processo nº 6021.2020/0039560-9
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Decreto 59.160/2019. Cobrança de preços públicos por serviços prestados pelo Município. Análise quanto à constitucionalidade.
Informação n° 1.131/2020-PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhor Procurador Assessor Chefe,
Trata-se de expediente decorrente de notificação realizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo no âmbito de procedimento cujo objeto envolve a análise da constitucionalidade do Decreto municipal n. 59.160/19, que fixa o valor dos preços de serviços prestados por unidades da Prefeitura de São Paulo. O parquet requer "manifestação sobre a constitucionalidade do ato normativo indicado" (doc. SEI 034233619).
O procedimento ministerial decorreu de representação formulada por cidadão (doc. SEI 034232890), inconformado com a cobrança relacionada a "requerimento junto a Prefeitura Municipal de São Paulo, para defender direitos pessoais". Referido particular, que detém a condição de advogado, suscita o seu exercício do direito de petição e da correspondente gratuidade garantida constitucionalmente, evocando, para tanto, decisões do STF em sede de controle de constitucionalidade.
É o relatório.
Desde já convém atentar que a representação que inaugurou o procedimento ministerial está revestido de generalidade, de modo que não foi indicado o requerimento administrativo específico apresentado pelo particular junto ao Município de São Paulo. Embora alegue que se trata de pedido "para defender direitos pessoais", a delimitação de seu conteúdo é fundamental para se extrair a incidência, ou não, da gratuidade assegurada constitucionalmente.
De fato, a Constituição Federal garante a todos, independentemente do pagamento de taxas, "o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder", bom como "a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal" (art. 5°, inc. XXXIV, alíneas "a" e "b").
Consigne-se que a gratuidade assegurada constitucionalmente não detém alcance irrestrito, somente podendo ser exigida nas hipóteses contempladas na Carta Maior. A primeira envolve as pretensões que envolvam defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Trata-se do direito de petição inserido na alínea "a" do dispositivo. Já a segunda abarca as certidões requeridas junto ao Poder Público e que envolvam defesa de direitos ou esclarecimentos de situações de interesse pessoal.
Tal aspecto já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, merecendo destaque recente decisão tomada pelo Pleno no âmbito da ADI 2.259, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 25/03/2020. Com efeito, a Corte Suprema reconheceu que "a gratuidade não é irrestrita, nem se mostra absoluta, pois está condicionada à demonstração, pelo interessado, de que a certidão é solicitada para a defesa de direitos ou o esclarecimento de situações de interesse pessoal."
Cite-se parecer expedido pelo Ministério Público Federal no bojo de referida ADI, apontando "que a regra é a onerosidade para a expedição de certidões", "revelando-se a gratuidade consagrada na Constituição Federal como exceção que, nessa condição, deve receber interpretação restritiva". "Em outras palavras, para que se configure a imunidade prevista no texto constitucional, é necessário restar provado que a postulação da certidão preenche os requisitos relativos a sua finalidade, a saber, a defesa de direitos ou esclarecimentos de situações de interesse pessoal, posto que nas demais hipóteses deverá prevalecer a regra geral da cobrança pelo serviço".
No âmbito infraconstitucional, a Lei municipal 14.141/06 e o seu regulamento (Decreto municipal 51.714/10), que dispõem sobre o processo administrativo no Município de São Paulo, assimilaram as garantias constitucionais, ressalvando seu alcance.
De acordo com o art. 45 de referida lei:
Art. 45. As certídões sobre atos, contratos e decisões, para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal, serão expedidas sob a forma de breve relato ou inteiro teor, ou mediante cópia reprográfica, ou pelo sistema de processamento de dados ou por meio da Internet, independentemente do pagamento de taxas, no prazo improrrogável de 15 (quinze) dias.
Já o art. 47 do regulamento dispõe (grifos nossos):
Art. 47. A pessoa física ou jurídica tem o direito de requerer certidão, pedir informações ou solicitar cópia reprográfica junto aos órgâos da Administração Municipal, Direta ou Indireta, para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal, mediante requerimento que atenda ao disposto no artigo 50 deste decreto, independentemente de pagamento.
§1° Também serão gratuitas as certidões:
I - destinadas à instrução de ação popular, de ação civil pública ou de qualquer outro tipo de medida judicial ou administrativa que tenha por escopo a defesa do patrimônio público;
II - requeridas pelos órgãos públicos federais, estaduais e municipais, conforme dispuser a legislação específica;
III - nos demais casos expressamente previstos na legislação em vigor.
§2° As certidões que não se enquadrem nas situações previstas no "caput" e no § 1° deste artigo serão fornecidas mediante o pagamento do preço público correspondente.
Assim, as situações alheias às hipóteses constitucionais detêm caráter oneroso, como evidencia o referido art. 47, §2°, do Decreto 57.714/10, bem como o art. 17 do mesmo regulamento, in verbis: "O interessado deverá recolher, no ato da entrega do requerimento ou papéis para autuação, o preço público correspondente, quando for o caso."
Convém destacar que já tramitou perante esta Procuradoria Geral do Município expediente semelhante, resultante de investigação do Ministério Público do Estado de São Paulo (Protocolo MP 25.889/95 - PJC-CAP 269/95). Nesse contexto foi expedida a Informação 3.555/98- PGM.AJC, ementada sob o n.° 7.907: "Cobrança de preço público para expedição de certidão". Na ocasião, analisou-se o Decreto municipal 37.268/97, que fixava "o valor dos preços de serviços prestados por unidades da Prefeitura do Município de São Paulo".
Concluiu-se que referido regulamento não contempla cobrança em desacordo com a Constituição, "estando, pois, sob o aspecto material, em harmonia com o sistema constitucional". Convém destacar o paralelismo entre esse decreto de 1997 - bem como os diversos regulamentos que o sucederam -, e o Decreto ora questionado (Decreto 59.160/19), que apresentam, todos eles, o mesmo conteúdo material, diferindo tão-somente em relação aos valores e aos serviços municipais especificamente envolvidos.
A PGM ponderou que o termo "taxas", utilizado na norma constitucional, deve ser interpretado em sentido amplo, considerando a sua razão teleológica, motivo pelo qual a cobrança de preço público, para a expedição de certidão destinada à defesa de direitos ou esclarecimento de situações de interesse pessoa, deve ser tida por inconstitucional.
Por outro lado, ainda de acordo com a PGM, "não é qualquer certidão que goza do benefício da gratuidade. Somente aquelas que se destinam à defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal". Fez-se referência aos ditames da Lei federal 9.051/95, bem como a jurisprudência do STF que remontam a 1982 (RE 89.789/MG, Rel. Min. Rafael Mayer, j. 01/06/82, RTJ 102/184)[1].
Com base nisso, concluiu-se: "Ante essas premissas, forçoso é concluir, na esteira do parecer do Senhor Promotor de Justiça Assessor, que o Decreto Municipal que fixa o valor dos preços de serviços prestados por Unidades da Prefeitura (atualmente Decreto 27.268, de 29.12.97) não contém determinação de cobrança em desacordo com o preceito constitucional. A gratuidade da certidão decorre da subsunção de situação fática específica à hipótese constitucional e legal." Observe-se a própria legitimidade do regulamento conferida por representante do parquet.
Suscitou a PGM que eventual prática abusiva "só poderá ser aferida caso a caso. Se, verificados os pressupostos constitucionais e legais, isto é, se o requerente, ao solicitar a expedição da certidão tiver indicado os fins e razões do pedido, destinados à defesa de direitos e esclarecimento de situações de seu interesse pessoal, e a Administração recusar-se a reconhecer a incidência da garantia constitucional, estará ofendendo direito líquido e certo do requerente."
Cite-se outro precedente desta Procuradoria Geral do Município, conforme parecer ementado sob o n. 9.321, in verbis: "Decreto 38.976/00. Art.4°. Gratuidade de expedição de certidão. Consulta do DESAP. Gratuidade só abrange certidão (1) para defesa de direitos ou esclarecimentos de situações de interesse pessoal devidamente fundamentadas e (2) para instrução de ação popular, ação civil pública ou medida judicial ou administrativa em defesa do patrimônio público. Situação fática analisada não se subsume ao permissivo legal."
Evidentemente, os precedentes administrativos e jurisprudenciais acima expostos, que versam preponderantemente sobre a garantia constitucional referente às certidões, aplicam-se ao direito de petição.
No que se refere especificamente ao Decreto municipal 59.160/19, cabível tecer duas observações.
A primeira envolve o procedimento padrão adotado há longo tempo pela Prefeitura na fixação dos respectivos preços públicos. Com efeito, é feita uma compilação anual dos preços que são cobrados pelas diversas Secretarias da Prefeitura, com o fito de elaborar tabelas (anexas aos respectivos regulamentos) contendo a consolidação dos valores e a indicação dos respectivos códigos de receita, para identificação do ingresso dos preços nos cofres públicos.
A segunda assume relação com extrema variedade dos preços objeto de fixação por tais regulamentos. Basta verificar que a tabela anexa ao Decreto 59.160/19 é constituída por quarenta e quatro páginas, abarcando a cobrança desde o uso de espaços públicos até a expedição de cópias reprográficas. Observe-se que referida tabela faz expressa referência à garantia constitucional do art. 5°, inc. XXXIV (página 26).
Diante do exposto, conclui-se no sentido da plena constitucionalidade do Decreto municipal 59.160/2019.
Reitere-se que a representação que inaugurou o procedimento ministerial não contém o conteúdo do requerimento formulado perante o Município, o que não permite verificar se está contemplado pela gratuidade assegurando pela Constituição Federal.
À consideração superior.
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São Paulo, 20/10/2020.
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 183.508
PGM
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De acordo.
São Paulo, 20/10/2020.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE
OAB/SP 175.186
PGM/AJC
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processo nº 6021.2020/0039560-9
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Decreto 59.160/2019. Cobrança de preços públicos por serviços prestados pelo Município. Análise quanto à constitucionalidade.
Cont. da Informação n° 1.131/2020-PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente.
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São Paulo, 21/10/2020.
TIAGO ROSSI
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
PGM
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processo nº 6021.2020/0039560-9
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Decreto 59.160/2019. Cobrança de preços públicos por serviços prestados pelo Município. Análise quanto à constitucionalidade.
Cont. da Informação n° 1.131/2020-PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Núcleo de Ofícios
Nos termos do requerimento formulado pelo Ministério Público, e diante do encaminhamento constante no doc. SEI 034255554, restituo o presente com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo (parecer vertido no doc. SEI 034530430), que acolho na íntegra.
Após a elaboração de resposta ao parquet, roga-se ulterior encaminhamento à Secretaria de Governo Municipal, para ciência.
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São Paulo, 22/10/2020.
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
RESPONDENDO PELA SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA
OAB/SP n° 169.314
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo