Processo nº 2009-0.158.369-0
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE PARTICIPAÇÃO E PARCERIA
ASSUNTO: Análise de minuta de Decreto disciplinando a formalização de convênio com recursos do FUMCAD.
Informação nº 1137/2009 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhora Procuradora Assessora Chefe
1. Tem como objetivo este expediente a análise da minuta de decreto elaborada com vistas à regulamentação da formalização de convênios envolvendo verbas do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, criado pela Lei n° 11.247/92 regulamentada pelo Decreto nº 43.135/03.
Destaca a Secretaria de Participação e Parceria que a elaboração da minuta contou com a participação de vários setores daquela Pasta, bem como com a oitiva de representantes do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Segundo a Secretaria interessada a edição de um instrumento próprio que discipline o assunto referente à realização de convênios com verbas do FUMCAD é de suma importância, em vista do considerável aumento do número e no montante das destinações de verbas, o que leva à inevitável expansão dos projetos a serem custeados a partir desses valores.
O expediente foi encaminhado à Secretaria de Governo que o distribuiu, pela competência, à Assessoria Técnica Legislativa, que por sua vez, restituiu-o à Secretaria de Participação e Parceria, fls. 23, para eventuais adequações necessárias.
Passo seguinte, o caso foi encaminhado à Secretaria dos Negócios Jurídicos que o distribuiu a esta Procuradoria Geral para análise.
Esse é o relatório. Passo a examinar,
2. Introdução
Previamente ao exame da minuta apresentada, farei uma incursão histórica sobre o assunto.
Pela primeira vez na história brasileira, o assunto da criança e do adolescente foi abordado como prioridade por uma Constituição Federal, como a de 1988, que no "caput" do artigo 227 preceitua:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salva de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Esse mesmo dispositivo no § 7º, dispõe:
Art. 227.................................................................
§7º. No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204.
A remissão ao artigo 204, deixa claro que a política social e o atendimento à criança e ao adolescente devem ser efetivados através da descentralização político-administrativa, sobretudo na área municipal, em face do princípio da autonomia municipal insculpido no artigo 30 da Carta Magna.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, vai completar 19 anos e adotou como uma de suas diretrizes a municipalização do atendimento dos direitos da criança e do adolescente.
Nessa linha o artigo 88 do Estatuto que estabelece;
Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:
I - municipalização do atendimento;
II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;
III - criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa;
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e adolescente;
V - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;
VI - mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.
Na verdade, o Estatuto ao fixar tais diretrizes cumpre o estatuído na Constituição Federal, precisamente nos artigos 204 e 227.
O Município de São Paulo em observância às regras citadas criou o FUMCAD, a fim de que as diretrizes indicadas no Estatuto da Criança e do Adolescente fossem implementadas.
Assim, conclui-se que o ECA bem como o Conselho da Criança e do Adolescente são instrumentos para conceber, planejar e executar a política de atenção à criança e do adolescente.
Desse modo, "sem qualquer dúvida o ECA tem o mérito de haver regulamentado conquistas garantidas pela Constituição de 1988 e inspirado vários países a criar sua legislação na área, além de também ter consagrado novos marcos conceituais e doutrinários das políticas públicas para criança e adolescente, pois, como apontado por Sandra Faria, até 1990, a chamada questão dos menores era tratada de forma assistencialista por parte da sociedade e a partir de um enfoque tutelar-repressivo por parte do Estado; mais precisamente, pela sua capacidade de acolher crianças abandonadas e internar jovens detidos corno disfuncionais."1
Feitas tais considerações, passemos para o próximo item.
3. Legislação utilizada para o exame da questão.
Neste tópico indicarei as normas relativas ao assunto em questão e que auxiliarão o exame da minuta de decreto apresentada. Ressalvo que, somente serão indicadas abaixo aquelas normas diretamente ligadas ao trabalho aqui desenvolvido e não todas aquelas relacionadas ao tema dos direitos da criança e do adolescente.
Normas aplicadas à hipótese examinada:
a) Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990;
b) Lei nº 11.247, de 1 de outubro de 1992. Cria o FUMCAD;
c) Decreto nº 29.213, de 29 de outubro de 1990. Dispõe sobre a sistemática de aplicações de recursos dos Fundos Municipais;
d) Decreto 43.135, de 25 de abril de 2003. Regulamenta a Lei nº 11.247/92, que cria o FUMCAD;
e) Decreto nº 43.935, de 9 de outubro de 2003. Altera o Decreto nº 43.135/03;
f) Decreto 47.669, de 11 de setembro de 2006, que também altera o Decreto nº 43.135/03;
g) Decreto nº 49.539, de 29 de maio de 2008. Dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos do Município de São Paulo mediante convênios;
h) Decreto 49.714, de 17 de julho de 2008. Altera o Decreto nº 49.539/08;
i) Decreto nº 49.619, de 16 de junho de 2008. Também altera o Decreto nº 49.539/08.
4. Análise da Minuta
A Minuta a ser examinada dispõe sobre os convênios a serem formalizados pelo Município de São Paulo envolvendo verbas do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Por esse motivo, entendo conveniente fazer algumas considerações a respeito de convênios.
Segundo a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro "no convênio, verifica-se a mútua colaboração, que pode assumir várias formas, como repasse de verbas, uso de equipamentos, de recursos humanos e materiais de imóveis e outros".2
"Apenas uma regra, uma meta, um objetivo, um escopo, uma diretriz, um propósito, uma finalidade, um desiderato precisa estar subjacente em todos convênios que se firme, e que precisa poder ser demonstrado a qualquer tempo pelo poder público que convenia com alguém: a perseguição, o favorecimento ao interesse público".3
"Quanto a fiscalização, os repasses financeiros realizados pelo ente público convenente serão regular e rotineiramente fiscalizados pelo Tribunal de Contas da esfera respectiva de jurisdição, como já o é qualquer aplicação de dinheiro público"4
Não se pode olvidar, ainda, que o artigo 116, da Lei nº 8666/93, estabelece os requisitos exigidos para a realização de um convênio.
Pesquisando o sítio da Prefeitura de São Paulo, na área da Secretaria Municipal de Participação e Parceria encontrei o Manual de Convênios editado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, o qual junto por cópia em parte. Curioso, que referido manual fornece ideais básicas, Inclusive quanto aos conceitos muito utilizados no processo de descentralização de recursos, mediante convênio.
Depreende-se por uma breve leitura do referido documento que várias definições foram fornecidas, como por exemplo o papel da contrapartida nos convênios firmados na área da criança e do adolescente. Até mesmo um modelo de Plano de Trabalho faz parte do Anexo I do citado material.
Não obstante, referido material tenha peculiaridades por ser emitido pela área federal, entendo que muitos conceitos e até modelos possam também servir de subsídio para a Municipalidade de São Paulo, caso já não tenham servido.
Postas tais premissas, adentremos propriamente dito, no exame da minuta.
Em primeiro lugar, o que observei foi que muitos artigos dessa minuta possuem a mesma redação de alguns artigos do Decreto nº 49.539/08, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos do Município de São Paulo mediante convênios.
Nada há de errado na semelhança entre os artigos da minuta e do Decreto nº 49.539/08, mesmo porque há afinidade de assunto.
Dúvida, porém, poderia advir sobre a aplicabilidade ou não do Decreto supracitado aos casos tratados pelo FUMCAD.
Sobre o assunto há pronunciamento desta Assessoria Jurídico-Consultiva, conforme se observa pela leitura da ementa nº 11.337: CMDCA. Celebração de convênio para a implementação e manutenção do SIPIA nos Conselhos Tutelares. Existência de contrapartida e de interesses mútuos. Necessidade de instrução do futuro instrumento com Plano de Trabalho, dados a justificar o convênio, bem como da estrita observância do Decreto nº 49.539/08 e da Portaria Intersecretarial SF/SEMPLA nº 6/2008". (grifos nossos)
Compartilho com a manifestação exarada e para corroborar tal tese, destaco o teor do Decreto nº 49.714, de 7 de julho de 2008:
Art. 1º. O artigo 4º do Decreto nº 49.539, de 29 de maio de 2008, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos do Município de São Paulo mediante convênios, passa a vigorar acrescido de §3º, com a seguinte redação:
Art. 4º ..........................................
§ 3º. O disposto no § 2º deste artigo não se aplica aos convênios que envolvam verbas advindas do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - FUMCAD.
Oportuno ressaltar que o § 2º do artigo 4º do Decreto nº 49.539/08, exige a autorização do Prefeito: (a) para a celebração de convênio que transferir recursos financeiros do Município para a entidade privada, em valor igual ou superior a R$ 100.000,00(cem mil reais); (b) para órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta de qualquer esfera do governo, em valor igual ou superior a R$ 1.000.000,00(um milhão de reais).
Ora, se foi editado decreto específico para excluir a aplicabilidade do §2º do artigo 4º, podemos concluir que, a "contrario sensu" o Decreto nº 49.539/08 é aplicável aos casos envolvendo o FUMCAD.
Não haveria sentido algum em editar-se um decreto prevendo a não aplicação de um parágrafo do Decreto nº 49.539/08 para os casos do FUMCAD se o restante também não fosse aplicável.
De qualquer forma, a discussão sobre a aplicabilidade ou não do Decreto nº 49.539/08, parece-me, neste momento, despicienda, em face da regulamentação própria que se pretende dar aos casos de convênio celebrados pelo Município de São Paulo com verbas do FUMCAD.
Portanto, o decreto a ser editado poderá, sim, conter artigos com redação semelhantes aos do Decreto 49.539/08, desde que, não contrariem o disposto na Lei nº 11.247/92 (criou o FUMCAD).
A partir de agora, farei algumas sugestões diretamente sobre os artigos inseridos na minuta.
O artigo 1º tem redação semelhante ao do Decreto nº 49.539/08, opino apenas para que seja suprimido o final do parágrafo único, "podendo, todavia, se lhes aplicar naquilo que couber". A sugestão de supressão visa apenas evitar confusão na sua interpretação, afastando a aplicação da minuta aos convênios celebrados anteriormente à edição deste decreto.
Suprimiria também a possibilidade de aquisição de bens e construção, constantes no inciso I do artigo 2º O assunto foi examinado nesta Procuradoria Geral pelo brilhante colega Antonio Miguel Aith Neto, que pela manifestação cuja cópia encarto a este expediente, concluiu que:
a) os recursos do FUMCAD procedentes do orçamento municipal não podem ser usados na "construção, ampliação, reforma de espaço físico e aquisição de bens permanentes;
b) os recursos do FUMCAD originados de doações diretas podem ser usados em projetos já previamente avaliados pelo CMCDA que envolvam, circunstancialmente, a adaptação de imóvel (e não construção) e aquisição de material permanente, desde que compatíveis com o prazo do convênio a ser celebrado e instrumentais à sua finalidade, qual seja, atendimento efetivo à criança e ao adolescente.
Dessa forma, inexistindo previsão legal que autorize a construção e aquisição de bens permanentes, entendo de bom alvitre a supressão quanto à possibilidade de aquisição de bens e construção.
No "caput" do artigo 4º eliminaria o termo "eventualmente", em atendimento à melhor técnica jurídica.
Sugiro nova redação para o §2º do artigo 4º, no seguinte sentido:
Art. 4...................................................
§2º. Os convênios de projetos não poderão duplicar políticas públicas existentes.
Com relação ao artigo 9º, §2º, proponho a supressão do final, "e terá lugar em dois momentos distintos, quais sejam, no da apresentação do projeto, e do conveniamento propriamente dito".
O §2º passa a contar com a seguinte redação:
§ 2º. A comprovação da regularidade fiscal observará, no que couber, o disposto nos artigos 37, 38 e 41 do Decreto nº 44.279, de 24 de dezembro de 2003.
O prazo adicional de noventa dias para a entidade demonstrar a sua regularidade fiscal, prevista no §4º do artigo 9º, não encontra respaldo em lei, motivo pelo qual sugiro nova redação:
Art. 9º................................................................
§4º. Caso a entidade não logre demonstrar a sua regularidade no momento da formalização do convênio, o destinador poderá ser formalmente convidado a indicar novo projeto beneficiário que passará pela aprovação do CMDCA.
Quanto ao artigo 10, os incisos VII e VIII merecem especial atenção.
Proponho a seguinte redação para o inciso VII:
Art. 10............................................................
VII - realização de despesas com obras e benfeitorias, salvo pequenas reformas para adaptação de imóvel, desde que compatíveis com o prazo do convênio e instrumentais à sua finalidade.
E para o inciso VIII, sugiro a supressão do final, de modo que conste a seguinte redação:
Art. 10.........................................
VIII - realização de despesas relativas à aquisição dematerial permanente.
Entendo que, existindo necessidade de aquisição de material permanente a própria entidade poderá adquiri-lo com a contrapartida ofertada, sistema mais lógico e prático, que desonerará a entidade de observar a lei de licitação, já que não haverá reversão do bem ao Município de São Paulo.
Outrossim, sugiro a eliminação dos §§ 1º e 2º do artigo 10, porque como outrora observado, os recursos do FUMCAD não podem ser usados na construção. É claro que, circunstancialmente, pequenas adaptações no imóvel poderão ser autorizadas, conforme sugerido no inciso VII desse mesmo artigo.
Sugiro, retirar do inciso II, do artigo 19, a remissão à Portaria Intersecretarial SF/SEMPLA Nº 6/2008.
Em razão das considerações tecidas sobre aquisição de bens, proponho a supressão do artigo 20.
No artigo 21, sugiro a supressão de seu final, "além do respeito aos ditames da Lei Federal nº 8.666/93", pois, não faz sentido exigir da entidade privada a observância da Lei de Licitação, ainda mais, que a possibilidade de reversão de bens permanentes adquiridos foi afastada.
Por fim, pelas razões expostas, também proponho a retirada dos itens "d" e "f" do §1º do artigo 23.
Estas são as observações que entendo pertinentes sobre a minuta do Decreto em análise.
À superior deliberação.
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São Paulo, 22/07/2009.
ANA REGINA RIVAS VEGA
Procuradora Assessora - AJC
OAB/SP nº 112.618
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 22/07/2009.
LEA REGINA CAFFARO TERRA
Procuradora Assessora Chefe - AJC
OAB/SP 53.274
PGM
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1 Telles, Marília Campos Oliveira e Coltro, Antônio Carlos Mathias. O Estatuto da Criança e do Adolescente uma lei de gente grande. Revista do Advogado.Dezembro de 2008 nº 101, p. 70 e
2 Direito Administrativo, 12ª ed.p.285
3 Rigolin, Ivan Barbosa. Desmitificando os Convênios. Fórum de Contratação e Gestão Pública -FCGP. Ano 1, n.1, jan.2002. Belo Horizonte: Fórum, 2002.
4 In ob.cit, p.7429
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Processo nº 2009-0.158.369-0
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE PARTICIPAÇÃO E PARCERIA
ASSUNTO: Análise de minuta de Decreto disciplinando a formalização de convênio com recursos do FUMCAD.
Cont. da Informação nº 1137/2009 - PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho o presente com as conclusões da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, para análise e manifestação.
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São Paulo, 23/07/2009.
CELSO AUGUSTO COCCARO FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 98.071
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo