processo n° 6067.2020/0030002-1
INTERESSADA: CGM/AUDI
ASSUNTO: Sistema Ariel - Alertas - SIURB.
Informação n. 769/2021-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador Geral
Chega o presente a esta Coordenadoria para análise de consulta, formulada por SIURB, relativa ao cabimento da manutenção da exigência de pagamento de preço público para impugnação a edital de licitação, por força do disposto no Decreto n. 60.049/21, que estabelece os preços dos serviços prestados pelas unidades da Prefeitura do Município de São Paulo.
Segundo a análise efetuada por SIURB-ATAJ, independe do pagamento de taxas o exercício do direito de petição em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder. Além disso, a Súmula Vinculante n. 21, do STF, declara inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo. Entretanto, o Decreto n. 60.049/21 prevê a cobrança de preço público pelos serviços de expediente que corresponderiam a recursos, impugnações e reconsiderações em geral. Como essa previsão não poderia ser desobedecida, entende a Assessoria que seria necessária a pacificação do tema em âmbito municipal. Observa, ainda, que a situação da impugnação ao edital prevista no art. 41, § 1°, da Lei n. 8.666/93, seria distinta da interposição de recurso administrativo, que exige o recolhimento de preço público, por se tratar de exercício de direito de petição, na forma de reclamação direta, dirigida à autoridade competente, sem caráter recursal, para revisão ou correção irregularidades presentes no edital de licitação. Por isso, questiona se é possível a manutenção da exigência de preço público para a impugnação ao edital (doc. 043738922).
É o breve relato do necessário.
Não parece haver dúvida quanto ao enquadramento da impugnação ao edital de licitação como uma forma de exercício do direito de petição. De fato, se assim não fosse, qualquer interessado poderia também, além da impugnação, formular uma representação em relação à eventual ilegalidade do edital, diretamente fundamentada no preceito constitucional. Isso só não acontece porque realmente há uma regulamentação do direito de petição na temática de licitações no tocante à faculdade de impugnação ao edital.
Conforme observa a doutrina:
"Se o edital tiver alguma irregularidade, é assegurado a qualquer cidadão impugná-lo, protocolando o pedido até cinco dias antes da data designada para a abertura dos envelopes de habilitação. Oferecida da impugnação, cabe à Administração decidi-la no prazo de três dias (art. 41, § 1°). Tal faculdade decorre do direito de petição, inscrito no art. 5°, XXXIV, "a", da Constituição Federal, que assegura, com direito fundamental, a representação aos Poder Públicos contra qualquer tipo de ilegalidade na função administrativa"[1]
Sendo a impugnação ao edital de licitação uma forma de exercício do direito de petição, cabe avaliar se o disposto no art. 5°, XXXIV, "a", da Constituição da República, que veda expressamente a cobrança de taxas para o exercício do direito de petição, vedaria também a cobrança de preço público para tal finalidade.
Embora tenha feito referência apenas a taxas, o preceito constitucional merece ser objeto de uma interpretação extensiva. Na verdade, o protocolo de pedidos em geral e a obtenção de certidões são ordinariamente remunerados por meio de preço público, até porque não parece possível, em tais hipóteses, identificar a compulsoriedade que caracterizaria as taxas, muito menos afirmar que tais serviços seriam prestados pelo Poder Público independentemente de pagamento[2]. Não teria sentido, assim, que a Constituição isentasse o pagamento de taxas, em sentido estrito, se tradicionalmente elas não são cobradas nessas hipóteses.
Conforme já observado por esta Assessoria:
"Com efeito, se a palavra "taxas" for interpretada no significado tributário rigoroso, a expedição de certidão estaria subtraída da incidência de lei tributária, exclusivamente, admitindo-se a possibilidade de cobrança do custo do serviço mediante preço público.
A expressão terminológica "taxas", porém, tem sido interpretada majoritariamente pela doutrina e pela jurisprudência na acepção não técnica, equivalente a qualquer forma de pagamento. Irrecusável esse entendimento, levando em conta que a obtenção de certidão é garantia indispensável à defesa de direitos subjetivos e esclarecimento de situações de interesse pessoal (de antigo reconhecimento pela ordem constitucional brasileira, alargada, no texto atual, pela gratuidade que lhe confere maior eficácia). Esse entendimento viabiliza a concreção dos direitos fundamentais assegurados e garantidos constitucionalmente.
Por conseguinte, se reconhecido que o meio tecnicamente correto de cobrança da certidão é preço público, em razão de sua não compulsoriedade (Súmula 545 do STF), impõe-se a mesma conclusão se a cobrança fosse por meio de taxa: a gratuidade, por se constituir em garantia constitucional de direito subjetivo individual e que deve ser interpretado segundo o princípio da máxima efetividade, de modo a reconhecera sua maior eficácia" (Ementa n. 7907 - PGM-AJC).
Portanto, a melhor interpretação do preceito constitucional aponta para uma gratuidade em tais serviços, não importa a natureza jurídica ou o nomen iuris de uma possível contraprestação. Assim, deve ser entendida como vedada a cobrança de preços públicos para o exercício do direito de petição, a fim de que este se exerça gratuitamente. Não resta dúvida, pois, de que também o direito de impugnação aos editais deve ser exercido independentemente de pagamento.
Por outro lado, a alteração do decreto de preços públicos não é necessária para que SIURB possa cessar a cobrança pela impugnação ao edital. Com efeito, o decreto refere-se a impugnações em geral, não sendo possível extrair daí uma determinação expressa quanto às impugnações de editais de licitação. Ao contrário: em se tratando de uma disposição genérica, devem ser entendidas como sujeitas à cobrança de preço público apenas as impugnações que o admitam, ou seja, quando essa cobrança não é excluída pelo regime específico pertinente. Embora pareça inusitado que o decreto seja mais genérico que o texto constitucional, vale, no caso, o conhecido método de interpretação de disposições contraditórias, segundo o qual "[se] existe antinomia entre a regra geral e peculiar, específica, esta, no caso particular, tem a supremacia"[3]
Por outro lado, deixar de reconhecer a gratuidade inerente ao direito fundamental de petição, por conta da ausência de previsão regulamentar a respeito, implicaria recusar o caráter autoaplicável do preceito constitucional, relativo a uma garantia fundamental, o que não seria aceitável.
Assim, no caso das impugnações a edital de licitação, embora a previsão genérica do decreto de preços públicos não ressalve a disposição constitucional relativa à gratuidade do exercício do direito de petição, cabe aplicá-la, desde logo, em cada caso concreto, independentemente de um ajuste no texto do regulamento.
Não obstante, a fim de eliminar ao máximo a possibilidade de que a questão volte a ser levantada, sugere-se seja encaminhado o presente a SF, caso acolhido o entendimento aqui sustentando, para que a dispensa do pagamento de preço público, neste caso, seja objeto de uma disposição expressa, que poderá ser incluída na próxima alteração normativa a respeito.
Vale registrar, ademais, que o mesmo Decreto n. 60.049/21 também prevê a cobrança de preço público por certidões em geral (item 10.1.5 da tabela anexa ao decreto), o que não torna viável a cobrança por certidão em caso de "defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal" (o que é objeto da alínea "b" do mesmo art. 5°, XXXIV, da Constituição da República). Neste caso, contudo, a disposição genérica está também sujeita ao disposto no art. 47, § 2°, do Decreto n. 51.714/10, o qual, ao regulamentar o art. 45 da Lei n. 14.141/06, afastou a cobrança do preço público nas situações correspondentes à garantia constitucional (conforme analisado na Ementa 12.205 - PGM-AJC). Por isso, também seria possível considerar a inclusão de preceito específico a respeito da gratuidade da impugnação a editais no regulamento relativo às licitações realizadas pela Administração municipal. De todo modo, não há dúvida de que a alteração do decreto de preços públicos resolveria a questão da gratuidade das impugnações relativas a editais de licitação.
Ante o exposto, caso acolhido o entendimento acima sustentado, sugere-se seja o presente restituído a SIURB, com a orientação no sentido de que não é cabível o recolhimento de custas para impugnação de editais de licitação, noticiando-se em paralelo SF, que poderá considerar a inclusão de uma disposição expressa a respeito na próxima proposta de alteração do regulamento relativo aos preços públicos cobrados pelas repartições municipais.
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São Paulo, 16/12/2021.
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 173.027
PGM
De acordo.
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MÁRCIA HALLAGE VARELLA GUIMARÃES
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC
OAB/SP 98.817
PGM
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processo n° 6067.2020/0030002-1
INTERESSADA: CGM/AUDI
ASSUNTO: Sistema Ariel - Alertas - SIURB.
Cont. da Informação n. 769/2021-PGM.AJC
PGM
Senhora Procuradora Geral
Encaminho-lhe o presente, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva, no sentido do não cabimento de cobrança de preço público relativo à impugnação de editais de licitação, sugerindo-se também seja noticiado tal entendimento a SF, para oportuna inclusão de previsão específica no regulamento pertinente.
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São Paulo, 16/12/2021.
CAYO CÉSAR CARLUCCI COELHO
PROCURADOR DO MUNICÍPIO COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 168.127
PGM
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processo n° 6067.2020/0030002-1
INTERESSADA: CGM/AUDI
ASSUNTO: Sistema Ariel - Alertas - SIURB.
Cont. da Informação n. 769/2021 - PGM-AJC
SIURB
Senhor Chefe de Gabinete
Em atenção à consulta formulada, encaminho-lhe o presente, com a conclusão da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido da inexigibilidade do pagamento de preço público para impugnação de editais de licitação, por força do disposto no art. 5°, XXXIV, "a", da Constituição da República.
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SF
Senhor Chefe de Gabinete
Encaminho-lhe a conclusão alcançada na consulta formulada por SIURB, para que se avalie eventual alteração do regulamento relativo aos preços públicos cobrados em âmbito municipal, para inclusão de previsão expressa relativa à inexigibilidade do pagamento de preço público para impugnação de editais de licitação.
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São Paulo, 16/12/2021.
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 169.314
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo