CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.141 de 6 de Julho de 2020

EMENTA N° 12.141
Passagem aberta de acordo com os artigos 749 a 761 do antigo Código de Obras (Ato n. 663/34). Desafetação para alienação, autorizada por lei. Direito de preferência dos titulares dos lotes confrontantes com a passagem para aquisição do antigo leito. Inexigibilidade de licitação, em razão da inviabilidade de competição. Revisão parcial do posicionamento adotado na Ementa 12.107.

processo n° 6013.2018/0005072-8

INTERESSADO: ATR 3 Empreendimentos e Participações Ltda.

ASSUNTO: Aquisição de área municipal. Passagem localizada no n° 3.407 da Rua da Consolação.

Informação n. 688/2020-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

Trata-se de pedido de aquisição, formulado pelo proprietário dos imóveis lindeiros, do leito da passagem localizada no n. 3.407 da Rua da Consolação, entre a Alameda Lorena e a Rua Oscar Freire.

No parecer anterior desta Assessoria, a cujo relatório nos remetemos, foi reiterada a conclusão no sentido do caráter público da passagem, não obstante seja objeto de registro titularizado pela requerente, uma vez que esse registro decorreu de escrituras lavradas após o surgimento do domínio público. Por outro lado, considerou-se possível a alienação da via, com base no interesse público, mediante desafetação, autorização legislativa e licitação, pois o caso não se enquadraria nas exceções previstas no art. 112 da Lei Orgânica do Município. Essa alienação poderia ocorrer independentemente de desconstituição da matrícula existente sobre a área, tendo em vista que esse registro não afasta as causas de aquisição do domínio público. Já o uso pretérito irregular deveria ser objeto de expediente próprio, não sendo a atual ocupação da área um empecilho para a alienação, podendo essa ocupação ser regularizada por meio de permissão de uso durante o processo de venda. Além disso, não haveria fundamento jurídico para exigir a unificação das matrículas dos imóveis da interessada, pois a alienação do leito da passagem seria feita mediante concorrência, tendo a interessada esclarecido que os lotes confrontantes com a passagem não ficariam encravados, porque ela seria proprietária de outros lotes na mesma quadra, com frente para outras vias, podendo ser tomadas outras cautelas quando da elaboração do edital. Por fim, ratificou-se que a passagem perdeu sua função viária, com a demolição das residências confrontantes, até porque não poderia servir de acesso a outros imóveis que não os integrantes da vila (doc. 026101872).

Após o acolhimento do parecer (doc. 026110659), DEMAP informou não haver processo específico para a desconstituição do registro relativo ao imóvel (doc. 027771418 e 028776594).

SUB-PI-CPDU também afirmou a perda da finalidade e da utilidade pública do logradouro, não tendo a área serventia, ademais, para instalação de equipamentos ou construção de área verde, de modo que sua manutenção no patrimônio público só geraria ônus. O Subprefeito, por sua vez, não se opôs à alienação (doc. 028268550).

CMPT deliberou favoravelmente ao encaminhamento do projeto de lei para desafetação da passagem e sua alienação mediante licitação na modalidade concorrência, constatada a existência de interesse público, condicionada à manifestação favorável da Subprefeitura de Pinheiros (doc. 028279034).

CGPATRI elaborou minuta de projeto de lei (doc. 028341372) e encaminhou os autos para análise de SEL-ATAL (doc. 028364316).

A Assessoria pontou, contudo, que a existência de matrícula titularizada por particular constituiria óbice legal à venda, pois a Municipalidade não pode dispor de imóvel que se encontra sob titularidade de terceiro, perante o Oficial de Registro Imobiliário, não estando asseguradas todas as condições de igualdade para oferta da melhor proposta, pois, até decisão judicial em contrário, haveria a presunção de que o bem seria de propriedade do titular indicado no registro, que é a própria requerente. Com isso, não seria observado o princípio da isonomia, pois não estaria assegurada a igualdade de condições para participação de todos os possíveis interessados, já que todos os demais pretendentes deveriam assumir as providências para regularização do registro e para a desocupação do imóvel, o que não aconteceria com a requerente. Assim, sugeriu-se o reencaminhamento à Procuradoria Geral do Município (doc. 029278739), o que foi acolhido pelo Gabinete de SEL (doc. 029521404).

É o relatório do essencial.

Conforme apontado em parecer anterior, é consolidado o entendimento segundo o qual não há necessidade de prévia obtenção de matrícula para a alienação de área municipal (Ementa n. 11.868 - PGM-AJC), sobretudo se o objeto da avaliação é o domínio pleno sobre o bem[1].

Se o bem em questão é objeto de um registro em nome de particular, tal conclusão não se altera, em razão do regime jurídico específico relativo ao domínio público, cuja aquisição independe de registro perante a serventia predial. Dada a convivência entre os regimes público e privado, é usual que bens públicos estejam formalmente registrados em nome de particulares. É esse o caso, por exemplo, de todas as áreas que foram objeto de apossamento administrativo e que não tenham sido objeto de desapropriação indireta no prazo decadencial. É também o caso de uma grande parte dos bens públicos afetados ao uso público, sobretudo daqueles oriundos de parcelamentos do solo apenas aprovados, que não tenham sido objeto de inscrição ou que não tenham tido as áreas públicas formalmente doadas ao Município, inclusive em caso de averbação de logradouro. Nessas situações, em tese, os bens ficam registrados em nome de seus antigos proprietários, sendo viável que qualquer interessado assuma essa posição, ainda que destituída de conteúdo jurídico, por meio de escritura pública, que pode ser objeto de registro.

No caso das passagens abertas no regime dos artigos 749 a 761 do antigo Código de Obras (Ato n. 663/34), em especial, para as quais não havia imposição de inscrição ou de doação formal (art. 759), essa hipótese é ainda mais relevante. Há situações em que a passagem integra os registros dos lotes lindeiros, nas quais vale o entendimento segundo o qual tais espaços não foram objeto de concurso voluntário, sendo, assim, privados (Súmula n. 1 da PGM). No mais, a situação usual é aquela em que o leito da passagem foi deixado no registro original do loteador, sendo entendida como pública a partir da alienação dos lotes a terceiros, quando é destinada ao uso público, a fim de proporcionar o acesso a tais lotes. Não há, contudo, necessidade de providenciar o cancelamento desse registro para que a

Municipalidade sustente o domínio público sobre a passagem, bastando que pratique atos inequívocos de aceitação da oferta feita pelo particular.

Na verdade, o particular adquirente dos lotes com frente para a passagem pode ter interesse na aquisição do registro. É claro que essa aquisição não restabelece a situação anterior ao parcelamento do solo: com efeito, não é possível adquirir do parcelador, ou de seus sucessivos espólios, direitos que já não lhe pertenciam, desde a ocorrência do concurso voluntário. Não obstante, nem se poderia afirmar que tal aquisição ocorreria de má-fé, uma vez que o adquirente pode simplesmente desconhecer o domínio público incidente sobre o leito da passagem, tendo interesse apenas efetuar a unificação de todos os registros. Além disso, essa aquisição pode dar-se para o fim de adiantar providências em vista de uma futura unificação, a partir do momento em que se comprem os direitos da Urbe, especialmente porque tende a ser mais difícil obter o registro da passagem em nome do Município e de sua desafetação do que simplesmente unificar, sem a objeção deste, o antigo registro remanescente da transcrição parcelada, correspondente à passagem, com o registro dos novos lotes.

Isso tudo, entretanto, não interfere com a posição da Urbe em relação à via, que se baseia no concurso voluntário, na qualidade de causa específica de aquisição do domínio. A aquisição sujeita o bem a todas as consequências pertinentes ao domínio, em especial no tocante ao regime relativo ao uso comum, com as peculiaridades próprias de tais passagens, segundo as regras do antigo Código de Obras. Esse regime legitima que a Municipalidade preste serviços públicos no local, enquanto mantida a afetação, e também que disponha do bem, caso ele venha a ser desafetado.

Nessa linha, se a existência de um registro privado não tornou ilegítimas, no curso de décadas, as providências relativas à disponibilização do bem ao uso comum - por exemplo, na realização de despesas com sua manutenção -, não há fundamento para que ele impeça a alienação do bem. Não há razão para distinguir entre os poderes inerentes à propriedade para afirmar a legitimidade da Municipalidade para praticar um ato ou outro: se pode efetuar a manutenção do bem, também pode desafetá-lo e aliená-lo, segundo o regime incidente sobre os imóveis municipais.

É claro que as peculiaridades relativas ao domínio público nem sempre são bem compreendidas, o que poderia levar não somente a que a titularidade da passagem fosse objeto de um litigio judicial, mas também a que a Municipalidade fosse vencida em tal demanda. Isso não implica, contudo, que o litigio deva ser necessariamente superado previamente à venda. De fato, supondo que há um risco relativo a esse domínio - decorrente, reitere-se, do desconhecimento relativo às peculiaridades do regime público -, a decisão relativa à administração desse risco faz parte da própria gestão do bem.

Assim, poderia o Município decidir por liberar o imóvel de quaisquer possíveis interferências de terceiros, eliminando ao máximo o risco de evicção antes de proceder à venda, ou poderia optar por alienar o bem no estado em que se encontra, transferindo o bem a um terceiro em sua situação atual. Não há motivo para afirmar que os resultados seriam melhores, sob a perspectiva jundico-formal, em uma ou outra hipótese. De fato, não se pode assumir que a Urbe teria mais chances, por exemplo, em uma ação declaratória do que um possível adquirente. Nessa linha, optando por liberar o bem, o Município poderia simplesmente sair vencido em uma ação dessa natureza, não logrando dispor, em seguida, de bem algum. Na verdade, só seria cabível sustentar que a Municipalidade deve manter consigo as providências relativas ao enfrentamento de tais riscos se fosse possível afirmar que ela teria mais chances de enfrentá-los do que um possível adquirente, o que não parece verdadeiro.

É indiscutível, ademais, que uma possível alienação deve ser competitiva ao máximo. Segundo essa perspectiva, seria ilícita qualquer exigência, por parte da Municipalidade, que implicasse redução da competividade do certame. Isso não significa, contudo, que a Urbe esteja adstrita a garantir essa competividade onde ela, a priori, não existe.

De fato, por melhores que fossem os esforços na preparação da alienação, não seria possível afastar determinados componentes que colocam a requerente numa posição diferenciada em relação à aquisição. Assim, em teoria, mesmo que a requerente reconhecesse o domínio público sobre a passagem, mantendo para si o registro atualmente inerte, estaria em melhores condições de proceder ao seu registro do que qualquer outro interessado. De igual forma, ainda que a Municipalidade permitisse o depósito do preço apenas depois de uma decisão judicial que declarasse o domínio público sobre o bem, ainda assim a requerente estaria em posição de vantagem, porque, vencendo a licitação, não teria necessidade de tal decisão e poderia assumir imediatamente o domínio pleno do bem.

Por outro lado, a requerente está em uma situação favorável sob a perspectiva do desenho urbano. De fato, não há quem possa auferir maior benefício do bem do que aquele que já possui os imóveis lindeiros, podendo utilizar o conjunto para uma incorporação imobiliária. Na verdade, soa até mesmo estranho que alguém faça um vultoso investimento em terreno localizado em área nobre que não seja para uma edificação de alto padrão. Nessa linha, ainda que se tratasse de um pequeno lote, devidamente registrado, livre de quaisquer discussões dominiais ou fundiárias, não haveria como competir com o proprietário lindeiro, que tem melhores condições práticas de dar o melhor aproveitamento possível ao bem. Portanto, mesmo que a Municipalidade optasse por ajuizar uma ação e lograsse obter o registro do bem em seu nome, ainda assim não se alteraria a situação favorável da requerente em relação ao bem.

No entanto, todas essas conjecturas não propiciam uma análise adequada do caso sob a perspectiva do direito urbanístico. Com efeito, considerando o real conteúdo da operação urbanística decorrente da desafetação da passagem, é possível concluir que, independentemente das providências que possam ser tomadas pela Municipalidade no tocante às formalidades referentes à titularidade da passagem, não há como tornar viável a competição por sua aquisição. Tal inviabilidade pode identificada a partir de duas diferentes perspectivas, conforme seja analisada a operação urbanística a ser efetuada.

A primeira perspectiva é a da alteração do alinhamento. Havendo opção nesse sentido, o imóvel em questão constituiria uma via desafetada, situação que pode ser enquadrada, antes de tudo, na hipótese de retificação do alinhamento. Com efeito, do ponto de vista espacial, a via principal - Rua da Consolação - tem uma reentrância, que corresponde ao leito da passagem. Caso essa reentrância seja eliminada, com a desafetação do bem, haverá uma retificação no alinhamento, de modo que a área hoje destinada a passagem passará a constituir bem dominical.

A questão é que esse espaço, depois de desafetado, não poderá permanecer como lote autônomo, porque isso geraria o encravamento dos lotes fronteiriços ao antigo leito da passagem[2]. Esse encravamento, incompatível com o conceito de lote adotado na legislação (Lei Federal n. 6.766/79, art. 2°, §§ 4° a 7° e Lei Municipal n. 16.402/16, Quadro 1), violaria direitos subjetivos dos titulares desses lotes, que possuem uma situação jurídica diferenciada em relação à via, de natureza complexa[3], situação esta que deve ser respeitada pelo ordenamento jurídico. O interesse público na alteração de uma via tem maior peso que o interesse do confrontante na manutenção do acesso, mas a retirada deste deveria ocorrer, em regra, mediante indenização[4].

Caso o terreno, depois de desafetado, fosse vendido a terceiros, seria consumada uma situação de encravamento, pela qual o Município responderia, até mesmo para fins de indenização dos prejuízos econômicos correspondentes (Ementa n. 11.760 - PGM-AJC). Diante disso, na linha do direito francês, é preciso reconhecer aos proprietários desses lotes o direito de preferência na aquisição desse espaço, de modo que, unificado aos lotes, estes passem a confinar com o logradouro em sua nova configuração[5].

Daí a importância do conceito jurídico de investidura, qual seja, "a incorporação a uma propriedade particular, de uma área de terreno pertencente ao logradouro público e adjacente à mesma propriedade, para o fim de executar um projeto de alinhamento ou de modificação de alinhamento aprovado pela Prefeitura"[6]. A investidura não constitui mera consequência da modificação do alinhamento, e sim uma condição para esta[7]. O novo alinhamento só se aperfeiçoa quando a área antes destinada a via é incorporada aos lotes fronteiriços, os quais, assim, passam a observar a configuração agora pretendida.

Conforme a lição de Hely Lopes Meirelles:

"Da modificação do alinhamento anterior pode resultar aumento ou diminuição da área de domínio público: no primeiro caso, a Prefeitura terá que indenizar ao particular a faixa que for retirada de sua propriedade; no segundo, terá o particular direito à investídura na área remanescente e fronteiriça de seu lote, até atingir o novo alinhamento"[8].

E também na linha de José Afonso da Silva:

"O plano de alinhamento visando a operar o estreitamento do logradouro cria uma ou duas faixas desafetadas do uso comum do povo, que, transformadas em bem dominial do Município, ficam em frente das propriedades lindeiras. Daí decore o direito de preferência dos proprietários fronteiriços para adquiri-las na correspondência das respectivas testadas. Em princípio, a alienação para eles parece ser a única solução jurídica adequada, porque a franja de terrenos interposta entre as propriedades particulares e o logradouro público cria vários problemas para os proprietários e a Administração interessada"[9].

Convém registrar, ainda, que o assunto já foi objeto de disposições legais expressas. Na sistemática constitucional anterior, a Lei Estadual n. 1/1947, que tratava da organização dos municípios, já previa a alienação, independentemente de concorrência pública, das áreas resultantes de modificações de alinhamento e que devessem ser incorporadas a propriedades particulares contiguas (art. 108, parágrafo único, "b"). De modo semelhante, a Lei Estadual n. 9.842/67, também relativa à organização dos municípios, dispunha sobre a alienação de áreas resultantes de modificação de alinhamento mediante autorização legislativa, mas sem licitação, fossem aproveitáveis isoladamente ou não (art. 43, § 2°). Por fim, a redação original da Lei Orgânica do Município de São Paulo se referia à alienação de áreas remanescentes de modificação de alinhamento, inaproveitáveis isoladamente, mediante avaliação e autorização legislativa, mas sem licitação (art. 111, § 3°).

A hipótese legal de investidura da atual Lei Orgânica, cujo texto repete a noção de investidura adotada na Lei Federal n. 8.666/93 (art. 17, § 3°), refere-se apenas aos remanescentes de obras públicas[10]. Com isso, o conceito adotado na lei federal afastou-se da concepção tradicional do direito urbanístico, que sempre aplicou o instituto à modificação de alinhamentos, em vista da situação jurídica peculiar dos lotes fronteiriços[11]. No entanto, a hipótese de alteração de alinhamento deve ser considerada como compreendida na noção de obra pública, pois, ainda que a atenção central, neste caso, esteja na alteração do desenho urbano, alguma obra deve ser realizada para que a nova configuração se consume, nem que corresponda apenas ao desfazimento do logradouro e aos ajustes necessários a essa nova configuração. Trata-se, na verdade, de uma intervenção urbana, que tem uma projeção física, sendo, assim, implantada por meio de uma obra. Em certos casos, sobretudo no que diz respeito ao desfazimento, a obra é realizada irregularmente por particulares; no entanto, ao assumir esse resultado como desejado, adotando o novo alinhamento, o Poder Público ratifica tal alteração física, de tal modo que a intervenção, feita sobre o logradouro e entendida como desejada pela Administração, já não pode deixar de ser considerada pública.

Todavia, independentemente da interpretação que se dê ao preceito da Lei Orgânica, a perspectiva urbanística aqui apresentada afasta, de modo ainda mais abrangente, a viabilidade da realização de certame licitatório. De fato, ainda que a lei tivesse eliminado ou restringido a hipótese de dispensa de licitação relativa à investidura, não estaria afastada a configuração de uma situação inexigibilidade de licitação, diante da inviabilidade de competição (art. 25, caput, da mesma lei)[12].

Com efeito, assim como a caracterização literal de investidura da Lei n. 8.666/93 não é capaz de afastar a licitação quando há mais de um confrontante na área remanescente, em razão da existência de competitividade, o mesmo texto legal, mesmo que entendido literalmente, não implicaria a realização de licitação nas situações em que ela se mostre inexigível. É a posição sustentada por Diógenes Gasparini:

"De fato, não se tem como dispensar a concorrência quando dois confinantes têm interesse na aquisição da sobra de área pública remanescente da utilizada na execução de obra pública. Os princípios da igualdade, da competitividade e da moralidade administrativa exigem esse certame. Em outras situações, ainda que a hipótese seja de concorrência, essa é inexigível, sob pena de o bem pode ir para o domínio de quem não é seu lindeiro, criando para este problemas de uso de sua propriedade, como ocorreria se a área, objeto de investidura, estivesse localizada entre a frente de sua propriedade e a via pública" [13].

Na verdade, o caráter exemplificativo das hipóteses legais de inexigibilidade abre espaço para situações como a presente, em que a licitação não se sustentaria, podendo fundamentar-se a alienação direta até mesmo na concepção, advinda dos princípios gerais de direito, segundo a qual o proprietário lindeiro teria o direito de acessão em relação à área que remanesceu entre seu lote e o logradouro, segundo a nova configuração do alinhamento[14]. Nessa perspectiva, o proprietário fronteiriço nem sequer adquiriria o bem por compra e venda, mas exerceria seu direito à investidura[15], estando, pois, em situação juridicamente distinta em relação a terceiros, que poderiam apenas comprar o terreno, e não exercer um direito precedente.

A segunda perspectiva urbanística é a da supressão da passagem, criada no âmbito de um antigo e específico tipo de parcelamento do solo. Com efeito, esta Procuradoria já entendeu que as passagens abertas no regime dos artigos 749 a 761 do antigo Código de Obras (Ato n. 663/34) não devem servir ao tráfego de veículos em geral, mas somente para os que se destinam às habitações ali localizadas, em vista de preservar a segurança e o sossego dos moradores das vilas (Ementa n. 11.632 - PGM- AJC).

Portanto, a abertura de uma dessas passagens gerava uma situação urbanística peculiar, correspondente a um conjunto formado por tais lotes e a passagem, de modo que a posterior eliminação desta não poderia ser feita desconsiderando a situação desses lotes. Com efeito, não é possível apenas desafetar a passagem e desprezar a questão a eliminação dos acessos realizados por meio dela, estabelecidos por força do regime do parcelamento do solo então vigente, cujos efeitos se prorrogaram no tempo (Informação n. 2.116/2013 - SNJ-G). Não há como manter o parcelamento do solo, como antes existente, eliminando seu elemento mais essencial: a passagem.

Assim, a eliminação da passagem pressupõe uma alteração fundiária, por meio da qual sejam eliminados também esses acessos para o logradouro municipal. Segundo o regime atualmente vigente, há duas possibilidades para que isso ocorra: o remembramento fundiário entre a passagem e os lotes que para ela tinham acesso, com a reversão do parcelamento que levou à abertura da passagem, ou a instituição de um condomínio de lotes, nos termos do art. 1.358-A do Código Civil, ou mesmo de um condomínio urbano simples, nos termos dos artigos 61 e ss. da Lei Federal n. 13.465/17, de modo que o leito da passagem passe a ser uma área comum entre os lotes, servindo-lhe de acesso, em caráter privado.

Em ambas as alternativas, a eliminação da passagem deve ocorrer por meio da venda de seu leito desafetado aos titulares dos lotes que tinham acesso para ela, o que justifica, também à moda do direito francês, que se reconheça um direito de preferência por parte dos proprietários dos lotes confinantes a uma via que venha a ser suprimida[16]. Evidentemente, não se pode descartar um impasse caso não haja interesse dos proprietários lindeiros na aquisição da via, situação em que poderia ser considerada a desapropriação dos lotes particulares, para que o remembramento entre estes e o antigo leito da passagem fosse feito pelo Município.

A própria venda do antigo leito da passagem a um terceiro seria questionável do ponto de vista urbanístico, pois geraria, assim como ocorre na perspectiva da modificação do alinhamento, uma inaceitável configuração fundiária. De fato, por mais eficiente que deva ser a gestão econômica do patrimônio público e mesmo que a licitação fosse um meio viável, no caso, para maximizar o proveito a ser obtido com a venda, não caberia fazê-lo à custa de direitos dos munícipes - tais como o direito de acesso ao lote, exercido, como decorrência da propriedade, sem a intermediação de terceiros - e com a geração de conflitos entre particulares.

Mesmo assim, para fins de argumentação, cabe supor a hipótese de aquisição por um terceiro, para o fim de se compor, no futuro, com os demais proprietários. Ainda que teoricamente possível, não há como negar que se trataria de um negócio absolutamente improvável e pouco atrativo, já que a avaliação é feita tendo por referência um bem livre de restrições. Assim, em tese, pelo mesmo valor, seria possível ao terceiro adquirir outro bem, com aproveitamento pleno, sem necessidade de prévia composição com qualquer que seja.

Daí a mesma conclusão no sentido de que a não se verifica a viabilidade de competição que justifique a realização de licitação para a venda do antigo leito da passagem. De fato, não haveria sentido em proceder a todos os esforços pertinentes ao certame apenas para verificar se não haveria alguém interessado em fazer um mau negócio, o qual, no mais, implicaria a criação de um conflito a ser superado. Na verdade, a venda direta do bem aos titulares dos lotes que tinham acesso para a passagem não decorreria de um discnmen arbitrário, violador da impessoalidade, mas de uma situação jurídica constituída, correspondente ao direito subjetivo de acesso, resultante de um antigo tipo de parcelamento do solo, que deve ser solucionada por meio da alienação, nos termos acima descritos.

Observe-se, ainda, que a situação aqui tratada é ainda mais infensa a um procedimento competitivo de venda que a dos remanescentes de obras públicas em geral, cuja alienação direta ao proprietário confinante exige a demonstração da impossibilidade de seu aproveitamento isolado (art. 112, § 1°, I, "b", da Lei Orgânica do Município).

De fato, quando o proprietário lindeiro não possui direito algum, em relação o Município, no tocante ao bem a ser adquirido, ele apenas se aproveita da nova conformação física decorrente da obra. Para tanto, é essencial que o remanescente gerado não possa ser aproveitado isoladamente, porque isso implicaria a possibilidade de sua aquisição, em condições competitivas, por qualquer interessado. Ao contrário, no caso presente - que, como visto, pode ser compreendido como mudança no alinhamento ou supressão de uma passagem de acesso restrito - existe essa relação peculiar com o antigo confinante, apta a fundamentar a discriminação realizada por meio da alienação direta.

Dessa sorte, nas situações em que a intervenção pública provoca eliminação de acesso a lotes, o possível aproveitamento isolado do bem em si considerado teria apenas por consequência tornar viável, em tese, sua utilização no serviço público, hipótese em que teria de ser considerada a desapropriação dos imóveis encravados, de forma a dar cabo à questão urbanística decorrente da intervenção restritiva sobre o viário[17]. No entanto, diante da ausência de interesse no bem para equipamentos públicos ou área verde (doc. 028058147), o desfecho possível seria a alienação direta do bem aos proprietários dos imóveis que confrontavam com a passagem.

De todo modo, convém observar que não parece possível, na situação aqui analisada, avaliar a possibilidade de aproveitamento isolado do bem sem considerar o contexto em que ele se encontra inserido. De fato, mesmo que a área fosse aproveitável em si, persistiria a necessidade de solução da questão existente em relação aos lotes confinantes, para a qual há duas alternativas: expor o Município à indenização dos prejuízos correspondentes à eliminação do acesso ou garantir um direito de passagem sobre o bem, aspectos que parecem fulminar tal aproveitamento isolado. Assim sendo, parece assistir razão a DEUSO, ao observar que, apesar de as dimensões da área em si permitirem seu aproveitamento como espaço edificável, essa utilização seria inviável, porque implicaria negar aos lotes acesso a via oficial. Por isso, isoladamente considerado, esse trecho não poderia ter outra destinação que não fosse a de viário (doc. 015339717).

Não importa, a propósito, que todos os lotes adjacentes sejam de um mesmo proprietário, o que poderia propiciar acessos entre uns e outros. Os atributos de confrontação com logradouro são referidos ao lote, e não a seu proprietário. Existindo a passagem, o proprietário tem o direito de aproveitá-los em conjunto ou em separado, porquanto são dotados de registros autônomos - exatamente por isso, não pode o Município determinar a unificação de tais lotes, o que importaria em uma renúncia a direitos. Extinta a passagem, somente seria viável o aproveitamento conjunto dos lotes, mas isso não poderia ser imposto ao seu proprietário. Assim sendo, o fato de estarem os lotes sob a titularidade de um mesmo proprietário não altera, de modo algum, as conclusões acima alcançadas.

Ademais, cabe observar que o entendimento aqui desenvolvido não constitui uma inovação. Em caso semelhante, já observou esta Assessoria:

"Com efeito, não se justifica a realização de um procedimento licitatório para o caso em discussão, em virtude da inviabilidade de competição, nos termos do artigo 25, "caput", da Lei n. 8.666/93, eis que o bem que se pretende alienar, trata-se de um leito de via sem saída com o respectivo balão de retorno, que nenhuma serventia poderia ter para outras pessoas, a não ser para aqueles imóveis que têm o seu acesso exclusivo por mencionada rua.

(...)

Dessa maneira, parece-nos que a alienação da área pública a terceiros que não o interessado ensejaria o encravamento dos imóveis que têm acesso exclusivo por tal via, o que não seria adequado e autoriza o Poder Público a procedente a venda ao único proprietário lindeiro, com fulcro no artigo 25, caput, da Lei n. 8.666/93"[18]

Por outro lado, deve-se considerar que, embora o leito da passagem em questão confronte com outros lotes, que não pertencem à vila, a incorporação do trecho desafetado a esses terrenos seria tão inviável quanto sua aquisição por um terceiro. De fato, houvesse essa anexação a um dos lotes externos à vila, não se solucionaria a questão da supressão do acesso aos lotes dela integrantes, conforme acima descrito.

Na realidade, os lotes externos à vila não são afetados pela supressão do logradouro, pois, no regime de tais passagens, o acesso servia somente para lotes da vila, e não para os demais lotes que pudessem confrontar fisicamente com ela (Ementa n. 11.632 - PGM-AJC). Não tendo acesso à passagem, os titulares desses lotes, além de não poderem opor-se à desafetação da via - conforme já observado no parecer anterior (doc. 026101872) - tampouco se encontram em uma situação diferenciada que justifique alguma preferência pela aquisição do leito desafetado.

Além disso, é preciso considerar que se aplicaria ao leito desafetado a vedação prevista no art. 64 da Lei n. 16.402/16, que impede o remembramento de lotes de vila com lotes que a ela não pertençam. De fato, embora desafetada, a passagem continua a pertencer à vila, devendo seguir o regime a ela aplicável, de modo que não poderia remembrar-se a lote vizinho, alheio a esse peculiar conjunto fundiário. Portanto, um terceiro lindeiro não poderia invocar essa condição para legitimar-se à aquisição da via, ficando a preferência restrita aos lotes integrantes da vila.

Assim, o exercício do direito de preferência somente pode ser exercido, em conjunto, pelos titulares da totalidade dos lotes que tinham acesso para a passagem. Como tais lotes pertencem a um mesmo proprietário, não há maiores dificuldades: a efetiva eliminação da passagem ocorrerá concomitantemente à venda, na qual poderá ser pactuada a fusão entre a passagem e os antigos lotes, definindo-se uma nova configuração urbanística e fundiária.

Por isso, o encaminhamento mais adequado para o caso em exame é que, tendo em vista todos esses aspectos, a proposta de autorização legislativa seja feita, desde logo, para a alienação direta. De fato, embora a inexigibilidade independa de previsão legal expressa, decorrendo da situação de cada caso concreto, é razoável que o assunto seja submetido à Câmara Municipal, que deve apreciar as condições que entender relevantes para a venda.

A propósito, convém observar que a recente Lei Federal n. 14.011/20 alterou a Lei Federal n. 9.636/96 para o fim de estabelecer um regime próprio de alienação dos bens da União. Nessa linha, não haveria empecilho à fixação de regras próprias em âmbito municipal, especialmente no tocante a aspectos urbanísticos. Vale notar, sob este aspecto, que a desafetação, entendida sob as perspectivas da alteração do alinhamento ou da supressão do logradouro, é antes uma decisão de caráter urbanístico do que algo relativo à gestão patrimonial, podendo alcançar definições mais pontuais relacionadas à definição do desenho urbano[19].

Evidentemente, não se pode descartar a hipótese de que a Câmara Municipal condicione a venda à realização de uma licitação. Entretanto, feita a licitação segundo a prudência assim exigida, não seria cabível levantar questões quanto a um possível direcionamento do certame, uma vez que estariam colocadas, desde logo, as complexas questões decorrentes da desafetação de via utilizada como acesso a lotes. Com efeito, por mais que a licitação seja inexigível, é possível realizá-la, sem que, contudo, possa causar espécie a vitória daquele que, desde sempre, esteve em condições incomparáveis em relação a terceiros para a aquisição do bem.

Assim sendo, sugere-se seja dado prosseguimento à tramitação do presente, mantido o entendimento quanto à possibilidade de alienação do bem, mas revisto quanto à necessidade de prévio certame licitatório, com a observação que, por se tratar de uma alteração de posicionamento quanto a uma questão jurídica, não parece necessário que o assunto relativo à inexigibilidade de licitação seja submetido à deliberação da CMPT, podendo ser dado prosseguimento aos trâmites pertinentes. Assim, CGPATRI poderá concluir os trabalhos para finalização da minuta de projeto de lei, restituindo o expediente a esta Procuradoria Geral antes do encaminhamento à deliberação do Senhor Prefeito.

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São Paulo, 06/07/2020.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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De acordo.

São Paulo, 06/07/2020.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

[1] Assim já se consignou: "Haveria, em tese, a possibilidade de que se levantasse a hipótese de que o imóvel poderia ser vendido por valor superior caso já estivesse regular perante o Registro Imobiliário. No entanto, trata-se de mera conjectura, uma vez que o imóvel foi avaliado como se se tratasse de imóvel plenamente regular, não havendo vedação, sob a perspectiva jurídico-formal, a que os ônus decorrentes da ausência de registro sejam transferidos ao adquirente, sem nenhuma compensação por isso. É claro que seria possível entender mais adequado obter matrícula para o imóvel e depois efetuar sua alienação; contudo, isso decorreria de opção de negócio, a ser tomada no âmbito da gestão imobiliária municipal - ou seja, no âmbito do chamado mérito administrativo -, e não de uma imposição sob a perspectiva das normas aplicáveis" (Informação n. Informação n. 532/2019 - PGM-AJC, doc. 016361358, no SEI 6071.2019/0000167-9).
[2] Vale notar, a propósito, que, embora esta Assessoria já tenha entendido que a área resultante de desafetação poderá em si ser ocupada, ainda que não observe os parâmetros aplicáveis ao lote, com fundamento no art. 134, I, da Lei n. 16.402/16 (Informação n. 82/2017 - PGM-AJC), a situação de encravamento impediria, a rigor, o aproveitamento dos lotes que tinham acesso para a passagem, de modo que a alienação da passagem desafetada a terceiros geraria uma situação irregular.
[3]Salzwedel, Jürgen. Anstaltnutzung und Nutzung öffentlicher Sachen. In: Erichsen, Hans-Uwe (org.) Allgemeines Verwaltungsrecht, 10° ed. Berlin / New York: de Gruyter, 1995, p. 557. Sobre a natureza desses direitos, cf. análise detida em Berçaitz, Miguel Angel, Problemas jurídicos del urbanismo. Buenos Aires, Abeledo - Perrot, 1972, pp. 75 e ss. e Nesse sentido, Silva, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro, 6° ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 215-216.
[4]Salzwedel, Jürgen, op. cit., p. 547.
[5]Chapus, René. Droit administratíf géneral - Tome 2, 15° ed. Paris: Montchrestien, 2001, p. 469; Gaudemet, Yves. Traité de droit administratíf - Tome 2 - Droit administratíf des biens, 13° ed. Paris: LGDJ, 2008, p. 290; Auby, Jean-Marie; Bon, Pierre. Droit administratíf des biens. Paris: Dalloz, 1991, p. 57.
[6]Cavalcanti, Themístocles Brandão. Tratado de Direito Administrativo - Vol. III, 3° ed. Rio de Janeiro / São Paulo: Freitas Bastos, 1956, p. 62.
[7]Com essa observação, o brilhante parecer de Eduardo Vianna Motta, insigne integrante dos quadros da advocacia municipal paulistana, no processo administrativo n. 46/49 (fls. 174), no qual foi exaurida a análise da alienação de remanescentes decorrentes do recuo de alinhamento.
[8]Meirelles, Hely Lopes. Direito de construir, 9°ed. (atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Adilson Abreu Dallari e Daniela Libório). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 122.
[9]op. cit., p. 211. Em 1928, o então Procurador do Município de São Paulo João Octaviano de Lima Pereira, brilhante estudioso dos temas relativos ao domínio público, já mencionava a hipótese "em que, em virtude de novo plano de alinhamento, fica, entre o novo e o antigo, uma porção de terreno público. Para a aquisição deste, é assegurado ao proprietário direito de preferência, a fim de poder trazer a sua propriedade até entestar com o novo alinhamento; porque não é lícito ao poder público suprimir o acesso da propriedade à via pública. Só no caso de não querer o proprietário usar dessa preferência, é que se pode cogitar de desapropriação" (A esthetíca como motívo de utílidade publica. São Paulo: Helios, 1928, p. 13, com grafia adaptada às normas atuais).
[10]Verificou-se, aqui, uma curiosa evolução do conceito, pois, em 1928, no parecer já citado, o Procurador Municipal João Octaviano de Lima Pereira tratava justamente da possibilidade de estender aos remanescentes de desapropriação o mesmo tratamento dado aos remanescentes decorrentes de mudança do alinhamento, em caso de estreitamento da via, tratamento este que, segundo o autor, seria objeto de uma perfeita "unidade de vista" entre os escritores. Ao responder a consulta, o então Procurador afirmou que o caso dos remanescentes de desapropriação, por ser análogo, devia ser solucionado de modo semelhante, pois, embora não houvesse disposição legal a respeito, tal entendimento se harmonizava com as garantias das prescrições legais sobre a propriedade e satisfaziam as conveniências gerais da sociedade que a Administração deve consultar e atender (op. cit., 13-14).
[11]Com isso, a definição clássica de investidura tornou-se algo raro nas leis urbanísticas municipais. Veja-se, por exemplo, o Código de Obras do Município de Nilópolis, que, repetindo o antigo Código de Obras do Rio de Janeiro, define a investidura como "a incorporação a uma propriedade particular, de uma área de terreno pertencente ao logradouro público e adjacente à mesma propriedade, para o fim de executar um projeto de alinhamento ou de modificação de alinhamento aprovado pela Prefeitura" (Lei n. 3.051/77, art. 1°).
[12]Assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo situação de inexigibilidade de licitação em alienação de bem público: "AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3°, CAPUT E §, DA LEI N. 9.262, DE 12 DE JANEIRO DE 1.996, DO DISTRITO FEDERAL. VENDA DE ÁREAS PÚBLICAS PASSÍVEIS DE SE TORNAREM URBANAS. TERRENOS LOCALIZADOS NOS LIMITES DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - APA DA BACIA DO RIO SÃO BARTOLOMEU. PROCESSO DE PARCELAMENTO RECONHECIDO PELA AUTORIDADE PÚBLICA. VENDAS INDIVIDUAIS. AFASTAMENTO DOS PROCEDIMENTOS EXIGIDOS NA LEI N. 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1.993. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. INEXIGIBILIDADE E DISPENSA DE LICITAÇÃO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INOCORRÊNCIA. 1. A dispensa de licitação em geral é definida no artigo 24, da Lei n. 8.666/93; especificadamente - nos casos de alienação, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social, por órgãos ou entidades da administração pública - no seu artigo 17, inciso I, alínea "f". Há, no caso dos autos, inviabilidade de competição, do que decorre a inexigibilidade de licitação (art. 25 da lei). O loteamento há de ser regularizado mediante a venda do lote àquele que o estiver ocupando. Consubstancia hipótese de inexigibilidade, artigo 25. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente" (Tribunal Pleno - ADIN n. 2990/DF - Rel. para o acórdão Min. Eros Grau, j. 18.04.2007).
[13]Direito Administrativo, 17° ed. (atualizada por Fabrício Motta). São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 998­999. Vale ressalvar que, na situação de dois interessados em um espaço remanescente de obra público, o entendimento no âmbito desta Procuradoria Geral é no sentido da realização de licitação mediante convite (Ementa n. 10.758 - PGM-AJC).
[14]Nesse sentido, cf. Maia, Múcio de Campos. O problema das sobras de terreno nas desapropriações e o fenômeno jurídico da acessão. In: Revista de Direito Administrativo, 39, 1955, pp. 471-472. Conforme já se notou: "Se o legislador paulistano ou o paulista, que ambos são competentes na matéria, excluindo a atuação do último a competência do primeiro, se, repetimos, nenhum dêles ainda legislou expressamente sôbre o modo de se formalizarem as investiduras e os recuos, o intérprete, o aplicador do direito, tanto o judicial, como o administrativo, como também no mero campo da vivência jurídica normal, isto é, sem pleito ou discordância, há de construir o direito, e fá-lo-á apelando para a analogia, e para os princípios gerais de direito, os quais se haurem no estatuto do direito comparado e da doutrina" (Motta, Eduardo Vianna. Bens de uso comum do povo. Natureza jurídica da relação entre eles e a pessoa de direito público. Modos de aquisição, p. 25 - Artigos publicados na Revista dos Tribunais, n. 332 a 340, de junho de 1963 a fevereiro 1964, disponíveis, em texto consolidado, na Revista dos Tribunais on Line, cujas páginas são aqui adotadas como referência).
[15]Motta, Eduardo Vianna. Bens de uso comum do povo, p. 26.
[16]Gaudemet, Yves. Op. cit., p. 310; Auby, Jean-Marie; Bon, Pierre. Op. cit., pp. 88-89.
[17]É o entendimento adotado por Eduardo Vianna Motta, no já referido e exaustivo parecer sobre a matéria: "Sendo a área aproveitável, a administração deverá considerar a conveniência de empregá-la para serviço público, e, então, desapropriará o imóvel encravado, e os imóveis incorporados serão aplicados no serviço público. Se não quiser aplicar a área no serviço público, a administração, no aliená-lo, terá de obedecer ao direito de preferência que tem o proprietário do imóvel encravado" (Processo administrativo n. 109461/49, 184).
[18]Informação n. 788/2006 - PGM-AJC.
[19]Não é por outra razão que o assunto está referido no art. 10 da atual minuta de projeto de lei, aos cuidados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, que trata da revisão da Lei n. 16.402/16, relativa ao parcelamento, uso e ocupação do solo em âmbito paulistano, cujo art. 64, § 3°, passaria a prever a hipótese de alienação direta aos proprietários lindeiros de vilas desafetadas (texto disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2019/10/Texto-da-Lei- 2%C2%AA-minuta-do-PL.pdf).
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processo n° 6013.2018/0005072-8

INTERESSADO: ATR 3 Empreendimentos e Participações Ltda.

ASSUNTO: Aquisição de área municipal. Passagem localizada no n° 3.407 da Rua da Consolação.

Cont. da Informação n. 688/2020-PGM.AJC

PGM

Senhora Procuradora Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva, que acolho, no sentido da possibilidade jurídica da alienação do bem em questão, nas condições atuais, sendo inexigível a licitação para a realização de tal venda.

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São Paulo, 06/07/2020.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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processo n° 6013.2018/0005072-8

INTERESSADO: ATR 3 Empreendimentos e Participações Ltda.

ASSUNTO: Aquisição de área municipal. Passagem localizada no n° 3.407 da Rua da Consolação.

Cont. da Informação n. 688/2020-PGM.AJC

SEL

Senhor Chefe de Gabinete

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que, sendo inexigível a licitação no caso em exame, poderá ser encaminhada proposta de autorização legislativa para alienação direta do bem em questão.

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São Paulo, 06/07/2020.

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo