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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.319 de 9 de Fevereiro de 2023

EMENTA N° 12.319
Avaliação quanto à viabilidade de lei municipal que preveja a necessidade de empresas fornecedoras de serviços à PMSP reservarem um percentual de contratação de empregados negros. Uso derivado das contratações públicas. Jurisprudência majoritária no sentido da competência legislativa da União, nos termos do art. 22, incisos I e XXVII, da Constituição da República. Precedentes desta Procuradoria.

Processo nº 6074.2021/0007127-8

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

ASSUNTO: Grupo de Trabalho Intersecretarial. Pedido de avaliação quanto à viabilidade de lei municipal que preveja a necessidade de empresas fornecedoras de serviços à PMSP reservarem um percentual de contratação de empregados negros.

Informação n° 259/2023 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Coordenadoria Geral do Consultivo

Senhor Coordenador Geral

O Grupo de Trabalho Intersecretarial constituído no âmbito de SMDHC, para análise técnico-jurídica a respeito da aplicabilidade de ações afirmativas à população negra no âmbito dos contratos e das compras públicas municipais, elaborou o minucioso relatório SEI 077626208, no qual, no final, sugeriu a formulação de consulta a esta Procuradoria, nos seguintes termos:

"Diante então das diversas conclusões alcançadas no âmbito do próprio Grupo de Trabalho, todas justificadas, e considerando a relevância do tema, conclui-se pela necessidade de oitiva da Procuradoria Geral do Município, para, pela competência, na esfera administrativa, que se alcance definição jurídica sobre a legitimidade e legalidade da competência legislativa do Município de São Paulo, para exigir que percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação de serviços públicos contínuos, com regime de dedicação exclusiva, seja constituído por profissionais negros, ou, em face da avaliação, da pertinência do aguardo da promulgação da legislação federal aqui mencionada."

No relatório supracitado, o GTI apontou o histórico das medidas normativas voltadas ao combate ao racismo e às ações afirmativas no âmbito municipal, ressaltando que as legislações foram aprovadas, na época, com vetos que atingiam justamente as regras que previam cotas ou reserva de vagas para negros na execução de contratos com o Município. Apontou, ainda, que SEGES entendeu ser inconstitucional proposta similar que previa reserva para menores aprendizes. Notou, além disso, jurisprudência no sentido de que os requisitos de habilitação constituem normas gerais, não podendo os entes federativos ampliá-los para além dos previstos expressamente na Lei federal n° 8.666/93. Por tais razões, entendeu ser o caso de formular consulta a esta Consultoria.

É o relato do necessário.

Se, por um lado, não temos dúvidas quanto à competência municipal - aliás, de todos os entes federativos - para o combate ao racismo e para a criação de medidas afirmativas (como, por exemplo, aconteceu por meio da reserva de vagas em concursos públicos), por outro lado há sérias dúvidas quanto à constitucionalidade de utilização das contratações públicas (do poder de compra estatal) como instrumento para a realização de tal finalidade, por mais nobre que seja. Isto porque, inobstante a competência administrativa local supramencionada, o instrumento imaginado parece esbarrar na competência legislativa privativa da União para dispor sobre normas gerais de licitação e contratação pública, como disciplinado no art. 22, inc. XXVII da Constituição, e sobre direito do trabalho, como previsto no art. 22, inc. I, da Constituição. Expliquemos melhor.

A questão colocada não é tão simples: diz respeito ao uso derivado das contratações públicas, quando se visa utilizar o poder de compra estatal para a implementação de políticas públicas. A finalidade primária da contratação pública é a obtenção do bem, obra ou serviço demandado pela Administração Pública. Para tanto, como regra, é realizado procedimento competitivo de licitação, que visa garantir, por um lado, a isonomia entre os possíveis interessados, e, por outro lado, a proposta mais vantajosa para a Administração Pública (usualmente, o menor preço). Nos termos do art. 11 da Lei federal n° 14.133/2021: "Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos: I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto; II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição; III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos; IV - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável."

Apesar da finalidade primária da contratação pública consistir na aquisição dos bens ou serviços demandados, tem sido comum a inserção, na lei, de finalidades secundárias, que não possuem relação direta com a finalidade primária. Tais finalidades envolvem a implementação de políticas públicas variadas, industriais (como as ligadas à produção nacional) ou sociais (como as ligadas às pessoas com deficiência), ambientais, etc.. Segundo Marina Fontão Zago, existem sete técnicas para operacionalização da função derivada nas contratações: "na (i) definição do objeto; (ii) contratação exclusiva; (iii) dispensa de licitação; (iv) requisitos diferenciados de habilitação; (v) seleção da proposta; (vi) obrigação contratual; (vii) preferência ou exigência genérica" (Poder de Compra Estatal para a Implementação de Políticas Públicas: o uso derivado da contratação pública. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Direito da USP sob orientação de Floriano de Azevedo Marques Neto. São Paulo, 2017, p. 138). No caso da utilização da técnica de 'obrigação contratual', que foi a aventada na hipótese sob análise (na medida em que visa impor ao contratado uma obrigação a ser observada durante a sua execução), a autora cita como exemplos existentes "a possibilidade de exigência de subcontratação de micro e pequena empresas (art. 48, II, Lei Complementar n° 123/2006), ou a exigência de um porcentual mínimo de uso de bens e serviços nacionais nas operações da empresa petrolífera detentora de contrato de concessão de petróleo e gás (art. 2°, X, Lei n° 9.478/1997)" (idem, p. 140).

A questão que se coloca, portanto, não é propriamente a constitucionalidade do uso derivado das contratações públicas - mesmo porque há diversas disposições normativas na Lei federal n° 8.666/93, na Lei federal n° 14.133/21 e em leis federais setoriais que consagram o uso derivado, por meio das diferentes técnicas abordadas no parágrafo anterior[1] -, e sim a competência legislativa para prevê-lo. Neste ponto, parece que a jurisprudência majoritária tem firmado entendimento no sentido de que cabe à União dispor sobre o assunto, no uso da competência prevista no art. 22, inc. XXVII da Constituição (vide acórdãos reproduzidos abaixo). Dessa forma, não apenas os princípios gerais, os tipos de licitação, os requisitos de habilitação, as hipóteses de dispensa de licitação, os critérios de seleção das propostas, etc., constituiriam normas gerais (de competência da União), mas também a definição das obrigações dos contratados nos editais e contratos públicos, nos casos em que tais definições não guardem relação com o que a Administração Pública demanda diretamente. Assim, se por um lado o gestor público tem discricionariedade para prever as obrigações dos contratados, por outro lado tais obrigações devem guardar pertinência direta tão somente com a execução adequada do objeto. O estabelecimento de qualquer obrigação que não tenha relação direta com o produto que a Administração Pública vise adquirir dependeria, portanto, de lei federal, por inserir no procedimento de contratação um fim para além da finalidade ordinária, para além da isonomia e da obtenção da proposta mais vantajosa. Neste sentido:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. REPRESENTAÇÃO INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N° 150/2015. MUNICÍPIO DO RIO JANEIRO. RESERVA DE VAGAS PARA MULHERES NAS EMPRESAS CONTRATADAS PELO MUNICÍPIO PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS. VÍCIO DE INICIATIVA. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÃO E DIREITO DO TRABALHO REPERCUSSÃO GERAL NÃO EXAMINADA EM FACE DE OUTRO FUNDAMENTOS QUE OBSTAM A ADMISSÃO DO APELO EXTREMO. AGRAVO DESPROVIDO.

DECISÃO: Trata-se de agravo nos próprios autos objetivando a reforma de decisão que inadmitiu recurso extraordinário, manejado com arrimo na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão assim ementado: "REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR N° 150/2015 DO MUNICÍPIO DO RIO JANEIRO, QUE DISPÕE ACERCA DA OBRIGATORIEDADE DE RESERVA DE CINCO POR CENTO VAGAS PARA MULHERES NAS EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL PRIVADAS E EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS CONTRATADAS PELA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS - NORMA QUE INSTITUI REGRAS GERAIS SOBRE LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA E DE DIREITO TRABALHISTA - VIOLAÇÃO À RESERVA DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO EM MATÉRIA DA ADMINISTRAÇÃO E AFRONTA, AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - AUSÊNCIA DE INTERESSE LOCAL - USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÃO E DIREITO DO TRABALHO - PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO PARA DECLARAR INCONSTITUCIONALIDADE TOTAL DA LEI N° 150/2015 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO." Não foram opostos embargos de declaração. Nas razões de apelo extremo, sustenta a preliminar de repercussão geral e, no mérito, aponta violação aos artigos 2°, 22, I e XXVII, 30, I e II, 37, XXI, e 61, § 1°, II, da Constituição Federal. O Tribunal a quo negou seguimento ao recurso extraordinário por entender que encontra óbice nas Súmulas n° 280 e n° 286 do STF. É o relatório.

DECIDO. O agravo não merece prosperar. Ab initio, a repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (artigo 323 do RISTF). Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida "a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso" (artigo 102, § 3°, da CF).

Extrai-se do voto condutor do acórdão recorrido: "Conforme se observa a Lei Complementar ora impugnada, viola os artigos 22, I e XXVII e 37, XXI, da CRFB/88, eis que compete à União legislar acerca das normas gerais de licitação e contratação administrativa e de Direito do Trabalho. Inegável que a Constituição da República Federativa do Brasil estabeleceu repartição de competências legislativas, adotando o critério da predominância do interesse. Significa dizer, que cabe à União as normas de interesse geral, ao passo que ao Estado a de interesse regional, e finalmente, aos Municípios, as matérias de interesse local. A norma impugnada trata de matéria relativa ao Direito do Trabalho ao dispor sobre a reserva de cinco por cento de vagas para mulheres nas empresas de construção civil privadas e empresas prestadoras de serviços contratadas pela Prefeitura do Rio de Janeiro para realização de obras públicas. Do mesmo modo, a lei impugnada viola também o disposto no artigo 37, XXI, da Constituição da República, que estabelece critério que deve ser observado de modo geral nos contratos administrativos do Município do Rio de Janeiro relativa à contratação de pessoal."

A decisão está de acordo com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que compete à União legislar, privativamente, sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 22, XXVII, da Constituição Federal. Nesse sentido: "Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). 2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a "igualdade de condições de todos os concorrentes", o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso." (ADI 3.670/DF, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 18/5/2007) "INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei n° 2.769/2001, do Distrito Federal. Competência Legislativa. direito do trabalho. Profissão de motoboy. Regulamentação. Inadmissibilidade. Regras sobre direito do trabalho, condições do exercício de profissão e trânsito. Competências exclusivas da União. Ofensa aos arts. 22, incs. I e XVI, e 23, inc. XII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei distrital ou estadual que disponha sobre condições do exercício ou criação de profissão, sobretudo quando esta diga à segurança de trânsito." (ADI 3.610, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 22/9/2011). Ex positis, DESPROVEJO o agravo, com fundamento no artigo 932, VIII, do CPC/2015 c/c o artigo 21, § 1º, do RISTF.

(STF, ARE 1023066. Relator Min. LUIZ FUX, julgado em 24/02/2017, publicado em 03/03/2017)

Seguindo esta linha, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem reputado como inconstitucional qualquer lei que estabeleça, nos contratos administrativos, obrigação de reserva de vagas ou cotas para segmentos específicos da população, dentre os empregados da contratada que executarão o contrato administrativo. Inclusive, ao analisar lei do Município de Limeira, entendeu pela inconstitucionalidade de norma semelhante à cogitada pelo GTI, por considerar que a competência legislativa seria da União Federal:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Art. 5° da Lei n° 3.691, de 13-3-2004, do Município de Limeira - 'Nos contratos firmados pela Administração Direta e Indireta com empresas prestadoras de serviços continuados, a partir da data da vigência desta Lei, deverá constar cláusula prevendo a reserva de 20% (vinte por cento) do total de funcionários, cujos cargos serão preenchidos por afro-brasileiros' - Normas gerais de licitação e contração pública - Competência legislativa da União - Art. 22, XXVII da CF/88

Apesar de nobre o propósito de estabelecer no Município de Limeira políticas para combater a desigualdade racial, o legislador local, a pretexto de regulamentar ações afirmativas, instituiu uma nova condição para participar de licitação pública, não prevista na Lei de Licitações, e imiscuiu em matéria normativa referente a normas gerais de licitação e contratação, tema com relação ao qual compete ao Município apenas suplementar a legislação federal e a estadual para atender peculiaridades locais, art. 30, I e II, da CF/88. Violação de regra de repartição constitucional de competência legislativa e, por consequência, do princípio federativo de que trata o art. 144 da Constituição Estadual. Competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação pública. Inconstitucionalidade reconhecida. Ação procedente."

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2230902-25.2017.8.26.0000; Relator (a): Carlos Bueno; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 09/05/2018; Data de Registro: 18/05/2018)

Em sentido semelhante, confira-se também os seguintes acórdãos do TJSP:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI 8.482, DE 15 DE SETEMBRO DE 2015, MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ QUE ESTABELECEU ESTRATÉGIA PARA A INSERÇÃO LABORAL PARA USUÁRIOS DE DROGAS EM RECUPERAÇÃO, MEDIANTE PREVISÃO, EM TODO CONTRATO A SER FIRMADO COM A MUNICIPALIDADE PARA REALIZAÇÃO DE OBRA OU SERVIÇO PÚBLICO, DE OBRIGATORIEDADE DE RESERVA DE 1% (UM POR CENTO) DO TOTAL DE VAGAS GERADAS PARA PREENCHIMENTO POR CIDADÃO EM TRATAMENTO DE DEPENDÊNCIA DE DROGA - INVASÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO - OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES AO IMPOR ENCARGO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - AÇÃO PROCEDENTE"

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2150214-13.2016.8.26.0000; Relator (a): Ferraz de Arruda; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 01/02/2017; Data de Registro: 03/02/2017)

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI NO 3.665, DE 14 DE MAIO DE 2018, DO MUNICÍPIO DE TIETÊ/SP - NORMA QUE "DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE ATRIBUÍDA ÀS EMPRESAS QUE PRESTAM SERVIÇOS TERCEIRIZADOS DE MÃO-DE-OBRA À ADMINISTRA DIRETA E INDIRETA DO MUNICÍPIO DE TIETÊ/SP, DE CONTRATAREM E MANTEREM EM SEU QUADRO DE PESSOAL FUNCIONÁRIOS COM RESIDÊNCIA FIXA NO MUNICÍPIO DE TIETÊ/SP, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS" - LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE, POR SI SÓ, NÃO MACULA A VALIDADE DA NORMA, POR NÃO VERSAR SOBRE ESTRUTURA OU ATRIBUIÇÃO ÓRGÃOS DO EXECUTIVO, OU AINDA, REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS - "TEMA 917" DO C. STF (ARE 878.911/RJ) - CAUSA DE PEDIR ABERTA - FUNDAMENTO DE NULIDADE DA NORMA RECAI, EM VERDADE, SOBRE A COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - ARTIGO 22, XXVII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - PRECEDENTES TANTO DO C. STF, QUANTO DESTE E. ÓRGÃO ESPECIAL - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL RECONHECIDA - AÇÃO PROCEDENTE."

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2121491-13.2018.8.26.0000; Relator (a): Francisco Casconi; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 26/09/2018; Data de Registro: 01/10/2018)

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n° 2.064, de 16 de outubro de 2015, do Município de Conchal - Legislação que dispõe sobre a exigência de contratação de adolescentes aprendizes pelas empresas vencedoras de licitação pública no Município de Conchal - Matéria trabalhista - Normas gerais de licitação e contratação - Usurpação de competência legislativa privativa da União (artigo 22, incisos I e XXVII, da Constituição Federal) - Lei municipal de iniciativa do Legislativo que estabelece obrigações e impõe tarefas típicas de administração ao Poder Executivo - Inconstitucionalidade - Vício de iniciativa -Ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes - Violação aos artigos 1º, 5º, 47, incisos II, XIV, XIX, "a" e 144, da Constituição Estadual. Pedido procedente."

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2055678-10.2016.8.26.0000; Relator (a): Ricardo Anafe; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 03/08/2016; Data de Registro: 04/08/2016)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n° 2.243, de 31 de agosto de 2015, do Município de Caraguatatuba. Empresas de construção. Obrigatoriedade de contratação de 70% de mão de obra local. Ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional. Precedentes do E. STF. Preliminar. Interesse processual existente, uma vez que a inicial, além de indicar a violação a dispositívos da Constituição do Estado, tem como parâmetro dispositivos e princípios da Constituição Federal que são de observância obrigatória pelos Estados. Precedente do E. STF. Tema de Repercussão Geral n. 484. Preliminar rejeitada. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n° 2.243, de 31 de agosto de 2015, do Município de Caraguatatuba. Lei que versa sobre normas de natureza trabalhista. Transgressão da esfera de competência do legislador federal. Inteligência dos artigos 1°, 18 e 22, inciso I, da CF. Violação do artígo 144 da CE, norma que incorpora o princípio federativo e o esquema de repartição de competências. Distinção, contida na norma, que se mostra desarrazoada e discriminatória na medida em que os trabalhadores comprovadamente residentes em Caraguatatuba têm preferência na contratação. Aplicação do artigo 111 da CE e dos artigos 3°, inciso IV, e 5°, caput e inciso I, da CF, aplicáveis aos Municípios em razão do artigo 144 da CE. Ainda, o fomento da atividade econômica incumbe ao Poder Público, na forma da Constituição, mas sob esse pretexto não é possível a edição de normas violadoras dos princípios da livre concorrência e da livre iniciativa. Inteligência dos artígos 1°, inciso IV, e 170, caput e IV, da CF, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 144 da CE. Ação procedente.

(TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2179877-70.2017.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Rui; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 14/03/2018; Data de Registro: 15/03/2018)

Vislumbra-se que, sempre que se tentou, por meio de leis locais, obrigar os contratados pelo ente federativo a empregar dado segmento (inclusive através da instituição de cotas para a população negra), por meio da previsão de tal obrigação nos editais de licitação, o Judiciário considerou a proposta inconstitucional, não apenas em função do disposto no art. 22, inc. XXVII, da Constituição, mas também em função do disposto no inc. I do mesmo artigo, que atribui à União competência privativa para legislar sobre direito do trabalho.

Lembre-se, ainda, que o inc. I do §1° do art. 3° da Lei federal n° 8.666/93 prevê que:

"§ 1º É vedado aos agentes públicos:

I    - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991"

O art. 9° da nova Lei federal n° 14.133/21 prevê regra semelhante:

"Art. 9° É vedado ao agente público designado para atuar na área de licitações e contratos, ressalvados os casos previstos em lei:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que:

a)    comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do processo licitatório, inclusive nos casos de participação de sociedades cooperativas;

b)    estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes;

c)    sejam impertinentes ou irrelevantes para o objeto específico do contrato;"

Também convém assentar que esta Procuradoria Geral, em ocasiões anteriores, já se posicionou pela inconstitucionalidade de propostas legislativas com finalidades semelhantes. Assim, na Informação n° 1.748/2013 - PGM.AJC, entendeu inconstitucional projeto de lei que dispunha sobre a obrigatoriedade de contratação de adolescentes, jovens e idosos, atendidos em medidas sócio-educativas, pelas empresas contratadas por órgãos ou entidades municipais. Na época, esta assessoria manifestou-se no seguinte sentido:

"Cremos, com a devida vênia, que o projeto em questão esbarra em quatro óbices, todos suficientes para maculá-lo por inconstitucionalidade.

Primeiramente, em razão da falta de competência municipal para legislar sobre direito do trabalho, que é de competência privativa da União (art. 22, I, CRFB). Não pode o Município exigir que empresas contratem tais ou quais espécies de funcionários, sob pena de imposição de penalidade indireta (no caso, não ser contratado pelo Poder Público municipal). Compete à União estabelecer cotas de trabalhadores para o setor privado, prevendo prêmios para aqueles que seguirem à diretriz ou sanções para aqueles que dela se afastarem.

Em segundo, além da falta de competência municipal para legislar sobre o direito do trabalho, também é discutível a competência local para introduzir novas exigências para as contratações públicas que não sejam relacionadas à adequada execução do objeto específico do ajuste. Isto porque é majoritário o entendimento de que o estabelecimento de exigências para os contratantes é matéria de norma geral e, portanto, de competência legislativa da União."

Ainda, na Informação n° 917/2018 - PGM.AJC, esta Procuradoria elaborou manifestação semelhante à presente, alertando sobre os riscos quanto ao reconhecimento da inconstitucionalidade de norma municipal prevendo 'reserva de vagas', nos contratos municipais, para mulheres vítimas de violência doméstica. A deliberação, entretanto, quanto à efetiva inovação normativa compete à Superior Administração.

Por fim, observamos que o Município possui outros instrumentos para promover a inserção no mercado de pessoas negras, como mecanismos tributários e/ou fiscais, ou mesmo a celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, que, pela sua própria característica, pode consistir em instrumento que melhor se adapta à finalidade pretendida, uma vez que comporta, entre as finalidades legais, não a aquisição de bens, obras ou serviços, mas 'a promoção e a defesa dos direitos humanos' (art. 5°, VII, da Lei federal n° 13.019/14) e 'a promoção de soluções derivadas da aplicação de conhecimentos, da ciência e tecnologia e da inovação para atender necessidades e demandas de maior qualidade de vida da população em situação de desigualdade social' (art. 6°, inc. IX, do mesmo diploma legal). Portanto, a implementação da política pública pode se inserir no próprio objeto de parcerias pontuais com entidade da sociedade civil, sendo admissível, em princípio, a inserção de obrigações compatíveis com tal objeto.

São as nossas considerações, sub censura.

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São Paulo, 09/02/2023

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 227.775

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 09/02/2023

MÁRCIA HALLAGE VARELLA GUIMARÃES

Procuradora Assessora Chefe - AJC

OAB/SP 98.817

PGM

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[1] Segundo Juliana Bonacorsi de Palma, "o reconhecimento de que o poder de compra estatal pode ser destinado a finalidades outras que não apenas à contratação da proposta mais vantajosa para o Poder Público não é uma inovação recente nas licitações públicas. Um dos primeiros movimentos de uso do poder de compra estatal para promoção de políticas públicas pode ser depreendido da própria Lei Geral de Licitações, cujo art. 24, relativo à dispensa de licitação, foi sistematicamente ampliado para abarcar novas hipóteses de dispensa. No âmbito do direito público, o movimento de ampliação das hipóteses de dispensa na Lei de Licitações para fomento de determinadas atividades ou instituições não recebeu críticas sistemáticas ou resistência mais contundente" (Contratações Públicas Sustentáveis in Contratos Públicos e Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 105)

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Processo nº 6074.2021/0007127-8

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

ASSUNTO: Grupo de Trabalho Intersecretarial. Pedido de avaliação quanto à viabilidade de lei municipal que preveja a necessidade de empresas fornecedoras de serviços à PMSP reservarem um percentual de contratação de empregados negros.

Cont. da Informação n° 259/2023 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho a Vossa Senhoria manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho.

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São Paulo, 09/02/2023

CAYO CÉSAR CARLUCCI COELHO

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP 168.127

PGM

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Processo nº 6074.2021/0007127-8

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

ASSUNTO: Grupo de Trabalho Intersecretarial. Pedido de avaliação quanto à viabilidade de lei municipal que preveja a necessidade de empresas fornecedoras de serviços à PMSP reservarem um percentual de contratação de empregados negros.

Cont. da Informação n° 259/2023 - PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

Senhora Secretária

Encaminho, o presente, a Vossa Senhoria, com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que aprovo, no sentido de que propostas similares à cogitada pelo GTI iriam de encontro ao disposto no art. 22, incisos I e XXVII, da Constituição da República.

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São Paulo, 09/02/2023

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo