Processo nº 6016.2023/0069202-4
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
ASSUNTO: Contratação de empresa especializada para a prestação de serviço de nutrição e alimentação escolar. Recurso contra a habilitação da empresa vencedora do certame. Não atendimento ao requisito de habilitação previsto no Edital, no que se refere ao cumprimento da reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previsto no art. 63, IV, da Lei 14.133/21.
Informação n° 295/2024 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Coordenadoria Geral do Consultivo
Senhor Coordenador Geral
Trata-se de processo para a contratação, pela pasta interessada, de empresa especializada para a prestação de serviço de nutrição e alimentação escolar para atender as unidades educacionais vinculadas às Diretorias Regionais de Educação Campo Limpo. Sagrou-se vencedora no pregão, nos dois lotes, a empresa SEPAT MULTI SERVICE LTDA., que foi habilitada pela comissão de licitação.
A licitante ANGÁ ALIMENTACAO E SERVICOS LTDA. apresentou recurso questionando a habilitação da empresa vencedora, alegando o não atendimento ao requisito de habilitação social previsto no Edital, no que se refere ao cumprimento da reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previsto no art. 63, IV, da Lei 14.133/21.
A comissão de licitação negou provimento ao recurso conforme decisão SEI 098865439, reproduzida na manifestação de SME/AJ no parecer SEI 100310343. Em breve síntese, o órgão entendeu que a licitante vencedora comprovou que ofertou vagas exclusivas para pessoas com deficiência, embora não tenha conseguido preenchê-las, e que durante a execução do contrato a contratada se comprometeu a observar a imposição legal, o que poderia ser fiscalizado pela Administração Pública.
SME/AJ se manifestou no SEI 100310343, no seguinte sentido:
"A Lei 14.133/2021, de forma inovadora, incluiu, dentre os requisitos de habilitação, a exigência de declaração de que o licitante cumpre a reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social. É o que se extrai do art. 63, IV, da referida lei:
Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições: [...]
IV - será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.
(...)
Trata-se de um claro exemplo de função horizontal da licitação, em que o legislador busca atingir objetivos sociais que vão além da satisfação da necessidade pública pretendida com o objeto licitado (função ordinária). Neste sentido:
(... )
Ou seja, por meio dessa norma, objetiva o legislador, no âmbito do direito administrativo, impelir o cumprimento das regras previdenciárias e trabalhistas previstas na Lei 8.213/1991 e, com isso, ampliar o acesso das pessoas com deficiência aos postos de trabalho.
Por sua vez, as exigências de cumprimento de reserva de cargos estão previstas no art. 93, da Lei 8.213/1991, que possui a seguinte redação:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados...........................................................................................2%;
II - de 201 a 500........................................................................................................3%;
III - de 501 a 1.000....................................................................................................4%;
IV - de 1.001 em diante..........................................................................................5%.
V - (VETADO). (Incluído pela Lei n° 13.146, de 2015)
§ 1º A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social. (Redação dada pela Lei n° 13.146, de 2015)
§ 2º Ao Ministério do Trabalho e Emprego incumbe estabelecer a sistemática de fiscalização, bem como gerar dados e estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por pessoas com deficiência e por beneficiários reabilitados da Previdência Social, fornecendo-os, quando solicitados, aos sindicatos, às entidades representativas dos empregados ou aos cidadãos interessados. (Redação dada pela Lei n° 13.146, de 2015)
§ 3º Para a reserva de cargos será considerada somente a contratação direta de pessoa com deficiência, excluído o aprendiz com deficiência de que trata a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Nesta linha, conjugando as duas normas que incidem sobre a matéria, seria possível concluir que, nas licitações regidas pela Lei 14.133/21, a licitante deve apresentar a declaração de que cumpre a reserva de vagas para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social prevista na Lei 8.213/1991, sob pena de inabilitação no certame.
No caso concreto, foi alegado pela licitante ANGÁ, na fase recursal, que a licitante vencedora da licitação, detentora da proposta mais vantajosa para a Administração, não cumpre a reserva legal de pessoas com deficiência, com base em certidão emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (doc. 098923219), na qual se lê o seguinte:
(...)
De fato, no âmbito trabalhista e previdenciário, a jurisprudência tem flexibilizado o cumprimento da cota legal, desde que comprovado que a empresa empreendeu todos os esforços para o preenchimento das vagas, deixando de cumpri-la por motivos alheios a sua vontade. Nesta linha, vale verificar os julgados abaixo:
(... )
A transferência desse entendimento para o âmbito administrativo, porém, demanda algumas ponderações.
Por um lado, é preciso considerar que um dos objetivos da licitação, senão o principal, é obter a proposta mais vantajosa para o atendimento da necessidade administrativa. No pregão, como é o caso em análise, a Administração busca o menor preço para o objeto a ser contratado, desde que atendidas as especificações mínimas de qualidade. Assim, afastar a melhor proposta pode ferir o princípio da economicidade e gerar mais custos para a Administração.
Some-se a isso o fato de que, muitas vezes, como reconhecido pela Justiça do Trabalho, a depender do porte, da região, ou diversos outros fatores, as empresas realmente não conseguem cumprir a cota por motivos alheios a sua vontade, mesmo envidando todos os esforços neste sentido. Dessa forma, exigir de forma intransigente o cumprimento dessa regra pode gerar uma penalização indevida das empresas nessa situação e, mais que isso, pode restringir a competitividade das licitações, limitando demasiadamente o número de licitantes aptos a disputar as licitações.
Por outro lado, sabe-se que a Administração é submetida aos princípios da legalidade e à vinculação ao instrumento convocatório. Assim, se o legislador previu um novo requisito de habilitação nas licitações, a sua flexibilização desmedida poderia violar a legalidade e, ainda, tornar letra morta o dispositivo legal, ignorando a intenção do legislador de compelir as empresas a se adequarem às regras trabalhistas que visam ampliar a contratação de pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social.
Ademais, ao impor uma regra no instrumento editalício, a Administração tem o dever de respeitá-la e exigir o seu cumprimento por todos os licitantes, sob pena de afronta à isonomia. Assim, a flexibilização a posteriori de uma regra prevista no Edital poderia suscitar dúvidas quanto à higidez do certame.
Para além disso, observa-se que a flexibilização da regra prevista no art. 93 da Lei 8.213/1991 demanda uma análise minuciosa das provas apresentadas pela empresa e um conhecimento técnico acerca das normas trabalhistas, a fim de verificar a suficiência das medidas adotadas por ela para o cumprimento da reserva legal, conforme se verifica nos julgados citados provenientes da Justiça do Trabalho.
No âmbito das licitações, regra geral, para verificação da regularidade da empresa (fiscal, trabalhista e previdenciária), a Administração apenas consulta certidões emitidas pelos órgãos competentes. No caso, com relação ao cumprimento da reserva legal, é possível consultar a situação da empresa no e-social, por meio da emissão de Certidão do Ministério do Trabalho e Emprego.
No caso da habilitação fiscal, por exemplo, a verificação do cumprimento legal se dá por meio de uma certidão expedida pelo órgão competente. A Comissão de Licitação, de maneira alguma, entra no mérito de avaliar se o débito tributário é ou não devido.
Assim, entendemos que seria inviável, na prática, transferir à Comissão de Licitação, em cada caso, a competência para decidir sobre a suficiência das medidas adotadas pelos licitantes para o cumprimento da reserva legal prevista na legislação trabalhista, nos moldes como efetuada pela a Justiça do Trabalho nos julgados citados, seja por ausência de competência legal ou conhecimento técnico para realizá-la.
(... )
Em suma, propõe-se que a Administração aceite uma declaração de "não cumprimento da reserva de cargos prevista no art. 93, da Lei n° 8.213/91 por motivos alheios a sua vontade, mesmo tendo envidado todos os esforços e adotado todas as medidas para a ocupação dos cargos reservados para pessoas com deficiência e reabilitadas da Previdência Social" pelos licitantes que se enquadrem nessa hipótese. Em tais casos, a Administração teria o dever de comunicar o fato aos órgãos competentes, no caso, o Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho, para que, no âmbito trabalhista, eles promovam a fiscalização e todas as providências cabíveis em face da empresa, se o caso.
No entanto, considerando que se trata de interpretação de uma novidade trazida pela Lei 14.133/2021 e que terá reflexos para toda a Administração Municipal, recomendamos, a fim de firmar um posicionamento institucional seguro sobre o assunto, a consulta à Assessoria Jurídica do Consultiva da PGM sobre o tema."
É o relato do necessário.
Conforme bem exposto por SME/AJ, atualmente a Lei federal n° 14.133/21 exige, como requisito de habilitação nas licitações, o cumprimento, pelas empresas, das cotas para pessoas com deficiência ou reabilitados da Previdência Social (que são exigidas pela legislação laboral, mais especificamente pela da Lei federal n° 8.213/1991). Nos termos do art. 63 da Lei federal n° 14.133/21:
Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições:
I - poderá ser exigida dos licitantes a declaração de que atendem aos requisitos de habilitação, e o declarante responderá pela veracidade das informações prestadas, na forma da lei;
II - será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento;
III - serão exigidos os documentos relativos à regularidade fiscal, em qualquer caso, somente em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado;
IV - será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.
Como salientado por SME/AJ, a nova previsão decorre da utilização do processo licitatório (e, mais genericamente, do poder de compra estatal) para uma função extraordinária ou derivada - além da ordinária, que seria a aquisição da utilidade demandada pelas condições mais vantajosas. Segundo Marina Fontão Zago:
"Mais recentemente, contudo, as contratações públicas vêm, cada vez mais, sendo utilizadas como instrumento indireto de políticas públicas, por meio da inclusão, ao longo de todo o processo de contratação (isto é, não apenas no próprio objeto do contrato), de requisitos ou obrigações paralelos e adicionais à finalidade direta e originalmente visada com aquela contratação.
Nesses casos, há uma derivação da finalidade principal e imediata da contratação pública, com a inserção de novo fim. O Estado passa a utilizar seu poder de compra, por meio das contratações públicas, como instrumento de efetivação de políticas e fins públicos diversos. É o que ocorre, por exemplo, quando o Estado compra materiais apenas de fornecedores locais (para incentivar a inclusão social de um determinado grupo); quando exige que o contratado utilize mão de obra de grupos minoritários ou excluídos (a partir de critérios étnicos, de gênero ou sociais, como trabalhadores desempregados ou expresidiários); quando confere preferências na contratação de pequenas empresas ou de produtos ou serviços nacionais (para incentivar o desenvolvimento nacional); ou, ainda, quando exige que seus fornecedores observem regras adicionais (que já não sejam impostas pela legislação geral para a cadeia produtiva) de proteção ambiental na produção e descarte dos materiais ou serviços contratados (como forma de promover o desenvolvimento ambiental sustentável).
(...)
Os principais desafios decorrem do fato de que esses dois fins que passam a ser atribuídos à contratação pública - a função primária, de obtenção de obra, bem ou serviço; e a função derivada, de realização de fim público adicional - partem de valores essencialmente contrapostos, gerando tensões no âmbito da contratação. Enquanto a função primária tem por cerne os valores de isonomia, competição e eficiência (eficiência que, no Brasil, é pautada ainda pela economicidade, isto é, pelo menor preço), a função derivada tem por principal embasamento valores distributivos e de equidade material.
Em decorrência, a função derivada produz tensão com os valores jurídicos das contratações públicas - isonomia, competição e economicidade -, além de aumentar a complexidade do procedimento de contratação e as dificuldades relacionadas ao acompanhamento de sua eficácia.
(...)
Apesar desse "conflito existencial" que passa a existir na contratação pública a partir da introdução da função derivada, essa vem sendo utilizada no Brasil sem as necessárias ponderações e análises mais consistentes quanto aos seus custos e aos seus resultados. Não se nega a importância de caracterizar a proposta mais vantajosa a partir de critérios mais abrangentes do que só o menor preço. Tampouco se nega a importância dos fins e dos valores buscados com a função derivada. Mas seriam as contratações públicas o meio, o instrumento mais adequado (em termos de eficácia e eficiência) para realizar esses fins de políticas sociais?"
(Poder de compra estatal como instrumento de políticas públicas. Brasília: Enap, 2018)
No caso submetido à apreciação, a licitante concorrente apresentou recurso contra a habilitação da vencedora do certame informando que ela não cumpre as cotas para pessoas com deficiência ou reabilitados da Previdência Social (que passaremos a denominar simplificadamente de cotas para PCD), apresentando certidão emitida pelo Ministério do Trabalho no sentido de que "o empregador acima identificado emprega pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados da Previdência Social em número INFERIOR ao percentual previsto no art. 93 da Lei n° 8.213 de 1991". A autodeclaração apresentada pela licitante vencedora no sentido do cumprimento da lei seria, portanto, inverídica.
Qualquer pessoa pode obter tal certidão, relativa a qualquer empresa, por meio do site <https://certidoes.sit.trabalho.gov.br/>. A situação da empresa pode ser de desobrigada ao cumprimento das cotas (em razão do número de empregados ser inferior a 100); ou, caso obrigada ao cumprimento, de empregador em número inferior, igual ou superior ao percentual previsto no art. 93 da Lei n° 8.213/91. Ainda, nos termos da própria certidão emitida pelo MTE, ela "reflete tão somente os dados constantes dos registros administrativos do eSocial. Esses dados são declarados pelo próprio empregador, não havendo validação por parte da Secretaria de Inspeção do Trabalho".
Portanto, a certidão anexada reflete a situação da empresa com base em dados por ela mesma fornecidos ao MTE - afinal, cabe à empresa registrar todas as contratações laborais que faz, especificando aquelas que envolvem funcionários com deficiência ou reabilitados. Não há, portanto, como alegar que a certidão não reflete a realidade.
A licitante vencedora alegou que a Lei federal n° 14.133/21 não exige o preenchimento das vagas para PCD, mas simplesmente a reserva de vagas, no sentido de 'guardar' vaga para determinado candidato. A empresa também alegou que "o que compete às licitantes e empresas contratantes obrigadas ao cumprimento da regra legal, é demonstrar que envidou todos os esforços necessários para o preenchimento das vagas, não dependendo de ação única e exclusiva da empresa/licitante o preenchimento do percentual de cota estabelecido em lei", anexando jurisprudência trabalhista. Alegou, ainda, que "a empresa participa e promove feirões para contratação exclusiva de PCD, que possuí Comitê de PCD Interno na empresa, que faz divulgação de vagas em jornais de grande circulação, com ampla divulgação de vagas específicas, que emite ofícios para fundações e organizações específicas para contratação de pessoas com deficiência e reabilitados pela Previdência Social, que promove treinamento de gestores sobre inclusão social entre outros, tudo para o fiel atendimento das regras estabelecidas em lei".
De fato, o judiciário trabalhista, ao analisar ações que questionam o não cumprimento, pelas empresas, das cotas para PCD, costuma flexibilizar o comando legal, conforme os seguintes julgados do TST:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RÉ. IMPOSIÇÃO DE MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA COTA SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ARTIGO 93 DA LEI 8.213/1991. EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DA COTA DE TRABALHADORES REABILITADOS OU PORTADORES DE DEFICIÊNCIA HABILITADOS. AUSÊNCIA PREENCHIMENTO DO PERCENTUAL DE VAGAS EXIGIDO PELA LEI N° 8.213/19. DIFICULDADE PARA CONTRATAÇÃO DE MÃO DE OBRA. PROVIMENTO. Constata-se, das razões do recurso de revista, reiteradas no agravo de instrumento, que a ré se insurge contra a condenação ao pagamento da multa de R$ 400,00 por dia, em caso de descumprimento do percentual estabelecido no artigo 93, caput, da Lei n° 8.213/1991, alegando ser inequívoca a sua dificuldade de atender ao disposto no artigo 93 da Lei n° 8.213/91. O objetivo da Lei n° 8.213/1991 é a reintegração social dos trabalhadores reabilitados ou portadores de deficiência física no mercado de trabalho. Todavia, tendo em vista os princípios constitucionais da igualdade e isonomia, não se pode penalizar a empresa que não consegue atingir a cota exigida pelo artigo 93 da Lei n° 8.213/1991, apesar de ter demonstrado várias tentativas de recrutamento de candidatos reabilitados ou portadores de deficiência habilitados. Demonstrada a dificuldade de encontrar profissionais reabilitados e deficientes habilitados para o preenchimento dos cargos ofertados pela empresa, não há falar na procedência da ação civil pública, cujos pedidos são de exigência do cumprimento da cota social, inibição de condutas discriminatórias, imposição de multa por descumprimento da cota e condenação ao pagamento de compensação por dano moral coletivo. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (...)" (RR-1045-90.2011.5.03.0019, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 28/09/2018).
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO REGIDO PELO CPC/2015, PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 40/2016 DO TST E PELA LEI Nº 13.467/2017 . AUTO DE INFRAÇÃO. NÃO ATENDIMENTO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE EMPREGADOS COM DEFICIÊNCIA OU REABILITADOS. ARTIGO 93 DA LEI N° 8.213/91 ADOÇÃO DE TODAS AS MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA O PREENCHIMENTO DAS COTAS. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA LEI POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À EMPRESA. Depreende-se do acórdão regional que a empresa logrou comprovar a adoção de todas as medidas cabíveis para preencher as cotas destinadas às pessoas com deficiência física ou reabilitadas, nos termos do artigo 93 da Lei n° 8.213/91. Entretanto não conseguiu preencher o percentual mínimo de reserva legal. Assim, não há como puni-la pelo não preenchimento da totalidade das cotas estabelecidas. Não se pode penalizar a empresa que buscou, embora sem êxito, preencher a cota prevista no artigo 93 da Lei n° 8.213/91. A aplicação do citado dispositivo não pode se distanciar do princípio da razoabilidade, notadamente quando demonstrada a dificuldade de encontrar profissionais com deficiência e habilitados para o preenchimento do cargo. Agravo de instrumento desprovido" (AIRR-735-26.2019.5.10.0014, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 14/05/2021).
AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. COTA PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. DIFICULDADE DE PREENCHIMENTO DAS VAGAS. ARTIGO 93 DA LEI N° 8.213/91. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. O conjunto probatório produzido nos autos no acórdão regional permitiu a inferência de que a empregadora não demonstrou resistência injustificada ao cumprimento de suas obrigações, tampouco houve nos autos demonstração de atitude omissiva dolosa, deliberada no intuito de descumprir norma, de forma a caracterizar o dano moral coletivo, que sequer pode-se afirmar caracterizado. Assim, havendo elementos fáticos registrados no acórdão regional no sentido de que a empresa demonstrou que buscava completar a cota legal, deixando de contratar a cota mínima por motivos alheios à sua vontade, aplica-se o entendimento desta Corte Superior no sentido de que não é cabível a condenação da reclamada pelo não preenchimento das vagas destinadas, por lei, aos portadores de deficiência ou reabilitados. Precedentes. Nesse contexto, não tendo sido apresentados argumentos suficientes à reforma da r. decisão impugnada, deve ser desprovido o agravo. Considerando a improcedência do recurso, aplica-se à parte agravante a multa prevista no art. 1.021, § 4°, do CPC . Agravo não provido, com aplicação de multa" (Ag-ED-RR-10948-17.2016.5.03.0071, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 29/10/2020).
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS REABILITADOS OU PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. ART. 93 DA LEI N° 8.213/91. NÃO PREENCHIMENTO DA COTA LEGAL POR MOTIVOS ALHEIOS À VONTADE DA RECLAMADA. O Tribunal Regional considerou que, apesar de incontroverso o descumprimento da cota de contratação de pessoas reabilitadas e deficientes, as provas existentes nos autos demonstram que a empresa reclamada empreendeu todos os esforços possíveis para dar cumprimento ao preceito legal referido, tendo deixado de contratar a cota mínima de empregados com deficiência ou reabilitados por motivos alheios à sua vontade, não havendo, portanto, que se falar em violação do artigo 93 da Lei 8.213/91. Neste contexto, não é cabível a condenação da reclamada pelo não preenchimento das vagas destinadas, por lei, aos portadores de deficiência ou reabilitados. Precedentes. Incidência da Súmula 333, do TST e do §7° do art. 896 da CLT. Agravo de instrumento não provido" (AIRR-1062-34.2014.5.03.0048, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 29/06/2018).
Importa também esclarecer os critérios que costumam ser avaliados pelo Judiciário laboral para considerar se não cumprimento das cotas decorre ou não de comportamento omisso da empresa empregadora:
Segundo consta no voto do Min. Relator no AIRR-1062-34.2014.5.03.0048 (cuja ementa foi acima reproduzida):
" O condomínio reclamado tem por objeto a exploração de atividade rural de cultura de hortifruti (cenoura, batata, cebola, milho, beterraba) e demais culturas que vierem a ser exploradas (fls. 27), possuindo o empreendimento cerca de trezentos funcionários registrados e que desempenham basicamente atividade direta no campo.
Incontroverso que os reclamados não cumprem a cota de contratação de pessoas reabilitados e deficientes, à luz do art.93 da Lei 8213/91, estando atualmente com três empregados deficientes. Também incontroverso que o condomínio rural encontra-se localizado no pequeno município de Santa Juliana-MG que possui cerca de 12.000 habitantes. (fls. 388) Todavia, e ao contrário do entendimento do argumentado pelo MPT, não há que se falar que a empresa não empreendeu todos os esforços necessários para o preenchimento das vagas destinadas às pessoas com deficiência ou reabilitadas. A prova dos autos revela que os réus comprovaram ter efetuado diligências visando preencher as vagas destinadas às pessoas com deficiência ou reabilitadas e estas tentativas foram frustradas por motivos alheios à vontade dos réus, à exceção dos poucos trabalhadores contratados de fls. 66/71, 79/83 e 103/116.
Consoante se verifica dos documentos de fls. 59, 63, 94, 95, 97, 98, os réus expediram ofícios ao INSS, à APAE e à Assistência Social do município de Santa Juliana solicitando dados de pessoas reabilitadas ou portadoras de deficiência aptas ao exercício de atividades junto ao empreendimento dos réus. E, em resposta às solicitações dos réus apenas a Assistência Social do Município respondeu positivamente às fls. 98. Já a APAE informou às fls. 214 que os alunos que estão aptos para o trabalho são todos beneficiários do Governo Federal, enquanto o restante dos alunos não possui idade suficiente para o trabalho.
Entendo que os ofícios às entidades de apoio e atendimento à pessoa com deficiência, não deixa duvidas acerca do empenho dos réus na busca de pessoas com deficiência ou reabilitadas qualificadas para o atendimento da cota legal. Na realidade, o resultado apenas parcialmente positivo revela a impossibilidade material de cumprimento da cota legal estabelecida no artigo 93 da Lei 8213/91.
Importante ressaltar que a natureza da atividade desenvolvida pelos réus dificulta a contratação de deficientes e reabilitadas, já que por óbvio existem determinadas limitações ou deficiências que impedem estas pessoas de praticarem atividades no campo. A estes fundamentos acresça-se que o condomínio réu está situado no pequeno município de Santa Juliana, com apenas 12.000 habitantes."
Segundo voto condutor proferido no AIRR - 735-26.2019.5.10.0014, cuja ementa foi acima transcrita:
" No caso, consta do acórdão regional que "os documentos citados (ID 698049e, e09b85c, dd58e0f, fe6ad90, 72ff1db e bcff4e8) e ora revistos demonstram de maneira conclusiva que a empresa se empenhou em divulgar amplamente, em jornais de grande circulação e entidades de emprego, vagas destinadas a portadores de deficiência, celebrando diversos convênios, sem todavia alcançar a cota de 80 (oitenta) PCDs estabelecida no auto de infração (ID 04a12d4); alcançou todavia o número de 57 (cinquenta e sete)" (pág. 407). A Corte a quo reconheceu os inúmeros esforços destinados ao preenchimento das cotas legais, consignando que "a prova documental colhida firma segura e serena convicção de ter a empresa envidado todos os esforços para o cumprimento da norma" (pág. 407). Depreende-se do acórdão regional que foram implementadas iniciativas para promover a inclusão dos portadores de deficiência ou reabilitados. Diante do quadro fático delineado nas instâncias ordinárias, não se observa a prática de ato discriminatório no tocante aos critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência."
Ainda, segundo consta no RR-1045-90.2011.5.03.0019, cuja ementa também supratranscrevemos:
"A empresa, ao contratar 50% dos trabalhadores necessários ao preenchimento das cotas e ao publicar, a partir de 2009, e ao publicar diversos anúncios para contratação de pessoas portadoras de deficiência (f. 93/118), em que pese a não obediência ao previsto no citado art. 93, cumpriu a finalidade da norma. Aos portadores de deficiência foi assegurada a mesma oportunidade de trabalho concedida aos outros trabalhadores contratados pela ré, o que inclui os 248 empregados admitidos em 2010, como se vê dos anúncios, datados a partir de 2009. O não preenchimento da cota não implicou prejuízo em abstrato à comunidade formada pelos portadores de deficiência, aos quais foi assegurada a oportunidade de emprego em igualdade com os demais trabalhadores.
Por outro lado, não são suficientes alegações das empresas no sentido de cumprir a cota legal:
"O art. 93 da Lei n° 8213/1991 fixa norma de caráter cogente, não sendo possível ao empregador decidir se vai dar cumprimento a ela ou não. Não pode se escusar do atendimento às prescrições legais, alegando dificuldades, ou porque entende que não existem trabalhadores aptos a laborar na empresa, considerando a atividade específica por ela desempenhada. Lembra-se que a empresa pode alocar os empregados com deficiência ou reabilitados em quaisquer atividades, como as administrativas, por exemplo.
Nesse passo, o empregador não se desvencilha da sua obrigação legal sob o simples argumento de não encontrou, no mercado, profissionais devidamente qualificados. Anota-se que compete à empresa providenciar, caso necessário, a capacitação pertinente ao cargo ocupado pelo empregado, lembrando-se que a citada lei se aplica a empresas com mais de 100 empregados, não se tratando, portanto, de pequenos empreendedores, com parcos recursos e limitações consequentes do pequeno negócio."
(TRT da 2ª Região; Processo: 1000019-43.2023.5.02.0085; Data: 21-03-2024; Órgão Julgador: 13ª Turma - Cadeira 3 - 13ª Turma; Relator(a): PATRICIA THEREZINHA DE TOLEDO)
"No caso dos autos, a reclamada junta vasta documentação referente a diversas ações para contratação de deficientes e reabilitados. Dentre as medidas listadas (e comprovadas) pela reclamada, é possível observar a adoção de um procedimento de processo seletivo menos extenso em relação aos currículos recebidos de pessoas com deficiência; a participação em eventos para contratação de pessoas com deficiência (o "ContrataSP" e o "Oportunidades Especiais"); a contratação do empregado Sr. Marcondes Silva, especialista na formulação de projetos de empregados com deficiência; a criação e efetivação de projetos específicos para contratação de pessoas com deficiência ("Projeto Incluir", "Projeto INCORP", além participação em projetos dirigidos pelo "Instituto Social SER +"); a celebração de parcerias com empresas fornecedoras deste tipo de mão de obra (Specialisterne, Page PcD e Soluções de Inclusão Social); a realização de acordo de cooperação com o INSS, para encaminhamento de empregados reabilitados; além do anúncio de vagas em sites especializados ("vagas.com") e também na plataforma da própria reclamada. Ademais, deve ser levado em conta que, de 2016 a 2018, período em que o Ministério Público do Trabalho passou a investigar e cobrar a reclamada sobre o cumprimento da cota, a reclamada logrou aumentar o número de empregados com deficiência ou reabilitados de 84 para 109. E ainda, após o ajuizamento da presente demanda, em 2018, em apenas 04 meses, a ré conseguiu contratar mais 22 trabalhadores deficientes/reabilitados. Tais esforços são reconhecidos pelo próprio recorrente (ID. d686101 - Pág. 10), malgrado o Ministério Público do Trabalho classificar a atuação da ré como "tímida"."
(TRT da 2ª Região; Processo: 1000932-75.2018.5.02.0707; Data: 14-03-2024; Órgão Julgador: 1ª Turma - Cadeira 1 - 1ª Turma; Relator(a): DANIEL DE PAULA GUIMARÃES)
Afora isso, não é demais ressaltar que as dificuldades para a contratação de trabalhadores com deficiência não constituem motivo suficiente para considerar nulo o auto de infração. A ninguém é permitido desconhecer a lei ou não cumpri-la; o legislador estabeleceu parâmetros a serem observados pelos empregadores que possuem mais de cem empregados os quais estão vinculados ao papel social da empresa, no contexto de uma sociedade democrática. Saliento que o empregador tem um amplo e fundamental papel, no sentido de obtenção de melhorias sociais, e de desenvolvimento de políticas afirmativas.
Desta forma, não basta o mero cadastro da empresa junto a centros de atendimento a trabalhadores ou a divulgação de vagas destinadas ao cumprimento da reserva legal para demonstrar a conduta ativa da ré. É necessário, além dos atos por ela alegados, a adoção de programas de treinamento e a reestruturação do local de trabalho e dos meios de produção de modo a atingir a finalidade legal, o que não restou demonstrado que tenha acontecido, especialmente antes a autuação que ora se impugna.
Sobre o tema, a jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO REGIDO PELO CPC/2015 E PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 40/2016 DO TST. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. VALIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DA ADOÇÃO DE TODAS AS MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA O PREENCHIMENTO DAS COTAS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA OU REABILITADAS, NOS TERMOS DO ARTIGO 93 DA LEI N° 8.213/91. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N° 126 DO TST. Trata-se de ação anulatória de débito fiscal, na qual a empresa se insurge contra o auto de infração feito pelo auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, em decorrência do descumprimento do artigo 93 da Lei n° 8.213/91. O mencionado dispositivo legal fixa os percentuais (2% a 5%) de reserva de cargos aos portadores de deficiência ou reabilitados que toda empresa com mais de cem empregados deverá observar. No caso em exame, o Regional manteve a sentença em que se reconheceu a validade do auto de infração, por considerar que a empresa não logrou comprovar a adoção de todas as medidas cabíveis para preencher as cotas destinadas às pessoas com deficiência física ou reabilitadas, nos termos do dispositivo legal mencionado. Constou do acórdão recorrido que, "entre uma autuação e outra, a autora não demonstrou, de maneira inequívoca, que se empenhou em cumprir a obrigação legal". Registrou-se que "o panorama dos autos não ampara a tese da recorrente, de impossibilidade de cumprimento da determinação legal, haja vista não ser ela inatingível". Diante desse quadro, verifica-se que não há provas de que a empresa, efetivamente, empenhou esforços em busca da satisfação de seu dever social alusivo ao atendimento da cota para empregados portadores de deficiência ou reabilitados, conforme determinado por lei. Dessa forma, como o Regional foi enfático ao concluir que a empresa não adotou as medidas necessárias ao atendimento do comando legal, para se decidir diversamente, seria necessário o revolvimento da valoração do conjunto fático-probatório dos autos feita pelas instâncias ordinárias, procedimento vedado nesta esfera recursal de natureza extraordinária, nos termos da Súmula n° 126 do TST. Agravo de instrumento desprovido. [...]". (TST, 2ª Turma, AIRR n° 1258-31.2015.5.09.0006, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, in DEJT 11/10/2018).
"[...] B) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO. NÃO PREENCHIMENTO DAS VAGAS DESTINADAS A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA OU REABILITADAS PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL. MULTA ADMINISTRATIVA CABIMENTO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto ao tema em epígrafe, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação ao art. 93 da Lei n° 8.213/91, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido. C) RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO NÃO PREENCHIMENTO DAS VAGAS DESTINADAS A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA REABILITADAS PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. CABIMENTO Constituição Federal de 1988, em seus princípios e regras essenciais, estabelece enfática direção normativa antidiscriminatória. Ao fixar como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), o Texto Máximo destaca, entre os objetivos da República, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3°, IV). A situação jurídica do obreiro com deficiência encontrou, também, expressa e significativa matiz constitucional no artigo 7°, XXXI, da CF, que estabelece a "proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência". Logo a seguir ao advento da então nova Constituição Federal, o Brasil ratificou a Convenção n. 159 da OIT (Decreto Legislativo n. 129/91), que estipulou, em seu art. 1°, item 2, que "todo país membro deverá considerar que a finalidade da reabilitação profissional é a de permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego e progrida no mesmo, e que se promova, assim, a integração ou a reintegração dessa pessoa na sociedade". Ainda em 1991, o Brasil também aprovou a Lei n. 8213/91, que, nesse quadro normativo antidiscriminatório e inclusivo, deflagrado em 05.10.1988, possibilitou ao legislador infraconstitucional a criação de sistema de cotas para obreiros beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência (caput do art. 93 da Lei n° 8.213/91), o qual prevalece para empresas que tenham 100 (cem) ou mais empregados. Em suma, a ordem jurídica repele o esvaziamento precarizante do trabalho prestado pelas pessoas com deficiência, determinando a sua contratação de acordo com o número total de empregados e percentuais determinados, bem como fixando espécie de garantia de emprego indireta, consistente no fato de que a dispensa desse trabalhador "... só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante" (§1º, in fine, do art. 93, Lei n° 8.213/91). No caso concreto, a Corte Regional manteve a nulidade do auto de infração ao fundamento de que a Empresa Autora empreendeu medidas na tentativa de contratação de empregados portadores de deficiência, de forma que o descumprimento da conta mínima nos termos estabelecidos pelo art. 93 da Lei n° 8.213/1991, não decorreu de omissão ou culpa da Autora. Contudo, não se evidencia do quadro fático-probatório delineado no acórdão recorrido que a Reclamada, de fato, tenha envidado esforços suficientes para o cumprimento do disposto no art. 93 da Lei n° 8.213/1991. Nesse aspecto, constou do acórdão regional que a publicação de aviso de contratação de portadores de deficiência, além de realizada em jornal não identificado, também não indica a data em que efetivado. Acrescentou, ainda, que os avisos de contratação constantes dos documentos de id. 3df9578 e 698c7ca foram praticados após a lavratura do auto de infração. Observa-se, ainda, pelos depoimentos das testemunhas ouvidas a rogo da Autora, e transcritos no acórdão regional, que as medidas adotadas pela Empresa se limitaram à fixação de cartazes na frente da empresa e em pontos de ônibus, além de panfletagem. Conduta que, além de revelar a insuficiência dos meios de divulgação para se chegar de forma direta ao público alvo, também não foram, quanto à data de sua realização, corroboradas pela prova documental, pois se extrai do acórdão regional, que tais avisos e divulgação por panfletos apenas foram realizados após a lavratura do auto de infração. Cabe, também, pontuar que a noticiada campanha promovida pelo Sindicato representativo da Autora, mediante simples divulgação de material informativo, por si só, não supre a necessidade de a Autora atuar por meios próprios, com a utilização de diferentes ferramentas publicitárias de amplo alcance e que visem atingir direta e indubitavelmente o público alvo, no caso pessoas com deficiência. Assim, diante do quadro fático delineado pelo TRT, conclui-se, em face de todo o substancial tratamento que o ordenamento jurídico nacional e internacional apresenta para a tutela dos direitos dos trabalhadores com deficiência e reabilitados, nos moldes exaustivamente expostos, que devem ser julgados improcedentes os pedidos veiculados na presente ação anulatória de débito fiscal. Recurso de revista conhecido e provido" (TST, 3ª Turma, ARR n° 1394-87.2015.5.09.0245, Relator Ministro Maurício Godinho Delgado, in DEJT 11/10/2018).(g.n.)
"AUTO DE INFRAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DA CONTRATAÇÃO DE PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS E REABILITADOS. LEGITIMIDADE DA AUTUAÇÃO. 1. É obrigação da pessoa jurídica que explora a atividade econômica identificar e recrutar, no mercado de trabalho, integrantes do grupo cogitado no art. 203, inciso IV, da CF, cumprindo, assim, as cotas fixadas de forma cogente pelo artigo 93 da Lei 8.231/1991. 2. A excepcional inobservância do percentual fixado pela norma de regência somente se admite quando comprovado, de modo inequívoco, o emprego de todos os meios disponíveis para seleção e contratação de pessoal com deficiência ou reabilitado, sendo a providência frustrada, total ou parcialmente, por limitações mercadológicas. 3. Ausente prova robusta nesse sentido, legítima a punição imposta pela Superintendência Regional do Trabalho à impetrante. 4. Recurso conhecido e desprovido." (Processo: RO 0003227-91.2015.5.10.0802; Acórdão 2ª Turma; Rel: Desembargador João Amílcar Silva e Souza Pavan; Julgado em 31/01/2018)
Registro ainda que o suposto desinteresse dos trabalhadores deficientes ou reabilitados não afastam a responsabilidade da autora. Como dito, a atuação que se exige da empresa não se limita à divulgação de vagas e ao aguardo de seu preenchimento. Exige-se da empresa, de modo a efetivar sua função social e seu papel na sociedade, a adoção de políticas e programas de recrutamento e treinamento, de modo a concretizar as ações afirmativas objetivadas pela norma.
No caso em tela, embora a autora não tenha permanecido inerte, o número de empregados contratados e o número de vagas divulgada não permite reconhecer a conduta ativa da empresa, que, no momento da autuação, tinha somente 67 PCDs, quando deveria contar com, no mínimo, 881.
Nesse particular, não se pode deixar de notar que, apesar de a recorrente tentar demonstrar atitudes no sentido de cumprir a determinação legal, os critérios por ela estabelecidos para contratação acabam por refletir restrições injustificáveis e que potencializam a dificuldade de inclusão de PCD em seus quadros. Vejamos.
Quanto às vagas, depreende-se dos documentos, que estas referem-se apenas ao cargo de agente de atendimento, em que pese a empresa contar com diversos setores e funções. Como se não bastasse, a autora faz constar em seus anúncios requisitos como residir ou ter fácil acesso aos bairros Vila Prudente, Lapa, Higienópolis, Morumbi (fls. 14), experiência e domínio de aplicações de escritório, chegando até mesmo restringir os tipos de deficiência admitidas (fls. 1043).
Assim, não se pode falar que a baixa empregabilidade de PCDs decorre de fatores incontornáveis alheios a vontade da autora."
(TRT da 2ª Região; Processo: 1001601-11.2022.5.02.0054; Data: 12-03-2024; Órgão Julgador: 11ª Turma - Cadeira 4 - 11ª Turma; Relator(a): ADRIANA PRADO LIMA)
Dado este panorama, a questão que se coloca é se caberia ao Município investigar as razões pelas quais a licitante não preencheu as cotas para PCD, com base na documentação por ela apresentada, ou se ao Município cumpre simplesmente verificar se a autodeclaração apresentada confere com a realidade, segundo certidão do Ministério do Trabalho.
Sobre tal ponto, SME/AJ ponderou que:
"No âmbito das licitações, regra geral, para verificação da regularidade da empresa (fiscal, trabalhista e previdenciária), a Administração apenas consulta certidões emitidas pelos órgãos competentes. No caso, com relação ao cumprimento da reserva legal, é possível consultar a situação da empresa no e-social, por meio da emissão de Certidão do Ministério do Trabalho e Emprego.
No caso da habilitação fiscal, por exemplo, a verificação do cumprimento legal se dá por meio de uma certidão expedida pelo órgão competente. A Comissão de Licitação, de maneira alguma, entra no mérito de avaliar se o débito tributário é ou não devido.
Assim, entendemos que seria inviável, na prática, transferir à Comissão de Licitação, em cada caso, a competência para decidir sobre a suficiência das medidas adotadas pelos licitantes para o cumprimento da reserva legal prevista na legislação trabalhista, nos moldes como efetuada pela a Justiça do Trabalho nos julgados citados, seja por ausência de competência legal ou conhecimento técnico para realizá-la."
Parecem-nos pertinentes as considerações da d. assessoria jurídica de SME.
Primeiro, devemos destacar que as decisões do Judiciário Trabalhista são ordinariamente proferidas em ações que questionam a imposição de multas ou condenações pelo descumprimento das cotas. Tratam, assim, de punições pelo comportamento da empresa, situação em que é, de fato, pertinente a análise do efetivo comportamento da empresa e da sua culpabilidade ou grau de reprovabilidade - afinal, processos sancionatórios, ainda que administrativos, sofrem certo influxo de princípios penais.
No caso da condição de habilitação prevista na Lei federal n° 14.133/21, não se trata de uma punição à empresa, mas de uma restrição de acesso ao mercado público. Na medida em que a lei passa a condicionar o acesso às compras públicas ao preenchimento da exigência legal (preenchimento das cotas para PCD), aquelas que não a observam simplesmente deixam de preencher a condicionante legal - não há que se falar em sanção propriamente dita por comportamento ilícito. Dito de outra forma: a partir da Lei federal n° 14.133/21, somente aqueles que cumprem com a cota legal estabelecida no artigo 93 da Lei 8.213/91 passam a ter a possibilidade de participar de licitações.
A exigência é objetiva, e pode ter sido criada pelo legislador federal justamente para reforçar uma obrigação que não vinha sendo adequadamente cumprida. Ao inserir tal requisito de habilitação na legislação, não apenas o legislador certamente tinha ciência de que isso poderia restringir a competitividade do certame (com todas as consequências daí derivadas), como nos parece que foi, de fato, a intenção do legislador reduzir o universo de licitantes aptos a participar dos certames, privilegiando os que cumprem integralmente com a legislação. Assim como a atuação dos licitantes deve ser exemplar no que diz respeito ao pagamento dos tributos, também deve ser exemplar no que diz respeito ao cumprimento das cotas para PCD. Nesta ótica, não bastaria a mera tentativa de cumprimento, especialmente se no mesmo certame estiverem concorrendo empresas que cumprem integralmente a cota[1].
Ainda, como bem lembrado por SME/AJ, fazendo um paralelo com a exigência de regularidade tributária para fins de habilitação, a Administração Pública não verifica a licitude ou não dos tributos apontados como devidos: basta a noticia de irregularidade fiscal, documentada nas certidões exigidas, para haver a exclusão do certame.
A análise, no curso da licitação, do comportamento da licitante em relação ao cumprimento das cotas para PCD parece incompatível com o procedimento licitatório, especialmente com procedimentos mais expeditos como é o caso do pregão. Ademais, embora o Judiciário Trabalhista mencione alguns critérios para análise da reprovabilidade do comportamento da empresa, não são critérios muito objetivos, sendo que essa falta de objetividade acabaria resvalando para o procedimento licitatório, que deveria ser o mais objetivo possível.
Essa falta de objetividade acabaria gerando pontos de litigância que desaguariam no Judiciário, e poderiam gerar ainda mais delongas em processos licitatórios, com a necessidade de celebração de contratações emergenciais para evitar a descontinuidade do serviço público.
Finalmente, além das questões acima ventiladas, quando o licitante declara que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social e, na verdade, não cumpre, estamos diante de declaração inverídica, que por si só poderia ser razão para a inabilitação. As declarações não são meras formalidades, elas devem representar a realidade, especialmente porque são feitas em procedimento público. O declarante tem responsabilidade, inclusive penal, pelo que declara, nos termos do art. 299 do Código Penal[2].
Portanto, entendemos que: (a) a declaração dos licitantes de que cumprem com a cota para PCD previstas na legislação devem ser verdadeiras; (b) quando comprovado, por algum concorrente, que a declaração é falsa, deve haver a inabilitação; (c) não cumpre, ao Município, analisar as razões pelas quais a empresa descumpre a cota ou avaliar a reprovabilidade do comportamento.
Obviamente, podem existir circunstâncias excepcionais em que a licitante vencedora goza de decisão judicial autorizando-a a participar de licitações públicas independentemente do descumprimento da cota ou considerando a sua situação da empresa como regular, ou ainda casos em que celebrou TAC com o MPT, ainda em vigor, voltado ao cumprimento integral da cota. Nestes casos, em que uma autoridade pública competente dá guarida à licitante e suspende os efeitos do descumprimento da lei, não vemos como impedir a participação na licitação. Mas em tais casos, repare, já houve uma análise cuidadosa da situação particular da empresa pelos órgãos competentes, cabendo, ao Município, simplesmente observar a decisão judicial ou o termo de ajustamento de conduta.
Outra possível circunstância excepcional seria a hipótese em que nenhum dos licitantes cumprem com a cota para PCD. Neste caso, a manutenção da exigência inviabilizaria a própria satisfação da necessidade pública, colocando a Administração Pública numa situação de verdadeira impossibilidade de adoção de outro caminho que não a contratação da proposta mais vantajosa, ainda que descumprida a cota: afinal, aberto o certame, todos os interessados (aptos a contratar com a Administração Pública) se encontram na mesma situação de irregularidade.
Finalmente, é importante esclarecer que:
(i) reconhecendo a controvérsia existente sobre o tema e as variadas interpretações possíveis, este parecer não visa a desconstituição de licitações já homologadas, muito menos de contratos já celebrados. Trata-se da primeira vez que a questão é submetida a esta Procuradoria Geral, de forma que o entendimento aqui exposto deve ser aplicado doravante;
(ii) inexiste jurisprudência da Justiça Estadual sobre a questão, por se tratar de aplicação de lei recente. Sobrevindo decisões judiciais num mesmo sentido, suficientes para indicar um entendimento do Judiciário a respeito da matéria, ou ainda sobrevindo mudança no panorama legislativo ou fático, a questão poderá ser reapreciada e este entendimento poderá, obviamente, ser revisto.
Sub censura.
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São Paulo, 12/04/2024
RODRIGO BRACET MIRAGAYA
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP n° 227.775
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 12/04/2024
MÁRCIA HALLAGE VARELLA GUIMARÃES
Procuradora Assessora Chefe - AJC
OAB/SP 98.817
PGM
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[1] Por tal razão, não vislumbramos a possibilidade do Município aceitar uma declaração "de não cumprimento das cotas para PCD" (ainda que, nessa declaração, o licitante alegue que não o fez por motivos alheios a sua vontade), como foi proposto por SME/AJ. Em nossa opinião, isso iria de encontro à finalidade e literalidade da lei, que exige de forma expressa "declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social".
[2] Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.
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Processo nº 6016.2023/0069202-4
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
ASSUNTO: Contratação de empresa especializada para a prestação de serviço de nutrição e alimentação escolar. Recurso contra a habilitação da empresa vencedora do certame. Não atendimento ao requisito de habilitação previsto no Edital, no que se refere ao cumprimento da reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previsto no art. 63, IV, da Lei 14.133/21.
Cont. da Informação n° 295/2024 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho a Vossa Senhoria a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho.
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São Paulo, 12/04/2024
CAYO CÉSAR CARLUCCI COELHO
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP 168.127
PGM
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Processo nº 6016.2023/0069202-4
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
ASSUNTO: Contratação de empresa especializada para a prestação de serviço de nutrição e alimentação escolar. Recurso contra a habilitação da empresa vencedora do certame. Não atendimento ao requisito de habilitação previsto no Edital, no que se refere ao cumprimento da reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previsto no art. 63, IV, da Lei 14.133/21.
Cont. da Informação n° 295/2024 - PGM.AJC
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
Senhor Secretário
Encaminho, o presente, a Vossa Senhoria, com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que o requisito previsto no art. 63, IV, da Lei 14.133/21 é objetivo, revelando-se impertinente a análise, pelo Município, no âmbito de processos de licitação, das razões pelas quais a licitante deixou de cumprir com as cotas previstas na lei.
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São Paulo, 12/04/2024
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 169.314
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo