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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.307 de 18 de Março de 2022

EMENTA N° 12.307
Pedido de retificação de registro imobiliário. Titularidade da Municipalidade sobre faixa confrontante, oriunda de doação. Terrenos separados pelo Córrego do Tatuapé. Possibilidade jurídica de alteração da divisa, com diminuição da área pública, em razão de aluvião. Ausência de faixas reservadas, por não se tratar de corrente pública, conforme elementos constantes de plantas expropriatórias. Inaplicabilidade do art. 27 do Código de Águas, por não ter havido retificação do curso d'água. Inexistência de fundamento para impugnação ao pedido.

Processo nº 6021.2021/0026025-0

INTERESSADAS: Maria Cecília Kalil Beyruti e outra

ASSUNTO: Retificação extrajudicial de registro. Protocolo n. 674.450 - 9° RI.

Informação n. 331/2022 - PGM-AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

Trata o presente de pedido de retificação de registro formulado ao 9° Registro de Imóveis por Maria Cecília Kalil Beyruti e outra, relativo ao imóvel situado na Avenida Celso Garcia, n. 3117 e 3153, Tatuapé (doc. 037093447).

A Seção Técnica de Engenharia de DEMAP (DEMAP-31) identificou possível interferência entre o imóvel retificando e faixa de servidão do Córrego Tatuapé, o qual separa o imóvel retificando do arruamento lindeiro, em cuja planta está demarcada tal faixa (doc. 047990467 e 047990509).

Por isso, DEMAP-13 apresentou impugnação ao pedido (doc. 048128933).

No entanto, as requerentes observaram que nunca houve instituição de faixa de servidão em relação a seu imóvel e que a área proposta coincide com aquela descrita para fins de IPTU. Por isso, pleitearam a rejeição da impugnação municipal (doc. 050850697).

Diante disso, foi proposta a realização de estudo de domínio (doc. 052719160), acolhida pela Diretoria de DEMAP (doc. 052748780).

O estudo de domínio concluiu que há uma faixa doada formalmente à Municipalidade do outro lado do córrego. Em relação a essa faixa haveria uma interferência, conforme apontado pela Assistência Técnica do Gabinete (doc. 056279297), mas mais restrita que aquela apontada por DEMAP-31. Apontou-se, ainda, um deslocamento da posição do córrego configurado no arruamento em direção à área retificanda, ocorrida de modo natural, que não corresponderia à hipótese do art. 27 do Código de Águas (doc. 056819760 e 056876127).

A Diretoria de DEMAP observou, contudo, que não poderia haver interferência com a faixa doada à Municipalidade, porquanto a alteração do posicionamento do córrego teria implicado efetivamente a diminuição dessa faixa, em benefício do imóvel retificando. Por outro lado, não seria possível apontar interferência com o talude, conforme feito pela Assistência Técnica, em certo trecho, pois não houve retificação do curso d'água pela Municipalidade (doc. 057946981).

É o relatório do essencial.

Não há reparos a serem feitos às conclusões alcançadas pela Diretoria de DEMAP.

Conforme detalhadamente demonstrado por esta Assessoria no parecer objeto da Ementa n. 11.805 -PGM.AJC, os terrenos delimitados por curso d'água podem ter suas divisas alteradas em caso de aluvião, diferentemente do que ocorre quando se trata de abandono de álveo. No mesmo parecer, foi indicada a distinção doutrinária entre essas figuras de acessão, correspondente ao modo e tempo de um e outro acontecimento, já que na aluvião imprópria a água não abandona seu leito, mas se dirige, ora para um lado, ora para outro, ao passo que no abandono de álveo a água deixa seu leito original para correr em lugar distinto e separado.

No caso presente, as informações técnicas parecem efetivamente caracterizar um caso de aluvião, com mudanças ligeiras na posição do curso d'água ao longo de décadas. Por outro lado, não há elemento algum nos autos que possa indicar a existência de abandono de álveo no trecho em análise. Tampouco se mostra possível cogitar a existência de avulsão, pois não há noticia de que tenha havido deslocamento abrupto de terras no local.

Portanto, com a alteração do traçado do córrego, por força de aluvião, de acordo com a linha desenvolvida no parecer acima referido (Ementa n. 11.805 - PGM.AJC), já não se pode afirmar que os limites da propriedade pública sejam aqueles constantes da planta de parcelamento do solo, de onde se originou a doação da área, mesmo supondo que essa planta tenha representado, na época, o real posicionamento do curso d'água - o que não parece ter ocorrido, dada a divergência com o levantamento VASP-Cruzeiro (doc. 057508451).

De fato, embora os bens públicos sejam imunes a usucapião, estão eles sujeitos aos efeitos de outros institutos jurídicos capazes de alterar os limites da propriedade imobiliária, como é o caso da aluvião. Dessa sorte, não parece possível continuar a sustentar que as divisas do bem municipal sejam as que constaram originalmente da planta de loteamento, que nortearam a doação, mas sim aquelas que decorreram das modificações proporcionadas por essa forma de acessão.

Dessa sorte, a faixa municipal continua sendo aquela que se situa entre os lotes previstos na planta do loteamento e o córrego - este considerado, entretanto, em sua posição atual. Não pretendendo as requerentes incorporar ao seu imóvel trechos situados do outro lado do córrego, segundo seu posicionamento atual, mostra-se inviável a existência de interferência com o bem municipal.

Vale notar, ainda, que não seria possível a existência de uma faixa municipal, acessória à corrente, que decorresse somente de lei. De fato, há entendimento (cf. p.a. n. 1981-0.002.729-3, fls. 118/119) no sentido de que as faixas reservadas referidas pela legislação específica (Código de Águas, art. 11, § 2°) eram entendidas como devolutas pela legislação estadual (Decreto n. 343/1896, art. 24, § 9°; Decreto n. 734/1900, art. 2°, § 11; Decreto n. 5133/1931, art. 1°, IV; Decreto n. 6473/1934, art. 1°, III) e que, nessa qualidade, tais terrenos foram transferidos ao Município por leis de organização municipal (n. 16, de 13.11.1891, art. 38, § 1°; n. 1038, de 19.01.1906, art. 19, § 1°; n. 2484, de 16.12.1935, art. 124, parágrafo único e n. 1, de 18.09.1947, art. 111, §§ 1° e 2°). No entanto, as faixas reservadas somente existem em relação a correntes públicas, não havendo notícia de que o córrego em questão tenha essa natureza.

Vale notar, a propósito, que a questão poderia ter sido suscitada quando o Córrego do Tatuapé apresentava sua configuração natural, ou seja, antes da execução da atual Avenida Salim Farah Maluf. No entanto, as plantas expropriatórias correspondentes apontam o caráter particular da corrente.

Em uma das plantas (doc. 053458645), o trecho de córrego necessário à obra (perímetro 1-2-3-15-14-13-12-1) foi indenizado ao particular, sem que fossem debitadas as áreas relativas ao álveo ou a eventuais faixas reservadas. Na outra (doc. 053459561), também foi indenizado perímetro (1-A-B-12-13-44-41-38-35-32-29-26-22-14-1) que incluiu, em certo trecho, parte do leito do córrego, até seu eixo - como era apropriado em se tratando de corrente particular - e sem nenhuma alusão a faixa reservada.

Assim, não tendo suscitada nessas ocasiões o caráter público da corrente, não seria aceitável, tantos anos depois, que a Municipalidade passasse a considerar como público e dotado de faixas reservadas o Córrego do Tatuapé.

Também o levantamento relativo à Rua Ulisses Cruz, realizado na década de 1950, chega a representar as faixas reservadas do Rio Tietê, mas nada menciona, a esse respeito, em relação ao Córrego do Tatuapé, dotado de dimensões muito mais modestas (doc. 053459430). Por outro lado, a delimitação, na mesma planta, de uma possível área necessária, de propriedade particular, que se prolongaria até o eixo do córrego, é também uma indicação de que este não era, na época, considerado de natureza pública, afastando igualmente a possibilidade de que fosse dotado, por lei, de faixas reservadas.

Por outro lado, não se aplica ao caso a hipótese do art. 27 do Código de Águas, uma vez esse dispositivo pressupõe obras de retificação do curso d'água, e não de mera canalização - verificada em algumas partes do trecho do córrego que confronta com o imóvel retificando (doc. 056284858).

No mais, mesmo que fosse público, o álveo em si - atualmente ocupado pelas águas do córrego - somente poderia pertencer à União ou aos Estados, e não ao Município (Ementa n. 12.182 - PGM-AJC)[1]. Também por esse motivo, aliás, é que não se pode considerar apropriada a definição de uma possível interferência com o talude, conforme cogitado pela Assistência Técnica de DEMAP-G (doc. 056624286).

Não sendo possível sustentar a existência de interferência entre o imóvel retificando, seja pelo Código Civil, seja pelo Código de Águas, sugere-se seja o presente restituído a DEMAP, para que, pela competência, seja autorizada a desistência da Municipalidade em relação à impugnação oferecida e a manifestação de desinteresse no feito.

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São Paulo, 18/03/2022

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 18/03/2022

MÁRCIA HALLAGE VARELLA GUIMARÃES

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 98.81

PGM

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[1] Nessa linha: "Os rios públicos, na partilha constitucional, desde 1946, ficaram repartidos entre a União e os Estados-membros, sem se atribuir qualquer domínio fluvial ou lacustre aos Municípios, o que importa derrogação do art. 29 do Código de Águas, que os distribuía entre as três entidades estatais" (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 21.ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 475). No mesmo sentido, em obra específica, Afrânio de Carvalho: "Assim, os rios e lagos, classificados como públicos, pertencem ou à União ou aos Estados, não havendo, portanto, rios e lagos municipais" (Águas interiores - suas margens, ilhas e servidões. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 5). Também em obra específica: "O art. 29 do Código de Águas já fora revogado pelos arts. 34 e 35 da Constituição Federal de 1946 (...) Ao Município não foi atribuído o domínio sobre nenhum rio" (Antônio de Pádua Nunes, Código de Águas. São Paulo: RT, 1980, vol. I, p. 93).

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Processo nº 6021.2021/0026025-0

INTERESSADAS: Maria Cecília Kalil Beyruti e outra

ASSUNTO: Retificação extrajudicial de registro. Protocolo n. 674.450 - 9° RI.

Cont. da Informação n. 331/2022 - PGM.AJC

PGM

Senhora Procuradora Geral

Nos termos do parecer da Assessoria Jurídico-Consultiva, que endosso, encaminho-lhe o presente, propondo a restituição a DEMAP, para que seja autorizada a desistência da impugnação oferecida e a manifestação de desinteresse no feito.

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São Paulo, 18/03/2022

CAYO CÉSAR CARLUCCI COELHO

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 168.127

PGM

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Processo nº 6021.2021/0026025-0

INTERESSADAS: Maria Cecília Kalil Beyruti e outra

ASSUNTO: Retificação extrajudicial de registro. Protocolo n. 674.450 - 9° RI.

Cont. da Informação n. 331/2022 - PGM.AJC

DEMAP

Senhora Diretora

De acordo com o entendimento desse Departamento, acompanhado pelo parecer da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido da ausência de fundamento para impugnar o pedido de retificação de registro imobiliário, encaminho-lhe o presente, para que seja a autorizada a desistência da impugnação oferecida e a manifestação de desinteresse no feito.

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São Paulo, 18/03/2022

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo