Processo nº 2018-0.077.353-2
INTERESSADO: DIALOGO ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO LTDA.
ASSUNTO: Pedido de cancelamento de multa por distribuição de impresso na via pública. Art. 26 da Lei municipal n° 14.517/07.
Informação n° 1.229/2019 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador Geral
A d. assessoria jurídica de SGM nos reencaminha este expediente para reavaliação da tese, manifestada na Informação n° 1.348/2012-SNJ e reiterada na Ementa n° 11.997-PGM (parecer de fls. 99/106), segundo a qual só haveria reincidência após o esgotamento definitivo da via administrativa referente à primeira penalidade, ou seja, após a constituição definitiva da multa na esfera administrativa. SGM/AJ solicita, ainda, a modulação temporal dos efeitos do referido parecer exarado neste processo, na medida em que implicaria alteração do entendimento consolidado e adaptações do sistema de fiscalização.
Importa lembrar que, no que diz respeito à necessidade de constituição definitiva da primeira multa na esfera administrativa para caracterização da reincidência, esta Procuradoria apenas trouxe à baila entendimento pretérito da extinta SNJ sobre o ponto, que foi objeto da Informação n° 1.348/2012-SNJ (encartada por cópia às fls. 91/98). Nada obsta, contudo, que o entendimento seja revisto.
Na Informação n° 1.348/2012-SNJ, o i. Procurador oficiante entendeu que a necessidade de constituição definitiva da primeira multa na esfera administrativa derivaria: (i) do entendimento de que somente após decisão final administrativa o infrator realmente incidiria na penalidade, e só a partir de então poderia haver reincidência; (ii) do entendimento de que a aplicação de nova multa agravada pela reincidência durante o questionamento administrativo da primeira poderia causar tumulto procedimental, uma vez que, no caso de anulação da primeira multa, a segunda penalidade agravada pela reincidência também dependeria de revisão; (iii) do entendimento de que o conceito de reincidência do direito penal - que exige o trânsito em julgado da condenação anterior - poderia informar o direito administrativo punitivo.
Na ocasião, antes da manifestação de SNJ, esta Procuradoria havia opinado no sentido de que seria necessário que o infrator tivesse ao menos sido notificado da primeira penalidade para agravamento da segunda multa por reincidência.
Aproveitando a solicitação de SGM/AJ, parece-nos, de fato, haver razões para a superação do entendimento então manifestado por SNJ, bem como do próprio entendimento desta Procuradoria exarado na época.
Analisamos um a um os argumentos expendidos na Informação n° 1.348/2012-SNJ (e na prévia Informação n° 566/2012-PGM.AJC).
(i) Quanto à incidência da penalidade.
Na verdade, o infrator incide na penalidade no momento em que a multa é aplicada, e não no momento do esgotamento da esfera administrativa. Quando o infrator questiona a multa na esfera administrativa, valendo-se do seu direito de defesa, a multa já esta constituída. A pretensão do infrator/recorrente é desconstitutiva: tanto assim que, em caso de provimento, a autoridade superior anula a multa aplicada (diferentemente do que ocorre na esfera pena, por exemplo).
(ii) Quanto ao tumulto procedimental.
De fato, como apontado por SNJ à época, a anulação da primeira multa ensejaria a revisão da multa posterior agravada pela reincidência. Referida consequência, aliás, é admitida por SGM/AJ às fls. 128.
Admitida referida consequência, e considerando que a área técnica afirmou que a exigência do esgotamento da via administrativa geraria mais problemas práticos do que a necessária revisão das penalidades agravadas pela reincidência no caso de anulação da primeira penalidade, não parece então que enseje a situação de tumulto procedimental ventilada.
Ademais, enquanto por um lado é possível, na hipótese de anulação da primeira multa, expedir nova multa em substituição à multa agravada pela reincidência (com valor retificado para menor), por outro lado, em se adotando o entendimento manifestado por SNJ, não seria possível, na hipótese de confirmação da primeira penalidade, reaplicar a multa posterior, agravando-a pela reincidência: ou seja, a pessoa, enquanto durasse a via administrativa, teria direito a uma espécie de salvo-conduto para fins de reincidência, mesmo cometendo seguidas vezes a infração, sem que fosse possível, mesmo depois da confirmação da primeira penalidade, ajustar as demais multas aplicadas (agravando-as e aumentando seu valor em função da reincidência).
(iii) Quanto à aplicação por analogia das normas do direito penal.
Algumas normas gerais e princípios do direito penal informam o direito administrativo, notadamente o direito administrativo punitivo (fenômeno, conhecido como 'cross-fertilization', que ocorre em diversas áreas do Direito ou, de forma mais geral, em diversas áreas do conhecimento interrelacionadas). Mas tais normas e princípios se aplicarão na medida em que recepcionados, explicita ou implicitamente, pelo direito administrativo, pois, embora o direito administrativo comungue, com o direito penal, da ideia de um ius puniendi estatal, quase todo o resto é diverso, especialmente o procedimento. Quando o legislador despenaliza uma conduta, passando a sua repressão para o direito administrativo, ele o faz principalmente porque entende que o direito administrativo (aí incluído o processo administrativo, os princípios de direito administrativo, etc) são mais apropriados para lidar com a infração (mesmo que a pena, porventura, seja a mesma, como nos casos de penas pecuniárias). Daí porque há que se ter muita cautela na importação de regras do direito penal para o direito administrativo.
Como afirma Fábio Medina Osório:
"Uma profunda incoerência, a meu ver, na tese da suposta unidade absoluta de pretensão punitiva estatal, reside, basicamente, na ausência de unidade de princípios jurídicos de um direito público estatal ou constitucional na regulação das mais diversas formas de expressão do ius puniendi, e aqui não me refiro obviamente apenas aos Direitos Penal e Administrativo, os quais apresentam oscilações gritantes, tanto entre si, quanto em seu próprio âmbito interno. Falo também do Direito Processual Civil, ou Direito Processual Público, como alguns autores preferem, o qual utiliza, comumente, o termo 'penas', para designar a atividade sancionadora que se desenvolve no âmbito da garantia de institutos processuais. Não se trata de um sancionamento geral ou global, nem de um poder punitivo derivado de um regime jurídico estatal unitário. Sem embargo, é uma manifestação do ius puniendi do Estado, e suas regras e princípios não são os mesmos que vigoram para o Direito Administrativo Sancionador, menos ainda para o Direito Penal. De modo que as contradições e lacunas da teoria da unidade do poder punitivo não são poucas, nem de pequeno porte."1
Pois bem. A previsão do Código Penal que exige a condenação definitiva para fins de caracterização da reincidência2 deriva de disposição constitucional, segundo a qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, inc. LVII). Em primeira leitura, já se depreende que referido dispositivo restringe-se ao direito penal, expressamente mencionado na norma constitucional. A disposição, essencialmente garantista, liga-se indissociavelmente ao direito penal, em função da especial gravidade das suas penas, da mesma forma que inúmeras outras garantias penais (não previstas no processo administrativo).
E, caso aplicássemos referida garantia ao direito administrativo, não bastaria a decisão administrativa final, eis que as disposições do direito penal aludem à decisão judicial transitada em julgado. Assim, mesmo que confirmada uma penalidade na última instância da esfera administrativa, caso a pessoa considerada infratora ingressasse em juízo questionando a penalidade, ter-se-ia que aguardar a decisão judicial transitada em julgado para caracterização da reincidência - afinal, se cabe ao Judiciário a última palavra, qualquer decisão administrativa pode ser revertida em juízo. Parece claro que esta solução não se mostra adequada, na medida em que, considerando o tempo necessário para o término dos processos administrativo e judicial, cai por terra a possibilidade de agravamento pela reincidência.
É verdade que muitas normas administrativas preveem que, para a caracterização da reincidência, seria necessária decisão final na esfera administrativa quanto à infração anterior. Mas se trata de decisão político-administrativa: afinal, também é verdade que outras tantas normas administrativas não exigem a 'constituição definitiva', de forma que há uma diversidade de regimes jurídicos a depender da infração administrativa cometida e das leis que as regem. Essa falta de unidade impossibilita a extração dogmática de qualquer princípio geral que informe a caracterização da reincidência no direito administrativo. Isso fica claro por meio da observação das decisões judiciais sobre o tema, que se fiam nas normas específicas que regem as punições administrativas. Não encontramos qualquer decisão do TJ-SP ou dos Tribunais Superiores que haja concebido o esgotamento da esfera administrativa como princípio geral aplicável a toda sanção desta natureza.
(iv) Quanto ao recebimento da notificação.
Na manifestação desta Procuradoria, precedente à Informação n° 1.348/2012-SNJ, havíamos manifestado entendimento de que seria necessária prévia notificação do infrator, quanto ao cometimento da primeira infração, para caracterização da reincidência. Referido entendimento também é digno de revisão. Parece-nos que a situação diz mais respeito à conveniência administrativa, para evitar questionamentos, do que a uma necessidade derivada de regras ou princípios jurídicos.
A reincidência gera um agravamento da penalidade em razão da maior reprovabilidade do comportamento daquele que praticou novamente a mesma infração (falamos, aqui, da reincidência específica na infração). Este é o núcleo essencial para caracterização da reincidência: ter praticado novamente a mesma conduta reprovada pela lei. Da mesma forma que não é essencial para a sua caracterização o esgotamento da via administrativa, tampouco o é a prévia notificação da aplicação da penalidade pela prática da primeira conduta.
A partir do momento em que a norma proibitiva existe (e considerando que ela prevê o agravamento pela reincidência), o cidadão já está ciente da possibilidade de sanção e da possibilidade de agravamento da sanção caso reitere na prática da conduta. Não é preciso que ele esteja ciente de que a Administração já o apenou para que a nova pena seja agravada - se ele já cometeu a mesma infração anteriormente, ele já tem completa ciência de que a nova prática da conduta proibida é mais gravosa, mesmo que ainda não saiba que a Administração Pública já o sancionou anteriormente. Enfim, a conduta subsequente é mais reprovável independentemente da ciência quanto à sanção estatal da conduta anterior.
Esse nosso entendimento, por óbvio, não afasta a possibilidade de entendimentos diversos, mesmo em âmbito judicial: afinal, abre-se um flanco para discussão em juízo acerca da caracterização da reincidência. De todo modo, trata-se de opção legítima da Administração Pública não condicioná-la à prévia notificação do infrator. De mais a mais, como a expedição da notificação geralmente não tarda, imaginamos que na grande maioria das situações o infrator já terá sido notificado da primeira multa quando a segunda for aplicada.
O segundo questionamento de SGM/AJ diz respeito aos efeitos do parecer de fls. 99/106 desta Procuradoria (Ementa n° 11.997-PGM), considerando entendimento anterior consolidado no âmbito de SGUOS e de SGM.
As manifestações da Procuradoria, ao mesmo tempo em que se voltam à resolução do caso concreto, eventualmente fixam teses que, em regra, geram efeitos prospectivos, para situações vindouras, em homenagem à segurança jurídica. Seria inimaginável que, a cada interpretação fixada por este órgão, o Município tivesse que rever todos seus atos praticados com esteio na interpretação anterior por ele adotada.
Se por um lado cabe à Procuradoria fixar o entendimento jurídico do Município, por outro lado os órgãos municipais só podem atuar conforme tal entendimento, obviamente, após sua adoção pela PGM e divulgação. Assim, cabe à SMSUB e SGM decidir conforme o precedente desta Procuradoria a partir de então.
Em conclusão, portanto, revemos parcialmente a Ementa nº 11.997 - PGM, no trecho em que se assentou que "salvo disposição legal em contrário, para a caracterização da reincidência é necessária a existência de uma primeira autuação pela mesma infração, constituída definitivamente na esfera administrativa, nos termos da Informação n° 1.348/2012-SNJ', para afirmar que a caracterização da reincidência independe prévia notificação da primeira infração cometida ou esgotamento das instâncias de defesa administrativa, podendo a lei ou o ato regulamentador dispor que ela ficaria caracterizada após o cometimento da primeira infração dentro de determinado período de tempo. No mais, mantemos as demais conclusões do citado parecer, com os esclarecimentos acerca da sua eficácia prospectiva. Sub censura.
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São Paulo, 19/08/2019.
RODRIGO BRACET MIRAGAYA
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP Nº 227.775
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 20/08/2019.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Assessora Chefe - AJC
OAB/SP 175.186
PGM
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1 Direito Administrativo Sancionador. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2005, p. 139.
2 Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.
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Processo nº 2018-0.077.353-2
INTERESSADO: DIALOGO ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO LTDA.
ASSUNTO: Pedido de cancelamento de multa por distribuição de impresso na via pública. Art. 26 da Lei municipal n° 14.517/07.
Cont. da Informação n° 1.229/2019 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral
Encaminho, a Vossa Senhoria, a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido de que (i) a caracterização da reincidência independe de prévia notificação da primeira infração cometida ou do esgotamento das instâncias de defesa na esfera administrativa - revendo-se, neste ponto, a Ementa n° 11.997 -PGM, mantidas as demais conclusões; (ii) as teses fixadas pela Procuradoria Geral ostentam, ordinariamente, eficácia prospectiva, em homenagem à segurança jurídica.
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São Paulo, 22/08/2019
TIAGO ROSSI
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP 195.910
PGM
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Processo nº 2018-0.077.353-2
INTERESSADO: DIALOGO ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO LTDA.
ASSUNTO: Pedido de cancelamento de multa por distribuição de impresso na via pública. Art. 26 da Lei municipal n° 14.517/07.
Cont. da Informação n° 1.229/2019 - PGM.AJC
SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL
Senhor Secretário
Encaminho, a Vossa Senhoria, manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que (i) a caracterização da reincidência independe de prévia notificação da primeira infração cometida ou do esgotamento das instâncias de defesa na esfera administrativa - revendo-se, neste ponto, a Ementa n° 11.997 - PGM, mantidas as demais conclusões; (ii) as teses fixadas pela Procuradoria Geral ostentam, ordinariamente, eficácia prospectiva, em homenagem à segurança jurídica.
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São Paulo, 22/08/2019.
GUILHERME BUENO DE CAMARGO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 188.975
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo