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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 862/2003; OFÍCIO DE 17 de Janeiro de 2005

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 862/03

OF ATL nº 013/05

Ref.: Ofício SGP 23 nº 4.074/04

Senhor Presidente

Nos termos do ofício referenciado, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 862/03, de autoria do Vereador Roger Lin.

A medida proíbe, no âmbito do Município de São Paulo, a utilização de animais de qualquer espécie em apresentação de circos e congêneres, estabelecendo multas pelo descumprimento, sem prejuízo de outras penalidades previstas em lei.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade e ilegalidade, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

A mensagem aprovada versa sobre fauna e proteção ao meio ambiente, extrapolando o poder legiferante do Município. A competência para legislar sobre questões relacionadas a tais matérias cabe concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, tendo a Constituição da República conferido aos Municípios a possibilidade de disciplinar a matéria apenas em caráter suplementar, vale dizer, adaptando seu ordenamento local às legislações federal e estadual, no que couber, por força do disposto em seus artigos 24, inciso VI, e 30, inciso II.

A propositura tem por motivo a proteção da incolumidade dos animais, argumentando, em suas razões de apresentação, com vários exemplos de crueldades perpetradas no treinamento de animais circenses, citando o cientista russo Ivan Pavlov, que descobriu o princípio do condicionamento através da dor.

No entanto, as condutas descritas na Justificativa apresentada pelo nobre vereador claramente indicam figuras típicas de crimes contra a fauna, enquadrados na Lei de Crimes Ambientais – Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a qual dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

A lei supracitada tipificou, em seu artigo 32, como crime contra a fauna, “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, cominando a tais ilícitos penas de detenção e multa.

Todavia, não proibiu a conduta descrita no artigo 1º do texto ora vetado — utilizar animais de qualquer espécie em apresentação de circos e congêneres —, não sendo facultado ao Município fazê-lo, haja vista que, ao assim proceder, estaria excedendo o âmbito de sua competência para legislar sobre a matéria em caráter suplementar, restrita, como já dito acima, a adaptar seu ordenamento local à legislação federal.

Com efeito, a figura típica de maus-tratos consiste na exposição a perigo a vida ou a saúde do animal, tendo por meios executórios diversas condutas tais como a privação de alimentos ou cuidados indispensáveis (tratamento veterinário), a sujeição do animal a trabalhos excessivos ou inadequados, e o abuso de meios de treinamento. O abuso se opõe ao uso legítimo, configurando-se como um excesso.

Assim sendo, o bem jurídico “incolumidade do animal” já é devidamente protegido pela legislação ambiental.

Desse modo, ao proibir, de forma geral, a utilização de animais de qualquer espécie em apresentação de circos e congêneres, a propositura contraria a normatização federal vigente, segundo a qual a vedação somente seria aplicável quando comprovada a prática de maus-tratos ou crueldade aos animais.

Além disso, a mensagem aprovada acha-se em desconformidade com o disposto no § 1º do artigo 188 da Lei Orgânica do Município, o qual somente proíbe os eventos e espetáculos que envolverem maus-tratos e crueldade contra os animais, em plena consonância, portanto, com a legislação federal.

No exercício das competências municipais, a Administração dispõe do Centro de Controle de Zoonoses, criado pelo Decreto nº 22.071, de 31 de março de 1986, que é o órgão sanitário encarregado da fiscalização relativa a animais em geral. Nos termos do artigo 27 da Lei nº 10.309, de 22 de abril de 1987, “somente será permitida a exibição artística ou circense de animais após a concessão do laudo específico, emitido pelo órgão sanitário”. Tal laudo “apenas será concedido após vistoria técnica efetuada pelo Agente Sanitário, em que serão examinadas as condições de alojamento e manutenção dos animais”.

Além disso, a fiscalização a infrações ambientais, dentre as quais se incluem as ocorrentes em relação à fauna, é disciplinada pelo Decreto nº 42.833, de 6 de fevereiro de 2003, que considera a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente como órgão local integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA e lhe confere a competência relativa à fiscalização ambiental em seus vários desdobramentos.

Por conseguinte, pelas razões ora expendidas, vejo-me compelido a não acolher o texto aprovado, vetando-o na íntegra, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

JOSÉ SERRA

Prefeito

Ao

Exmo. Sr.

ROBERTO TRIPOLI

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo