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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 42 de 15 de Janeiro de 2018

Informação nº 42/2018 - PGM-AJC
Projeto de Lei n. 53/17 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de cadeira de rodas em condomínios residenciais localizados no Município de São Paulo.

TID nº 17305359

INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal - Assessoria Técnico Legislativa

ASSUNTO: Projeto de Lei n. 53/17 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de cadeira de rodas em condomínios residenciais localizados no Município de São Paulo.

Informação n. 42/2018 - PGM-AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

Em razão da aprovação do Projeto de Lei n. 53/17 pela Câmara Municipal, o qual aguarda deliberação do Senhor Prefeito quanto à sua sanção, SGM-ATL solicita manifestação quanto à competência do Município para impor aos condomínios residenciais o dever de dispor de cadeiras de rodas para uso dos moradores enfermos ou com deficiência, bem como no tocante à razoabilidade de que este alcance todos os condomínios residenciais localizados no Município.

É o breve relato.

Sem questionar os propósitos que nortearam o mérito da proposta, o fato é que não parece aceitável, sob a perspectiva jurídico-formal, seja sancionado o projeto de lei em questão, tendo em vista que ele extrapola a competência do Município para disciplinar a matéria.

Com efeito, o texto acaba por colidir com competências atribuídas ao legislador federal, ao qual cabe estabelecer normas gerais sobre a "proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência" (art. 24, XIV), o que está sujeito à competência suplementar dos Estados (art. 24, § 2º). Tais competências, de caráter legislativo, não se confundem com a competência, de caráter administrativo, para "cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência", que se atribui igualmente aos Municípios (art. 23, II)

No caso presente, a primeira competência referida levou à edição da Lei Federal n. 10.098/00, que "estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida" e da Lei Federal n. 13.146/15, que se atribui a designação de "Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)".

Assim dispõe a Lei n. 10.098/00:

CAPÍTULO V

DA ACESSIBILIDADE NOS EDIFÍCIOS DE USO PRIVADO

Art. 13. Os edifícios de uso privado em que seja obrigatória a instalação de elevadores deverão ser construídos atendendo aos seguintes requisitos mínimos de acessibilidade:

I - percurso acessível que una as unidades habitacionais com o exterior e com as dependências de uso comum;

II - percurso acessível que una a edificação à via pública, às edificações e aos serviços anexos de uso comum e aos edifícios vizinhos;

III - cabine do elevador e respectiva porta de entrada acessíveis para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Art. 14. Os edifícios a serem construídos com mais de um pavimento além do pavimento de acesso, à exceção das habitações unifamiliares, e que não estejam obrigados à instalação de elevador, deverão dispor de especificações técnicas e de projeto que facilitem a instalação de um elevador adaptado, devendo os demais elementos de uso comum destes edifícios atender aos requisitos de acessibilidade.

Art. 15. Caberá ao órgão federal responsável pela coordenação da política habitacional regulamentar a reserva de um percentual mínimo do total das habitações, conforme a característica da população local, para o atendimento da demanda de pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

De outra parte, consta da mesma lei, com a redação dada pela Lei n. 13.146/15:

Art. 12-A. Os centros comerciais e os estabelecimentos congêneres devem fornecer carros e cadeiras de rodas, motorizados ou não, para o atendimento da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.

Dessa sorte, é possível afirmar a legislação federal tratou tanto das regras específicas a serem atendidas por edifícios de uso privado quanto das situações em que seria obrigatório o fornecimento de cadeiras de rodas, mas não estabeleceu preceito algum que se relacionasse à imposição de que os edifícios de uso privado dispusessem de cadeiras de rodas para uso de seus moradores.

Se uma determinada matéria já é regulada por lei federal, tendo sido editada, pois, no âmbito da competência correspondente, não pode o Município pretender dispor de modo diverso sobre o mesmo tema. O assunto já foi objeto de análise por esta Procuradoria Geral, no âmbito do parecer ementado sob o n. 11.653, ocasião em que assim se consignou:

É certo que ao Município é facultado legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da CR) ou suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, II, da CR). Existem, todavia, limites ao exercício dessa competência: a norma municipal deve ser compatível com as normas federais e estaduais, não podendo ampliá-las, restringi-las ou contrariá-las, sob pena de ofensa ao princípio federativo. Além disso, a lei municipal deve exteriorizar não uma inovação, mas antes um ajuste das normas das outras esferas às peculiaridades locais.

Esse é o entendimento que vem sendo adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado, em sede de controle concentrado de constitucionalidade:

"O exame da lei acoimada de inconstitucional leva à conclusão de que houve ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual, pois que a proteção ao deficiente ou ao idoso não constitui matéria em que prepondera o interesse local (art. 30, I, da CF). Não se pode afirmar que exista predomínio desse interesse. Nem se pode afirmar que haja aqui campo para legislação que suplemente a federal ou a estadual (art. 30, II, da CF). Aqui, o que o Município pode é suprir lacunas e omissões, ou ainda ajustar as normas federais ou estaduais a peculiaridades locais, mas desde que presente o requisito primordial para tanto, o interesse local (cf., Alexandre de Moraes, ob. cit., p. 306).

(...)

Tudo isso mostra que a legislação federal tem cuidado da matéria. Não se pode, pois, falar em omissão. Talvez se possa falar em silêncio eloqüente do legislador, que tem cuidado de concretizar a proteção e a integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV, da Constituição Federal). Nem há, como dito, preponderância do interesse local, em tal matéria, de modo a justificar a ingerência municipal".1

No caso em exame, a lei federal limitou-se a exigir a acessibilidade dos edifícios privados em geral, nos termos em que foi configurada, bem como a impor o fornecimento de cadeiras de rodas por parte de centros comerciais e estabelecimentos semelhantes, mas não tratou da disponibilidade de cadeiras de rodas no condomínio em proveito dos próprios moradores. Ao contrariar os limites estabelecidos pela legislação federal, o projeto de lei padece de vício formal, por contrariar as normas gerais editadas segundo competência constitucional específica.

Assim já entendeu o Tribunal de Justiça do Estado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL 4.423/2010 DO MUNICÍPIO DE SUZANO, QUE DISPÕE SOBRE A COLOCAÇÃO DE CADEIRAS DE RODAS NAS PORTARIAS DOS PRÉDIOS RESIDENCIAIS, COMERCIAIS E SIMILARES DO MUNICÍPIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. AUSÊNCIA DE INTERESSE LOCAL. OFENSA AO ART. 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. VIOLAÇÃO AO PACTO FEDERATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. AÇÃO PROCEDENTE.

O exame da lei acoimada de inconstitucional leva à conclusão de que houve ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual, pois que a proteção ao deficiente ou ao idoso não constitui matéria em que prepondera o interesse local (art. 30, I, da CF). Não se pode afirmar que exista predomínio desse interesse. Nem se pode afirmar que haja aqui campo para legislação que suplemente a federal ou a estadual (art. 30, II, da CF). Aqui, o que o Município pode é suprir lacunas e omissões, ou ainda ajustar as normas federais ou estaduais a peculiaridades locais, mas desde que presente o requisito primordial para tanto, o interesse local (cf., Alexandre de Moraes, ob. cit., p. 306).

Mas se não há interesse local preponderante, não há como admitir tal ajustamento às peculiaridades locais, máxime quando se constata que não existe omissão do legislador federal. Ao contrário, a Lei Federal 10.098/2000 estabeleceu "as normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida". Os arts. 13 e seguintes desse diploma legal cuidam da acessibilidade nos edifícios de uso privado. (...) Não se pode, pois, falar em omissão. Talvez se possa falar em silêncio eloqüente do legislador, que tem cuidado de concretizar a proteção e a integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV, da Constituição Federal). Nem há, como dito, preponderância do interesse local, em tal matéria, de modo a justificar a ingerência municipal.2

Não bastassem os conflitos com o título competencial correspondente ao desporto, cumpre apontar que o projeto em exame também invade o espaço das normas de direito civil, neste caso privativas da União (art. 22, I da Constituição da República). De fato, cabe aos condomínios residenciais regular aspectos de seu funcionamento interno, observadas as regras da legislação federal, sobretudo no tocante ao uso das instalações coletivas (art. 3º) e exclusivas (art. 19 da Lei n. 4591/64).

A situação referida pelo projeto em exame, contudo, não guarda previsão legal. Cada morador, quando necessário, deve dispor de sua própria cadeira de rodas, não havendo fundamento jurídico para transferir esse ônus para o condomínio, ao qual cabe, pela lei, cuidar dos aspectos comuns decorrentes da existência de várias unidades autônomas no mesmo lote. De outra parte, ainda que fosse admissível, o efeito de proteção à pessoa enferma ou com deficiência seria bastante limitado: de fato, caso se impusesse tal ônus, o uso da cadeira estaria restrito aos espaços comuns do condomínio, já que seria vedado seu uso exclusivo (art. 3º da Lei n. 4591/64), deixando desprotegido o beneficiário dentro da unidade autônoma. Ademais, caso necessite da cadeira, a pessoa enferma ou deficiente certamente terá preferência por aquela que utiliza dentro da unidade autônoma, seja por tê-la escolhido, seja por estar habituada a ela, seja por ter investido algo a mais em seu próprio conforto - o que decerto não aconteceria no caso da cadeira adquirida pelo condomínio para o mero atendimento do hipotético preceito legal.

Além disso, a impossibilidade de transferir ao condomínio as despesas individuais do morador acaba por resultar, em si, em uma espécie de violação da razoabilidade, dada a ausência de adequação entre aos meios e os fins pretendidos. Como o condomínio não poderia fornecer cadeiras para o uso dentro das unidades autônomas, pois esta constitui, à luz do ordenamento jurídico, uma despesa pessoal de cada morador, este passaria a ter ao menos acesso a duas cadeiras: uma, própria, que utiliza em sua unidade autônoma, e outra, do condomínio, que utiliza nas áreas comuns, tendo de efetuar a complexa operação de ser transportado de uma cadeira para a outra conforme a área em que se situasse, o que dificilmente pode ser configurado como um benefício.

Por fim, o prazo estabelecido tampouco pode ser considerado razoável diante da realidade. De fato, caso todos os condomínios fossem obrigados a comprar cadeiras de rodas, uma para cada morador, no prazo de 90 dias da vigência da lei, certamente haveria um comprometimento da disponibilidade de cadeiras de rodas no mercado, em prejuízo daqueles que não residem em condomínios residenciais ou que, residindo, necessitam de uma cadeira de rodas para utilização dentro de sua unidade autônoma. É evidente que, neste ponto, a questão da razoabilidade se confunde com o mérito do projeto. No entanto, a observação, de caráter jurídico, quanto à impossibilidade de que o condomínio forneça cadeiras para uso privativo nas unidades autônomas, tem como consequência o fato de que eventual conversão do projeto em lei implicaria um aumento da necessidade de tais equipamentos, com prováveis efeitos no mercado e prejuízos àqueles que deviam ser os beneficiários da medida.

Assim sendo, conclui-se, em síntese, que a proposta em exame: a) invade competência do legislador federal, ao pretender legislar sobre aspectos relacionados ao regime de inclusão da pessoa com deficiência; b) interfere com matéria de direito civil, de competência privativa da União; c) viola aspectos da razoabilidade, dada a impossibilidade jurídica de impor ao condomínio que custeie cadeiras de rodas para utilização dentro das unidades autônomas.

Assim sendo, com as considerações ora efetuadas, sugere-se retorno do presente à Assessoria Técnico-Legislativa da Secretaria de Governo, proposta de veto total à proposta aprovada.

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São Paulo, 15/01/2018.

JOSE FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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1 TJSP - Órgão Especial - Direta de Inconstitucionalidade n° 0057175-69.2011.8.26.0000 - Relator Des. Campos Mello, j. 26.10.2011.

2 TJSP - Pleno - Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 0057175-69.2011.8.26.0000, j. 26.10.2011.

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TID nº 17305359

INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal - Assessoria Técnico Legislativa

ASSUNTO: Projeto de Lei n. 53/17 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de cadeira de rodas em condomínios residenciais localizados no Município de São Paulo.

Cont. da Informação n. 42/2018 - PGM.AJC

PGM

Senhora Procuradora Geral Substituta

Nos termos do parecer retro, que endosso, encaminho-lhe o presente com manifestação quanto ao projeto de lei em questão, aprovado pela Edilidade paulistana, sugerindo seja objeto de veto total, tendo em vista tratar de matéria de competência da União, podendo a proposta ser questionada, ainda, à luz da razoabilidade, tendo em vista as possíveis consequências práticas diante dos limites jurídicos pertinentes à impossibilidade de utilização da cadeira do condomínio dentro da unidade autônoma.

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São Paulo, 16/01/2018.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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TID nº 17305359

INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal - Assessoria Técnico Legislativa

ASSUNTO: Projeto de Lei n. 53/17 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de cadeira de rodas em condomínios residenciais localizados no Município de São Paulo.

Cont. da Informação n. 42/2018 - PGM.AJC

SGM-ATL

Senhora Assessora Especial

Restituo-lhe o presente, para as providências cabíveis, com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, propondo o veto integral do projeto de lei em exame, por motivo de ilegalidade, tendo em vista o vício de competência apontado, bem como a violação ao parâmetro da razoabilidade, tendo em vista os condicionantes jurídicos existentes na hipótese considerada.

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São Paulo, 16/01/2018.

LUCIANA SANT'ANA NARDI

PROCURADORA GERAL SUBSTITUTA

OAB/SP 173.307

PGM

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo