Processo nº 6021.2022/0049206-3
INTERESSADA: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Ação de Usucapião. Imóvel situado na Rua Vicente Jorge, n° 78.
Informação n° 1299/2025 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhora Coordenadora Geral
Trata-se de procedimento administrativo instaurado com o escopo de subsidiar a atuação municipal na Ação de Usucapião n° 1093443-47.2021.8.26.0100, em trâmite perante a 2ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital, proposta por XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX. A referida ação judicial tem por objeto a declaração de domínio sobre o imóvel urbano localizado na Rua Vicente Jorge, n° 78, Vila Bancária Munhoz, com área que, segundo a exordial, totaliza 228,78 m2 (doc. n° 069997309).
A requerente fundamenta sua pretensão na posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini, exercida para fins de moradia por período superior a 56 anos. Alega que a posse teve início com seus sogros, XXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXX, que teriam adquirido o imóvel em 16 de março de 1965, e que, após seu casamento com o filho do casal em 1978, passou a residir no local, sucedendo na posse após o falecimento de seus familiares.
DESAP informou que, embora não houvesse registros de declaração de utilidade pública ou interesse social para o local, o imóvel usucapiendo se encontra inserido em área cadastrada como "Espaço Livre (EL)" (doc. n° 070125395). Tal constatação foi corroborada por sucessivas manifestações técnicas, notadamente da SUB-FB (doc. n° 070681957) e do próprio setor de engenharia de DEMAP, que, em análises preliminares, apontou a interferência total da área pleiteada com área pública municipal, destinada a "ESPAÇO LIVRE 10%" no Arruamento ARR 1563 (doc. n° 072046798).
Com base nestas informações técnicas iniciais, que indicavam a natureza pública do bem, a Municipalidade apresentou contestação nos autos judiciais (doc. n° 081798466).
A continuidade da instrução administrativa revelou a complexidade da situação fática e jurídica da questão. SEHAB/CRF informou que o parcelamento no local já se encontrava implantado em data anterior a 19 de dezembro de 1979 e que, com base em levantamentos aerofotogramétricos da época (Gegran - 1974), já existiam edificações na área indicada em período anterior a 1979 (doc. n° 073281353).
A instrução prosseguiu com novas análises técnicas, incluindo a sobreposição de diversas plantas históricas e cadastrais, como o ARR 1563, a planta de regularização AU 2164, a planta A-3576, o Mapa Digital da Cidade (MDC) e levantamentos GEGRAN. A análise da planta A-3576 (docs. n° 079903380 e 079913652) revelou que a área usucapienda já era identificada como "área invadida" no ano de 1974. Ademais, foi apontada a sobreposição da área pleiteada com o antigo leito do Córrego Cabuçu de Baixo, embora SIURB/PROJ-4, em manifestação posterior (doc. n° 129417329), tenha afirmado que, no levantamento Gegran, o local não é atingido por córrego.
Adicionalmente, foi produzido nos autos judiciais o laudo pericial (doc. n° 126164827), elaborado por perito nomeado pelo Juízo, que, após vistoria e levantamento topográfico, concluiu pela inexistência de interferência da área usucapienda com próprios municipais, descrevendo o imóvel com área de 220,80 m2 e confrontando apenas com propriedades particulares e logradouros públicos (Rua Vicente Jorge e Avenida Inajar de Souza).
Diante do cenário de aparente conflito entre os registros cadastrais de titularidade pública e a realidade fática consolidada há décadas, corroborada por pareceres técnicos internos (SEHAB) e pelo laudo pericial judicial, e da controvérsia sobre a aplicabilidade dos entendimentos consolidados desta Procuradoria Geral, o presente expediente foi submetido à análise superior para definição conclusiva do interesse municipal na causa e da estratégia processual a ser adotada. Este parecer, portanto, visa a oferecer a solução jurídica adequada para a questão.
DEMAP-G sustenta que a existência de edificações consolidadas no local, inclusive sobre o espaço livre indicado, revela que a realidade fática à época da regularização difere da planta formal. Compreende pela aplicação das Ementas n° 11.935 e n° 11.773 e pela manifestação de desinteresse da Municipalidade na ação de usucapião. Diante da complexidade da situação, o feito foi encaminhado para análise desta Procuradoria.
É o relatório.
Conforme indicado por DEMAP no documento n° 077479806, a área objeto da ação de usucapião interfere integralmente em áreas inicialmente compreendidas como municipais, especificamente o "espaço livre A" do Arruamento ARR 1563 (loteamento "Jardim Mandy") e o "espaço livre I" da Planta de Regularização AU 2164 (loteamento "Jardim Marina").
A divisa original entre os loteamentos "Jardim Mandy" e "Jardim Marina" era o Córrego Cabuçu. Sobre esse córrego, já houve manifestação desta Assessoria no parecer que deu origem à Ementa n° 11.805-PGM-AJC, nos seguintes termos:
"[...] Com efeito, assim como os registros em questão faziam referência a determinadas medidas, eles também faziam referência à confrontação com o leito do Rio Cabuçu. Trata-se, assim, de um terreno arcifinal, por ter como limite um acidente geográfico natural. Dadas as imprecisões que geralmente caracterizavam os registros da época - que muitas vezes nem sequer mencionavam certas medidas -,seria bastante razoável que tais transcrições fossem retificadas para que se adotasse uma descrição que mantivesse a confrontação com o rio, ainda que isso implicasse aumento das medidas laterais, de modo que retratassem algo compatível com tal caráter arcifinal, sem que se pudesse questionar o caráter intra muros do respectivo procedimento retificatório".
Embora a Planta de Regularização AU 2164 esteja desenhada sobre a área objeto da ação de usucapião ora em análise, é preciso considerar que a divisa original entre os loteamentos "Jardim Mandy" e "Jardim Marina" era elemento natural que pode mudar de posição ao longo do tempo.
A divisa entre as glebas, neste caso, corresponde à última posição do córrego antes de sua retificação (implantação da Avenida Inajar de Souza, oficializada - doc. n° 077760394).
Como caracterizado nos dois elementos mais próximos temporalmente à retificação — o levantamento Gegran e a planta expropriatória (doc. n° 079785764) —, o espaço livre anotado que se sobrepõe ao objeto do pedido de usucapião é aquele situado integralmente no ARR 1563.
Dessa forma, para fins de análise, é possível utilizar o levantamento Gegran como referência: o que se encontra à esquerda do córrego pertence à gleba originária do ARR 1563; o que se encontra à direita pertence àquela que originou o AU 2164. A interferência em estudo limita-se, portanto, ao ARR 1563, afastando-se da análise o espaço livre anotado na Planta de Regularização AU 2164.
O ARR 1563, referente ao loteamento "Parque Mandy", aprovado por alvará expedido em 18 de janeiro de 1962 (docs. n° 071418276 e 071418449), destinou parte da gleba original à implantação de áreas de uso comum, incluindo o espaço livre objeto deste estudo.
SEHAB atestou, com base em levantamentos aerofotogramétricos oficiais (Gegran), que o parcelamento na região já estava implantado antes de 19 de dezembro de 1979 e, mais especificamente, que existiam "edificações no local indicado na época do levantamento de 1974" (doc. n° 073281219). Tal constatação é corroborada por DEMAP, que, ao analisar a Planta A-3576 (doc. n° 079903380), concluiu que a área requerida já era considerada "área invadida" em 1974 (doc. n° 079913652).
Essa longevidade da ocupação, anterior ao marco temporal da Lei Federal n° 6.766/79, poderia atrair, conforme o caso concreto, a aplicação de entendimentos consolidados no âmbito da Procuradoria Geral do Município, que visam equacionar situações de irregularidade urbana há muito estabelecidas, como a Ementa n° 11.773-PGM-AJC.
O entendimento dessa ementa, porém, refere-se a irregularidades na implantação de parcelamentos do solo, que impedem a declaração final de conformidade (controle urbanístico sucessivo).
O processo de parcelamento envolve três fases: controle prévio, com a aprovação do plano de urbanização; controle concomitante, com fiscalização das obras; e controle sucessivo, com declaração de conformidade das obras concluídas.
A irregularidade tratada na Ementa n° 11.773-PGM-AJC ocorre quando há descumprimento de normas ou exigências durante a execução, tornando o parcelamento passível de regularização.
A destinação dos espaços livres no âmbito do parcelamento independe de implantação, uma vez que se trata de áreas desocupadas. Por isso, conforme já compreendido por esta Procuradoria (Informação n° 286/2020-PGM-AJC), a fixação de divisa entre lotes e espaços livres dentro de uma mesma quadra não integra a implantação do parcelamento.
A atividade de parcelamento é distinta da atividade de ocupação do solo. A inobservância de divisas entre lotes e espaços livres caracteriza irregularidade de ocupação, não de implantação.
Assim, a construção sobre espaço livre constitui, em regra, simples invasão, não tornando irregular o parcelamento. Após a entrega da quadra pelo parcelador, cabia aos proprietários — particulares e Município — respeitar as divisas, não sendo aplicável, em regra, a regularização sumária tratada na Ementa n° 11.773-PGM-AJC.
Daí a edição da Ementa n° 12.113-PGM-AJC, que estabelece: "Espaço livre previsto em loteamento aprovado. Ocupação parcial por lotes lindeiros. Impossibilidade de aplicação do art. 69 da Lei Federal n. 13.465/17 e do art. 19 da Lei Municipal n. 15.720/13 (Ementa n. 11.773 - PGM-AJC)".
Observe-se que não se trata de caso em que houve deslocamento estrutural de toda a quadra. Em síntese, a ocupação do espaço livre não resultou de eventual deslocamento dos limites ou parâmetros de lotes vizinhos — hipótese que poderia produzir um efeito em cascata sobre as demais divisas. No caso concreto, verifica-se apenas a construção direta e indevida de particular sobre área destinada a espaço livre, integrante do patrimônio do Município de São Paulo.
Registre-se, ainda, que o fato de o Município ter desfalcado parte do espaço livre original, com a instalação de logradouro (Avenida Inajar de Souza, oficializada - doc. n° 077760394) e de equipamento de saúde (UBS Vila Ramos), não altera a natureza jurídica do espaço remanescente, conforme compreendido no parecer que deu origem à Ementa n° 12.140-PGM-AJC.
A ocupação do espaço livre em análise deve ser considerada, portanto, invasão, conforme apurado na Planta A-3576 (doc. n° 079903380), não havendo como legitimá-la mediante regularização sumária, entendimento aplicável a irregularidades de implantação. Neste sentido, dispõe a própria Ementa n° 11.773-PGM-AJC:
"Ressalte-se, no mais, por oportuno, que a tese aqui sustentada se restringe à interpretação do valor jurídico a ser dado, no contexto atual, a plantas de parcelamentos inscritos, aprovados ou regularizados anteriores a 19.12.1979. Os dispositivos legais invocados referem-se a uma realidade específica, a dos parcelamentos do solo que, por alguma razão, não lograram ser plenamente concluídos sob as diversas perspectivas regulatórias, de modo a alcançar uma situação de regularidade, não conseguindo alcançar uma implantação compatível com a realidade formal outrora subjacente. De outra parte, o entendimento está baseado em uma compreensão abstrata de uma contraposição entre documentos formais e a realidade fática, não podendo antecipar as diversas particularidades que podem acontecer nos casos concretos. Assim sendo, caso acolhida, a tese aqui desenvolvida não serviria, é claro, para legitimar toda espécie de antiga ocupação de próprios municipais que não esteja relacionada especificamente à questão ora enfrentada, nem dispensaria uma análise de cada caso para a verificação de alguma particularidade que pudesse levar a uma conclusão distinta".
No caso, a ocupação de um espaço livre não torna irregular o loteamento, pois o recebimento da área vazia é perfeitamente compatível com a sua regularidade. A ocupação não é uma irregularidade do processo de implantação do loteamento, mas uma questão de invasão, relacionada ao regime das áreas que foram destinadas à urbe.
Isso não significa que a Municipalidade não possa, por outros meios, regularizar a situação, mas tal regularização não pode ocorrer por meio de regularização sumária nem diretamente mediante usucapião. A ocupação exercida por particular sobre bem público, por mais longa e pacífica que seja, não induz prescrição aquisitiva, configurando mera detenção, inábil a ensejar usucapião.
Diante de todo o exposto e considerando a instrução realizada neste procedimento administrativo, esta Assessoria opina no sentido de que a Municipalidade de São Paulo mantenha a manifestação de oposição ao pedido de usucapião formulado pelo interessado na Ação de Usucapião n° 109344347.2021.8.26.0100.
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São Paulo, 24/11/2025
LUÍS FERNANDO DE SOUZA PASTANA
Procurador do Município Assessor - AJC
OAB/SP 246.323
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De acordo.
São Paulo, 24/11/2025
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
Procurador Assessor Chefe - AJC
OAB/SP 173.027
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Processo nº 6021.2022/0049206-3
INTERESSADA: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Ação de Usucapião. Imóvel situado na Rua Vicente Jorge, n° 78.
Cont. da Informação n° 1299/2025- PGM.AJC
DEMAP
Senhora Diretora
Com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva, que acolho, encaminho-lhe o presente para que seja mantida a manifestação de oposição ao pedido de usucapião formulado pelo interessado na Ação de Usucapião n° 1093443-47.2021.8.26.0100.
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São Paulo, 24/11/2025
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Coordenadora Geral do Consultivo - CGC
OAB/SP 175.186
Usar para parecer e outros casos específicos