CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 306/2001; OFÍCIO DE 8 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 306/01

OF ATL nº 030/04

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/LEG 3/0813/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 27 de novembro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 306/01, de autoria do Vereador Marcos Zerbini, que disciplina o funcionamento das empresas virtuais no âmbito do Município.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

A propositura estabelece que as "empresas virtuais", assim denominadas as empresas individuais cuja prestação de serviços seja realizada exclusivamente por meio de equipamentos de telefonia, informática ou telemática, poderão funcionar no endereço da residência de seu titular, em quaisquer zonas de uso do Município de São Paulo, mediante cadastramento junto ao órgão competente e apresentação de termo de responsabilidade. Veda, ainda, a tais empresas, a circulação de funcionários, fornecedores ou clientes em seu local de funcionamento, a movimentação ou armazenamento de qualquer tipo de bens materiais, a geração de resíduos de natureza diversa do lixo doméstico e a emissão de ruídos acima dos limites legalmente previstos.

Patente, pois, que a mensagem aprovada dispõe sobre licenciamento e funcionamento de atividades, bem como sobre zoneamento urbano. Contempla também questões relacionadas à fiscalização das condições de uso das edificações e das atividades às quais se refere, legislando, portanto, no tocante a esse aspecto, sobre organização administrativa e serviços públicos, com nítido cunho administrativo e evidente inferência nas atribuições e competências dos órgãos municipais, na medida em que institui sistemática própria para o funcionamento das empresas denominadas "virtuais", consistente no cadastramento e apresentação de termo de responsabilidade, em lugar dos procedimentos de licenciamento previstos na legislação pertinente em vigor, que disciplina o parcelamento, o uso e a ocupação do solo urbano no Município.

Com efeito, as leis que tratam de organização administrativa, serviços públicos e atribuições de órgãos municipais são de iniciativa privativa do Prefeito, "ex vi' do disposto, respectivamente, no inciso IV do § 2º do artigo 37 e no inciso XVI do artigo 69, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Nesse sentido, a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências específicas do Executivo, configurando infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local.

A par do vício de iniciativa que o inquina de inconstitucionalidade, o texto vindo à sanção reveste-se, ainda, de ilegalidade e contrariedade ao interesse público.

Primeiramente, cumpre destacar que, ao permitir o funcionamento das "empresas virtuais" em qualquer zona de uso, a mensagem aprovada transgride os princípios norteadores do Plano Diretor Estratégico, instituído pela Lei nº 13.430, de 13 de setembro de 2002, que fixa critérios de zoneamento unicamente residenciais para determinadas áreas da cidade. Atenta, notadamente, contra o disposto em seu artigo 160, segundo o qual as zonas exclusivamente residenciais - ZER são porções de território destinadas estritamente ao uso residencial de habitações unifamiliares e multifamiliares, não admitindo, em nenhuma hipótese, o uso misto que a medida pretende lhes facultar, compartilhando o habitacional e o relativo a prestação de serviços, independentemente de causar ou não incômodos a seus moradores. Ao mesmo tempo, cria liberalidade que viola as determinações estampadas nos artigos 155 e 156 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que impõem à legislação de ordenamento do uso do solo urbano rigorosa observância às diretrizes do Plano Diretor.

Além disso, do texto ora vetado deflui que o funcionamento da "empresa virtual" estaria condicionado apenas à realização de seu cadastramento e à apresentação de termo de responsabilidade, enquanto a legislação de uso e ocupação do solo do Município de São Paulo estabelece que nenhum imóvel poderá ser ocupado ou utilizado para instalação e funcionamento de atividades comerciais, industriais, institucionais, de prestação de serviços e similares, sem a prévia emissão, pela Prefeitura, do Auto de Licença de Funcionamento ou do Alvará de Funcionamento de que tratam a Lei nº 10.205, de 4 de dezembro de 1986, e o Ato nº 1.154, de 6 de julho de 1936, combinado com o Decreto nº 15.636, de 18 de janeiro de 1979, com as alterações introduzidas pelo Decreto nº 24.636, de 24 de setembro de 1987, observado o disposto no Decreto nº 41.532, de 21 de dezembro de 2001.

Igualmente dispõe a Lei Orgânica do Município de São Paulo, em seu supracitado artigo 156, "caput", que a instalação de atividades e a prestação de serviços dependerão de prévia aprovação do Município, atendidos seus interesses e conveniências.

Por outro lado, aos aspectos de ilegalidade acima apontados, cabe acrescer que a liberalização da instalação de empresas virtuais em qualquer zona de uso poderá gerar descaracterizações urbanísticas que, inegavelmente, causarão transtornos em determinadas zonas de uso, especialmente nas exclusivamente residenciais, haja vista que os equipamentos de telefonia, informática e telemática devem ser operados por funcionários. Portanto, a premissa contida no texto aprovado de que a atividade desenvolvida por essas empresas não demanda a circulação de pessoas nem provoca a emissão de ruídos no local de trabalho não corresponde à realidade, na maioria das vezes.

Desse modo, resta inequívoco que a generalização resultante do enquadramento da atividade relativa à "empresa virtual" e sua dispensa de qualquer tipo de restrição referente ao zoneamento e funcionamento possibilitarão a instalação de empresas tanto de pequeno como de médio e grande porte em todas as zonas de uso, inclusive nas residenciais, sem nenhuma limitação, o que trará evidentes incômodos à população, em flagrante contrariedade ao interesse público. Considere-se, particularmente, as dificuldades a serem enfrentadas pelos órgãos fiscalizatórios, no controle da implantação dessa atividade em residências, o que corrobora a inadequação da medida adotada pela propositura.

Por conseguinte, o texto aprovado, além de eivado de incontornáveis vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, fere o interesse público, razões pelas quais vejo-me compelida a vetá-lo integralmente, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando a Vossa Excelência, na oportunidade, protestos do mais alto apreço e consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo