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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.361 de 24 de Novembro de 2025

EMENTA N° 12.361
Espaços livres contíguos oriundos de parcelamento do solo. Divisa entre ambos definida por córrego, estabilizada por ocasião das obras de retificação de seu curso. Área municipal correspondente a trecho de espaço livre de loteamento aprovado. Destinação ao domínio municipal. Invasão superveniente. Ausência de elementos que caracterizem implantação imperfeita do loteamento. Impossibilidade de reconhecimento da chamada regularização sumária (Ementa n. 11.773 - PGM-AJC). Inviabilidade de aquisição de trecho invadido diretamente mediante usucapião.

Processo nº 6021.2022/0049206-3

INTERESSADA: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

ASSUNTO: Ação de Usucapião. Imóvel situado na Rua Vicente Jorge, n° 78.

Informação n° 1299/2025 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhora Coordenadora Geral

Trata-se de procedimento administrativo instaurado com o escopo de subsidiar a atuação municipal na Ação de Usucapião n° 1093443-47.2021.8.26.0100, em trâmite perante a 2ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital, proposta por XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX. A referida ação judicial tem por objeto a declaração de domínio sobre o imóvel urbano localizado na Rua Vicente Jorge, n° 78, Vila Bancária Munhoz, com área que, segundo a exordial, totaliza 228,78 m2 (doc. n° 069997309).

A requerente fundamenta sua pretensão na posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini, exercida para fins de moradia por período superior a 56 anos. Alega que a posse teve início com seus sogros, XXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXX, que teriam adquirido o imóvel em 16 de março de 1965, e que, após seu casamento com o filho do casal em 1978, passou a residir no local, sucedendo na posse após o falecimento de seus familiares.

DESAP informou que, embora não houvesse registros de declaração de utilidade pública ou interesse social para o local, o imóvel usucapiendo se encontra inserido em área cadastrada como "Espaço Livre (EL)" (doc. n° 070125395). Tal constatação foi corroborada por sucessivas manifestações técnicas, notadamente da SUB-FB (doc. n° 070681957) e do próprio setor de engenharia de DEMAP, que, em análises preliminares, apontou a interferência total da área pleiteada com área pública municipal, destinada a "ESPAÇO LIVRE 10%" no Arruamento ARR 1563 (doc. n° 072046798).

Com base nestas informações técnicas iniciais, que indicavam a natureza pública do bem, a Municipalidade apresentou contestação nos autos judiciais (doc. n° 081798466).

A continuidade da instrução administrativa revelou a complexidade da situação fática e jurídica da questão. SEHAB/CRF informou que o parcelamento no local já se encontrava implantado em data anterior a 19 de dezembro de 1979 e que, com base em levantamentos aerofotogramétricos da época (Gegran - 1974), já existiam edificações na área indicada em período anterior a 1979 (doc. n° 073281353).

A instrução prosseguiu com novas análises técnicas, incluindo a sobreposição de diversas plantas históricas e cadastrais, como o ARR 1563, a planta de regularização AU 2164, a planta A-3576, o Mapa Digital da Cidade (MDC) e levantamentos GEGRAN. A análise da planta A-3576 (docs. n° 079903380 e 079913652) revelou que a área usucapienda já era identificada como "área invadida" no ano de 1974. Ademais, foi apontada a sobreposição da área pleiteada com o antigo leito do Córrego Cabuçu de Baixo, embora SIURB/PROJ-4, em manifestação posterior (doc. n° 129417329), tenha afirmado que, no levantamento Gegran, o local não é atingido por córrego.

Adicionalmente, foi produzido nos autos judiciais o laudo pericial (doc. n° 126164827), elaborado por perito nomeado pelo Juízo, que, após vistoria e levantamento topográfico, concluiu pela inexistência de interferência da área usucapienda com próprios municipais, descrevendo o imóvel com área de 220,80 m2 e confrontando apenas com propriedades particulares e logradouros públicos (Rua Vicente Jorge e Avenida Inajar de Souza).

Diante do cenário de aparente conflito entre os registros cadastrais de titularidade pública e a realidade fática consolidada há décadas, corroborada por pareceres técnicos internos (SEHAB) e pelo laudo pericial judicial, e da controvérsia sobre a aplicabilidade dos entendimentos consolidados desta Procuradoria Geral, o presente expediente foi submetido à análise superior para definição conclusiva do interesse municipal na causa e da estratégia processual a ser adotada. Este parecer, portanto, visa a oferecer a solução jurídica adequada para a questão.

DEMAP-G sustenta que a existência de edificações consolidadas no local, inclusive sobre o espaço livre indicado, revela que a realidade fática à época da regularização difere da planta formal. Compreende pela aplicação das Ementas n° 11.935 e n° 11.773 e pela manifestação de desinteresse da Municipalidade na ação de usucapião. Diante da complexidade da situação, o feito foi encaminhado para análise desta Procuradoria.

É o relatório.

Conforme indicado por DEMAP no documento n° 077479806, a área objeto da ação de usucapião interfere integralmente em áreas inicialmente compreendidas como municipais, especificamente o "espaço livre A" do Arruamento ARR 1563 (loteamento "Jardim Mandy") e o "espaço livre I" da Planta de Regularização AU 2164 (loteamento "Jardim Marina").

A divisa original entre os loteamentos "Jardim Mandy" e "Jardim Marina" era o Córrego Cabuçu. Sobre esse córrego, já houve manifestação desta Assessoria no parecer que deu origem à Ementa n° 11.805-PGM-AJC, nos seguintes termos:

"[...] Com efeito, assim como os registros em questão faziam referência a determinadas medidas, eles também faziam referência à confrontação com o leito do Rio Cabuçu. Trata-se, assim, de um terreno arcifinal, por ter como limite um acidente geográfico natural. Dadas as imprecisões que geralmente caracterizavam os registros da época - que muitas vezes nem sequer mencionavam certas medidas -,seria bastante razoável que tais transcrições fossem retificadas para que se adotasse uma descrição que mantivesse a confrontação com o rio, ainda que isso implicasse aumento das medidas laterais, de modo que retratassem algo compatível com tal caráter arcifinal, sem que se pudesse questionar o caráter intra muros do respectivo procedimento retificatório".

Embora a Planta de Regularização AU 2164 esteja desenhada sobre a área objeto da ação de usucapião ora em análise, é preciso considerar que a divisa original entre os loteamentos "Jardim Mandy" e "Jardim Marina" era elemento natural que pode mudar de posição ao longo do tempo.

A divisa entre as glebas, neste caso, corresponde à última posição do córrego antes de sua retificação (implantação da Avenida Inajar de Souza, oficializada - doc. n° 077760394).

Como caracterizado nos dois elementos mais próximos temporalmente à retificação — o levantamento Gegran e a planta expropriatória (doc. n° 079785764) —, o espaço livre anotado que se sobrepõe ao objeto do pedido de usucapião é aquele situado integralmente no ARR 1563.

Dessa forma, para fins de análise, é possível utilizar o levantamento Gegran como referência: o que se encontra à esquerda do córrego pertence à gleba originária do ARR 1563; o que se encontra à direita pertence àquela que originou o AU 2164. A interferência em estudo limita-se, portanto, ao ARR 1563, afastando-se da análise o espaço livre anotado na Planta de Regularização AU 2164.

O ARR 1563, referente ao loteamento "Parque Mandy", aprovado por alvará expedido em 18 de janeiro de 1962 (docs. n° 071418276 e 071418449), destinou parte da gleba original à implantação de áreas de uso comum, incluindo o espaço livre objeto deste estudo.

SEHAB atestou, com base em levantamentos aerofotogramétricos oficiais (Gegran), que o parcelamento na região já estava implantado antes de 19 de dezembro de 1979 e, mais especificamente, que existiam "edificações no local indicado na época do levantamento de 1974" (doc. n° 073281219). Tal constatação é corroborada por DEMAP, que, ao analisar a Planta A-3576 (doc. n° 079903380), concluiu que a área requerida já era considerada "área invadida" em 1974 (doc. n° 079913652).

Essa longevidade da ocupação, anterior ao marco temporal da Lei Federal n° 6.766/79, poderia atrair, conforme o caso concreto, a aplicação de entendimentos consolidados no âmbito da Procuradoria Geral do Município, que visam equacionar situações de irregularidade urbana há muito estabelecidas, como a Ementa n° 11.773-PGM-AJC.

O entendimento dessa ementa, porém, refere-se a irregularidades na implantação de parcelamentos do solo, que impedem a declaração final de conformidade (controle urbanístico sucessivo).

O processo de parcelamento envolve três fases: controle prévio, com a aprovação do plano de urbanização; controle concomitante, com fiscalização das obras; e controle sucessivo, com declaração de conformidade das obras concluídas.

A irregularidade tratada na Ementa n° 11.773-PGM-AJC ocorre quando há descumprimento de normas ou exigências durante a execução, tornando o parcelamento passível de regularização.

A destinação dos espaços livres no âmbito do parcelamento independe de implantação, uma vez que se trata de áreas desocupadas. Por isso, conforme já compreendido por esta Procuradoria (Informação n° 286/2020-PGM-AJC), a fixação de divisa entre lotes e espaços livres dentro de uma mesma quadra não integra a implantação do parcelamento.

A atividade de parcelamento é distinta da atividade de ocupação do solo. A inobservância de divisas entre lotes e espaços livres caracteriza irregularidade de ocupação, não de implantação.

Assim, a construção sobre espaço livre constitui, em regra, simples invasão, não tornando irregular o parcelamento. Após a entrega da quadra pelo parcelador, cabia aos proprietários — particulares e Município — respeitar as divisas, não sendo aplicável, em regra, a regularização sumária tratada na Ementa n° 11.773-PGM-AJC.

Daí a edição da Ementa n° 12.113-PGM-AJC, que estabelece: "Espaço livre previsto em loteamento aprovado. Ocupação parcial por lotes lindeiros. Impossibilidade de aplicação do art. 69 da Lei Federal n. 13.465/17 e do art. 19 da Lei Municipal n. 15.720/13 (Ementa n. 11.773 - PGM-AJC)".

Observe-se que não se trata de caso em que houve deslocamento estrutural de toda a quadra. Em síntese, a ocupação do espaço livre não resultou de eventual deslocamento dos limites ou parâmetros de lotes vizinhos — hipótese que poderia produzir um efeito em cascata sobre as demais divisas. No caso concreto, verifica-se apenas a construção direta e indevida de particular sobre área destinada a espaço livre, integrante do patrimônio do Município de São Paulo.

Registre-se, ainda, que o fato de o Município ter desfalcado parte do espaço livre original, com a instalação de logradouro (Avenida Inajar de Souza, oficializada - doc. n° 077760394) e de equipamento de saúde (UBS Vila Ramos), não altera a natureza jurídica do espaço remanescente, conforme compreendido no parecer que deu origem à Ementa n° 12.140-PGM-AJC.

A ocupação do espaço livre em análise deve ser considerada, portanto, invasão, conforme apurado na Planta A-3576 (doc. n° 079903380), não havendo como legitimá-la mediante regularização sumária, entendimento aplicável a irregularidades de implantação. Neste sentido, dispõe a própria Ementa n° 11.773-PGM-AJC:

"Ressalte-se, no mais, por oportuno, que a tese aqui sustentada se restringe à interpretação do valor jurídico a ser dado, no contexto atual, a plantas de parcelamentos inscritos, aprovados ou regularizados anteriores a 19.12.1979. Os dispositivos legais invocados referem-se a uma realidade específica, a dos parcelamentos do solo que, por alguma razão, não lograram ser plenamente concluídos sob as diversas perspectivas regulatórias, de modo a alcançar uma situação de regularidade, não conseguindo alcançar uma implantação compatível com a realidade formal outrora subjacente. De outra parte, o entendimento está baseado em uma compreensão abstrata de uma contraposição entre documentos formais e a realidade fática, não podendo antecipar as diversas particularidades que podem acontecer nos casos concretos. Assim sendo, caso acolhida, a tese aqui desenvolvida não serviria, é claro, para legitimar toda espécie de antiga ocupação de próprios municipais que não esteja relacionada especificamente à questão ora enfrentada, nem dispensaria uma análise de cada caso para a verificação de alguma particularidade que pudesse levar a uma conclusão distinta".

No caso, a ocupação de um espaço livre não torna irregular o loteamento, pois o recebimento da área vazia é perfeitamente compatível com a sua regularidade. A ocupação não é uma irregularidade do processo de implantação do loteamento, mas uma questão de invasão, relacionada ao regime das áreas que foram destinadas à urbe.

Isso não significa que a Municipalidade não possa, por outros meios, regularizar a situação, mas tal regularização não pode ocorrer por meio de regularização sumária nem diretamente mediante usucapião. A ocupação exercida por particular sobre bem público, por mais longa e pacífica que seja, não induz prescrição aquisitiva, configurando mera detenção, inábil a ensejar usucapião.

Diante de todo o exposto e considerando a instrução realizada neste procedimento administrativo, esta Assessoria opina no sentido de que a Municipalidade de São Paulo mantenha a manifestação de oposição ao pedido de usucapião formulado pelo interessado na Ação de Usucapião n° 109344347.2021.8.26.0100.

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São Paulo, 24/11/2025

LUÍS FERNANDO DE SOUZA PASTANA

Procurador do Município Assessor - AJC

OAB/SP 246.323

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De acordo.

São Paulo, 24/11/2025

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

Procurador Assessor Chefe - AJC

OAB/SP 173.027

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Processo nº 6021.2022/0049206-3

INTERESSADA: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

ASSUNTO: Ação de Usucapião. Imóvel situado na Rua Vicente Jorge, n° 78.

Cont. da Informação n° 1299/2025- PGM.AJC

DEMAP

Senhora Diretora

Com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva, que acolho, encaminho-lhe o presente para que seja mantida a manifestação de oposição ao pedido de usucapião formulado pelo interessado na Ação de Usucapião n° 1093443-47.2021.8.26.0100.

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São Paulo, 24/11/2025

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

Procuradora Coordenadora Geral do Consultivo - CGC

OAB/SP 175.186

Usar para parecer e outros casos específicos