Processo n° 2007-0.352.905-2
INTERESSADO: SONDA SUPERMERCADOS.
ASSUNTO: Demolição de bem tombado. Ausência de autorização do órgão preservacionista. Fiscalização e aplicação de multa pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e pela Secretaria Municipal da Cultura/CONPRESP. JUD consulta a respeito de bis in idem. Análise, Encaminhamento.
Informação nº 1374/2010 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhor Procurador Assessor Chefe,
Desencadeou o presente processo administrativo o ofício da Polícia Civil do Estado de São Paulo encaminhado ao Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente, solicitando informações a respeito de reformas irregulares nos imóveis localizados na Rua Carlos Vicari, nº 205 e 211, onde funcionou a Torrefação de Café e Refinaria de Açúcar Santa Efigênia.
Referido ofício veio instruído com diversos documentos, dentre os quais se destacam (i) a denúncia de munícipe sobre o fato, alegando a omissão da Subprefeitura da Lapa; (ii) a Resolução nº 12/CONPRESP/2005 que determinou a abertura de processo de tombamento do conjunto arquitetônico composto pelos imóveis retro citados; (iii) informação da Subprefeitura da Lapa de que não havia indícios de obras no local; (iv) informação de SVMA a respeito da inexistência de TAC firmado para o local; (v) laudo de avaliação ambiental com fotos do local.
Encaminhado os documentos à Coordenadoria de Planejamento Ambiental do Núcleo de Gestão Centro Oeste, foram lavrados, em 23/11/07, o Auto de Inspeção de fls. 42 - no qual o Agente de Controle Ambiental informa que as edificações aqui tratadas haviam sido demolidas parcialmente - e o Auto de Intimação/Notificação de fls. 44 - empresa interessada foi intimada a apresentar, em 24 horas, o alvará de demolição e autorização do DPH/CONPRESP.
Não atendida a intimação, o agente de controle ambiental lavrou o auto de multa, em 27/11/07, com fundamento na Lei nº 9.605/98 e Decreto nº 3179/99, descrevendo o fato constitutivo, nos seguintes termos: Demolição de edificação sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida AI 27.859 (fls. 46).
Posteriormente, o mencionado auto de multa foi cancelado por preenchimento equivocado do campo 18, consoante despacho de fls. 51.
Na seqüência, foi elaborado o relatório técnico de vistoria de fls. 56/63 e lavrado o auto de multa de fls. 65, que repetiu os termos do anterior.
A empresa interessada apresentou defesa, juntando cópia do alvará de aprovação e execução de obra nova; do protocolo do pedido de restauro junto ao CONPRESP, do CCM e do contrato social.
O Auto de Infração e o correspondente Auto de Multa foram mantidos, conforme despacho de fls. 89. Posteriormente, aquela decisão foi reiterada pelo despacho de fls. 133/134, com o encerramento da instância administrativa.
Nesse contexto, a empresa interessada foi notificada em novembro de 2009, a apresentar Termo de Ajustamento de Conduta no prazo de 15 (quinze) dias (fls. 141). Novamente, quedou-se inerte.
Na sequência, o presente foi encaminhado ao Departamento Judicial para cobrança da multa lavrada.
Examinando detalhadamente a questão, o Procurador Chefe de JUD 4 constatou que o pa nº 2007-0.054.550-2, ora acompanhante, foi autuado pelo Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura para apurar a mesma irregularidade. Ainda, consta naquele processo que o CONPRESP determinou a aplicação de multa, o que ensejou a lavratura do Auto de Multa 12.123.414-2, em fase de execução por meio da EF 101.644-1/10-1.
Nesse sentido, JUD 4 consultou esta PGM se as duas autuações, cada qual efetuada por um órgão distinto, não implicaria bis in idem, bem como se haveria conflito de normas no caso concreto (fls. 181/183).
Previamente à manifestação desta PGM, o presente foi encaminhado ao Departamento do Patrimônio Histórico para exame. O assessor jurídico daquele departamento, invocando o princípio da especialidade, sugeriu que fosse mantida a multa aplicada pelo CONPRESP e cancelada a de SVMA, para afastar o bis in idem (fls. 191/193).
Este é o breve relato.
Examinando o presente processo, verifica-se que o auto de multa lavrado pelo fiscal da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, após a constatação de demolição irregular do conjunto arquitetônico tombado, localizado na Rua Carlos Vicari, nº 205/211, tem como fato constitutivo a demolição de edificação sem autorização de autoridade competente ou em desacordo com a concedida (fls. 65).
Constou como fundamento legal daquela autuação os seguintes dispositivos:
(i) artigo 70, § 1º, da Lei nº 9.605/98.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
(ii) artigo 50, do Decreto n° 3179/99.
Art 50. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 20.000,00 (duzentos mil reais).
(iii) artigo 8º, do Decreto nº 42833/03.
Art. 8º. Considera-se infração ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, contidas nas leis, regulamentos e normas federais, do Estado e do Município, bem como as exigências técnicas delas decorrentes, constantes das licenças ambientais.
De outra parte, a Subprefeitura da Lapa, atendendo solicitação do Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura, lavrou multa em razão da demolição do mesmo bem tombado, infração essa assim descrita: descumprimento das normas de preservação de bens imóveis tombados de valor histórico. Decreto 47.493/06, art. 9º (fls. 51 do pa acompanhante nº 2007-0.054.550-2).
Constou como preceito legal violado o artigo 9º, inciso I, do Decreto nº 47.493/06:
Art. 9° O descumprimento das normas de preservação de bens imóveis tombados de valor histórico, cultural e ambiental sujeitará o respectivo proprietário à multa, calculada de acordo com a natureza e gravidade das seguintes infrações:
I - destruição, demolição ou mutilaçao de bem imóvel tombado: multa no valor correspondente a, no mínimo, 1 (uma) e, no máximo, 10 (dez) vezes o respectivo valor venal, conforme estabelecido no Quadro 1 integrante deste decreto;
As autuações decorreram da constatação de danos causados ao meio ambiente cultural. O meio ambiente cultural constitui-se do patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico, científico e turístico composto de bens materiais - objetos, documentos, edificações, etc - e imateriais - costumes, danças, idiomas, receitas culinárias, etc. Nesse sentido, esclarece HELITA BARREIRA CUSTÓDIO1, que esse meio ambiente é formado pelo conjunto de bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, decorrentes tanto da ação da natureza e da pessoa humana como da harmônica ação conjugada da natureza e da pessoa humana, como por exemplo, o zoneamento, o paisagismo, os monumentos históricos, etc. Difere do meio ambiente artificial, apesar de ser também obra do homem, pelo valor especial que adquiriu.
A Constituição vigente definiu no art. 2162 o conteúdo do conceito de patrimônio cultural, suprindo a falha da Carta de 1934 e das posteriores, que se limitavam a proteger o patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, sem conceituá-los.
Ora, se o fato constitutivo das autuações é o mesmo: demolição dos imóveis tombados localizados na Rua Carlos Vicari, nº 205/211, houve uma dupla penalidade pela mesma infração, o que é insustentável juridicamente.
Observe-se que se uma das autuações tivesse como amparo legal o Código de Obras e Edificações - promover a demolição sem o necessário alvará - e a outra a legislação de preservação do patrimônio histórico, - demolir bem tombado - as duas multas subsistiriam por restar caracterizada duas condutas infracionais distintas, com punições próprias.
No caso concreto, as autuações da Administração Municipal tiveram como base uma única infração: dano ao meio ambiente cultural, daí se excluírem, ou seja, não coexistirem, por força do princípio non bis in idem.
Referido princípio não tem previsão expressa no nosso ordenamento jurídico, porém é tratado como princípio geral de direito, reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal que na súmula 19 não admite segunda punição ao servidor público, baseado no mesmo processo que fundamentou a primeira.
Portanto, a despeito do fundamento legal das autuações promovidas por órgãos municipais ser distinto, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente recorre à legislação federal de proteção do meio ambiente e a Subprefeitura à legislação municipal específica do patrimônio histórico, a conduta punida é a mesma.
Diante do bis in idem, resta verificar qual das autuações prevalece.
As competências e atribuições constitucionais em matéria ambiental se sobrepõem. Especificamente no que se refere à proteção do patrimônio cultural, a Constituição da República estabelece no artigo 23 a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Já a competência legislativa nesta matéria é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (art. 23 da C.F.), cabendo aos Municípios, com base no artigo 30 da C.F., suplementar a legislação federal e estadual.
O Município de São Paulo tem regras próprias a respeito da preservação do patrimônio cultural, que complementam as regras federais e estaduais. Ainda, dentro de sua estrutura organizacional, criou um órgão preservacionista - CONPRESP - Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo - que cuida da proteção do patrimônio municipal.
No caso em exame, o imóvel demolido estava em processo de tombamento pelo órgão de preservação municipal (RESOLUÇÃO 12/CONPRESP/2005).
Oportuno esclarecer que no tombamento administrativo, apresentada a proposta de tombamento, o órgão técnico auxiliar do CONPRESP apresenta estudos preliminares sobre o valor histórico, cultural, artístico, turístico ou paisagístico do bem, o que enseja a deliberação do colegiado sobre a "abertura" do processo de tombamento.
Não constado qualquer valor a ser preservado, a proposta é arquivada. Mas, se, ao contrário, o colegiado entender que o bem merece proteção, é decretado o tombamento provisório, com a definição de algumas restrições que passam a valer a partir daquele ato, cabendo ao órgão de preservação finalizar os estudos para embasar a decisão, sempre motivada, sobre o tombamento definitivo ou a liberação do bem.
Na hipótese aqui tratada, foram desatendidas as regras estabelecidas na resolução de abertura do processo de tombamento, fato esse comunicado ao CONPRESP, que, por sua vez, deliberou pela aplicação da multa estabelecida na Lei nº 10.032/85, alterada pela Lei nº 10.236/86, regulamentada pelo Decreto n° 47.493/06 (fls. 35/36 do pa acompanhante nº 2007-0.054.550-2).
Considerando que há legislação municipal específica para proteger o patrimônio cultural, complementando a legislação federal, inclusive com a fixação de multas mais elevadas, por considerar os danos efetivos ao bem protegido, defendemos que a legislação municipal prevalece no território do Município de São Paulo.
Ainda, observando que dentro da estrutura da Administração Municipal foi criado órgão específico para cuidar da proteção do patrimônio cultural, compete a esse, cumprindo o papel para o qual foi instituído, aplicar as sanções decorrentes do descumprimento das regras municipais de preservação.
De outra parte, no caso concreto, o dano causado ao patrimônio histórico é permanente, o que autoriza o Poder Público impor a sanção pecuniária prevista na legislação vigente à época da autuação.
Pelo exposto, enfatizando que (i) o imóvel em exame recebeu proteção do órgão preservacionista municipal (ii) o dano causado ao imóvel tombado é permanente; (iii) o órgão preservacionista aplicou a multa, obedecendo aos parâmetros da lei municipal; (iv) a multa será destinada ao FUNCAP - Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural e Ambiental e (v) pelo princípio da especialidade o órgão preservacionista está cumprindo as atribuições que lhe foram determinadas por lei, entendemos que a competência para aplicação de sanções na hipótese aqui ventilada é do CONPRESP.
Nesse sentido, a execução fiscal promovida por JUD 4 para cobrança da multa aplicada por determinação do CONPRESP deverá prosseguir, com a conseqüente anulação da multa lavrada por SVMA.
Destaque-se que o Decreto Municipal nº 47.493/06 regulamenta apenas as penalidades aplicáveis em razão do descumprimento das normas de preservação de bens imóveis. Assim, nas hipóteses de danos causados aos bens naturais tombados (por exemplo, corte irregular de árvores de área tombada), compete à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, fiscalizar e autuar, por força da competência estabelecida no artigo 70, § 1º da Lei federal nº 9.605/98.
Isto posto, permitimo-nos recomendar:
(i) o encaminhamento do presente à Secretaria dos Negócios Jurídicos para análise e deliberação;
(ii) a seguir, a devolução do presente à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente para adoção de providências, objetivando o cancelamento de ofício da multa de fls. 65;
(iii) por fim, a remessa a JUD 4 para ciência das conclusões e medidas adotadas por SVMA;
(iv) que o processo 2007-0.054.550-2 deixe de acompanhar o presente e seja devolvido a SMC/DPH para análise técnica da viabilidade de ser solicitada a reconstituição do conjunto arquitetônico.
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São Paulo, 12/07/2010.
LILIANA DE ALMEIDA F. DA SILVA MARÇAL
PROCURADORA ASSESSORA -AJC
OAB/SP nº 94.147
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 14/07/2010
LUIZ PAULO ZERBINI PEREIRA
PROCURADOR ASSESSOR CHEFE
Respondendo pelo Expediente da AJC
OAB/SP 113.583
PGM
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1 Direito ambiental e questões jurídicas relevantes. Campinas: Millennium, 2005, p. 145.
2 "Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I- as formas de expressão;
II- os modos de criar, fazer e viver;
III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V- os conjuntos urbanos;
VI- e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cientifico."
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Processo n° 2007-0.352.905-2
INTERESSADO: SONDA SUPERMERCADOS.
ASSUNTO: Demolição de bem tombado. Ausência de autorização do órgão preservacionista. Fiscalização e aplicação de multa pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e pela Secretaria Municipal da Cultura/CONPRESP. JUD consulta a respeito de bis in idem. Análise, Encaminhamento.
Cont. da Informação nº 1374/2010 - PGM.AJC
(SIMPROC 60 21 10 004)
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
SENHOR SECRETÁRIO,
Encaminho o presente a Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral do Município, que acompanho, para exame e deliberação.
Seguem, como acompanhantes, os PAs nºs 2007-0.054.550-2, 2007-0.386.651-2 e 2008-0.043.191-6.
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São Paulo, 14/07/2010
LEA REGINA CAFFARO TERRA
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO SUBSTITUTA
OAB 53.274
PGM
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Processo n° 2007-0.352.905-2
INTERESSADO: Sonda Supermercados
ASSUNTO: Demolição de bem tombado. Ausência de autorização do órgão preservacionista. Fiscalização e aplicação de multa com o mesmo fundamento tanto pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente como pela Secretaria Municipal da Cultura/CONPRESP. Consulta a respeito da ocorrência de bis in idem.
Informação n.° 2013/2010-SNJ.G.
SVMA
Senhor Secretário
A vista das conclusões alcançadas pela Procuradoria Geral do Município, às fls. 194/205, que acolho, encaminho o presente para adoção de providências objetivando o cancelamento de ofício do AM de fls. 65, com a posterior remessa do processo diretamente a JUD 4, para ciência do posicionamento da PGM assim como das medidas subseqüentes tomadas por essa Pasta.
Deixa de acompanhar o presente o PA 2007-0.054.550-2, que será devolvido a SMC/DPH para prosseguimento.
Mantidos os demais acompanhantes mencionados às fls. 205.
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São Paulo, 21/07/2010
SONIA MARIA ALVES DE SOUZA
Secretária Municipal dos Negócios Jurídicos
Substituta
SNJ.G.
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo