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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.292 de 31 de Agosto de 2021

EMENTA N° 12.292 - PGM
Transparência. Terceiro setor. Divulgação da remuneração dos dirigentes e empregados das OSS. É lícita a deliberação da Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI) que determinou a divulgação da remuneração mensal dos dirigentes e empregados das Organizações Sociais da Saúde que recebem recursos municipais. Desnecessidade de consentimento do titular, nos termos do art. 7°, incisos II e III, da Lei federal n° 13.709/18 (LGPD).

Processo nº 6067.2021/0010066-0

Interessada: SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE

Assunto: Determinação da Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI) para divulgação da remuneração dos funcionários das Organizações Sociais da Saúde que mantenham contrato de gestão com o Município.

Informação n° 964/2021 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Coordenadoria Geral do Consultivo

Senhor Coordenador Geral

Este processo foi iniciado a partir de ofício da Controladoria Geral do Município, dirigido ao Secretário Municipal de Saúde, para cumprimento da decisão da Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI) que apontou "a necessidade de publicação dos dados referentes ao recebimento de verbas públicas e sua aplicação, bem como o acesso aos dados dos dirigentes e funcionários, devendo conter nome, cargo/função e remuneração, o que, em hipótese alguma fere o direito à liberdade e privacidade" e para seja divulgada a remuneração mensal dos funcionários das OSS em transparência ativa. Tal decisão foi proferida em procedimento de acesso à informação, em grau de recurso (3ª instância).

Conforme encaminhamento da Chefa de Gabinete da pasta (SEI 042102286), SMS/COJUR já havia se manifestado, em parecer anterior proferido em processo apartado (SEI 037996164, processo 6018.2021/0001994-7) pela necessidade de disponibilização das informações referentes à remuneração dos funcionários das Organizações Sociais, concluindo que "a LGPD revalida o princípio da transparência, pois traz em seu bojo, assim como a Lei de Acesso à Informação, a necessidade de publicação dos dados referentes ao recebimento de verbas públicas e sua aplicação, bem como o acesso aos dados dos dirigentes e funcionários, devendo conter nome, cargo/função e remuneração, o que, em hipótese alguma fere o direito à liberdade e privacidade". Referido parecer foi, inclusive, citado pela CMAI em sua decisão.

Nada obstante, SMS/COCIN, no encaminhamento SEI 042045631, alertou que haveria parecer anterior em sentido contrário da Controladoria Geral do Município. Em função da suposta divergência, SMS/COJUR, no SEI 043930256, opinou pelo encaminhamento da questão à Procuradoria Geral do Município, o que foi acatado pelo Sr. Secretário, cf. encaminhamento SEI 043933679.

É o relato do necessário. As demais manifestações que instruem o presente serão abordadas no curso do parecer.

Embora tenha sido mencionada a existência de divergência entre manifestações da CGM e da CMAI (e, ainda, de SMS/COJUR), importa ressaltar que, conforme podemos verificar no doc. SEI 046232094, as manifestações mencionadas foram exaradas no âmbito do processo administrativo de acesso à informação, previsto no Decreto municipal n° 53.623/12, no qual munícipe requeria a divulgação da folha de pagamento das Organizações Sociais da Saúde. A manifestação da CGM/OGM foi proferida quando da análise, em segunda instância, de recurso apresentado pelo munícipe (que julgou incompleta a primeira resposta de SMS ao pedido). Indeferido, o recurso, pela CGM/OGM, o munícipe apresentou recurso à terceira e última instância prevista no Decreto n° 53.623/12 - a Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI). A CMAI deferiu o recurso, por unanimidade, concluindo pela necessidade de divulgação das informações solicitadas. Nos termos do art. 53, inc. IV, do Decreto n° 53.623/12, as decisões do CMAI são definitivas, encerrando a esfera administrativa[1].

A manifestação anterior, de CGM/OGM, foi, portanto, superada pela manifestação do CMAI (que, a propósito, conta com o Controlador Geral do Município como representante), que abordou as considerações da OGM e entendeu, por unanimidade, que elas não eram suficientes, no caso em apreço, para afastar a divulgação solicitada pelo munícipe.

Em resumo, a OGM entendeu que a divulgação pedida poderia implicar na necessidade de trabalho adicional pela Administração Pública (o que seria suficiente para o indeferimento do pedido do munícipe, nos termos do art. 16, III, do Decreto n° 53.623/12) e dependeria de consentimento do titular dos dados, nos termos do art. 11 da Lei federal n° 13.709/18 (LGPD). Afirmou, ainda, que não há exigência legal que obrigue tal divulgação.

A Comissão Municipal de Acesso à Informação, por sua vez, entendeu que não seria aplicável a disposição citada da LGPD, nos termos de parecer de SMS/COJUR, e que não há necessidade de trabalho adicional pelo Município. Transcrevemos as razões que levaram ao deferimento do pedido do munícipe pelo CMAI:

"A representante de SGM fez breve relato do pedido.

Trata-se de pedido de informação com a seguinte redação, dirigido à Secretaria Municipal da Saúde (SMS):

'Requeiro acesso com base no Art. 2 da Lei n° 12.527 de 18 de novembro de 2011 a folha de pagamento de todas as OSS, esta folha deve ter o nome, função e ou cargo e a remuneração mensal de cada um dos funcionários. Nela deve conter também a remuneração, nome e cargo da diretoria de cada OSS caso esta remuneração seja feito com recursos públicos'.

A SMS atendeu ao pedido do munícipe informando que o requerimento do munícipe diria respeito à obtenção de dados pessoais. Tendo em vista que as informações requeridas adentram aspectos previstos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a SMS teria instaurado o Processo SEI 6018.2021/0001994-7, a fim de obter da Coordenadoria Jurídica, um parecer técnico apto a elucidar a aplicabilidade legal ao caso concreto. Por fim, informou o link para acompanhamento da demanda:

http://processos.prefeitura.sp.gov.br/Forms/consultarProcessos.aspx#!

O munícipe interpôs recurso de 1ª instância para impugnar a resposta fornecida pela SMS e reforçar a necessidade do envio do quanto solicitado. A SMS deferiu o recurso para informar novamente o link para acompanhamento do processo SEI gerado. O munícipe interpôs recurso de 2ª instância para reforçar seu pedido inicial.

Instada a emir parecer, a Ouvidoria Geral do Município (OGM) indeferiu o recurso por entender que a disponibilização de 'folha de pagamento' das organizações de terceiro setor, convergem com a Lei 13.204/15 regulamentada em âmbito municipal pelo Decreto 57.575/2016 que estabelece a aplicação do regime jurídico das parcerias com as Organizações da Sociedade Civil http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-57575-de-29-de-dezembro-de-2016. De acordo com os dispositivos deste decreto, a prestação de contas deverá conter elementos que permitam a comprovação e o alcance das metas e resultados esperados sendo que a exigência é de publicação em sítio eletrônico dos respectivos planos de trabalho com mensuração da remuneração total da equipe de trabalho (art 6°, inciso VII ) que serão pagos com recursos da parceria com o município. Para a divulgação conforme disposição da LAI, seria necessário o tratamento das informações pessoais (e devido à complexidade do pedido ensejaria trabalho adicional - art 16, inciso III do Decreto 53.623/12) e conforme disposto na LGPD somente mediante consentimento do titular e sem o consentimento nos casos em que o compartilhamento de dados for imprescindível a aplicação de políticas públicas (art 11, incisos I e II da Lei 13.709/18 - LGPD).

O munícipe interpôs recurso de terceira instância para impugnar o quanto informado pela OGM e citar jurisprudência de divulgação de salários dos diretores da OSs e seus funcionários.

A Secretaria Executiva da CMAI enviou e-mail aos pontos focais para requerer complementação da resposta. A SMS esclarece que, apesar do processo 6018.201/0001994-7: 'o requerimento via e-SIC 54106 é desproporcional, movo que nos ampara legalmente para indeferir o pedido (art. 13 do Decreto 7.724/2012 e arts. 15 e 16 do Decreto n° 53.623/12). Nessa senda, acompanha o entendimento proferido pela Controladoria Geral do Município, uma vez que para referida divulgação, devido à complexidade, ensejaria trabalho adicional (art 16, inciso III do Decreto 53.623/12). Por fim, tendo em vista a extensão das funções executadas nesta Coordenadoria, as demandas que careçam de esforços desproporcionais ou que impeçam a continuidade dos nossos serviços deverão ser negadas, uma vez que referido acolhimento pode acarretar prejuízos irreparáveis à saúde pública. Ressalta-se, as atribulações do atual cenário ocasionada pela COVID-19 sobrecarrega as incumbências desta CPCS, não sendo viável demandar demasiadas energias em detrimento das demais ações empenhadas por esta Secretaria'.

A demanda foi submetida à CMAI. A representante da SGM considera que a SMS não incorrerá em trabalho adicional, mas sim cumprimento de obrigação de transparência. Após a análise do presente caso, os membros da CMAI, por unanimidade, deliberaram pelo DEFERIMENTO do recurso, nos termos do Parecer SMS/AJ n° 037996164 do processo SEI 6018.2021/0001994-7, existindo 'a necessidade de publicação dos dados referentes ao recebimento de verbas públicas e sua aplicação, bem como o acesso aos dados dos dirigentes e funcionários, devendo conter nome, cargo/função e remuneração, o que, em hipótese alguma fere o direito à liberdade e privacidade' e para seja divulgada a remuneração mensal dos funcionários das OSS em transparência ativa."

As divergências no âmbito de um processo administrativo são solucionadas pela própria dinâmica processual: no caso de um processo recursal, naturalmente as manifestações e decisões das instâncias superiores prevalecem sobre as das instâncias inferiores. Inexiste, portanto, formalmente divergência.

De qualquer forma, não vislumbramos ilegalidade na decisão do CMAI que demande a sua revisão.

A Lei federal n° 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação - LAI) dispõe, de forma expressa, que suas disposições se aplicam às entidades privadas que recebam recursos orçamentários:

"Art. 2° Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres.

Parágrafo único. A publicidade a que estão submetidas as entidades citadas no caput refere-se à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas."

Portanto, as mesmas razões que orientam, com base na obrigação de transparência prevista na LAI, a divulgação de informações pela Administração Pública direta e indireta (inclusive, diga-se, no que diz respeito à divulgação da remuneração dos seus recursos humanos), também devem orientar a divulgação de informações pelas entidades do terceiro setor que recebam recursos públicos.

Convém ressaltar que a LAI já continha previsão quanto à necessidade de preservação da intimidade e privacidade pela Administração Pública, ao prever, no art. 31, que "o tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais". Inobstante, o STF acabou pacificando o entendimento no sentido de que a divulgação da remuneração de agentes públicos não ofende tais direitos. No Agravo Regimental na Suspensão de Segurança 3.902 (Min. Ayres Britto, DJe de 3/10/2011) - no qual, a propósito, se questionava a divulgação do nome e remuneração dos servidores municipais de São Paulo -, o Plenário do STF decidiu que é legítima tal divulgação, pois "não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo 'nessa qualidade' (§ 6° do art. 37)". Ainda, nos termos do voto do Relator: "Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial.". Embora a decisão tenha sido proferida em ação que questionava a divulgação da remuneração de servidor público, os motivos expostos também alcançariam empregados de entidades privadas que recebem repasses públicos, eis que, tanto num caso como no outro, trata-se da gestão de recursos públicos, e a informação, por esta razão, passa a ser de interesse coletivo - como, aliás, foi expressamente previsto no artigo 2° da LAI, supratranscrito.

A Lei federal n° 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD) não constitui obstáculo a este entendimento. Embora a Lei tenha reforçado a preocupação com o manejo de dados pessoais por todos que o fazem (inclusive pelo Poder Público), ela não exige consentimento do titular em todo e qualquer caso. O art. 7°, inc. II, prevê a possibilidade de tratamento de dados (independentemente de consentimento) "para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador", e o inc. III prevê a possibilidade de tratamento de dados (independentemente de consentimento) "pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres, observadas as disposições do Capítulo IV desta Lei" - o que parece ser o caso, considerando as exigências da LIA.

Esta Procuradoria Geral, no parecer ementado sob o n° 12.282, já acentuou que:

"Partindo da premissa que de que haja autorização normativa para tratamento de dados a determinado órgão ou ente públicos, a interpretação da LGPD aponta a desnecessidade do consentimento do titular. É o que se extrai do seu art. 7°, inc. III., c.c o art. 11, inc. II, "b"[2]. Trata-se da mesma posição incorporada no Guia de Boas Práticas para implementação da LGPD na Administração federal: 'Sempre que a administração pública efetuar o tratamento de dados pessoais no exercício de suas competências legais vinculadas a políticas públicas e entrega de serviços públicos, não precisará colher o consentimento'."

Também discordamos, respeitosamente, da OGM quando afirmou, na sua manifestação, que o caso não se tratava da execução de política pública. A transparência, ao mesmo tempo em que tem como alvo as políticas públicas estatais, é, ela própria, uma política pública. Segundo Maria Paula Dallari Bucci, "política pública é programa de ação governamental que resulta de um conjunto de processos juridicamente regulados - processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial - visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados" (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas, p. 39).

Ora, a transparência não se trata apenas de um princípio, encontrando-se regulamentada material e procedimentalmente em um conjunto de atos normativos voltados à sua concretização. Portanto, ela própria consiste numa política pública de execução obrigatória pelo Estado.

Ademais, fosse a LGPD óbice para a divulgação da remuneração dos empregados e dirigentes das OSS sem consentimento do titular, tal óbice também recairia sobre a divulgação da remuneração de servidores públicos, eis que, num caso ou noutro, a base legal contida na LGPD seria a mesma (necessidade de consentimento do titular para o tratamento e divulgação dos dados). Entretanto, até agora não conhecemos decisão judicial que tenha obstado a publicização da remuneração dos agentes públicos por tal motivo. Pelo contrário: a tendência que vislumbramos é a potencialização da transparência para abarcar também entidades privadas, integrantes ou não da Administração Pública (inclusive entidades do terceiro setor). As orientações e determinações abaixo citadas foram contemporâneas ou posteriores a LGPD.

Conforme parecer de SMS/COJUR que instruiu a decisão do CMAI, o Estado de São Paulo, por determinação do TCE/SP, passou a obrigar a divulgação, pelas entidades do terceiro setor, da remuneração dos empregados e dirigentes:

"Como demonstrado, em momento algum a LGPD foi pensada para impedir a publicação dos dados dos servidores públicos nem dos funcionários do Terceiro Setor, visto que se as entidades privadas sem fins lucrativos recebem verba pública, de rigor a abertura dos dados dos dirigentes e funcionários em seus sítios eletrônicos para que a população possa saber como a verba pública está sendo administrada.

Inclusive, a esse respeito, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo emitiu o comunicado SDG n° 016/2018 determinando que as entidades do Terceiro Setor (OS, OSCIPS, OSCS) destinatárias de recursos públicos cumpram os dispositivos legais relativos à transparência de seus atos consistentes na:

"(...) divulgação pela via eletrônica de todas as informações sobre suas atividades e resultados, dentre outros o estatuto social atualizado; termos de ajustes; planos de trabalho; relação nominal dos dirigentes, valores repassados; lista de prestadores de serviços (pessoas físicas e jurídicas) e os respectivos valores pagos; remuneração individualizada dos dirigentes e empregados com os respectivos nomes, cargos ou funções; balanços e demonstrações contábeis e os relatórios físico-financeiros de acompanhamentos, regulamento de compras e de contratação de pessoal." Grifou-se.

Frisou, ainda, que a não implementação de tais medidas ensejará adoção de medidas previstas em lei ante o descumprimento.

Apurou o TCE/SP que "Em 58% dos casos, não constam dados sobre os valores repassados às entidades pelo poder público, e em 45% não estão disponíveis os balanços e as demonstrações contáveis. A ausência das informações contraria o previsto na Lei de Acesso à Informação.".[1]

O Conselheiro Renato Martins Costa, Presidente do i. tribunal, ao tratar sobre o tema disse que "Essa gama imensa de recursos é distribuída entre entidades sérias, mas também para instituições que não têm credenciais, que se formam às pressas, sem ter competência para trabalharem na área em que foram contratadas. (...) Temos constatado uma série de prestações de contas inadequadas nessa área. É preciso que os gestores tomem muito cuidado.".[2]"

Cabe acrescentar que, diante da provocação do TCE/SP, o Executivo paulista editou o Decreto estadual n° 64.056/18, determinando o seguinte:

"Artigo 3° - Na celebração dos contratos de gestão de que trata a Lei Complementar n° 846, de 4 de junho de 1998, os órgãos e entidades da Administração Pública:

I - farão constar cláusulas:

(...)

d) prevendo que a organização social disponibilizará, em seu sítio na rede mundial de computadores:

(...)

3. a remuneração bruta e individual mensal dos cargos pagos com recursos do contrato de gestão, de todos os seus empregados e diretores;"

Cabe salientar que referido decreto, inclusive a disposição acima transcrita, foi objeto da ADPF n° 559, ajuizada pelo INSTITUTO BRASILEIRO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE (IBROSS), não havendo concessão de cautelar. A Procuradoria Geral da República se posicionou pelo não conhecimento da ação, e o processo está concluso com o Relator desde o início de 2020.

O Tribunal de Contas de Pernambuco seguiu esta mesma linha. A Resolução n° 58/2019 do TCE/PE determinou o seguinte:

"Art. 1° Em observância ao dever de transparência dos recursos públicos, os seguintes documentos e informações devem ser disponibilizados nos sítios oficiais dos órgãos ou entidades supervisoras dos contratos de gestão firmados com Organizações Sociais de Saúde - OSS e nos Portais de Transparência do Poder Executivo, organizados por unidade de saúde e atualizados mensalmente: (Redação dada pela Resolução TC n° 98, de 29 de julho de 2020)

(...)

XIII - demonstrativos constantes dos anexos II a VIII desta Resolução, em arquivos individualizados por unidade de saúde, em formato aberto de dados, do tipo Comma-Separated Values - CSV, e em planilha eletrônica (XLS, ODS ou similar)."

O anexo II suprarreferido diz respeito justamente ao detalhamento das remunerações dos empregados e o anexo III diz respeito às obrigações patronais e outras despesas de pessoal.

Considerando que a determinação do TCE/SP supramencionada é relativamente recente, encontramos apenas uma decisão do TJ-SP a respeito da questão, que entendeu lícita a referida determinação:

"Mandado de segurança - Comunicado SDG n.° 16/2018 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo - Entidades do Terceiro Setor - Divulgação dos nomes completos dos servidores e respectivos salários na internet - Aplicação da Lei Federal 12.517/2011 às entidades do terceiro setor - Exegese do art. 2° do referido diploma legal - Alegação de violação à privacidade, intimidade e segurança - Dever de informação e transparência dos gastos públicos que legitima a conduta da Administração - Sentença de denegação da ordem mantida - Recurso desprovido. "

(TJSP; Apelação Cível 1039193-16.2018.8.26.0053; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 28/02/2019; Data de Registro: 28/02/2019)

Segundo teor do voto condutor:

"Quanto ao teor do comunicado impugnado, não se ignora que a divulgação do salário de uma pessoa é questão de foro íntimo, inserida no contexto da intimidade e da vida privada do servidor. Ocorre que a Administração tem o dever de informar à sociedade os gastos públicos, notadamente diante da redação dos artigos 37, caput, e §3°, inciso II e artigo 39, §6°, todos da Constituição Federal.

Além dos dispositivos constitucionais, é com base nos ditames da Lei n° 12.527/2011 que se faz a divulgação de cargos/nomes/salários do funcionalismo, pelo que o teor do Comunicado SDG n° 16/2018 do TCE (fls. 14) não inova no quadro normativo vigente, apenas visa à concretização do referido diploma no que se refere às entidades do terceiro setor que recebam recursos públicos para o desenvolvimento de suas atividades.

Assim, considerando que os vencimentos dos servidores do apelante são pagos mediante recursos públicos, tem-se que, com relação à divulgação dos seus respectivos salários, os direitos à intimidade e à vida privada devem ser mitigados."

Não encontramos orientação do TCU semelhante à do TCE/SP e TCE/PE, mas o órgão federal tem diretriz no sentido da necessidade das empresas estatais - mesmo as não dependentes - divulgarem a remuneração de seus dirigentes e empregados, conforme decidiu no TC 023.687/2017-7 (Rel. Min. Vital do Rego; j. 3/4/2019; Plenário). Lembre-se que empresas estatais são consideradas empresas privadas (ainda que controladas por ente federativo), e seus empregados são submetidos à legislação trabalhista, da mesma forma que entidades do terceiro setor, sendo que as estatais não dependentes sequer recebem repasses orçamentários do ente federativo, ao contrário do que ocorre com as organizações sociais que possuem contratos de gestão com o setor público.

O STF, a propósito, já decidiu que até mesmo sigilos legais devem ser relativizados quando se trata de entidades privadas que receberam recursos públicos: "3. O sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos. 4. Operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Complementar n° 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos. 5. O segredo como "alma do negócio" consubstancia a máxima cotidiana inaplicável em casos análogos ao sub judice, tanto mais que, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a revelação for necessária para o controle da legitimidade do emprego dos recursos públicos. É que a contratação pública não pode ser feita em esconderijos envernizados por um arcabouço jurídico capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas públicas." (Ementa do MS 33340, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/05/2015).

Portanto, embora a questão obviamente seja passível de debate, não vislumbramos argumentos suficientes para apontar como ilegal a decisão do CMAI a respeito da divulgação da remuneração de empregados e dirigentes das OSS. Ao revés, pelo que pudemos colher e expor nesta manifestação, tudo indica que a decisão é lícita, por dar cumprimento à LAI, em especial seu art. 2°, e promover a transparência ativa.

As demais questões abordadas pelo CMAI em sua decisão - que dizem respeito à forma de divulgação da informação e quanto à (des)necessidade de trabalho adicional, pela Administração Pública, para a divulgação - são matérias de mérito, não cabendo a esta Procuradoria reavaliá-las, sob pena de suplantar as competências próprias da Comissão.

Por fim, sugerimos dar ciência à SGM/AJ deste parecer, considerando a existência de inquérito civil em curso tratando do assunto (documentado no processo 6011.2021/0001639-7), e ao Núcleo de Ofícios desta Procuradoria Geral, considerando a solicitação formulada no processo 6021.2021/0039312-8.

Sub censura.

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São Paulo, 31/08/2021

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 227.775

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 31/08/2021

MÁRCIA HALLAGE VARELLA GUIMARÃES

Procuradora Assessora Chefe - AJC

OAB/SP 98.817

PGM

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[1] Art. 53. Compete à Comissão Municipal de Acesso à Informação: (Redação dada pelo Decreto n° 56.519/2015)

(...)

IV - decidir os recursos a ela endereçados, encerrando a instância administrativa; (Redação dada pelo Decreto n°56.519/2015)

[2] Art. 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:

II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:

a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; 

b) tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos;

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Processo nº 6067.2021/0010066-0

Interessada: SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE

Assunto: Determinação da Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI) para divulgação da remuneração dos funcionários das Organizações Sociais da Saúde que mantenham contrato de gestão com o Município.

Cont. da Informação n° 964/2021 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho a Vossa Senhoria a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho, no sentido de que (i) a deliberação da CMAI (proferida em 3ª instância recursal) prevalece sobre a manifestação da CGM/OGM (proferida em instância recursal), nos termos do art. 53, inc. IV, do Decreto n° 53.623/12; (ii) é lícita a deliberação da Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI) que determinou a divulgação da remuneração mensal dos dirigentes e empregados das Organizações Sociais da Saúde que recebem recursos municipais, independentemente de consentimento do titular dos dados, nos termos do art. 7°, incisos II e III, da Lei federal n° 13.709/18 (LGPD).

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São Paulo, 31/08/2021

CAYO CÉSAR CARLUCCI COELHO

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP 168.127

PGM

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Processo nº 6067.2021/0010066-0

Interessada: SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE

Assunto: Determinação da Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI) para divulgação da remuneração dos funcionários das Organizações Sociais da Saúde que mantenham contrato de gestão com o Município.

Cont. da Informação n° 964/2021 - PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE

Senhor Secretário

 

SGM/AJ

Senhor Assessor Chefe

 

PGM.G/Ofícios

Senhora Procuradora

 

Encaminho manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido de que (i) a deliberação da CMAI (proferida em 3ª instância recursal) prevalece sobre a manifestação da CGM/OGM (proferida em 2ª instância recursal), nos termos do art. 53, inc. IV, do Decreto n° 53.623/12; (ii) é lícita a deliberação da Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI) que determinou a divulgação da remuneração mensal dos dirigentes e empregados das Organizações Sociais da Saúde que recebem recursos municipais, independentemente de consentimento do titular dos dados, nos termos do art. 7°, incisos II e III, da Lei federal n° 13.709/18 (LGPD).

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São Paulo, 01/09/2021

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo