Processo n° 2010-0.070.472-2
INTERESSADO: Partage Empreendimentos e Participações Ltda.
ASSUNTO: Ação Judicial. Autos n° 0043250-12.2009.8.26.0053 - 8ª VFP.
Informação n° 1.560/2019 - PGM-AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Procurador Coordenador
A interessada ajuizou em face da Municipalidade de São Paulo ação sob o rito ordinário com o objetivo de ver declarada a aquisição, por acessão, de trechos do álveo abandonado do Córrego do Sapateiro, pleiteando, sucessivamente, o reconhecimento do direito de investidura sobre as mesmas nesgas, mediante o pagamento do valor a ser arbitrado (fls. 40/51).
A Municipalidade contestou no feito, sustentando a natureza pública da corrente com fundamento no artigo 27 do Código de Águas (fls. 56/63).
A ação, contudo, foi julgada procedente para declarar o domínio originário da autora sobre o trecho do álveo abandonado situado nos imóveis descritos no memorial e na planta elaborada pelo perito judicial (fls. 78/82).
A Municipalidade recorreu, buscando a anulação da sentença ou a improcedência do pedido (fls. 90/97). Convertido o julgamento em diligência (fls. 109/111 e 123/128), após a realização de nova perícia foi negado provimento ao recurso, sob o fundamento de que o Córrego Sapateiro jamais foi navegável ou flutuável (fls. 353/360).
Seguiu-se o recurso especial da Municipalidade sustentando a violação dos artigos 2º, b, e 27 do Código de Águas (fls. 362/368), que não foi admitido (fls. 369/370), existindo, porém, agravo pendente de julgamento (fls. 379/391 e 562).
Ocorre que a autora apresentou proposta de acordo (fls. 563/565), nos termos da minuta de fls. 566/569, envolvendo, em síntese, os seguintes aspectos: a) desistência do agravo em recurso especial por parte da Municipalidade; b) assunção de todas as custas e despesas processuais pela parte contrária.
Assim, embora reconhecendo a competência da unidade para transigir em juízo, nos termos da Portaria PGM 202/18, o DEMAP submeteu o assunto à senhora Procuradora Geral (fls. 622/633).
De fato, conforme ressaltado pelo DEMAP, a questão da aplicação do artigo 27 do Código de Águas1 tem sido objeto de intenso debate mesmo no âmbito da Procuradoria Geral do Município.
Tradicionalmente, a PGM sempre defendeu que o álveo abandonado decorrente da mudança do curso de água por obra de utilidade pública pertence ao Poder Público, independentemente da natureza pública ou privada da corrente. Nesse sentido o parecer no processo n° 34-000.633-80*20, datado de 7 de agosto de 1991 (fls. 634/651).
No ano de 2005, porém, o antigo Departamento Patrimonial, no Memorando n° 24/05-PATR.G, que deu origem ao processo n° 2006-0.032.826-7, suscitou a questão, sustentando, com base em uma interpretação sistemática do Código de Águas, bem como em outros elementos, que o artigo 27 seria aplicável apenas aos álveos abandonados das correntes públicas (Informações 2008 e 2009/2005 - PATR.G - fls. 652/664).
Na ocasião, a PGM concluiu, nos mesmos autos, que existiam fundamentos jurídicos para a Municipalidade continuar sustentando a aplicabilidade do artigo 27 tanto às correntes públicas como às particulares, submetendo o assunto ao então secretário dos Negócios Jurídicos (Informação n° 219/2008-PGM.AJC - fls. 665/667).
SNJ.G, acolhendo a manifestação do antigo PATR, deliberou então que a Municipalidade deveria restringir a aplicação do dispositivo à aquisição do domínio de antigos leitos de correntes públicas (Informação n° 821/2008 - SNJ.G - fls. 668/676).
Assim, para definir o procedimento decorrente da nova orientação, foi autuado o processo n° 2008-0.190.507-5, no qual foram apontadas por PATR as dificuldades encontradas, envolvendo, basicamente, a definição, caso a caso, da natureza das correntes ao tempo em que ocorreu a mudança de curso. Com efeito, naquela oportunidade, apesar das consultas realizadas a vários órgãos, não foi possível realizar um mapeamento das correntes públicas do município. Nesse sentido, as informações de fls. 677/680. A propósito, ainda, a manifestação de fls. 581/582, que aponta, inclusive, a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro a respeito da aplicação do Decreto-Lei n° 2.281/40 para a definição dos termos navegável e flutuável (fls. 581, sexto parágrafo), constando também o entendimento da Marinha do Brasil, quando do fornecimento de esclarecimentos, pela Capitania dos Portos de São Paulo, à 8ª Vara da Fazenda Pública (fls. 681).
Diante desse quadro, nos termos propostos por PATR, que resgatou o entendimento a respeito da natureza pública das águas (fls. 583/589 - Informação n° 4149/2009 - PATR.G), o assunto foi submetido ao novo secretário dos Negócios Jurídicos, que já havia acolhido a conclusão acerca do caráter público do antigo leito do Córrego do Sapateiro (Informação n° 1.890/2009 - PGM.AJC - fls. 682/686).
Desse modo, foi retomada a orientação anterior, no sentido de que a Municipalidade deveria sustentar a aplicabilidade do artigo 27 do Código de Águas independentemente da natureza pública ou particular da corrente, conforme Informação n° 3663/2009-SNJ.G e despacho publicado no DOC do dia 29/12/2009 (fls. 687/689).
O DEMAP, aliás, reforçou o seu entendimento a respeito do assunto no PA 2013-0.356.450-1 (fls. 606/616 - Informação n° 1.747/2015 -DEMAP.G) em razão da decisão proferida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 1.184.624-SP.
Realmente, no mencionado julgado, de dezembro de 2010 (fls. 690/704), o STJ entendeu que o Código de Águas deve ser interpretado à luz do sistema da Constituição Federal de 1988 e da Lei n° 9.433/1997, que só admitem domínio público sobre os recursos hídricos, não existindo mais, assim, "propriedade privada de lagos, rios, águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes ou em depósito, e quaisquer correntes de água".
Desse modo, de acordo com o julgado, ficou afastada qualquer distinção entre rios navegáveis e rios não navegáveis.
Quanto ao caso dos autos, a Municipalidade sustenta no Recurso Especial a violação aos artigos 2º, b, e 27 do Código de Águas (fls. 362/368), cuja incidência foi afastada pelo acórdão recorrido (fls. 352/360), sendo perfeitamente plausível, portanto, o conhecimento do recurso. Aliás, a título de exemplo, o STJ admitiu o Recurso Especial n° 20.762-SP, fundado na alegação de violação aos artigos 26 e 27 do Código de Águas.
Por outro lado, acerca do tópico da sentença de primeiro grau que afirma não ter sido comprovada a realização de desapropriações para a canalização do Córrego do Sapateiro (fls. 81), cabe enfatizar que o Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que "se o rio teve o seu curso alterado por ingerência do Poder Público, e não por fato exclusivo da natureza, pertence ao expropriante a fração de terra correspondente ao álveo abandonado"2, não dependendo a acessão, no entanto, do prévio pagamento de eventuais indenizações3, já que a expressão o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita, conforme já decidiu o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, "admite interpretação ampla, abrangente de qualquer espécie de despesa, notadamente a decorrente da própria obra de retificação".4
Vale lembrar ainda que também existem julgados em que a Municipalidade obteve a exclusão, do cálculo da indenização em ação expropriatória, do valor correspondente a antigo álveo da corrente.5
Diante do exposto, parece-me que eventual revisão do tema deverá aguardar o desfecho do recurso especial interposto pela Municipalidade, cuja negativa de seguimento é objeto do agravo n° 1584362/SP (fls. 562), sem prejuízo do exame do assunto no caso de novos fatos ou argumentos, continuando a prevalecer, enquanto isso, a orientação em vigor no sentido da aplicabilidade do artigo 27 do Código de Águas independentemente da natureza pública ou particular da corrente, conforme despacho publicado no DOC do dia 29/12/2009 (fls. 689).
.
São Paulo, 11/10/2019.
RICARDO GAUCHE DE MATOS
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 89.438
PGM
.
De acordo.
.
São Paulo, 11/10/2019
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC
OAB/SP 175.186
PGM
.
1 Art. 27.Se a mudança da corrente se fez por utilidade pública, o prédio ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado, e o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita.
2 AgRg no Recurso Especial n° 431.698-SP.
3 Recurso Especial n° 20.762-SP.
4 RT 556/108
5 A título de exemplo, o acórdão de 2011, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Apelação n° 0607849-34.2008.8.26.0053, envolvendo o antigo leito do Córrego Uberaba.
.
.
Processo n° 2010-0.070.472-2
INTERESSADO: Partage Empreendimentos e Participações Ltda.
ASSUNTO: Ação Judicial. Autos n° 0043250-12.2009.8.26.0053 - 8ª VFP.
Cont. da Informação n° 1.560/2019 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho estes autos com a manifestação da AJC, que acompanho, no sentido de que eventual revisão do tema deverá aguardar o desfecho do recurso especial interposto pela Municipalidade, sem prejuízo do exame do assunto no caso de novos fatos ou argumentos, continuando a prevalecer, enquanto isso, a orientação em vigor a respeito da aplicabilidade do artigo 27 do Código de Águas, publicada no DOC do dia 29/12/2009.
.
São Paulo, 29/10/2019.
TIAGO ROSSI
PROCURADOR DO MUNICÍPIO
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
PGM
.
.
Processo n° 2010-0.070.472-2
INTERESSADO: Partage Empreendimentos e Participações Ltda.
ASSUNTO: Ação Judicial. Autos n° 0043250-12.2009.8.26.0053 - 8ª VFP.
Informação n° 1.560/2019 - PGM.AJC
DEMAP G
Senhora Diretora
Restituo estes autos com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido de que eventual revisão do tema deverá aguardar o desfecho da demanda, devendo esse Departamento esclarecer se houve interposição de recurso em face da decisão que negou seguimento ao recurso especial da Municipalidade, conforme extrato de fls. retro.
.
São Paulo, 07/11/2019.
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP n° 169.314
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo