Processo nº 6021.2023/0054118-0
INTERESSADO: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Processo Sumário. Proposta de suspensão.
Informação n. 795/2025 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Coordenadoria Geral do Consultivo
Senhora Coordenadora Geral
Trata-se de processo sumário instaurado contra a servidora em epígrafe, com fundamento no art. 202 da Lei Municipal n. 8.989/79, em razão de realização de obra nas dependências da EMEF Donato Sussumu Kimura com recursos do Programa de Transferência de Recursos Financeiros e sem prévia anuência do Setor de Prédios e Equipamentos da Secretaria Municipal de Educação (SME), não passível de regularização e com exposição de risco à segurança dos frequentadores.
Após regular instrução, a Comissão Processante Permanente concluiu no relatório (doc. 129048514) pela existência de ato ilícito culposo, o qual não seria punível em razão da excepcionalidade prevista no art. 18 do CP, propondo a absolvição da sumariada.
Por outro lado, a Diretoria do PROCED entendeu que os atos culposos seriam passíveis de sanção, propondo a aplicação da penalidade de suspensão por 10 (dez) dias.
É o breve relatório.
A partir das provas colhidas, em especial o interrogatório da sumariada (doc. 092064578), depreende-se que houve a prática de ilícito administrativo culposo na modalidade negligência diante da realização de obras sem a observância dos requisitos regulamentares. A servidora justifica sua atuação na falta de espaço para recepcionar o grande acúmulo de bens patrimoniais inservíveis, assim como na aprovação das obras pelo Conselho de Escola e pela APM.
Não se nega que a edição do Decreto n. 59.660 de 4 de agosto de 2020 e a Instrução Normativa n. 28 de 14 de setembro de 2020 são posteriores à aprovação das obras pelo Conselho de Escola e pela APM. Contudo, a aprovação dessas entidades nunca foi suficiente para a iniciação de obras em unidades escolares. Antes da criação da Coordenadoria de Contratos de Obras e Manutenção Predial (COMPARE), o Decreto n. 58.154/2018 atribuía suas funções à Divisão de Obras (DIOB), inclusive quanto à análise e emissão de parecer técnico em projetos arquitetônicos relativos à construção ou reforma de unidades educacionais (art. 54, I, do Decreto n. 58.514/2018).
Além disso, a Instrução Normativa n. 28/2020 não contou com regime de transição para as obras já iniciadas em sua vigência, mas há disposição no art. 12 no sentido de que os casos omissos serão objeto de análise e aprovação de SME/COTIC. De toda forma, nunca houve vazio regulamentar a ponto de dispensar qualquer comunicação aos órgãos técnicos da SME, não tendo sido observado em sede de apurações preliminares ou de processo sumário quaisquer evidências de que a DIOB ou a COTIC foram contatadas.
Ao conhecer as normas aplicáveis e entender pela desnecessidade de submissão das obras à autorização de órgão técnico da SME, a servidora terminou por agir de forma negligente. Assim, comprova-se a existência do ato culposo. Quanto à existência do dano, este foi comprovado a partir do Parecer Técnico elaborado engenheiro (doc. 118340987), no qual concluiu que a obra realizada não apresenta condições de segurança e habitabilidade em razão de erros estruturais críticos, recomendando seu desfazimento. E, por fim, o nexo causal se fundamenta na determinação da servidora para a realização das obras, inclusive com a aprovação pelo Conselho de Escola e pela APM.
E, aqui, cumpre pontuar que assiste razão ao PROCED por compreender que inexiste vedação à punição em sede de procedimento administrativo disciplinar pela prática de atos culposos.
Ainda que as garantias do procedimento disciplinar tenham forte inspiração naquelas afetas ao direito penal, não há que se falar em equiparação absoluta entre os regimes administrativo sancionador e criminal[1]. Os sistemas se complementam na medida em que operam a partir do binômino infração-sanção, mas se repelem conforme suas particularidades e regime jurídico a que estão submetidos.
Dessa forma, por falta de fundamento legal, o princípio da excepcionalidade do ilícito culposo (art. 18, parágrafo único, do CP) não é imediatamente aplicável ao direito administrativo. Houve opção legítima do legislador por não reproduzir a imprescindibilidade da culpa nos tipos administrativos.
Nesse sentido, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu no MS n. 22.606 que o princípio da excepcionalidade do ilícito culposo não se aplicaria ao procedimento disciplinar federal em razão do silêncio eloquente do legislador na Lei n. 8.112/90[2]. E, materializando referido precedente em âmbito municipal, o art. 180 da Lei n. 8.989/79 arremata que o servidor responde administrativamente pelos prejuízos causados à Fazenda Municipal por dolo ou culpa.
Sobre o tema, confira-se lição de Fábio Medina Osório:
É certo que em determinados sistemas, como o francês, admite-se grande quantidade de infrações administrativas involuntárias, sendo que a regra, inclusive, é a culpa, não o dolo. No silêncio do legislador, a infração admite modalidade culposa.
(...)
Lembre-se de que a culpa tem especial importância no Direito Administrativo Sancionador, porque é possível uma ampla utilização das figuras culposas. O ilícito culposo tem larga utilização prática. Não vigora o princípio da excepcionalidade do ilícito culposo. Depende de uma deliberação legislativa ou da própria redação do tipo sancionador a constatação se há, ou não, a exigência de uma subjetividade dolosa ou culposa. O silêncio legislativo há de ser interpretado em seu devido contexto, podendo haver, inclusive, uma admissão implícita de uma modalidade culposa de ilícito.
(OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 445 e 456)
Assim, a título exemplificativo, a Lei n. 8.989/79 optou por restringir um de seus tipos às hipóteses de ato doloso, conforme se depreende do inciso III do art. 189: "revelar segredos de que tenha conhecimento em razão do cargo ou função, desde que o faça dolosamente, com prejuízo para o Município ou para qualquer particular". Ao lado desse dispositivo, encontram-se outros que, apesar de não mencionarem a culpa de forma expressa, restariam esvaziados se a infração culposa fosse isenta de responsabilidade.
Na realidade, não há que se falar em excepcionalidade do ilícito culposo, mas sim de consideração da culpa como regra ao lado do dolo no processo administrativo disciplinar. Os princípios do interesse público e da eficiência demandam a observância de padrões mínimos de diligência e de cuidado, os quais são reforçados sobre os agentes públicos com a consciência de que seus atos culposos podem importar em responsabilidade funcional. Trata-se de simples aplicação de análise econômica a fim de incentivar comportamentos desejados e desincentivar comportamentos indesejados em determinado ambiente institucional por meio de sanções positivas e negativas.
Com isso, no âmbito do direito administrativo sancionador, há de se utilizar a noção ampla de culpa típica do ato ilícito do direito civil, alcançando-se tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito (art. 186 do CC)[3], esta dividida em negligência, imprudência e imperícia em seus mais variados graus (levíssima, leve e grave) - com especial enfoque sobre a culpa grave ou erro grosseiro (art. 28 da LINDB). Repele-se a persecução de uma responsabilidade objetiva para condicionar a existência de infração a um ato voluntário, seja ele ocasionado por uma conduta dolosa ou culposa.
Como consequência, tão somente para fins de existência do ato ilícito, à Administração é irrelevante a diferenciação entre culpa e dolo quando o legislador não tenha feito qualquer ressalva. A diferença entre dolo e os graus de culpa (levíssima, leve e grave), fica restrita à dosimetria da penalidade a ser aplicada, de modo que uma infração mais ou menos grave comportará determinadas espécies de sanção cominadas pela lei.
Ante todo o exposto, propõe-se a aplicação da pena de SUSPENSÃO POR 10 (dez) DIAS à sumariada XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, nos termos dos artigos 178, incisos III, VIII e XI, e 179, caput, todos da Lei municipal n° 8.989/79.
Por fim, ressalta-se que o presente procedimento prescreverá no dia 25/09/2025.
.
São Paulo, 24/07/2025
VITOR GABRIEL DE MOURA GONÇALVES
Procurador do Município Assessor - AJC
OAB/SP 515.470
.
[1] "Não cabe essa transposição, pura e simples, de lições doutrinárias e jurisprudenciais, comumente utilizadas no Direito Penal, ao terreno do Direito Administrativo Sancionatório, embora seja possível a utilização dessa técnica não apenas como referência e ponto de partida no discurso, como também para embasamento de soluções de problemas muito próximos, quando não idênticos, em situações fronteiriças" (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 437). 121
[2] Entendo que o princípio da excepcionalidade do ilícito culposo só se aplica no âmbito penal, por força de previsão expressa nesse sentido: "Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente" (CP, art. 18, parágrafo primeiro). Uma vez que não há semelhante previsão normativa na Lei n. 8.112/1990, cuida-se de omissão eloquente do legislador, admitindo-se, pois, implicitamente, a existência das infrações disciplinares nas modalidades dolosas e culposas. Logo, não houve atecnia do Poder Público quando considerou que não restou evidenciada a intenção (má-fé) do servidor, mas, ao mesmo tempo, aplicou punição por conta da imprudência (culpa) daquele, verificada na gestão do processo administrativo que estava sob seu comando" (STJ, 1ª Seção, Relator Min. Gurgel de Faria, Julgamento em 10/11/2021).
[3] "O direito administrativo disciplinar não se ocupa apenas das condutas dolosas, nas quais o agente deseja realizar o tipo infracional ou assume o risco de causar o resultado punível. As ações culposas, determinadas pela ausência de cuidado, de diligência, de perícia pelo infrator, que deixa de agir conforme as exigências de cautela requeridas pelo ordenamento jurídico, também merecem censura e podem ocasionar graves prejuízos ao erário e ao interesse público" (CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos Tribunais e da casuística da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 187).
.
.
Processo nº 6021.2023/0054118-0
INTERESSADO: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Processo Sumário. Proposta de suspensão.
Cont. da Informação n. 795/2025 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho-lhe o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acolho, propondo a remessa para a Secretaria Municipal de Justiça.
.
São Paulo, 24/07/2025
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Coordenadora Geral do Consultivo - CGC
OAB/SP 175.186..
.
.
Processo nº 6021.2023/0054118-0
INTERESSADO: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Processo Sumário. Proposta de suspensão.
Cont. da Informação n. 795/2025 - PGM.AJC
SMJ
Senhor Secretário
Na esteira da conclusão da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, encaminho o presente à consideração de Vossa Excelência, ex vi do artigo 29, inciso IV, "c", item 2, do Decreto n° 63.390/2024, propondo a aplicação da pena de SUSPENSÃO POR 10 (dez) DIAS à sumariada XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, nos termos dos artigos 178, incisos III, VIII e XI, e 179, caput, todos da Lei Municipal n. 8.989/79.
Ressalta-se que o presente procedimento prescreverá no dia 25/09/2025.
.
São Paulo, 24/07/2025
LUCIANA SANT'ANA NARDI
Procuradora Geral do Município
OAB/SP 173.307
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo