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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 626/2003; OFÍCIO DE 24 de Dezembro de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 626/03.

OF ATL nº 802/2004

Senhor Presidente                                                               

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/766/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 27 de novembro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 626/03.

De autoria do Vereador Humberto Martins, o projeto acrescenta parágrafo único ao artigo 2º da Lei nº 13.475, de 30 de dezembro de 2002, que trata do Imposto Predial e Territorial Urbano, para o fim de incluir o patrimônio, a renda e os serviços dos templos de qualquer culto na isenção de imposto de que trata o referido dispositivo.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu autor, impõe-se veto total ao texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

A medida visa instituir hipótese de não incidência do IPTU, no exercício de 2003, sobre o patrimônio, a renda e os serviços dos templos de qualquer culto, lastreada em decisão proferida pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 325.822, mencionada em sua justificativa

Preliminarmente, cabe observar que a propositura contraria disposições da Lei Maior Local, tanto aquela insculpida em seu artigo 37, § 2º, inciso IV, segundo a qual são de iniciativa privativa da Chefia do Executivo as leis que tratam de matéria orçamentária, quanto aquela consagrada em seu artigo 70, inciso VI, que arrola, dentre as competências do Prefeito, a de administrar os bens, receita e rendas do Município, bem como a de promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos. Da mesma forma, desatende ao disposto no artigo 13, inciso III, do mesmo diploma legal, que atribui ao Legislativo competência somente para autorizar isenções, anistias fiscais e remissão de dívidas, não para instituí-las.

Aliás, cumpre ressaltar que a hipótese tratada na propositura refere-se, em verdade, à remissão e não à isenção, vez que esta incide apenas sobre os créditos ainda não constituídos, razão pela qual aqueles já constituídos, referentes a 2003, que se acham no final de seu exercício fiscal, poderiam, quando muito, ser objeto de remissão e não de isenção. E, tanto a isenção quanto a remissão constituem renúncia de receita, inserindo-se no rol dos instrumentos de planejamento das finanças púbicas para a implantação e o desenvolvimento das políticas públicas.

Por tais razões, a iniciativa de leis relativas a essa matéria cabe apenas ao Executivo, a quem compete a formulação e a implementação da política governamental.

Lapidar, a esse propósito, o ensinamento do emérito Professor Roque Antonio Carrazza, que ensina, com toda a clareza, que, em matéria tributária, a iniciativa das leis é ampla. Porém, esse raciocínio não se aplica às leis tributárias benéficas, que compreendem todas aquelas que acarretam diminuição de receita - como as instituidoras de isenções, anistias e parcelamento de débito, dentre outras - que continuam a ser de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Presidente, Governador ou Prefeito), em virtude de somente tal autoridade reunir condições objetivas para aquilatar os efeitos de leis desse tipo nas finanças públicas sob sua guarda e responsabilidade. Como assevera o referido autor, “daí nossa conclusão de que a Constituição Federal fechou as portas da iniciativa das leis tributárias benéficas, seja para o Legislativo, seja para os cidadãos. (...). Desatendida essa exclusividade, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.” (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 14ª edição, Malheiros Editores, 2000, p. 215 e seguintes).

Nesse sentido, igualmente o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Vale dizer, toda renúncia fiscal, que implica necessariamente em redução da receita tributária, só pode ser concedida por lei, de iniciativa do Poder Executivo. A solução encontrada pelo legislador constituinte é sábia, porque, de um lado, impede o Poder Executivo de fazer benesses, mediante simples atos administrativos, ou decretos, exigindo, para outorga de benefícios fiscais, a edição de lei, o que submete a matéria ao exame do Legislativo. De outro, ao prever a reserva da iniciativa da lei ao Chefe do Poder Executivo, obsta que o Poder Legislativo, por vontade própria, aprove lei criando benefícios fiscais, em detrimento da receita do ente público, acarretando dificuldades, quando não inviabilizando, à continuidade dos serviços e obras públicos.” (ADIN nº 055.219-0/7-00, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. em 15.03.2000.) Por outro lado, a medida acha-se, ainda, em desacordo com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a qual determina, expressamente, em seu artigo 14, que qualquer renúncia de receita deverá estaracompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, além da demonstração, pelo proponente, de ter sido considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária Anual e de que não afetará as metas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Alternativamente, de acordo com o mesmo dispositivo legal supracitado, a propositura que conceder ou ampliar incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá demonstrar que essa renúncia de receita será compensada pelo aumento de receita proveniente de elevação de alíquotas, ampliação de base de cálculo, aumento ou criação de tributo ou contribuição. Nesse caso, o ato que acarrete renúncia somente entrará em vigor quando estiver assegurada a compensação pelo aumento de receita, devendo a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual conter demonstrativo da estimativa e das medidas de compensação da renúncia de receita.

Assim também dispõe o artigo 15 da Lei Municipal nº 13.406, de 9 de agosto de 2002 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), segundo o qual os projetos de lei que acarretem renúncia de receita devem ser acompanhados de estimativa do impacto orçamentário-financeiro e obedecer às determinações do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Evidentemente, no caso do texto aprovado, nenhuma dessas exigências foi cumprida.

Destarte, é forçoso inferir que, ao extrapolar as atribuições do Legislativo e invadir a esfera de competências exclusivas do Executivo, a propositura fere o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local, ao mesmo tempo em que desatende a Lei de Responsabilidade Fiscal, circunstâncias que a inquinam simultaneamente de inconstitucionalidade e ilegalidade, impondo seu veto.

Mas, ainda não é tudo. Com efeito, do texto vindo à sanção deflui sua contrariedade ao interesse público.

Primeiramente, vale lembrar que, se o intuito da medida é isentar de IPTU “todas as dependências relacionadas aos templos de qualquer culto”, conforme mencionado em sua justificativa, o texto aprovado não alcança seu propósito, vez que contempla apenas os casos de IPTU lançado em 2003, de imóveis construídos, com valor venal, em 1º de janeiro de 2003, igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), portanto, com caráter restrito e provisório.

Ademais, nos termos genéricos em que se acha redigida, a medida não soluciona dúvidas de interpretação quanto ao exato sentido da norma consubstanciada no § 4º do artigo 150 da Carta Magna, por não conter qualquer elemento adicional em relação ao texto constitucional.

Por fim, é imperioso ressalvar que a r. decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal em que se baseia a propositura não havia sido publicada até a data de sua aprovação, desconhecendo-se seu inteiro teor, já que a íntegra do referido Acórdão não se encontra disponível no “site” daquela Colenda Corte, até a presente data.

De qualquer modo, trata-se de entendimento ainda controvertido, que não obteve unanimidade na Excelsa Corte, contrapondo-se à jurisprudência pacífica emanada do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, afigurando-se precipitado o texto aprovado.

Demais disso, a mencionada decisão foi prolatada nos autos de um recurso extraordinário, aplicando-se apenas às partes envolvidas naquela demanda judicial, desprovida, pois, de qualquer poder ou efeito vinculante.

Por conseguinte, resta inequívoco que a propositura desatende ao interesse público, vez que confere tratamento inadequado ao assunto, esbarrando em incontornáveis óbices de natureza legal e técnica que inviabilizam sua aplicação.

Pelo exposto, ante as razões apontadas, que demonstram a inconstitucionalidade, a ilegalidade e a contrariedade ao interesse público que maculam irremediavelmente o texto aprovado, vejo-me compelida a vetá-lo na íntegra, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo