Processo nº 6021.2019/0031460-7
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Ofício PJHURB n° 0124/25 - 1° PJHURB - Autos IC 0279.0000408/2018 - Objeto: PIU Pacaembu
Informação n° 254/2025-PGM.CGC
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhora Procuradora Coordenadora
O Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, que conduz o Inquérito Civil n. 408/2018, requereu posicionamento da Procuradoria Geral do Município acerca da necessidade de constituição de Conselho Gestor no âmbito do Plano de Intervenção Urbana (PIU) Pacaembu, bem como nos demais casos semelhantes[1] .
As tramitações prévias da condução realizada pelo Parquet em indigitado inquérito estão sintetizadas na manifestação retro do Núcleo de Ofícios (doc. SEI 120241430). Destacam-se os posicionamentos da Gerência Jurídica da SP-Urbanismo constantes nos doc. SEI 047522117 e 117490375 - entendimentos em relação aos quais a Promotoria de Justiça requer análise por esta PGM.
É o relatório.
As manifestações apresentadas pela Gerência Jurídica da SP-Urbanismo abordaram a questão sob análise com base em dois aspectos, ambos assentados no Decreto n. 58.226/2018, que aprovou o PIU para a Zona de Ocupação Especial do Complexo do Pacaembu, merecendo especial atenção o seu art. 8°, que instituiu o respectivo Grupo Gestor.
De acordo com o primeiro, nos termos do entendimento datado de julho 2021 (doc. SEI 047522117), o PIU-Pacaembu foi enquadrado na categoria de projeto urbanístico "voltado à conservação das características de uma zona de ocupação especial"[2] . Portanto, segundo SP-Urbanismo, "não é um PIU de intervenções transformadoras do território. Ao contrário, é um PIU de conservação das características da ocupação que o caracteriza".
Foi destacado o aspecto temporal dessas categorias de projetos, pois o regime original do PDE de 2014 (Lei n. 16.050/2014) regulou o PIU, inicialmente, como um instrumento de ordenamento e reestruturação urbana, com potencial de transformação ("PIU intervenção"). Nesse contexto é que foi expedido o Decreto n. 56.901, de 29 de março de 2016, que tomou como parâmetro exclusivo essa modalidade, inclusive quanto à definição do modelo de gestão democrática (art. 4°, inciso III)[3] . Ocorre que "esta norma genérica que orientava a elaboração do 'PIU intervenção' acabou sendo aplicada inadvertidamente ao PIU de aprovação de parâmetros do Pacaembu, na forma do art. 8° do Decreto n° 58.226/18".
Assim, a SP-Urbanismo reconheceu à época a "inadequação da norma do art. 8° do Decreto n. 58.226/18 em comento", bem como a "falta de objeto que justifique sua aplicação, o que poderia, inclusive justificar sua revogação".
De acordo com o segundo aspecto, incorporado na manifestação de janeiro de 2025 (doc. SEI 117490375), reiteraram-se, já com base na revisão promovida no PDE pela Lei n. 17.975/2023, as duas modalidades de PIU: o de Ordenamento e Reestruturação Urbana e o de Zonas de Ocupação Especial.
Com base nisso, "considerando que PIU do Complexo Pacaembu é um típico PIU de Zonas de Ocupação Especial - ZOE aprovado pela Decreto Municipal n° 58.226/18, em que pese a previsão de Grupo (Conselho) Gestor nos termos do seu artigo 8°, s.m.j., o mesmo somente poderá ser constituído através de aprovação de lei específica, nos termos estipulados na Lei Orgânica do Município [art. 8°], em respeito ao princípio da legalidade inserto nos artigos 5, II e 37, da Constituição Federal".
As manifestações acima da SP-Urbanismo devem ser levadas em consideração, de acordo com o momento normativo em que produzidas. Isso em razão da Lei n. 17.975/2023, que dispôs sobre a revisão intermediária do PDE de 2014, aprimorando o regramento dos PIU's, agora denominados Planos de Intervenção Urbana.
Como assinalado pela SP-Urbanismo, foram consolidadas duas modalidades de PIU (art. 134, §1°, incisos I e II, do PDE):
(i) PIU de Ordenamento e Reestruturação Urbana: busca promover a definição dos instrumentos de política urbana mais adequados a propiciar o ordenamento e a reestruturação urbana em áreas subutilizadas e/ou com potencial de transformação e qualificação, com a implementação das intervenções a serem propostas,
(ii) PIU de Zonas de Ocupação Especial (ZOE): com a finalidade prioritária de promover estudos para a definição de parâmetros específicos de parcelamento, uso e ocupação do solo adequados às especificidades da zona de ocupação especial, considerando as características de seu contexto urbano.
Ocorre que o §2° do art. 134 do PDE assim dispõe (cf. redação dada pela Lei n. 17.975/2023 - negrito nosso):
§ 2° A participação social assegurada no âmbito da elaboração e tramitação do PIU é independente e não se confunde com as instâncias de controle social, como os Conselhos Gestores, previstos para os instrumentos de ordenamento e reestruturação urbana listados no caput, a serem definidos pelo PIU e implementados a partir de regulação específica.
Esse preceito legal veicula um regramento inequívoco. O modelo participativo dos conselhos gestores se destina aos instrumentos de ordenamento e reestruturação urbana elencados no PDE (incisos do art. "caput"): operações urbanas consorciadas, concessões urbanísticas, áreas de intervenção urbana, áreas de estruturação local e reordenamento urbanístico integrado.
Considerando que esses instrumentos urbanísticos sucedem os PIU's de Ordenação e Reestruturação Urdana - e não os PIU's de Zona de Ocupação Especial -, incabível que estes últimos planos disciplinem a figura dos conselhos gestores. A ideia que subjaz a tal regramento foi exposta adequadamente pela SP-Urbanismo. As PIU's de ZOE não ensejam intervenções transformadores no território, voltando-se à conservação das características da ocupação que a caracteriza. "Não propõe intervenções que interfiram com as funções urbanas desempenhadas pelo complexo na cidade, nem com as funções sociais do território em que se insere, do seu entorno. Não propõe adensamento populacional, provimento de moradias dignas, alteração e intensificação de usos e atividades, medidas de saneamento ambiental ou de alterações viárias, por exemplo". Nesse sentido, prescindem da definição de modelo de gestão democrática em sua implantação, "até porque não haveria o que ser monitorado ou avaliado".
Especificamente no que se refere ao PIU-Pacaembu, a "instituição do conselho serviria quando muito, ao acompanhamento da manutenção do complexo, que por ser tombado em vários níveis, já é devidamente monitorado e avaliado pelos órgãos de preservação competente".
Para além disso - como uma camada hermenêutica adicional -, esse dispositivo do PDE (art. 134, §2°) reforça o regime dispensado a essas categorias de PIU's. Como apontado pela Gerência Jurídica da SP-Urbanismo, enquanto o PIU de Ordenamento e Reestruturação depende de lei específica para a respectiva aprovação (art. 136, §3°, do PDE), o PIU de Zona de Ocupação Especial submete-se à aprovação por meio de decreto (art. 136-A, §1°, do PDE).
Ora, considerando que a criação de órgãos públicos encontra na lei formal a sua fonte propulsora (cf. estabelece a própria Constituição Federal, em seu art. 84, VI, "a"[4] e o art. 8° da Lei Orgânica do Município de São Paulo[5]), os conselhos gestores - porquanto órgãos públicos colegiados - somente admitem instituição pela via legal, correspondendo, por silogismo, ao regramento das PIU's de Ordenamento e Reestruturação, adstritos à mesma via.
Extrai-se, portanto, uma notória contrariedade do art. 8° do Decreto n. 58.226/2018 tanto com a Constituição Federal (e com a própria LOMSP) quanto com o sistema normativo que rege os Projetos de Intervenção Urbana. Incompatível a figura do Conselho Gestor no âmbito do PIU Pacaembu, entendimento aplicável aos PIU's de Zonas de Ocupação Especial.
Discorda-se, assim, da posição vertida no parecer técnico elaborado pelo CAEX do Ministério Público do Estado de São Paulo (doc. SEI 116273558), segundo a qual a "instituição do grupo gestor não é iniciativa discricionária ou optativa, e atende a exigências do PDE 2014 e do Decreto 56.901/16, alinhadas ao princípio da gestão democrática da política urbana federal" (página 10 do mesmo doc. SEI)[6] .
À luz do exposto, verifica-se potencial incompatibilidade jurídica entre a figura do Conselho Gestor e os Projetos de Intervenção Urbana enquadráveis como PIU's de Zonas de Ocupação Especial, a exemplo do PIU Pacaembu, motivo pelo qual se vislumbra ofensa ao ordenamento no âmbito do art. 8° do Decreto n. 58.226/2018.
À consideração superior.
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São Paulo, 24/03/2025
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 183.508
PGM
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De acordo.
São Paulo, 24/03/2025
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
Procurador Assessor Chefe - AJC
OAB/SP 173.027
PGM
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[1] O pedido decorreu de potencial conflito de entendimentos entre a Gerência Jurídica da SP-Urbanismo (nas manifestações que serão exploradas na presente análise) e o Centro de Apoio Operacional à Execução do MP/SP (parecer técnico acostado no doc. SEI 11692722).
[2] A origem dessa categoria de PIU remonta à LPUOS, a qual, ao regular a tipologia da zona ZOE (Zona de Ocupação Especial), "designou o PIU como o instrumento hábil para revelar os parâmetros urbanísticos aplicáveis" às áreas dotadas de características próprias que necessitam de uma disciplina especial de parcelamento, uso e ocupação do solo (como aeródromos, estádios, centros de convenção etc).
[3] Concomitantemente, houve a edição da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo - LPUOS (Lei n. 16.402, de 22 de março de 2016), que incorporou, como já referido, a categoria de PIU destinado a atribuir parâmetros urbanísticos específicos adequados para cada ZOE.
[4] Redação conferida pela EC n. 32/2001. A Lei Orgânica do Município de São Paulo, em seu art. 8°, incorpora o regime constitucional especificamente em relação aos colegiados de índole participativa, ao dispor que o "Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões".
[5] A Lei Orgânica do Município de São Paulo, em seu art. 8°, incorpora o regime constitucional especificamente em relação aos colegiados de índole participativa, ao dispor que o "Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões".
[6] No tópico conclusivo, o CAEX apontou: "Considerando o exposto, entende-se ainda que, ao contrário do que procurou argumentar a SP-Urbanismo, a criação de grupo gestor para controle social do PIU Pacaembu tem base legal no PDE e nos Decretos n. 56.901/16 e 58.226/18, alinhados ao princípio de gestão democrática da política urbana federal, e, portanto, a ausência do grupo gestor do PIU-Pacaembu inviabiliza o seu controle social e representa desatendimento àqueles dispositivos" (página 25 do documento SEI).
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Processo nº 6021.2019/0031460-7
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Ofício PJHURB n° 0124/25 - 1° PJHURB - Autos IC 0279.0000408/2018 - Objeto: PIU Pacaembu
Cont. da Informação n ° 254/2025-PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acolho integralmente.
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São Paulo, 25/03/2025
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Coordenadora Geral do Consultivo
OAB/SP n° 175.186
PGM
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Processo nº 6021.2019/0031460-7
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Ofício PJHURB n° 0124/25 - 1° PJHURB - Autos IC 0279.0000408/2018 - Objeto: PIU Pacaembu
Cont. da Informação n ° 254/2025-PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral Adjunto
Em razão da tramitação promovida no doc. SEI 120241430, restitui-se o expediente com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho integralmente, para providências.
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São Paulo, 24/03/2025
LUCIANA SANT'ANA NARDI
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP n. 173.307
PGM/SP
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo