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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.935 de 24 de Janeiro de 2019

EMENTA N° 11.935
Loteamento anterior a 19.12.1979. Regularização em 1992, com averbação da planta AU e previsão de logradouro. Desconformidade manifesta entre a planta de regularização e a realidade implantada. Ausência de fundamento para sustentar o domínio público com base na planta AU. Aplicabilidade do art. 69 da Lei Federal n. 13.465/17 e do art. 19 da Lei Municipal n. 15.720/13 apenas para o fim de considerar o loteamento regular sob a perspectiva urbanístico-ambiental, dispensando outras providências a respeito.

Processo n° 6021.2018/0007459-0

INTERESSADA: Silvia Cristina Bucci e outra

ASSUNTO: Ação de usucapião. Proc. n. 1107629-85.2015.8.26.0100 - 1ª Vara de Registros Públicos.

Informação n. 0053/2019-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

O presente foi instaurado para acompanhar ação de usucapião relativa ao imóvel situado na Rua Silvério Nery, 265.

A Divisão Técnica de Apoio de DEMAP apontou indícios de interferência do imóvel usucapiendo com leito de via averbada por força de processo de regularização de parcelamento do solo, nos termos da Planta AU-1894 (doc. 8742928, 8742938 e 012579921). Caso não se considerasse tal planta, não haveria interferência alguma (doc. 012117291).

A Diretoria de DEMAP entendeu que a implantação da Rua Silvério Nery é anterior a 19.12.1979, tendo configuração distinta daquela que foi retratada na Planta AU-1894. Por isso, seria aplicável o entendimento objeto da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC. Sendo acatado tal entendimento, seria autorizada a manifestação de desinteresse da Municipalidade no feito (doc. 012805518).

É o breve relatório.

Em princípio, caberia à planta de regularização retratou a situação existente no momento da conclusão de tal procedimento, cujo objeto é justamente adequar a situação formal à realidade. Em condições ideais, a situação real teria sido devidamente apurada por ocasião da regularização, de modo que eventual desconformidade entre a situação atual e a planta de regularização decorreria de uma superveniente invasão de logradouro e não de uma questão relacionada à implantação do loteamento antes de 19.12.1979.

No caso presente, a consulta ao processo de regularização (n. 1984-0.029.160-3) revela que foi adotada uma compreensão de certo modo distinta da representação da situação efetivamente existente. Naquela ocasião, os órgãos técnicos reconheceram sucessivamente que a proposta apresentada pelo interessado não era compatível com a situação presente no local (fls. 31/37 e 87), retratada em fotografia de 1992 (fls. 186). A propósito, o interessado chegou a apresentar planta com a configuração da situação existente (fls. 55), mas alguns dos lotes a serem regularizados (12, 13 e 14) invadiam parte da gleba vizinha, tendo acesso ao trecho realmente implantado da Rua Silvério Nery através dessa área invadida. Como a situação existente desses lotes exigia acesso pela gleba vizinha, não seria possível regularizar essa confrontação exclusivamente dentro da gleba parcelada. A solução foi prever, na própria gleba, uma via que não existia e nunca existiu, passando a constar como um prolongamento, com traçado irregular, da verdadeira Rua Silvério Nery.

Não há como negar que tal solução era compatível com o contrato particular de venda dos lotes envolvidos, que mencionava um acesso por uma "travessa particular que sai da Rua Silvério Nery" (fls. 45, 47 e 49 do p.a. n. 1984-0.029.160-3). Com base nisso, seria razoável afirmar que a situação de ocupação de parte da gleba vizinha seria algo de responsabilidade dos adquirentes dos lotes (fls. 116). Também não se pode deixar de mencionar que, tendo em conta os limites então existentes na concepção do registro da regularização, seria impossível, do ponto de vista formal, equacionar a situação efetivamente existente, segundo a qual os lotes dependiam de acesso por outra gleba. Em vista desses pontos, tudo indica que se admitiu deliberadamente a regularização incompatível com a situação fática para o fim de propiciar o registro dos contratos, adotando-se uma solução imperfeita, contudo, no tocante à situação dominial.

De fato, o então RESOLO houve por bem regularizar uma via inexistente e solicitar ao então PATR as providências para sua desocupação (cf. fls. 191, 195 e, especialmente, o memorando de fls. 231 do p.a. n. 1984-0.029.160-3). Isso, contudo, foi feito sem nenhum parecer jurídico quanto a essa alternativa, no qual seria preciso analisar, sob a perspectiva dominial, se havia como sustentar o domínio público sobre a via representada na planta, sobretudo porque ela não existia no local. Na verdade, mencionou-se que havia invasão de área pública (fls. 102, 165 e 191), mas sem o estudo jurídico correspondente.

Em tese, seria possível considerar uma espécie de concurso voluntário no caso, sob o argumento de que o loteador ofereceu a via à Municipalidade, que requereu sua averbação como pública por força da regularização. No entanto, essa atuação da Municipalidade, que configuraria a aceitação da área, padeceria de vício insanável, pois, no regime da regularização da época, a aceitação somente poderia ocorrer para o fim de estabilizar uma situação de fato existente. Nesse contexto, podia a Municipalidade aceitar a oferta, implantar o logradouro no trecho considerado e depois pedir sua averbação. É indiscutível que isso poderia atrasar a regularização, conforme chegou a ser mencionado por RESOLO (fls. 165). No entanto, não era possível obter efeitos dominiais diante dessa omissão quanto à implantação, pela qual a Urbe deixou de enfrentar os problemas práticos e jurídicos que já existiam naquela ocasião - sobretudo porque, sendo os contratos de 1972, havia a real possibilidade de que os titulares dos lotes já ocupassem o leito de tal via projetada em prazo suficiente para fazerem jus ao domínio do imóvel, por força de usucapião.

Nesse panorama, estando afastada a hipótese de uma invasão posterior à regularização e tendo em conta que a existência de uma via pública no local foi prevista de modo artificial e destituído de qualquer fundamento jurídico, não haveria como sustentar o domínio público sobre o referido trecho exclusivamente com base na planta de regularização, sendo descabido impugnar o pedido formulado.

No entanto, como se pode observar, a discussão existente no caso não diz respeito diretamente ao reconhecimento da existência de uma regularização sumária do parcelamento, nos termos do parecer objeto da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, mas à avaliação da qualidade da planta AU-1894, que retratou certa área como via pública, o que não coincide com a situação existente, seja ao tempo da regularização, seja agora.

É certo que em precedente analisado por esta Assessoria, considerou-se a regularização sumária como forma de solução para uma incompatibilidade entre a situação fática e aquela que foi representada na planta de regularização do parcelamento (Ementa n. 11.882 - PGM-AJC1). No entanto, na situação examinada nesse parecer, havia um loteamento aprovado anterior, que havia sido responsável pelo surgimento de uma propriedade pública resolúvel, não atingida pela regularização. Esta propriedade, ainda transitória, é que seria resolvida por meio da aplicação dos dispositivos referidos pela Ementa n. 11.773 - PGM-AJC.

Trata-se de uma situação distinta daquela que se verifica no caso presente. Aqui, não há loteamento aprovado ou inscrito anterior, mas apenas a própria planta de regularização. Destituída de aprovação ou inscrição anterior, que tenha feito surgir o domínio municipal em caráter resolúvel, a planta de regularização não é capaz de gerar uma situação projetada, da qual advenham direitos para a Urbe. Na verdade, não há ali projeto algum, mas tão somente uma representação gráfica daquela que deveria ser - mas não era - a situação fática existente.

Se a instrução revela que a situação fática não foi adequadamente apurada por ocasião da elaboração da planta de regularização, não se trata de aplicar o entendimento desenvolvido no parecer objeto da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, pois não há uma propriedade cuja resolução possa ser verificada, mas sim um vício na descrição das áreas públicas ali previstas, o que torna inviável reconhecer à regularização do parcelamento os efeitos relativos à aquisição imobiliária pelo Município. Trata-se, pois, da necessidade de desconsiderar uma planta de regularização tecnicamente imperfeita, para o fim de recusar-lhe efeitos dominiais correspondentes, conforme já se fez em outro procedente analisado por esta Assessoria (Informação n. 488/15 - PGM-AJC)2.

Na verdade, a Ementa n. 11.773 - PGM-AJC tem por referência as situações em que, em algum momento, foi possível sustentar a existência de uma propriedade resolúvel em favor do Município, não alcançando os casos em que esta nunca existiu - sendo o bem, portanto, sempre privado - ou em que foi consolidada no domínio público - de tal forma que eventual ocupação constituiria invasão superveniente.

Nada obstante, não há como deixar de considerar que o loteamento em questão, sendo anterior a 19.12.1979, foi efetivamente atingido pela chamada regularização sumária. De fato, os elementos formais existentes não correspondem à realidade, demandando, pois, em tese, nova regularização, que observe a realidade anterior a 1979. Entretanto, não havendo uma situação de propriedade resolúvel, essa regularização sumária não teve repercussão dominial alguma em relação do Município.

A aplicação da regularização sumária, ainda que não para fins dominiais, é aqui especialmente relevante. Com efeito, há uma planta de regularização averbada, até mesmo em razão de sentença judicial, o que não afasta a imperfeição dessa regularização, que não logrou retratar a situação efetivamente implantada. Persistindo a irregularidade do parcelamento, caberia uma nova regularização, pela qual seria substituída a planta averbada. No entanto, não parece necessário desencadear providências a respeito, pois, sob a perspectiva urbanístico-ambiental, tal regularização já ocorreu por força de lei, tendo em vista que se trata de uma realidade anterior a 19.12.1979 - em verdade, a regularização processou-se nos termos do Decreto n. 15.764/79, que exigia a implantação até 1972, a qual foi verificada a partir dos contratos constantes do respectivo processo (fls. 191), o que elimina qualquer dúvida a respeito.

Diante de todo o exposto, consideradas todas as peculiaridades do caso, não se trata de caso passível de aplicação do entendimento objeto da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, mas de impossibilidade de fundamentar o domínio público em fundamento viciado, correspondente à imperfeita regularização do parcelamento, razão pela qual se sugere a restituição do presente a DEMAP, para que se autorize, pela competência, a manifestação de desinteresse no feito.

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São Paulo, 24/01/2019.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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1 Assim constou daquele parecer: "Nos casos de loteamentos regularizados em que a realidade fática diverge da planta então adotada, a própria regularização ocorreu de modo imperfeito, eis que tal planta - normalmente inspirada na aprovação anterior - continuou a não corresponder a regularidade, decerto porque o procedimento, embora tenha cuidado de outros assuntos não menos relevantes, acabou por não incluir a verificação precisa da situação efetivamente implantada. Para que a regularização fosse plena, a realidade implantada deveria coincidir com os elementos formais: para tanto, seria preciso que, com base em um levantamento técnico, tivesse sido elaborada uma nova planta, que retratasse fielmente a situação fática, de modo que não houvesse interferência alguma entre lotes e áreas públicas, justamente porque estas teriam sido, nessa hipótese, apropriadamente realocadas. Não tendo sido efetivada tal providência, o fato é que persistiu a irregularidade do loteamento nesse aspecto, o que, a rigor, tornaria necessário um novo procedimento de regularização, não fosse a modalidade de regularização sumária prevista pelos dispositivos legais mencionados. Com base neles, na forma descrita no parecer objeto da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, é possível afirmar que o loteamento em questão alcançou a regularidade plena por força de lei, não havendo mais necessidade de providências quanto à alocação imperfeita de áreas públicas decorrente da imprecisão na implantação do projeto de loteamento".

2 Lembre-se que, mesmo no regime anterior, algum conteúdo subjacente já devia ser exigido em relação aos efeitos dominais plantas de parcelamento do solo: "Tudo isso ocorre porque não é possível simplesmente desconsiderar as plantas existentes, pois estas constituem - sempre que válidas, tecnicamente adequadas e associadas a atos hígidos de aprovação, inscrição, registro ou regularização - elementos oficiais representativos do domínio público" (Informação n. 2003/2014-SNJ.G, no p.a. n. 20100.143.187-8).

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Processo n° 6021.2018/0007459-0

INTERESSADA: Silvia Cristina Bucci e outra

ASSUNTO: Ação de usucapião. Proc. n. 1107629-85.2015.8.26.0100 - 1ª Vara de Registros Públicos.

Cont. da Informação n. 0053/2019-PGM.AJC

PGM

Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que, em vista das imperfeições havidas no processo de regularização, não há como sustentar o domínio público sobre a trecho de viário não implantado representado como integrante da Rua Silvério Nery, devendo o processo ser restituído a DEMAP, para que seja manifestado o desinteresse no feito.

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São Paulo, 29/01/2019.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo n° 6021.2018/0007459-0

INTERESSADA: Silvia Cristina Bucci e outra

ASSUNTO: Ação de usucapião. Proc. n. 1107629-85.2015.8.26.0100 - 1ª Vara de Registros Públicos.

Cont. da Informação n. 0053/2019-PGM.AJC

DEMAP

Senhora Diretora

Com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido da ausência de elementos para fundamentar eventual impugnação ao pedido, em razão das imperfeições verificadas no processo de regularização do parcelamento do solo, restituo-lhe o presente, pela competência, para que seja autorizada a manifestação de desinteresse no feito.

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São Paulo, 12/02/2019.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo