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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.653 de 23 de Maio de 2014

EMENTA n° 11.653
Projeto de Lei n° 398/2011 - Dispõe sobre a instituição de meia-entrada para pessoas com deficiência às sessões de cinema, teatro, espetáculos esportivos, shows e outros eventos culturais - Inconstitucionalidade - Competência suplementar não caracterizada - Incompatibilidade com a Lei Federal n° 12.933/13 - Precedentes desta PGM/AJC e do TJ/SP no sentido da inconstitucionalidade de leis municipais que instituem meia-entrada - Modificação do entendimento da Ementa n° 11.648. Pelo veto.

processo n° 2013-0.300.576-6

INTERESSADO: SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL

ASSUNTO: Projeto de Lei n° 398/2011. Dispõe sobre a instituição de meia-entrada para pessoas com deficiência às sessões de cinema, teatro, espetáculos esportivos, shows e outros eventos culturais.

Informação n° 809/2014-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Assessoria Jurídico-Consultíva Senhor

Procurador Assessor Chefe

Trata-se de análise do Projeto de Lei n° 398/2011, que dispõe sobre a instituição de meia-entrada para pessoas com deficiência às sessões de cinema, teatro, espetáculos, shows e outros eventos culturais.

Em precedente manifestação, acolhida pelo Senhor Secretário de Negócios Jurídicos, esta Procuradoria Geral concluiu que a propositura consubstanciava um regular exercício da competência legislativa suplementar do Município, nos termos do art. 30, I e II, da Constituição Federal (fls. 21/29).

A Assessoria Técnico-Legislativa da Secretaria do Governo Municipal, contudo, solicitou, à vista da superveniente aprovação de legislação federal sobre o assunto (Lei n° 12.933, de 26 de dezembro de 2013), a ratificação das conclusões alcançadas. Segundo o entendimento de SGM/ATL, o Município não possui, no caso, competência para suplementar a indigitada lei federal (fls. 81/83).

É o breve relatório.

Conquanto esta Procuradoria Geral tenha concluído qge o Município possui competência legislativa suplementar sobre o assunto em análise (fls. 21/28), não é menos verdade que esta conclusão não se fez desacompanhada de uma expressa ressalva, qual seja: a de que a legislação municipal deveria ser compatível com as normas estaduais e federais. Não foi por outra razão que o precedente parecer recomendou aguardar-se o pronunciamento da área federal "a fim de evitar contradições sobre o assunto", já que o projeto de lei federal, na ocasião, ainda não havia sido sancionado (cf. fls. 26).

A superveniência da Lei Federal n° 12.933, de 26 de dezembro de 2013, e os novos argumentos trazidos pela SGM/ATL, criaram uma nova oportunidade de exame do PL n° 398/2011, sobretudo à luz do que agora dispõe a legislação editada pela União.

O cerne da controvérsia é saber se o Município pode suplementar, em consonância com seu interesse local, a competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre "educação, cultura, ensino e desporto" (art. 24, IX, da CR) e sobre a "proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência" (art. 24, XIV, da CR).

É certo que ao Município é facultado legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da CR) ou suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, II, da CR). Existem, todavia, limites1 ao exercício dessa competência: a norma municipal deve ser compatível com as norrnas federais e estaduais, não podendo ampliá-las, restringi-las ou contrariá-las, sob pena de ofensa ao princípio federativo. Alem disso, a lei municipal deve exteriorizar não uma inovação, mas antes um ajuste das normas fias outras esferas às peculiaridades locais.

A dúvida reside, pois, em perquirir-se se a propositura legislativa contraria a lei federal ou se, ao contrário, é com ela compatível por promover apenas um ajuste aos interesses locais. E a despeito da precedente e criteriosa manifestação desta Procuradoria Geral -que em princípio não vislumbrou incompatibilidades entre uma e outra -, parece que a superveniente edição da Lei Federal n° 12.933/13 veio a demonstrar o oposto, isto é, que o projeto de lei n° 398/2011 desborda dos estreitos limites da competência suplementar do Município.

Com efeito, a indigitada lei federal já assegura aos deficientes o benefício do pagamento de meia-entrada "em todo o território nacional". Assim, se a norma federal já instituiu amplamente o benefício, de cunho obrigatório para todos os estabelecimentos comerciais - inclusive os que se situam neste Município -, parece não remanescer ao legislador municipal um campo específico (e próprio) de atuação. A propositura, neste ponto, até mesmo parece inócua, configurando-se no caso não uma relação de caráter suplementar e sim uma completa intersecção entre a lei federal e o projeto de lei em análise.

O salutar interesse defendido pela propositura (favorecer o acesso dos deficientes a espetáculos culturais), nesse caso, não é predominante2 neste ou naquele município, mas antes mostra um aspecto homogêneo, bem característico dos interesses nacionais (e não locais), 0 que abrangem, sim, porém ultrapassam os interesses da população paulistana.

Como explica José Nilo de Castro, a competência suplementar exercita-se "preenchendo o branco das legislações federal e estadual, afeiçoando-se às particularidades e às peculiaridades locais, pois que compatíveis - o texto diz no que couber, preenchendo lacunas, deficiências. O exercício da competência suplementar ater-se-á no âmbito de não-conflito com as normas superiores"3.

Verifica-se, nesse passo, como bem sugeriu a Assessoria Técnico-Legislativa da Secretaria do Governo Municipal, que a propositpra intenta ampliar o alcance da lei federal, circunstância esta que, como se sabe, implica indevida sobreposição ao campo de competência da União.

A mencionada ampliação pode ser observada na comparação entre, de um lado, o § 10° do artigo 1° da lei federal, que limita a concessão do benefício a apenas 40% (quarenta por cento) dos ingressos disponíveis e, de outro, o artigo 1° do PL n° 398/2011, que não prevê qualquer tipo de restrição. Não há como fugir à percepção de que a proposta da lei municipal é mais ampla do que a da lei federal, o que afronta as regras constitucionais da repartição de competências.

Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF): "É inconstitucional lei municipal que, na competência legislativa concorrente, utilize-se do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional".4

Analisando a questão por ângulo, é preciso recordar que esta Procuradoria Geral já se manifestou diversas vezes sobre proposituras de conteúdo semelhante (meia-entrada):

EMENTA n° 5.040: Projeto de Lei de autoria do Legislativo. Dispõe sobre o ingresso de aposentados em cinemas, teatros e outros espetáculos, mediante o pagamento de metade do preço. Afronta ao livre exercício da atividade econômica. Falta de interesse publico ou social. Pelo veto integral.

EMENTA n° 4.272: Dispõe sobre a venda de ingressos nos cinemas, teatros, espetáculos musicais e circenses a menores de ate 7 anos de idade. Inconstitucionalidade. Ofensa ao princípio da livre iniciativa e dos direitos e garantias fundamentais previstos nos arts. 55, inc. XVIII, e 170, inc. IV, da CF. Veto total.

EMENTA n° 4.340: Projeto de lei de autoria do legislativo. Dispõe sobre a meia-entrada para os aposentados nos cinemas, teatros e espetáculos. Vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade. Pelo veto total.

EMENTA n° 7.148: Lei n. 12.325/97. Dispõe sobre a meia-entrada para os aposentados nos cinemas, teatros, espetáculos e eventos esportivos. Promulgação pelo legislativo, apos veto integral do Prefeito. Inconstitucionalidade da lei. Vicio de iniciativa. Afronta aos princípios constitucionais. Cabimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

EMENTA n° 10.602: Projeto de Lei n. 01-0266/01 -Institui a meia-entrada de professores às sessões de cinema, teatro, shows e outros eventos culturais exibidos nas salas e casas de espetáculo instaladas na cidade de São Paulo - Inconstitucionalidade - Proposta que fere o principio da isonomia e livre iniciativa - Pelo veto.

EMENTA n° 10.851: Projeto de Lei n° 535/04 - Institui meia entrada de professores às sessões de cinema, teatro, shows e outros eventos culturais exibidos nas salas e casas de espetáculos instaladas na cidade de São Paulo - Existência de manifestações anteriores desta AJC no sentido da afronta à livre iniciativa - Manutenção do entendimento do entendimento firmado - pelo veto.

Nos diversos precedentes apontados acima, específicos sobre meia-entrada, foram abordadas, em especial, duas razões de inconstitucionalidade: (i) a impossibilidade de o Município introduzir novas regras nas relações contratuais atinentes à venda de ingressos, sob pena de invadir a privativa competência da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I, da CR); e (ii) a legítima interferência na liberdade econômica dos empresários (art. 170, IV, da CR).

Há, também, outro precedente importante (Ementa n° 11.180) que, embora não trate de meia-entrada, aborda matéria semelhante: a reserva de vagas para idosos, deficientes físicos e doentes mentais nos bares e restaurantes. A conclusão nele alcançada foi a mesma.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), por sua vez, já declarou a inconstitucionalidade de leis paulistanas sobre meia-entrada para estudantes, aposentados e idosos, por entender que o Município, ao instituir o benefício, não estaria simplesmente ajustando a execução de normas federais e estaduais às peculiaridades locais (fls. 74/80). Em outros julgados, sobre leis semelhantes de municípios do interior, não foi diferente o resultado alcançado (Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 0179981.72.2012.8.26.0000; n° 157.540-0/5-00 e n° 0074646-30.2013.8.26.0000).

À vista dos diversos precedentes acima referidos, tanto da PGM/AJC quanto do TJ/SP, não parece ser o caso de desconsiderá-los.

Ainda que o argumento sobre a ofensa à livre iniciativa tenha perdido parte de sua força, uma vez que o STF julgou constitucional lei que instituiu meia-entrada para estudantes (fls. 32/43), não se pode esquecer que o caso em questão tratou de lei estadual no âmbito da competência concorrente entre União e Estados, situação distinta da que se refere à competência suplementar dos Municípios.

Não se pode olvidar, também, na esteira do que afirmou a SGM/ATL, que existem leis municipais sobre meia-entrada que foram julgadas constitucionais pelo TJ/SP, mas em situações bem diferentes da que aqui se apresenta, pois representativas de um interesse local: espetáculos promovidos em bens públicos municipais (Lei n° 11.113/91) e subsidiados pelo governo municipal (Lei n° 12.975/00).

Diante do exposto, pode-se concluir que o PL n° 398/2011, a despeito dos meritórios propósitos, padece de inconstitucionalidade, pois não exterioriza uma mera suplementação e ajuste da legislação federal a uma determinada peculiaridade local, razão porque se sugere que ele seja vetado na hipótese de sua aprovação.

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São Paulo, 23/05/2014.

FERNANDO HENRIQUE NICHILLO CONDE

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 195.025

PGM

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De acordo.

TIAGO ROSSI

Procurador Assessor Chefe - AJC

OAB/SP 195.910

PGM

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1Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP): "Com efeito, pata exercício da competência legislativa suplementar municipal, impõem-se duas condições; 1a) a presença do interesse local e 2°) a compatibilidade com a legislação federal e estadual"(ADIN n° 0074646-30.2013.8.26.0000, j. 11.09.2013).
2Segundo José Cretella Júnior, o traço determinante para se aferir o interesse local é a predominância. Interesse local, para o autor, é aquele que se refere, primariamente e diretamente, sem dúvida, ao agrupamento humano local" (Comentários à Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, v.lV, p. 1.889).
3Direito Municipal Positivo, 5a ed, Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 228.
4RE 596489 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 27/10/2009, DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009 EMENT VOL-02383-06PP-01244 RT v. 99, n. 892, 2010, p. 119-123.

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processo n° 2013-0.300.576-6 

INTERESSADO: SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL

ASSUNTO: Projeto de Lei n° 398/2011. Dispõe sobre a instituição de meia-entrada para pessoas com deficiência às sessões de cinema, teatro, espetáculos esportivos, shows e outros eventos culturais.

Cont. da Informação n° 809/2014-PGM.AJC

SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Senhor Secretário

Reexaminando a propositura legislativa à luz da superveniente legislação federal sobre o assunto, encaminho o presente à Vossa Excelência com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, conclusiva no sentido de que o Projeto de Lei n° 398/2011 deve ser vetado na hipótese de sua aprovação.

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São Paulo,  /   /2014.

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP n° 173.527

PGM 

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processo n° 2013-0.300.576-6 

INTERESSADA: SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL 

ASSUNTO: Projeto de Lei n° 398/2011. Dispõe sobre a instituição de meia-entrada para pessoas com deficiência às sessões de cinema, teatro, espetáculos esportivos, shows e outros eventos culturais. Incompatibilidade com a legislação federal. Inconstitucionalidade.

Informação n° 1829/2014-SNJ.G.

SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL

Senhor Secretário

Diante da competência conferida pelo artigo 3°, IV do Decreto n° 27.321/88, acolho a Ementa n° 11.653 da Procuradoria Geral do Município, pelas razões expostas no parecer de fls. 84/91, concluindo, em especial, que o Projeto de Lei n° 398/2011 extrapola a competência municipal para legislar sobre matérias de interesse local, além de divergir da Lei Federal n° 12.933/2013, que trata da mesma matéria.

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São Paulo, 07/07/2014.

LUÍS FERNANDO MASSONETTO

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

SNJ.G.

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo