processo n° 6021.2019/0026737-4
INTERESSADA: Rosângela Batista
ASSUNTO: Ação de usucapião. Proc. n. 1126201-55.2016.8.26.0100. 2° Vara de Registros Públicos
Informação n. 541/2020-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador Geral
Trata o presente de acompanhar ação de usucapião relativa a lote situado na Rua Bezerros, n. 40, Vila Cisper.
Foi obtida a informação de que o imóvel estaria compreendido na gleba objeto do loteamento denominado Villa Sylvia, correspondente ao ARR 4889, inscrito sob o n. 96 no 7° Cartório de Registro de Imóveis (cf. croqui 100429, doc. 018845276).
CASE juntou cópia da planta do referido arruamento (doc. 018923015) e da respectiva ficha cadastral (doc. 018923107).
Foram anexadas cópias de laudo pericial e de informações prestadas serventia predial em relação a ação de usucapião anterior, ajuizada em 2010 pela mesma autora (doc. 022846084). Conforme consta dessa documentação, o Oficial do 12° Registro havia informado que o imóvel, objeto da matrícula n. 19.073, em nome de Albertina dos Anjos Aragão Pinto (fls. 31; 38/39), pertence a loteamento não registrado nem regularizado (fls. 41/43), objeto de planta particular (fls. 45). Naquela ocasião, a Municipalidade havia manifestado desinteresse quanto ao pedido (fls. 28). A informação da serventia predial foi ratificada para o processo em curso (fls. 48/51; 63).
DEMAP-3 elaborou estudo de sobreposição em que se comparou o imóvel usucapiendo com o MDC, GEGRAN e ARR 4889 (doc. 023118930), solicitando manifestação de DEMAP-12 quanto a se o referido plano deve ser ou não considerado para fim de identificação de interferência com próprios municipais (doc. 023118930).
Em seguida, foram solicitadas informações de CRF quanto à possível incidência da chamada regularização sumária em relação ao loteamento (doc. 023253395).
A Coordenadoria informou, então, que o loteamento denominado Villa Sylvia, aprovado e inscrito, objeto do p.a. n. 1980-0.010.504-7, foi implantado em desacordo com o plano aprovado e apresenta situação de extrema complexidade para se adequar à situação de fato às exigências legais, não havendo no momento plano de regularização para o loteamento como um todo. Observou-se, ainda, que "qualquer sentença no processo de usucapião não prejudica a regularização, visto que o lote usucapido será destacado na planta de área urbanizada (planta AU), quando da finalização da regularização" (doc. 023459635).
O Procurador oficiante destacou que, conforme informado por DEMAP-3, somente haveria possibilidade de interferência com próprios municipais se considerada válida a planta do arruamento. Por outro lado, o imóvel usucapiendo corresponderia a matrícula existente e a interferência se basearia em loteamento não aprovado e não registrado. Em se tratando de loteamento não registrado nem aprovado, em fase de regularização, não seria justificada uma impugnação ao pedido (doc. 023859362).
Em seguida, DEMAP-3 apontou que o loteamento foi implantado em desconformidade com o ARR 4889, podendo essa desconformidade ser observada no levantamento GEGRAN, o qual não é coincidente com o levantamento constante do MDC. Por outro lado, a planta referente ao imóvel usucapiendo só é coincidente com este último, havendo uma pequena construção no levantamento GEGRAN, que não coincide com o lote usucapiendo (doc. 024001991).
Tendo o Procurador oficiante reiterado a proposta de manifestação de desinteresse (doc. 024177511), a Diretoria de DEMAP solicitou novas informações a PARHIS (doc. 024242954).
Aquela Coordenadoria juntou cópia da ficha cadastral do loteamento (doc. 024706213), esclarecendo que sua implantação se mostrava incipiente em 1974, embora o lote estivesse então caracterizado. De todo modo, não haveria como afirmar a implantação anterior a 19.12.1979, porque não consta documento formal de aprovação ou aceitação do parcelamento. Atualmente o loteamento estaria consolidado e integrado à malha urbana (doc. 024706429).
Posteriormente, em vista de nova provocação de DEMAP, baseada em sobreposição feita com o levantamento EMPLASA (doc. 024906351), PARHIS voltou a afirmar que, na ausência de documento formal relativo à aprovação ou aceitação do parcelamento, não seria possível afirmar com certeza que a implantação seria anterior a 1979, embora tenha sido possível verificar que em 1980 as ruas estavam implantadas, de modo diverso daquele que constou do ARR 4889 (doc. 025005327).
DEMAP-G obteve, ainda, cópia da certidão de inscrição do loteamento Villa Sylvia (doc. 025043497), que foi comparada planta do ARR 4889, tendo DEMAP-3 identificado quadras e lotes que constam da inscrição e não foram encontradas na planta do arruamento, informando, ainda, que a comparação com o GEGRAN não indica interferência com via pública (doc. 025228728).
Na sequência, CRF esclareceu que a planta do ARR 4489 é composta de duas pranchas, tendo CASE juntado aos autos somente a prancha do trecho em que o lote usucapiendo está localizado (doc. 026506282). Resolvendo a questão, CASE juntou também a outra prancha (doc. 028287664).
A Diretoria de DEMAP entendeu, ao final, que o levantamento GEGRAN não indica alinhamento predial definido no local e que a construção existente não coincide com a planta do lote usucapiendo, de modo que não seria aplicável ao presente o entendimento constante da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, já que a irregularidade não estaria consumada antes em 1979 no trecho em questão. Não obstante, seria aplicável ao caso o art. 102 da Lei n. 16.642/17, nos termos do parecer objeto da Ementa n. 12.088 - PGM-AJC, pois a via se encontra livre e desimpedida e o lote observa o alinhamento definido no local, coincidente com o levantamento constante do MDC. Além disso, a Rua Bezerros seria oficial, nos termos do Decreto n. 30.796/91 e da Lei n. 7.180/68. No entanto, submete o caso à consideração superior, para confirmação de que os elementos observados seriam suficientes à aplicação do referido dispositivo (doc. 028343710).
É o breve relatório.
Embora realmente se trate de um caso em que a conformação fática superveniente tornou superado o projeto inicial, estando o alinhamento atualmente definido nos termos do art. 102 da Lei n. 16.642/17, não parece apropriado afirmar que o equacionamento das questões dominiais envolvidas tenha ocorrido somente com o advento do dispositivo em questão, na forma descrita pelo parecer objeto da Ementa n. 12.088 - PGM-AJC.
Na verdade, a questão que se coloca diz respeito à possibilidade de que seja sustentada interferência com próprios municipais com base na planta correspondente ao ARR 4889. No passado, no âmbito do p.a. 2011-0.366.252-6, DEMAP chegou até a propor fosse a planta desconsiderada, o que foi rejeitado por esta Assessoria (Informação n. 1.643/12 - PGM-AJC). No entanto, os elementos colhidos no presente expediente possibilitam a adoção de conclusão diversa.
A situação dos autos é bastante peculiar, pois a interferência apurada não se deve a uma falha pontual na implantação de um logradouro ou a uma imprecisão na alocação de vias e quadras, que tenha gerado meras distorções no parcelamento implantado. Como se pode observar na sobreposição efetuada (doc. 023118866), a realidade implantada é totalmente diversa daquela correspondente ao loteamento aprovado e inscrito.
Não há como negar as fragilidades da documentação relativa a esses atos. De uma parte, a ficha relativa à aprovação é bastante incipiente, não oferecendo elementos mínimos no sentido de garantir sua consistência sob o ponto de vista jurídico. Já a inscrição, que chegou a ser ignorada pelo 12° Oficial de Registro de Imóveis, até porque não constitui a origem dos registros existentes no local, está certificada na cópia dessa planta por meio de uma anotação manuscrita, de difícil leitura (doc. 028287664, na parte central, abaixo).
A planta aprovada remonta ao ano de 1925, o que levaria até mesmo a de questionar a possibilidade de aquisição do domínio das vias segundo o projeto, pois não havia fundamento legal, na ocasião, para a aquisição de domínio em caráter formal, por força da aprovação do parcelamento do solo (cf. Ementas n. 12.098 e n. 11.773 - PGM-AJC, com remissão às Informações n. 783/2013, 465/2014 e 1066/2014 - SNJ.G). Não obstante, como a inscrição se deu com base na mesma planta, seria o caso de entender reiterada em 1939, ano da inscrição, a destinação das áreas ao uso público ali prevista.
Entretanto, o loteamento passou décadas sem ser implantado, conforme se pode observar no levantamento VASP, de 1954. Por outro lado, ao menos no trecho em questão, ao ser implantado, o loteamento seguiu a planta particular arquivada no Registro de Imóveis (doc. 022846084, fls. 45 e 63), e não o plano inscrito.
Diante desse cenário, em que o desenho de vias, quadras e lotes implantados em nada se assemelha ao plano original, e não havendo uma relação alguma entre as unidades imobiliárias registradas e a inscrição do antigo parcelamento, afasta-se toda e qualquer relação entre o loteamento aprovado e o efetivamente executado. São, na verdade, loteamentos distintos. De fato, houve uma aprovação e uma inscrição, ambas em tempos remotos. Décadas depois, houve a implantação de outro loteamento, informal, segundo uma planta arquivada no registro de imóveis, conforme expressamente informado pela serventia predial.
Nessas circunstâncias, não parece viável pretender que a situação jurídica do parcelamento original se imponha ao parcelamento executado. Isso significaria, em tese, que qualquer parcelamento, uma vez aprovado, geraria efeitos jurídicos que se imporiam por décadas, sujeitando qualquer forma de urbanização sucessiva. Isso não parece ferir somente o bom senso, mas as próprias estruturas jurídicas que moldam os processos de controle urbanístico.
De fato, qualquer ato de aprovação seus efeitos limitados por um prazo. Se o parcelamento é aprovado em 1925 e somente é executado décadas depois, é muito provável que essa implantação não tenha relação alguma com uma licença vigente, já que a licença expedida tende a ter sido atingida pela caducidade. Quando a execução, além disso, em nada se alinha à aprovação anterior, fica claro que o parcelamento posterior foi feito sem apoio algum no licenciamento precedente. Diante da falta de identidade entre o parcelamento executado e aquele que havia sido objeto de aprovação, parece indiscutível que este último nunca foi implantado, tendo sido, assim, colhido pela caducidade.
Note-se: para o reconhecimento da caducidade de uma licença, não é necessário que a gleba ainda esteja em estado bruto, ou seja, que nenhum parcelamento tenha sido ali executado. O que importa é que o parcelamento licenciado não tenha sido executado. No caso presente, isso é amplamente caracterizado pela total incompatibilidade entre a situação projetada e a implantada, o que leva simplesmente à conclusão de que se o parcelamento executado não foi aquele objeto de aprovação e inscrição.
Com a caducidade, a situação jurídica dessa quadra retornou à situação anterior à aprovação do loteamento, inclusive no tocante aos efeitos patrimoniais de tal licenciamento em favor da Municipalidade. Conforme já se observou na fundamentação do parecer ementado sob o n. 11.773 - PGM.AJC:
(...) Com efeito, os atos formais de aprovação, inscrição e registro de parcelamento são aptos a gerar o domínio, por parte do Município, das áreas públicas previstas no respectivo plano. Essa configuração, contudo, como visto, tem um caráter resolúvel, podendo ser alterada por força da caducidade do parcelamento ou de sua regularização. Assim, a aprovação, inscrição ou registro do parcelamento dão início a uma situação transitória, mas eficaz, de domínio público, segundo a configuração ali estabelecida. Não executado o parcelamento, verifica-se sua caducidade, de modo que a configuração dominial projetada já não prevalece (...)[1].
Com a caducidade, a situação jurídica dessa quadra retornou à situação anterior à aprovação do loteamento, inclusive no tocante aos efeitos patrimoniais de tal licenciamento em favor da Municipalidade. Em outras palavras: não tendo sido implantado o loteamento, foi resolvida a situação dominial resultante de sua aprovação, que não pode, assim, ser considerada apta a sustentar o domínio público sobre as áreas ali previstas como tais.
A interpretação da situação jurídica atual, portanto, não deve dar-se à luz do parcelamento aprovado e inscrito, mas daquele que foi efetivamente implantado, segundo a configuração da planta informalmente arquivada. E este parcelamento, por ser informal, não está submetido a projeto algum, especialmente no tocante à configuração das áreas públicas (Ementa n. 11.881 - PGM-AJC).
Conforme se observou no parecer objeto da Ementa n. 11.892 - PGM-AJC:
Ementa: Via projetada constante de plano de parcelamento aprovado, atingido pela caducidade. Posterior implantação. Impossibilidade de fazer valer a configuração das áreas públicas previstas no plano aprovado.
(... )
Dessa forma, o que existe, na verdade, é um loteamento totalmente irregular, executado sem base em aprovação de alguma. Embora a execução do parcelamento guarde semelhanças com o anterior, não é possível afirmar que o loteador tenha efetuado a destinação de vias nos termos da aprovação anterior, sem que haja um ato jurídico válido associado a um elemento gráfico apto a servir de base para tal confrontação. Sem um ato formal em vigor, que possa servir como oferta relativa ao concurso voluntário, somente podem ser consideradas oferecidas as áreas públicas correspondentes às vias efetivamente abertas.
Com efeito, conforme já se observou, a utilização da configuração definida em plantas para a apuração das características do domínio municipal decorrente de parcelamentos do solo é uma possibilidade decorrente do regime instituído pelo Decreto Lei n. 58/37, mas não merece interpretação ampliatíva que permita a extensão desse regime aos loteamentos totalmente irregulares, que não tenham sido objeto de um ato formal de aprovação, inscrição, registro ou regularização. Por outro lado, a planta arquivada no cartório não pode ser adotada como fonte de efeitos jurídicos específicos. Na ausência de um ato jurídico correspondente - por exemplo, de aprovação, inscrição ou registro -, os logradouros existentes naquela região não se tornaram públicos por força do depósito dessa planta, mas simplesmente a partír da afetação, de acordo com a configuração fática efetivamente implantada (cf. Ementa n. 11.881 - PGM-AJC).
Assim, foi a caducidade da licença que extinguiu a propriedade resolúvel municipal sobre vias e áreas livres, e não a superveniência de uma situação de fato que tenham sido prestigiada pelo ordenamento jurídico, em prol da segurança jurídica, nos termos das Ementas n. 11.773 e 12.088 - PGM-AJC.
É claro que a questão da segurança jurídica assume importância indiscutível no caso presente, diante da existência de registros imobiliários incompatíveis com o plano aprovado - notadamente o lote usucapiendo, que é regularmente matriculado. Nesse contexto, certamente terceiros de boa fé teriam consistentes fundamentos jurídicos para a preservação da situação atual, pois adquiriram seus imóveis com base na confiança de que o fizeram de acordo com a melhor garantia formal disponível, que é o fato de os imóveis estarem regularmente matriculados (Ementa n. 11.991 - PGM-AJC). No entanto, as características do caso presente fazem com que não haja necessidade de invocar a segurança jurídica para afastar aspectos formais em favor da realidade prática. Na verdade, conforme demonstrado, a situação jurídico-formal, caracterizada pela execução fática de um loteamento objeto de planta informal, sobre o mesmo terreno que o loteamento objeto de uma aprovação anterior, afasta qualquer pretensão municipal referente a áreas projetadas como públicas no licenciamento atingido pela caducidade. Nesse contexto, igualmente, o entendimento objeto da Ementa n. 12.088 - PGM-AJC poderia ser invocado em caráter meramente argumentativo, mas não como a melhor razão jurídica para entender superada a situação decorrente da aprovação e inscrição do antigo parcelamento do solo.
Assim sendo, sugere-se o retorno do presente àquele Departamento, para que autorize a manifestação de desinteresse no feito.
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São Paulo, 14/05/2020.
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 173.027
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De acordo.
São Paulo, 15/05/2020.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC
OAB/SP 175.186
PGM
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processo n° 6021.2019/0026737-4
INTERESSADA: Rosângela Batista
ASSUNTO: Ação de usucapião. Proc. n. 1126201-55.2016.8.26.0100. 2° Vara de Registros Públicos
Cont. da Informação n. 541/2020-PGM.AJC
DEMAP
Senhor Diretor
Em atenção à consulta formulada, encaminho-lhe o presente, para prosseguimento, nos termos do parecer da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria, que acolho, no sentido da inexistência de fundamentos jurídicos para sustentar eventual impugnação da Municipalidade ao pedido.
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São Paulo, 15/05/2020.
TIAGO ROSSI
PROCURADOR DO MUNICÍPIO
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
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Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo