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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.342 de 24 de Março de 2025

EMENTA N° 12.342-PGM
Não é possível o pagamento, com recursos do FUMCAD destinados às parcerias, de comissionamento a intermediários contratados pelas entidades para captação de recursos.

processo n° 6074.2024/0010642-5

INTERESSADO: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo-CMDCA/SP

ASSUNTO: Minuta de Resolução que "Dispõe sobre a possibilidade de comissionamento para captação de projetos, suas atribuições e competência no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo".

Informação n° 185/2025-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Coordenadoria Geral do Consultivo

Senhor Coordenador Geral

Trata-se de proposta de Resolução do CMDCA, encartada como doc. SEI 119106861, visando disciplinar a possibilidade de comissionamento a terceiros para captação de recursos para os projetos desenvolvidos com recursos do FUMCAD, aprovados pelo CMDCA.

Nos termos da referida minuta:

"Art. 2° O captador de recursos é responsável por apoiar as Organizações da Sociedade Civil - OSCs no processo de articulação e mobilização de recursos a serem arrecadados para financiamento de projetos aprovados em Editais de chamamento público realizados pelo CMDCA/SP, dentro dos parâmetros determinados na presente Resolução.

(...)

Art. 4° Os recursos a serem captados poderão ser provenientes de pessoas físicas e/ou jurídicas, devendo, obrigatoriamente, o captador comprovar que obteve o recurso por meio da apresentação dos seguintes documentos:

I - Carta de doação (Anexo I), em papel timbrado nos casos de pessoa jurídica, onde 

conste o valor doado, a data de doação, CNPJ ou CPF do doador, dados completos do doador e assinatura digital com código verificador, do representante legal ou assinatura simples do representante legal junto com carimbo do CNPJ;

II - Cópia do comprovante de doação realizado.

§1° Os documentos mencionados neste artigo deverão ser enviados ao CMDCA/SP, por meio do e-mail cmdcacpfo@prefeitura.sp.gov.br, no prazo de 90 (noventa) dias contados a partir da data da doação realizada.

§2° Caso os comprovantes não sejam encaminhados ou estejam fora do prazo e modelos estabelecidos, o recurso captado será considerado uma doação livre ao FUMCAD/SP, não podendo ser considerado para fins de cálculo da remuneração a ser devido ao captador.

Art. 5° O captador que devidamente comprovar a captação de recursos para o financiamento de projetos FUMCAD/SP a qual é responsável, será remunerado da seguinte forma:

I - Captação do valor total do projeto: será devido 10% do valor total do projeto, com teto máximo no valor de R$ 100.000,00 (cem) mil reais;

II - Captação parcial do valor do projeto: será devido 10% do valor efetivamente captado, com teto máximo no valor de R$ 100.000,00 (cem) mil reais.

Parágrafo Único: A remuneração somente será devida caso o projeto apresentado seja aprovado e o Termo de Fomento, formalizado com a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania.

(...)

Art. 7° Caso o Captador não consiga obter 100% do valor do projeto, a OSC deverá adequar sua planilha orçamentária e refazer o cálculo da porcentagem do valor devido ao captador, dentro dos requisitos exigidos no art. 5°, encaminhando para nova apreciação da Comissão pertinente no CMDCA/SP.

Art. 8° O pagamento dos valores devidos ao captador serão embutidos no repasse dos valores para execução do projeto, sendo pago de acordo com o Termo de Fomento firmado."

A d. assessoria jurídica de SMDHC atentou, no SEI 119378619, que já havia se manifestado anteriormente sobre o assunto (conforme parecer anexado por cópia como doc. SEI 119970238), pela impossibilidade de pagamento de comissão a terceiros para captação. Porém, ponderou que "eventual divergência com o entendimento desta unidade de assessoramento jurídico deve ser encaminhada à análise da Coordenadoria Geral do Consultivo da PGM (PGM/CGC)".

Em seguida, o Gabinete de SMDHC encaminhou-nos o processo, sem que fosse apontada qualquer razão para eventual divergência.

É o relato do necessário.

Não consta, deste processo, nenhuma manifestação técnica contrária ao entendimento de SMDHC/AJ (SEI 119970238). Não há, portanto, divergência de entendimentos.

De todo modo, parece-nos que a manifestação da d. assessoria jurídica da pasta encontra-se correta.

O FUMCAD -- assim como fundos similares da criança e adolescente nos âmbitos nacional, estadual e de outros municípios -- recebe, basicamente, recursos orçamentários do Município, repasses dos fundos nacional e estadual, bem como doações de pessoas físicas ou jurídicas, pelas quais recebem benefícios fiscais relevantes[1]. Encerrando algumas controvérsias sobre a questão, a Lei federal n° 8.069/90 (ECA) foi alterada em 2023 para admitir, de forma expressa, a possibilidade do doador indicar o projeto destinatário dos recursos doados ao Fundo, desde que tal projeto tenha sido previamente aprovado (procedimento conhecido como 'chancela') pelo CMDCA. Nos termos do art. 260, §2°-B, inc. V, do ECA, mesmo no caso de doação direcionada a projeto específico (caso em que a doação é ao FUMCAD, mas será, internamente, direcionada ao projeto apontado), um percentual da doação deve necessariamente ingressar de forma livre no Fundo, sem vinculação a determinado projeto.

O FUMCAD é, portanto, um fundo misto, recebendo recursos tanto dos entes públicos quanto privados (e, neste caso, pode haver dedução do IR devido pelos doadores). No caso dos recursos doados, os doadores tanto podem doar ao Fundo sem indicação de projeto específico, quanto indicar o projeto (chancelado previamente pelo Conselho competente, o que autoriza a captação dos recursos pela entidade proponente). Mesmo no caso de indicação, contudo, parte dos recursos doados devem ingressar de forma livre no Fundo.

A questão colocada no processo diz respeito à possibilidade de ser previsto um comissionamento (com recursos da parceria) a terceiro contratado pela entidade para captação de recursos. No parecer SEI 119970238, SMDHC/AJ entendeu pela impossibilidade do comissionamento, pelas seguintes razões: (i) tal despesa não será utilizada diretamente para beneficiar crianças e adolescentes; (ii) o MROSC não contempla a possibilidade de pagamento de profissional particular da OSC para atuar antes mesmo do início da execução do projeto.

Concordamos com as considerações da assessoria jurídica. Referida despesa, de fato, não diz respeito diretamente à execução do projeto: a despesa não integra os custos da entidade para a consecução da atividade prevista no plano de trabalho e é prévia à sua execução. O MROSC admite, nos arts. 45 e 46, o repasse de custos indiretos da entidade com a execução do projeto, mas a despesa de comissionamento não se relaciona com a execução, sendo prévia a esta.

Na prática, o comissionamento permitiria que uma pessoa física ou jurídica doadora incluísse, no benefício fiscal a que teria direito, o pagamento a um intermediário que lhe apresentou o projeto para captação, pois o particular doaria ao FUMCAD, com indicação de projeto, um valor X, e 10% deste valor poderia ser repassado para o intermediário (apenas os 90% restantes seriam utilizados para os fins precípuos do FUMCAD, previstos no ECA e na legislação municipal).

Vale ressaltar que a Lei federal n° 14.692/23, que alterou o ECA para prever a possibilidade de indicação de projeto pelo doador e o procedimento de chancela pelo Conselho competente, não previu a possibilidade de utilização dos recursos para o pagamento de intermediários, pelo contrário: o inc. III, do §2°-B, do art. 260, passou a prever que "a captação de recursos por meio do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá ser realizada pela instituição proponente para o financiamento do respectivo projeto", dando a entender que é incumbência institucional da própria entidade procurar interessados que estejam dispostos a doar para o projeto.

Podemos acrescentar mais uma questão de difícil equacionamento, se permitido o comissionamento, que é a impossibilidade de comprovação do serviço executado, por meio de prestação de contas: embora seja possível verificar quanto um projeto captou no mercado, não é possível atrelar a captação diretamente ao trabalho de um terceiro contratado, pois a captação pode ser derivada do esforço da própria entidade. Diante da inviabilidade de comprovação da execução do referido serviço, bem como do grau de sucesso na sua realização, a taxa de comissionamento abre as portas para o desvio de recursos do FUMCAD por e para pessoas mal intencionadas.

O fato de a Resolução n° 218/2019 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente-CONANDA prever a possibilidade dos Conselhos Estaduais, Distrital e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente regulamentarem o pagamento de despesas de comissionamento por captação de recursos para financiamento de projetos, atendidos os critérios mínimos estipulados na Resolução, não é suficiente para a incorporação no âmbito municipal, uma vez que: (i) o referido comissionamento é previsto pelo CONANDA como uma opção discricionária, de forma que a Resolução não vincula os demais entes federativos quanto à admissão do comissionamento; (ii) a sua incorporação pelos entes federativos não prescinde de um controle de legalidade pelos órgãos competentes dos referidos entes.

São as nossas considerações, sub censura.

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São Paulo, 25/03/2025.

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 227.775

PGM

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De acordo.

São Paulo, 25/03/2025.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

Procurador Assessor Chefe - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

[1]Nos termos da Lei federal n° 8.069/90 (ECA):
Art. 260. Os contribuintes poderão efetuar doações aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente nacional, distrital, estaduais ou municipais, devidamente comprovadas, sendo essas integralmente deduzidas do imposto de renda, obedecidos os seguintes limites: (Redação dada pela Lei n° 12.594. de 20 m CVide^
I-1% (um por cento) do imposto sobre a renda devido apurado pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real; e (Redação dada pela Lei n° 12.594. de 2012) (Vide)
II - 6% (seis por cento) do imposto sobre a renda apurado pelas pessoas físicas na Declaração de Ajuste Anual, observado o disposto no art. 22 da Lei n—9.532. de 10 de dezembro de 1997. (Redação dada pela Lei n° 12.594. de 2012) (Vide)
§ 1° - (Revogado pela Lei n° 9.532. de 1997) (Produção de efeito)
§ 1°-A. Na definição das prioridades a serem atendidas com os recursos captados pelos fundos nacional, estaduais e municipais dos direitos da criança e do adolescente, serão consideradas as disposições do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária e as do Plano Nacional pela Primeira Infância. (Redação dada dada pela Lei n° 13.257. de 2016)
§ 2° Os conselhos nacional, estaduais e municipais dos direitos da criança e do adolescente fixarão critérios de utilização, por meio de planos de aplicação, das dotações subsidiadas e demais receitas, aplicando necessariamente percentual para incentivo ao acolhimento, sob a forma de guarda, de crianças e adolescentes e para programas de atenção integral à primeira infância em áreas de maior carência socioeconómica e em situações de calamidade. (Redação dada dada pela Lei n° 13.257. de 2016)
§ 2°-A. O contribuinte poderá indicar o projeto que receberá a destinação de recursos, entre os projetos aprovados por conselho dos direitos da criança e do adolescente. (Incluído pela Lei n° 14.692. de 2023)
§ 2°-B. É facultado aos conselhos chancelar projetos ou banco de projetos, por meio de regulamentação própria, observadas as seguintes regras: (Incluído pela Lei n° 14.692. de 2023)
I - a chancela deverá ser entendida como a autorização para captação de recursos por meio dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente com a finalidade de viabilizar a execução dos projetos aprovados pelos conselhos; (Incluído pela Lei n° 14.692. de 2023)
II - os projetos deverão garantir os direitos fundamentais e humanos das crianças e dos adolescentes; (Incluído pela Lei n° 14.692. de 2023)
III - a captação de recursos por meio do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá ser realizada pela instituição proponente para o financiamento do respectivo projeto; (Incluído pela Lei n° 14.692. de 2023^1
IV - os recursos captados serão repassados para a instituição proponente mediante formalização de instrumento de repasse de recursos, conforme a legislação vigente; (Incluído pela Lei n° 14.692. de 2023^
V - os conselhos deverão fixar percentual de retenção dos recursos captados, em cada chancela, que serão destinados ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente; (Incluído pela Lei n° 14.692. de 2023^
VI - o tempo de duração entre a aprovação do projeto e a captação dos recursos deverá ser de 2 (dois) anos e poderá ser prorrogado por igual período; (Incluído pela Lei n° 14.692. de 2023)
VII - a chancela do projeto não deverá obrigar seu financiamento pelo Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, caso não tenha sido captado valor suficiente. (Incluído pela Lei n° 14.692. de 2023)
(...)
Ainda, nos termos da Lei municipal n° 11.247/92:
Art. 3° Constituirão receitas do FUMCAD:
I - Dotação consignada no Orçamento Municipal necessária ao funcionamento dos Conselhos Tutelares;
II - Recursos Provenientes dos Conselhos Estadual e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente;
III - Doações, auxílios, contribuições e legados que lhe venham a ser destinados;
IV - Valores repassados pela União e pelo Estado ao Município, provenientes de multas decorrentes de condenações ou ações civis ou de imposições de penalidades administrativas aplicadas no Município de São Paulo previstos na Lei Federal 8.069. de 13 de julho de 1990:
V - Contribuições dos governos e organismos nacionais, estrangeiros e internacionais;
VI - Rendas eventuais, inclusive as resultantes de depósitos e aplicações de capitais;
VII- Outros recursos que lhe forem destinados.

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processo n° 6074.2024/0010642-5

INTERESSADO: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo -CMDCA/SP

ASSUNTO: Minuta de Resolução que "Dispõe sobre a possibilidade de comissionamento para captação de projetos, suas atribuições e competência no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo".

Cont. da Informação n° 185/2025-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho a Vossa Senhoria a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho.

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São Paulo, 25/03/2025.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

Coordenadota Geral do Consultivo

OAB/SP 175.186

PGM

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processo n° 6074.2024/0010642-5

INTERESSADO: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo-CMDCA/SP

ASSUNTO: Minuta de Resolução que "Dispõe sobre a possibilidade de comissionamento para captação de projetos, suas atribuições e competência no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo".

Cont. da Informação n° 185/2025-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

Senhora Secretária

Encaminho, o presente, a Vossa Senhoria, a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral, que acompanho, no sentido da inviabilidade de previsão de pagamento, com recursos do FUMCAD destinados às parcerias, de comissionamento a intermediários contratados pelas entidades para captação de recursos.

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São Paulo, 25/03/2025

LUCIANA SANT'ANA NARDI

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo