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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.991 de 8 de Maio de 2019

EMENTA N° 11.991
Alienação de lotes em áreas destinadas a espaços livres em projeto modificativo de parcelamento do solo. Obtenção de matrícula perante o Registro de Imóveis. Situação consolidada. Parcelamento em regularização. Necessidade de revisão da autorização para ajuizamento de ação reivindicatória.

processo n° 1985-0.001.912-3

INTERESSADO: Giosué Colombo.

ASSUNTO: Ação reivindicatória.

Informação n. 634/2019-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

O presente foi instaurado para instruir o ajuizamento de ação reivindicatória em relação aos espaços livres localizados nas quadras K e L do Loteamento Jardim Santa Maria, assim previstos nos termos do projeto modificativo objeto do alvará n. 2081, expedido em 24.05.1962, no âmbito do processo n. 89.738/62 (atual n. 1980-0.014.580).

Na verdade, tais espaços livres foram retalhados em lotes, alienados a terceiros, de acordo com a configuração original do parcelamento, que havia sido aprovada por meio do alvará de n. 2031, expedido em 09.01.1962, no processo n. 72.339/61 (atual n. 1980-0.015.332-7). Com isso, os espaços livres nunca foram entregues à Municipalidade, tendo sido objeto de ocupação por edificações de alvenaria há muitos anos (fls. 368).

Contudo, em 1974, a pedido do próprio loteador, os espaços livres haviam sido averbados como inalienáveis no registro imobiliário original (Transcrição n. 45.573, do 12° Cartório de Registro de Imóveis, números 22 e 23- fls. 37/38 e 521 v.). Até aquele momento, apenas haviam sido efetuadas vendas não registradas de lotes situados nesses espaços (fls. 31).

Alguns anos depois, sob o argumento de que a Municipalidade mantinha a tributação sobre os espaços livres, o loteador tentou desfazer judicialmente tais averbações (fls. 156/158), por meio de ação que, depois de contestada pela Urbe (fls. 62/66), foi extinta por inércia do autor (fls. 67). Apesar disso, o loteador acabou por firmar compromisso de compra e venda relativo a toda a transcrição original, incluindo os trechos destinados a espaços livres, com a ressalva de que a área já se encontrava compromissada a terceiros, conferindo à adquirente os poderes para concluir as alienações de lotes (p.a. n. 1981-0.003.470-2, fls. 14). A adquirente, por sua vez, veio a pleitear a regularização do loteamento (p.a. n. 1981-0.003.470-2, fls. 1).

Em seguida, embora os espaços livres constassem como inalienáveis, foi efetuado o registro das vendas dos lotes ali situados, o que gerou a existência de várias matrículas, em nome de particulares, sobre as áreas destinadas como públicas (fls. 230/298, com caracterização na planta de fls. 510).

Em razão do caráter público de tais áreas, decorrente do chamado concurso voluntário, consumado pela aprovação e execução do parcelamento do solo e ratificado pela averbação de tais áreas como inalienáveis perante o registro imobiliário - entendimento que tornou dispensável novo estudo de domínio a respeito (fls. 432) e estando tais áreas matriculadas em nome de particulares, cancelou-se a tributação de tais imóveis (fls. 448) e decidiu-se pelo ajuizamento de ação reivindicatória para reaver tais bens, chegando a haver autorização para o ajuizamento da demanda (fls. 315).

No entanto, em razão da existência de processo de regularização do parcelamento (p.a. n. 1991-0.002.012-5, antigo 05-011.592-91*05) e da possibilidade de que os lotes sejam ali mantidos nessa qualidade (fls. 334), foi proposto que o ajuizamento da ação reivindicatória deveria aguardar a solução relativa à regularização do parcelamento (fls. 357/358). A unidade responsável, contudo, afirmou que a regularização técnica do parcelamento do solo dependeria do desfecho da ação reivindicatória (fls. 360).

DEMAP-1 propôs, por sua vez, que se desse prosseguimento à regularização do loteamento, "sem prejuízo, e se a final for necessário, que se efetuem os cancelamentos dos registros que se encontram sobrepostos aos espaços livres do loteamento" (fls. 540).

DEMAP-G, em seguida, solicitou análise com base no entendimento objeto da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC (fls. 566). CRF e PARHíS informaram, então, que o loteamento estava implantado antes de 1979, mas os espaços livres estavam desocupados por ocasião do levantamento GEGRAN (fls. 572 e 591).

DEMAP-1 solicitou, ainda, a juntada de documentação relativa às edificações existentes no local (fls. 641/780), utilizando-a em reforço à argumentação no sentido da regularização da ocupação dos espaços livres (fls. 781/783).

A Diretoria de DEMAP, por fim, observou que as áreas em questão estavam livres quando do levantamento GEGRAN, razão pela qual, não sendo possível reconhecer a regularização ex lege, seria o caso de dar prosseguimento às medidas tendentes à regularização, dispensando-se, contudo, o imediato ajuizamento da ação reivindicatória, nos termos do entendimento objeto da Informação n. 4.175/2007 - SNJ.G (fls. 788/789).

É o breve relatório.

Em primeiro lugar, assiste razão a DEMAP no sentido de que não está caracterizada a possibilidade de reconhecer a regularização ex lege da ocupação em questão, que decorreria da aplicação do art. 69 da Lei Federal n. 13.465/17 e do art. 19 da Lei Municipal n. 15.720/17, nos termos do parecer objeto da Ementa 11.773 - PGM.AJC. Com efeito, as informações colhidas indicam que, embora esteja comprovado que as vias estavam abertas antes de 19.12.1979, o mesmo não se dá em relação à ocupação dos espaços livres, de modo que o problema na implantação do loteamento poderia ter ocorrido posteriormente a 1979.

Conforme já se observou em casos semelhantes (Informações n. 818/2018 e 1250/2018 - PGM.AJC), referido entendimento só se aplica aos casos em que houve efetiva implantação em desacordo com o projeto antes de 1979, com a ocupação, por lotes, de áreas destinadas como públicas por força de atos anteriores de inscrição ou aprovação. Por outro lado, de acordo com o observado no segundo parecer mencionado, o marco temporal definido pela lei deve ser cotejado com a específica irregularidade identificada, de modo que a situação de desconformidade, para ser regularizada, deve ser anterior a 19.12.1979, não bastando, para tanto, a anterioridade da implantação do parcelamento em geral.

Vale notar, contudo, que não está excluída a existência de uma situação consolidada anterior a 1979. De fato, as informações dos órgãos técnicos, baseadas no levantamento GEGRAN, dão conta de que os espaços livres não estavam ocupados em 1974, o que, embora seja relevante, não afasta a possibilidade de que houvesse ocorrido alguma ocupação até 1979. Por outro lado, se estivesse comprovada uma substancial alienação de lotes anterior a 1979, isso poderia ser considerado com um fundamento para o reconhecimento de uma situação preexistente, correspondente à mudança de destinação dos espaços livres, especialmente por ser compatível com as quadras fiscais da época (p.a. 1980-0.000.521-2, fls. 51 e ss.) e por envolver direitos de terceiros.

De todo modo, não estando comprovados os elementos que ensejariam o reconhecimento da chamada regularização sumária, realmente a decorrência lógica seria aplicar o entendimento objeto do parecer mencionado por DEMAP (Informação n. 4175/2007 - SNJ.G), para que fosse dado prosseguimento à regularização do parcelamento, após a qual poderia até mesmo ser considerado o ajuizamento da ação reivindicatória.

No entanto, embora muitas vezes isso seja necessário, aguardar a regularização do parcelamento para a tomada de medidas de caráter dominial não constitui uma solução ideal sob a perspectiva da segurança jurídica. A suspensão de ações possessórias e reivindicatórias não enseja propriamente uma solução para o problema, ao passo que a impugnação de eventuais pedidos de usucapião e retificação de registro imobiliário continuam a deixar pendente a situação dos particulares envolvidos. Por outro lado, na pendência da regularização completa, tende a continuar suspensa a tributação das áreas que, ao final, serão reconhecidas como lotes.

Se há necessidade de uma análise técnica relativa à implantação do loteamento, pode ser necessário aguardar a conclusão total da regularização. Mesmo assim, não se pode descartar a possibilidade de decisões técnicas, no curso do processo, quanto a determinados aspectos dominiais (cf., para o fim do reconhecimento antecipado de uma afetação ao uso público, Informação n. 887/2016 - PGM-AJC). Além disso, havendo limitações jurídicas que necessariamente influenciarão a regularização do parcelamento, parece apropriado que elas sejam reconhecidas o quanto antes, até mesmo para orientar a atuação da Municipalidade em questões correlacionadas.

Assim, cabe dar atenção às peculiaridades do caso, no qual a irregularidade apurada se circunscreve à ocupação dos espaços livres, uma vez que o viário se encontrava implantado antes de 19.12.1979, tendo sido alcançado neste aspecto, portanto, pela regularização sumária. Dessa sorte, não haveria fundamento para uma análise urbanístico-ambiental a respeito. Para que o loteamento possa ser considerado regular, basta que se regularize a ocupação das áreas projetadas como espaços livres, o que inclui não somente aquelas aqui discutidas, mas os demais espaços livres que atualmente se encontram invadidos, embora não estejam titulados em nome de terceiros.

Por outro lado, não há como deixar de reconhecer a incompatibilidade entre as duas perspectivas sustentadas nos presentes autos: de fato, não é viável, ao mesmo tempo, que a propositura da ação espere pelo desfecho da regularização do loteamento (fls. 357/358 e 400) e que a regularização aguarde o resultado da ação reivindicatória (fls. 360 deste expediente e fls. 205/206 do p.a. 1991-0.002.012-5).

Em tese, seria possível solucionar esse impasse simplesmente pelo reconhecimento do pressuposto de que a regularização fundiária não está condicionada pela situação dominial decorrente da aprovação, inscrição ou registro do parcelamento do solo. Com efeito, conforme mencionado no próprio parecer mencionado (Informação n. 4.175/2007), cabe ao órgão técnico proceder à alteração dos elementos formais, o que inclui a alocação de áreas públicas, segundo as necessidades da regularização. Isso inclui a previsão de lotes sobre áreas originalmente designadas como públicas, em vista da preservação de situações consolidadas.

Nesse sentido, aliás, a então SERLA chegou a afirmar que seria apropriado que a área dos espaços livres fosse ressarcida à Municipalidade pelo loteador, em imóveis ou pecúnia (fls. 31, cópia do p.a. 1981-0.003.470-2, fls. 203), tendo a compromissária da transcrição original afirmado, em relação a essa análise, que não teria "condições de atender quanto à reserva de espaço livre" (p.a. 1981-0.003.470-2, fls. 203). Na mesma linha, com base na informação de que o loteamento estava em regularização, o Supervisor Geral de Uso e Ocupação do Solo, da então SAR, orientou a Administração Regional no sentido de que os pedidos de licenciamento edifício pendentes para os lotes em questão poderiam ter prosseguimento, eis que caberia ao arruador responder pela regularização do loteamento (p.a. n. 1981-0.009.988-0, antigo 32-002.338-81*48, fls. 48/49, ora juntadas ao presente).

No entanto, provocado pela própria SERLA, PATR concluiu pela "visceral nulidade" dos registros, o que demandaria as medidas judiciais necessárias para seu desfazimento (fls. 149/150, cópia do p.a. 1981-0.003.470-2, fls. 281/282). Todavia, essa conclusão, circunscrita à análise dominial, não se mostra compatível com a natureza das medidas aptas a serem tomadas no âmbito da regularização de parcelamentos do solo, atividade que existe justamente para convalidar realidades contrárias ao ordenamento jurídico. Assim como é possível manter lotes implantados sobre uma via pública, por uma impropriedade técnica na execução do parcelamento, é também possível manter lotes na área projetada como espaço livre, desde que haja fundamento para tanto - por exemplo, a existência de uma situação consolidada sobre a área originalmente destinada como pública, o que torna apropriada a modificação do parcelamento, e não seu desfazimento.

Portanto, independentemente da existência de direitos da Municipalidade em relação a uma determinada área, que em tese poderiam ser defendidos em juízo, nada impediria que o órgão técnico reconhecesse a necessidade da manutenção da sua ocupação por particulares. Estando a área titulada em nome dos particulares, essa decisão implicaria logicamente o não ajuizamento de uma ação reivindicatória que incluísse como pedido a desconstituição de tais títulos.

No entanto, no caso presente, a manutenção da ocupação dos espaços livres pode ser analisada não somente à luz dos aspectos técnicos pertinentes à regularização do parcelamento, mas também sob a perspectiva da pouca viabilidade de êxito na ação reivindicatória em questão.

 Para tanto, não é preciso propriamente reabrir o estudo das questões dominiais envolvidas, mas sim identificar as fragilidades que a Municipalidade teria de enfrentar nessa cogitada ação judicial e quais os benefícios que poderiam advir de eventual êxito nessa iniciativa.

De fato, não parece haver dúvida quanto à aquisição do domínio por força do parcelamento do solo, tendo em vista a aprovação havida. Não obstante, essa concepção não soluciona a questão específica quanto a qual das plantas de parcelamento deve prevalecer, havendo manifestações tanto em favor do projeto original (fls. 463) quanto em favor do modificativo (fls. 334).

Ainda nessa linha, é preciso notar que os interessados foram intimados pela Urbe a doar as ruas do projeto original, mesmo depois de aprovado o modificativo (p.a. n. 1981-0.013.369-7, antigo 77.357/65, fls. 2). Foi também o projeto original - e não o modificativo - que serviu de referência para o requerimento de entrega das ruas e espaços livres ao trânsito público, formulado por um dos loteadores (p.a. 1981-0.010.800-5, antigo 183.216/65), pedido este que não chegou a ser apreciado, por ter sido apensado a novo projeto modificativo, o qual foi indeferido, por sua vez, com prévia menção no sentido de que o último alvará estaria caduco (p.a. n. 1981-0.010.823-4, antigo 82.751/67, fls. 19/20). No mesmo sentido, foi informado por RESOLO ao Ministério Público que o alvará do projeto modificativo caducou (fls. 383).

A propósito, vale lembrar que, conforme caracterizado na Informação n. 4.175/2007 - SNJ.G, a aquisição do domínio pelo Município é aperfeiçoada pela efetiva implantação do parcelamento. Assim, no caso concreto, ainda que se afirme ter havido caducidade - cujo reconhecimento formal, aliás, não consta ter ocorrido -, esta não poderia obstar tais efeitos dominiais. No entanto, não seria absurdo afirmar que o modificativo teria caducado no que diz respeito aos trechos em que o loteamento foi executado segundo o projeto original, já que há elementos, no caso presente, de implantação de parte do projeto original e parte do modificativo (fls. 591).

Por outro lado, ao contrário do que se dá com a aprovação e implantação do loteamento, a averbação dos espaços livres não constitui um elemento definitivo para a tese do concurso voluntário, especialmente porque, ainda que feita pelo proprietário loteador, ela não comprova uma aceitação por parte da Municipalidade. Na verdade, a manifestação favorável da Urbe só veio no momento em que o interessado se arrependeu da averbação, tentando desfazê-la em juízo. Por outro lado, não havendo informação de que a Municipalidade já tivesse ciência de tal oferta antes dessa desistência, seria possível reconhecê-la como uma espécie de retratação da oferta (art. 1.081, IV, do antigo Código Civil, vigente na época).

Além disso, convém apontar a impropriedade da própria averbação, dada sua incompatibilidade com o regime então vigente, pois, tendo em conta que o loteamento era voltado à venda de lotes a prestação para fins urbanos, mostrava-se necessária a inscrição do loteamento. Tal providência, que chegou a ser imposta aos proprietários no alvará original, sob pena de cassação (fls. 2), simplesmente não foi ultimada, sem que a Municipalidade tivesse tomado providência alguma a respeito. Houvesse mais rigor da parte do Poder Público municipal, teria sido efetuada a inscrição do loteamento, com a qual ficaria caracterizado qual plano devia prevalecer, evitando definitivamente o registro de lotes em áreas destinadas como públicas.

Diante disso, por mais que seja tentador imputar somente à serventia predial a responsabilidade pelo registro de lotes na área averbada como inalienável, o fato é que a desordem, não coibida pela Municipalidade, acabou por favorecer a irregularidade. Com efeito, não havendo inscrição do parcelamento, não é desarrazoada a defesa segundo a qual o registro dos lotes foi feito segundo a planta original, esta meramente arquivada para fins de controle de disponibilidade. Além disso, a própria Municipalidade contribuiu para a irregularidade, eis que manteve tais áreas como lotes fiscais, e não como bens públicos (1981-0.003.470-2, fls. 278).

Não obstante, por mais que haja complexidades quanto a atos relativos a aprovação, modificação, averbação, inscrição e registro, o ponto principal que fulmina as pretensões da Municipalidade em reaver os espaços livres diz respeito ao tempo transcorrido desde as alienações tidas como irregulares. De fato, logo em seguida à "visceral nulidade" dos registros podiam ser consideráveis as chances de obter sua desconstituição; 40 anos e muitas licenças edilícias depois, parece improvável que a Municipalidade retome os espaços livres. Mais que isso: caso sejam ajuizadas ações em separado, parece impossível que a Urbe seja declarada titular de vários lotes contíguos, única hipótese em que seria viável aproveitar tais áreas na qualidade de espaços livres.

Neste ponto, parece necessário compreender a lógica subjacente ao entendimento segundo o qual a ação reivindicatória é imprescritível, sobretudo no tocante a imóveis públicos. De fato, não se perde a propriedade pelo desuso, de modo que não é a ação que prescreve, e sim é uma nova situação jurídica que pode ser constituída por força do usucapião1. De outra parte, não há dúvida de que a ocupação de bens públicos por terceiros não se legitima com o tempo, já que tais bens são imunes à aquisição por usucapião (art. 183, § 3o, da Constituição da República). Somados, esses aspectos implicam a imprescritibiiidade da ação reivindicatória em seu conceito estrito, qual seja, a ação do proprietário não possuidor em face do possuidor não proprietário2. No caso presente, contudo, o pedido típico da ação reivindicatória teria de ser cumulado com o de anulação dos registros existentes3 - requerimento que também poderia ser feito em ação própria, conforme lembrado por DEMAP-1 (fls. 540). Essa anulação, por sua vez, pode até ser imprescritível, conforme o grau da nulidade do registro4, a ser analisada diante do caso concreto. Assim, havendo necessidade de pleitear a invalidação de registro como questão prévia à retomada do bem, não é possível afirmar que a ação seria imprescritível5.

No caso presente, não parece possível alegar que os registros foram efetuados por fraude ou nulidade flagrante, sendo aceitável afirmar que o oficial foi levado a erro, justamente pelos motivos que por ele foram informados: o fato de não ter à disposição a planta do projeto modificativo de parcelamento do solo e o fato de as áreas em questão constarem como lotes particulares nas quadras fiscais então em vigor.

Além disso, é indiscutível que em uma discussão judicial a respeito seriam arguidos os direitos de inúmeros terceiros de boa fé, que adquiriram seus imóveis com base na confiança de que o fizeram de acordo com a melhor garantia formal disponível, que é o fato de os imóveis estarem regularmente matriculados. Tal aspecto, não fosse suficiente para a rejeição das pretensões reivindicatórias, seria um motivo para reduzir-lhes substancialmente a utilidade, já que as benfeitorias necessárias e úteis realizadas teriam necessariamente de ser indenizadas aos ocupantes (art. 1.220 do Código Civil).

Por fim, cabe transcrever o que já observou esta Assessoria em caso semelhante, no qual foi identificado que o bem tido como público estava há muito registrado em nome de particular:

A situação de fato existente não pode ser desconsiderada, Por vezes, a restauração da legalidade estrita pode ir de encontro com princípios jurídicos que o Poder Público deve observar. A correção da irregularidade original pode tomar-se antijurídica, dependendo das consequências envolvidas. Portanto, assim como a Administração deve deixar de invalidar seu ato, deixando estabilizar os efeitos dele decorrentes, quando a invalidação se revele contrária aos princípios jurídicos aplicáveis, da mesma forma - e com muito mais razão - deve deixar de buscar a desconstituição de atos de terceiros cujos efeitos repercutam na sua esfera jurídica, ainda que inválidos, pefos mesmos motivos. (...) 

Assim, diante da inequívoca boa-fé subjetiva daqueles que adquiriram os lotes a non domino, evidenciada pela existência de matrícula no RI e cadastro no município para efeitos de tributação, bem como do tempo decorrido desde a alienação irregular dos imóveis, acreditamos existir fundamento jurídico para estabilização dos efeitos gerados.

Por outro lado, o retorno ao status quo ante levaria -admitindo-se, por hipótese, a sua viabilidade jurídica - à remoção de diversas famílias do local, à demolição das casas existentes, e à remoção do entulho para que a área se tome livre, tal como afetada no plano do loteamento. Ou seja: após uma imensa batalha judicial para (improvável) anulação dos títulos e retirada das famílias, e após um grande dispêndio de recursos públicos para reconfiguração da área para que venha a ficar livre, teremos como resultado o agravamento do problema habitacional no município e um terreno livre (pelo qual passa um córrego) que possivelmente será utilizado para depósito de material, como ocorre com muitos na cidade.

Observamos que o dano ao interesse público, se mantida a situação atual, é pequeno em relação ao que a reversão desta situação acarretaria. Muito embora seja importante a preservação de áreas verdes livres, caso adequadamente conservadas, o prejuízo advindo da remoção forçosa de munícipes que vivem no local há anos pode ser ainda maior para a própria comunidade envolvida do que a perda do espaço em questão, tendo em vista as relações de vizinhança que se desenvolveram entre os locais. Acredito, ainda, que o custo material e financeiro para o Município seria bem maior do que o benefício possivelmente alcançado.

Não defendemos aqui a prescrição aquisitiva de imóveis públicos, a prescrição do direito da Administração de ingressar em juízo para defender sua titularidade ou a chamada teoria do fato consumado, que tem sido rechaçada peio STF. Nenhuma situação, ainda que consolidada, se passível de impugnação, pode ser tratada como consumada. Caso os particulares não estivessem de boa-fé, por exemplo, por mais que a situação estivesse consolidada, o balanço entre os interesses envolvidos poderia recomendar sua remoção.

O que fundamenta, portanto, a nossa conclusão peia manutenção dos efeitos dos títulos e da situação fática existente são os interesses públicos existentes e o princípio da segurança jurídica que, neste caso, indicam tal caminho. (Informação n. 2.813/2010 - PGM.AJC).

Por fim, convém apontar que a imediata solução do caso segundo a perspectiva jurídica, ou seja, sem esperar pela conclusão do processo de regularização do parcelamento, poderá ensejar mais celeridade nas providências envolvidas, não somente sob o aspecto dominial, mas também no que diz respeito à retomada da tributação dos lotes, suspensa em vista do entendimento a respeito do caráter público das áreas e em razão da perspectiva de ajuizamento da ação reivindicatória.

Diante de todos esses elementos, sugere-se seja revista a autorização para o ajuizamento de ação reivindicatória, reconhecendo-se como consolidada a situação dos lotes existentes no local, a qual deverá ser considerada tanto para a regularização do parcelamento do solo quanto para o imediato restabelecimento da tributação dos lotes envolvidos.

Portanto, caso acolhido o entendimento aqui sustentado, o presente deverá ser remetido a DEMAP, para ciência e encaminhamento das providências cabíveis. Assim, os expedientes relativos ao parcelamento do solo deverão ser encaminhados a CRF, para ciência e oportuno prosseguimento, ao passo que os pedidos de restabelecimento de tributação poderão ser encaminhados a SUREM, a qual deverá estender tal medida a todos os lotes envolvidos. Por fim, será necessário dar ciência a CGPATRl, para anotações cadastrais cabíveis, sobretudo a alteração do croqui patrimonial, o que poderá ser efetuado por meio do presente expediente, podendo ele ser em seguida arquivado, uma vez que havia sido instaurado apenas para o ajuizamento de ação reivindicatória.

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São Paulo, / / 2019.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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De acordo.

São Paulo, 08/05/2019.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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1 Cf. Muscari, Marco Antonio Botto. Ação Reivindicatória. In: Revista de Processo, vol. 88, 1997, pp. 252-258, item 3.
2 Cf. MONTEIRO, Washington de Barros. Da ação de reivindicação. In: Revista da Faculdade de Direito. São Paulo: Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 60, 1965, p. 149.
3 Sobre a possibilidade de cumulação, cf. Monteiro, Washington de Barros, op. cit, p. 151.
4 Assim, por exemplo, seria imprescritível a nulidade de uma escritura forjada (cf. STJ - 3a Turma, Recurso Especial n. 12.511/SP, Rei. Min. Waldemar Zveiter, j. 08.08.1991).
5 Nesse sentido é que já se afirmou que a ação reivindicatória não necessariamente pode ser ajuizada a qualquer tempo, independentemente de prescrição, pois não se trata de uma discussão quanto à imprescritibiiidade do patrimônio público, que decorre de preceito constitucional e jamais poderia ser colocada em questão, mas da prescritibilidade da pretensão de desconstituir outro registro, aparentemente eficaz há décadas, e que, conforme revelado pela análise técnica, serviu de base para o parcelamento irregular (Ementa n. 11.910 - PGM-AJC).
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processo n° 1985-0.001.912-3 

INTERESSADO: Gíosué Colombo.

ASSUNTO: Ação reivindicatória.

Cont. da Informação n. 634/2019-PGM.AJC

PGM

Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, propondo o encaminhamento a DEMAP, para ciência e posteriores encaminhamentos a SUREM, CRF e CGPATRI, nos termos indicados.

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São Paulo, 10/05/2019.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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processo n° 1985-0.001.912-3

INTERESSADO: Giosué Colombo.

ASSUNTO: Ação reivindicatória.

Cont da Informação n. 634/2019-PGM.AJC

DEMAP

Senhora Diretora

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral, que acolho, no sentido de que não deverá ser ajuizada ação reivindicatória em relação aos imóveis em questão, com posterior remessa dos expedientes envolvidos a CRF, SUREM e CGPATRI, para as providências e anotações devidas.

Mantidos os acompanhantes (fls. 782/783).

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São Paulo, 15/05/2019.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo