CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.597 de 27 de Março de 2012

EMENTA N° 11.597
Restrições convencionais. Vila Monumento. A mera reprodução — por força do que dispunham o artigo 24 da Lei municipal n° 2.611, de 20 de junho de 1923, e artigos 2º a 10 do Ato n° 2.246, de 4 de dezembro de 1923 — das normas legais em vigor à época da lavratura de escrituras públicas de venda e compra não configura restrições convencionais de loteamento para os fins do disposto no artigo 247 da Lei 13.885/04.

Processo nº 2007-0.306.546-3

INTERESSADO: ALFA REALTY EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.

ASSUNTO: Alvará de Aprovação e Execução de Obra Nova.

Informação n° 514/2012- PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhora Procuradora Assessora Chefe

A questão aqui tratada pode ser assim resumida: (a) por força do que dispunham o artigo 24 da Lei municipal n° 2.611, de 20 de junho de 19231, e artigos 2º a 10 do Ato n° 2.246, de 4 de dezembro de 19232, fez-se constar nas primitivas escrituras de venda e compra dos lotes 8, 9, 10 e 12 da Quadra 5 resultante de parcelamento de solo promovido na Vila Monumento a obrigação de os compradores, por si e por seus sucessores, observar regras atinentes ao gabarito e recuos de construções que se erigissem nos imóveis (fls. 215/225); (b) tal obrigação não foi apontada em Cartório de Registro de Imóveis e não foi reproduzida nas escrituras lavradas em decorrência da alienação subsequente dos imóveis; (c) tendo em vista a incompatibilidade de tais restrições edilícias com o projeto que o interessado, hoje, pretende executar nos imóveis em questão, indaga SEHAB se se aplicaria, ou não, à hipótese o artigo 247 da Lei 13.885/04, segundo o qual "nas zonas de uso ZER, ZM-1, ZM-2, ZERp, ZLT, ZCLz-I, ZCLz-II, ZTLz I e ZTLz II, as restrições convencionais de loteamentos aprovados pela Prefeitura, estabelecidas em instrumento público registrado no Cartório de Registro de Imóveis, referentes a dimensionamento de lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura e número de pavimentos das edificações, deverão ser atendidas quando mais restritivas que as disposições desta lei".

A resposta, como já bem antecipado pela ATAJ de SEHAB, é negativa.

Primeiramente, porque os apontamentos constantes das escrituras públicas originárias, lavradas nos anos de 1925 (lotes 8 e 12), 1928 (lote 9), 1931 (lote 10), não constituem restrições convencionais de loteamentos a que o art. 247 da Lei 13.885/04, nas situações que declina, emprestou caráter vinculante. Os contornos do que seja restrição convencional hospedam-se na Lei n° 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, dispondo o inciso VII de seu art. 26 o seguinte:

Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações: (...)

VII - declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.

Tais restrições convencionais, portanto, decorrem da vontade do loteador, consistindo em seu particular projeto de urbanização de gleba submetida ao fracionamento; assim, "restrições convencionais são aquelas estabelecidas pelo loteador no plano de loteamento, arquivando-se no registro imobiliário e transcrevendo nas escrituras de alienação dos lotes. São cláusulas urbanísticas a serem observadas por todos em defesa do bairro, inclusive a Prefeitura que as aprovou. Conseqüentemente, quem adquire o terreno, do loteador, ou dos sucessores, deve observância a todas as restrições convencionais, ainda que omitidas nas escrituras subseqüentes, porque o que prevalece são as cláusulas iniciais do plano de urbanização. As normas convencionais de loteamento operam efeitos entre o loteador e o adquirente de lotes e entre a Prefeitura. O adquirente de lotes recebe propriedade restrita, não lhe assistindo o direito de alterá-la." (STJ, REsp 302.906, DJe 1º/12/2010).

Ora, as isoladas anotações constantes das escrituras de fls. 215/225 ora contrastadas não são expressão da particular vontade do loteador ou de projeto de arruamento devidamente registrado em órgão municipal. Decorrem, como bem assinalado por SEHAB, de atos do próprio poder público municipal que, disciplinando o conteúdo de atos jurídicos de transmissão de propriedade, determinou a figuração em escrituras públicas dos parâmetros edilícios previstos na legislação então em vigor naquele começo do século XX. Em todas as escrituras há a reiterada anotação de que as obrigações nelas inscritas seguem os termos do "acto da Prefeitura Municipal de S. Paulo, n° 2246, de 4 de dezembro de 1923". Aparentemente, o poder público acreditava que as obrigações derivadas de contrato teriam força suasória superior àquela derivada da própria lei municipal.

Entretanto, a inclusão lapidar, nas primeiras escrituras públicas, do conteúdo de normas legais que vigoravam à época de sua lavratura, não perenizaram a vigência destas. A lei vigora até que outra a modifique ou revogue. A imemorial superação legislativa do conteúdo da norma legal reproduzido nas escrituras públicas implicou igual superação da restrição que, residualmente, nelas constaram.

Além de não se tratar de obrigações impostas pelo loteador, acresce, ainda, que a prevalência das restrições convencionais sobre índices urbanísticos postos em lei somente ocorre nas hipóteses em que a lei determina que aquelas prevaleçam sobre estes. Tal norte, naturalmente, foi estabelecido pelo legislador, e não pelo particular: "O princípio geral é o de que as restrições dos loteadores são acordos particulares operantes nos vazios da lei urbanística, suprindo-lhe a falta ou mesmo a ausência do texto legal regulador do uso do solo naquele bairro. Sobrevindo a lei, cessam, daí por diante, todos os efeitos contratuais contrários à norma legal.(...)" (Hely Lopes Meirelles, "As Restrições de Loteamento e as Leis Urbanísticas Supervenientes" - RT 462/23)

No Município, o prestígio das restrições convencionais que mais restritivas do que as disposições legais é atribuído pelo art. 247 da Lei 13.885/04 acima referido, o qual, não obstante, circunscreve a aplicação da regra às "restrições convencionais de loteamentos aprovados pela Prefeitura, estabelecidas em instrumento público registrado no Cartório de Registro de Imóveis". No caso concreto, as restrições não se caracterizam como "convencionais de loteamento aprovados pela Prefeitura", pelas razões acima expressas, e nem tampouco registradas no Cartório de Registro de Imóveis.

As certidões de matrícula e de filiação expedidas pelo 6º Cartório de Registro de Imóveis são silentes a respeito de eventual restrição (fls. 254/266). As certidões expedidas 1º Cartório de Registro de Imóveis dão conta de não constar à margem das transcrições primevas "referência para Inscrição de Loteamento, quer registrado, quer regularizado, seja em cumprimento ao Decreto Lei n° 58, de 10.12.1937, seja em cumprimento à Lei n. 6.766, de 19.12.1979, objetivando o imóvel mencionado, conseqüentemente, não constando ter ocorrido arquivamento de documentos como plantas, contrato padrão ou memorial descritivo, nesta Serventia" (fls. 253, 267 e 270/271). A ausência de rastro de inscrição imobiliária impediria, na hipótese, a aplicação coercitiva de eventual restrição cogitada pelo loteador; mutatis mutandi:

"Irrelevante que as restrições convencionais não constem do contrato de compra e venda firmado entre a incorporadora construtora e o proprietário atual do terreno. No campo imobiliário, para quem quer saber o que precisa saber, ou confirmar o que é de conhecimento público, basta examinar a matrícula do imóvel para aferir as restrições que sobre ela incidem, cautela básica até para que o adquirente verifique a cadeia dominial, assegure-se da validade da alienação e possa, futuramente, alegar sua boa-fé. Ao contrato de compra e venda não se confere a força de eliminar do mundo jurídico as regras convencionais fixadas no momento do loteamento e constantes da matrícula do imóvel ou dos termos do licenciamento urbanístico-ambiental. Aqui, como de resto em todo o Direito, a ninguém é dado transferir o que não tem ou algo de que não dispõe — nemo dat quod non habet." (STJ, REsp REsp 302.906, DJe 10/12/2010, destacamos)

Por fim, verifica-se a partir da análise dos documentos fotográficos de fls. 272/285 que as restrições cogitadas naquela primeira escritura não influenciaram o desenvolvimento urbanístico da Vila Monumento. A fragilidade jurídica inibiu sua imposição. Além disso, conforme afirmado às fls. 297, aliás, tratando-se de antiga Z.2, por cerca de vinte anos não era mesmo possível ao poder público impor a supremacia de restrições convencionais (inexistentes na hipótese) sobre a legislação de regência:

"No caso em exame, o imóvel situa-se em ZM-2, antiga Z-2. Em zona de uso Z-2 não houve exigência legal de observância de restrições convencionais no período compreendido desde a vigência da Lei n° 9.846/85 até a vigência da Lei n° 13.885/04. Assim, por cerca de 20 anos não havia amparo para a Prefeitura exigir o atendimento de restrições convencionais na aprovação de empreendimentos em Z.2, isto é, não só na Vila Monumento, mas em outros loteamentos nas mesmas condições."

Outrossim, o anacronismo das regras reproduzidas nas escrituras foi bem revelado às fls. 420:

"Saliente-se que a ressalva constante do artigo 24 da Lei Municipal 2.332/20, de tornar obrigatória a menção nas escrituras das restrições legalmente previstas, relativamente à altura e ocupações, tinha como finalidade assegurar às habitações que ali viessem a ser edificadas a insolação mínima de 3 horas e ventilação igual ou superior a que pela lei determinação para as secções já arruadas.

A origem de tais restrições, portanto, são de cunho legal, resultaram da aplicação dos ditames da Lei 2.332/20, especialmente de sua Secção III, relativa à insolação, iluminação e ventilação, reguladas pelos artigos 70, 71B e 74, todos já revogados por legislação posterior." (destaques no original, negritamos)

Nessas condições, é de concluir, coerentemente com SEHAB, que a mera reprodução das normas legais em vigor à época da lavratura das escrituras públicas de fls. não configura restrições convencionais para os fins do disposto no artigo 247 da Lei 13.885/04.

.

São Paulo, 27/03/2012

ANTONIO MIGUEL AITH NETO

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 88.619

PGM

.

De acordo.

.

São Paulo, 29/03/2012.

LILIANA DE ALMEIDA FERREIRA DA SILVA MARÇAL

Procuradora Assessora Chefe - AJC

OAB/SP n° 94.147

PGM

.

1 Art. 24 - Nenhuma nova edificação será aprovada para as secções ainda não arruadas das zonas urbana e suburbana, sem que o proprietário dos terrenos submeta à aceitação da Prefeitura o plano de retalhamento da quadra em lotes e das outras restrições de ocupação e altura que deverão figurar nas escrituras de venda, por modo a assegurar às habitações que ali vierem a ser edificadas a insolação mínima de três horas e ventilação igual ou superior à que pela lei é determinada para as secções já arruadas. Entre estas restrições figurará obrigatoriamente a de, em cada lote destinado a edifício de habitação, não poder ser construídos, além do prédio principal, nenhuns outros a não ser os da edículas dependenciais usuais à casa de moradia.

2 Art. 10 - As disposições supra serão incluídas nas escripturas de venda, de modo a obrigarem aos compradores e seus successores.

.

.

Processo nº 2007-0.306.546-3

INTERESSADO: ALFA REALTY EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.

ASSUNTO: Alvará de Aprovação e Execução de Obra Nova.

Cont. da informação n° 514/2012-PGM.AJC

SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Senhor Secretário,

Encaminho o presente a Vossa Excelência com a manifestação da Assessoria Jurídico Consultiva desta Procuradoria Geral do Município, cuja conclusão acolho.

.

São Paulo, 29/03/2012

CELSO AUGUSTO COCCARO FILHO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 98.071

PGM

.

.

Processo nº 2007-0.306.546-3

INTERESSADO: ALFA REALTY EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.

ASSUNTO: Alvará de Aprovação e Execução de Obra Nova.

Informação n.° 0994/2012-SNJ.G.

SEHAB

Senhor Secretário

Encaminho-lhe o presente, para ciência da conclusão alcançada na precedente manifestação da Procuradoria Geral do Município, no sentido de que, no caso em tela, os apontamentos constantes das escrituras públicas originárias, em decorrência do conteúdo de normas legais que vigoravam à época de sua lavratura, não constituem as restrições convencionais de loteamentos a que o artigo 247 da Lei n° 13.885/04 emprestou caráter vinculante, na medida em que não são expressão da particular vontade do loteador ou de projeto de arruamento devidamente registrado em órgão municipal, mas sim, resultam de atos do próprio poder público, revogados por legislação posterior.

.

São Paulo, 04/04/2012

CLAUDIO LEMBO

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

SNJ.G.

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo