocupação do solo, à segurança, higiene e sossego públicos. Na lição do festejado administrativista HELY LOPES MEIRELLES, “Licença é o ato administrativo, vinculado e definitivo, pelo qual o Poder Público, verificando que o interessado atendeu a todas as exigências legais, faculta-lhe o desempenho de atividades ou a realização de fatos materiais antes vedados ao particular, como, por exemplo, o exercício de uma profissão, a construção de um edifício em terreno próprio. A licença (...), uma vez expedida, traz a presunção de definitividade” (“in” Direito Administrativa Brasileiro, Malheiros Editores, 19ª ed., São Paulo – 1990 – p. 170).
Finalmente, também a existência de contrariedade ao interesse público justificaria o veto integral ao projeto de lei. Por um lado, ao introduzir regulamentação incompatível com o instituto da licença, não se amolda ao sistema jurídico-positivo vigente, representando elemento de incerteza em lugar da promoção da segurança, que é um dos fins de todas as leis. Por outro, abre-se a via dos litígios ao permitir a expedição de licenças precárias, com duração de até 120 (cento e vinte) dias, que, ao depois, poderá ser “anulada” ou “declarada nula” (“sob pena de nulidade”), dando ensejo ao surgimento de indagações sobre a responsabilidade civil do Estado, por danos materiais e morais eventualmente suportados por particulares determinados (beneficiário da licença ou terceiros) ou sujeitos de direitos indeterminados (violação do direito difuso representado pela preservação da ordem urbanística).
Nessas condições, demonstrada a inconstitucionalidade e a contrariedade da medida ao interesse público, vejo-me na contingência de vetá-la integralmente, devolvendo o assunto ao reexame dessa E. Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de consideração e apreço.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao
Excelentíssimo Senhor
ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo