Processo nº 6023.2018/0000529-8
INTERESSADO: Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia
ASSUNTO: Dutos subterrâneos instalados por empresas municipais. Possível organização de políticas públicas. Programa cidade inteligente.
Informação n. 0372/2019-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador Geral
O presente foi instaurado pela Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia para estudar as possibilidades de uso de uma rede de dutos subterrâneos existente no Município, utilizada pela PRODAM, pela CET e pela SPTrans. Para isso, entendeu-se necessária uma análise prévia quanto à titularidade desses dutos, bem como quanto à possibilidade de utilização e exploração do ativo em questão mediante contrapartidas de interesse público, de acordo com a legislação vigente e com o modelo a ser escolhido (doc. 9466501 e 013148606).
SMIT-AJ entendeu que a titularidade dos dutos subterrâneos é do Município, sejam eles utilizados por empresas municipais ou por qualquer particular, já que sua instalação e uso depende da outorga de permissão do uso pelo Poder Público municipal. Observou-se, contudo, que o instrumento relativo à permissão de uso deve prever expressamente regras para a eventual desmobilização das atividades em caso de se verificar a conveniência e oportunidade de rescindir a outorga. Entendeu-se possível, ainda, a utilização do ativo em questão, embora não seja viável analisar, em caráter preliminar, o modelo a ser utilizado. Sem embargo, tendo em conta haver interface com várias Secretarias, bem como com as empresas públicas municipais interessadas, sugeriu-se consulta a esta Procuradoria Geral orientada pelos seguintes quesitos: a) qual a titularidade dos dutos subterrâneas? b) em sendo públicos os dutos subterrâneos, seria possível que a Administração Municipal se utilizasse deles, a fim de permitir a exploração por particulares, de acordo com o modelo mais adequado, na forma da legislação em vigor? c) independentemente da natureza jurídica e da titularidade dos bens em questão (dutos subterrâneos) é lícito, em tese, ao município impor encargos adicionais aos permissionários (diversos do preço público), autorizando-os e/ou obrigando-os a promover o pleno uso de tais dutos? d) em caso positivo, qual o ato administrativo ou normativo de menor hierarquia para tanto? (doc. 015061906 e 015226429).
A proposta foi acolhida pelo Gabinete da Pasta (doc. 015247018).
É o breve relatório.
Assiste razão à Assessoria Jurídica de SMIT quanto à titularidade dos dutos situados sob próprios municipais.
De fato, não há como deixar de aplicar ao caso o disposto no art. 1.255 do Código Civil, segundo o qual aquele que edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, o material e a mão de obra utilizado em tal construção.
Trata-se da regra da acessão, "o modo originário de adquirir, em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto se une ou se incorpora ao seu bem"1.
Conforme tem sido apontado pela doutrina:
"Em todas as suas formas, a acessão depende do concurso de dois requisitos: a) a conjunção entre duas coisas, até então separadas; b) o caráter acessório de uma dessas coisas, em confronto com a outra. Na acessão predomina, com efeito, o princípio segundo o qual a coisa acessória segue a principal (accessorium sequitur suum principale). A coisa acedida é a principal, a coisa acedente, a acessória"2.
Não parece possível, no caso, negar a ocorrência dessa união ou incorporação dos dutos aos terrenos municipais. Os dutos são obras civis que aderem ao solo, perdendo, com isso, sua individualidade objetiva. Uma vez instalados, não podem ser retirados de modo incólume. Por isso, já não podem ser considerados em separado do solo. São bens que assumiram a qualidade de acessórios ao aceder ao bem principal, qual seja, o terreno.
Nessa situação, em regra, o ordenamento pátrio não aceita a manutenção de direitos reais distintos, um sobre o terreno e outro sobre as construções. Uma vez efetuada a construção - no caso, instalado o duto -, o responsável pela construção perde a propriedade sobre o bem acessório, consolidando-se tal propriedade no bem principal, ao qual acedem materiais e mão de obra.
A lei contempla exceções a essa regra, que decorrem da utilização de institutos específicos, relacionados à criação de direitos reais sobre coisa alheia. É o caso, por exemplo, da instituição de direito de superfície ou de servidão de passagem. Nos termos do Código Civil, o direito de superfície pode autorizar obra no subsolo se isso for inerente ao objeto da concessão (art. 1.369, parágrafo único), ao passo que, pelo Estatuto da Cidade, pode abranger o direito de utilizar o subsolo de modo geral (art. 21, § 1°). É também possível a instituição de servidão de passagem, com base no regime das servidões estabelecido no referido Código (art. 1.378 e ss.). Em tais casos, parece possível admitir que o construtor mantenha em seu patrimônio a edificação até que se extinga o direito real sobre coisa alheia.
Todavia, não sendo expressamente utilizado algum desses institutos, parece inafastável a regra da acessão, de modo que não há como o construtor do duto manter sobre ele alguma espécie de propriedade, sendo impossível, assim, negar a perda da propriedade desses bens acessórios em favor do Município.
Por outro lado, cabe mencionar que o atual Código atenuou, de certo modo, a regra dessas chamadas acessões industriais, provocadas pelo trabalho ou indústria do ser humano. Nesse sentido, em certos casos, está prevista a perda da propriedade do terreno em favor daquele que edifica. Nenhuma dessas exceções, contudo, aplica-se ao caso vertente: não há horizonte possível de que o responsável pelas redes venha a ser tornar proprietário de vias públicas municipais, até porque a aplicação das exceções previstas na lei civil exige que as construções tenham valor consideravelmente maiores que o terreno (cf. art. 1.255, parágrafo único e 1.258, parágrafo único).
Na verdade, segundo o regime em vigor, os responsáveis pelas redes subterrâneas necessárias à prestação de serviços públicos ou exploração de atividades econômicas podem instalá-las em áreas municipais, mediante permissão de uso outorgada pelo Município. Nesse regime, nenhum direito real - nem sequer limitado - é conferido ao permissionário, ao qual se reconhece um direito pessoal e precário de passagem sob as áreas municipais.
Como visto, seria admissível, em tese, adotar uma sistemática de direitos reais - por exemplo, pela outorga de direito de superfície ou de servidões de passagem -, que poderia gerar direitos autônomos sobre os dutos subterrâneos. No entanto, não é essa a opção adotada, não havendo nenhuma perspectiva de que o domínio pleno do Município deixe de prevalecer, até mesmo sobre as acessões. Assim, pertencem ao Município o subsolo e as construções nele realizadas, o que inclui os referidos dutos.
É claro que não são abrangidos pela regra de acessão os equipamentos que possam, ser perda de valor econômico, ser retirados dos dutos subterrâneos. Assim, se o duto é ocupado por cabeamento de fibra ótica, parece indiscutível que o responsável pela rede possa retirá-la em caso de revogação da permissão de uso. Já o duto em si, em vista de sua acessão ao terreno, ali permanecerá, perdendo o construtor, em favor do Município, os materiais e mão de obra utilizados.
Convém apontar, ainda, que o instrumento da permissão de uso parece atender perfeitamente às necessidades de tais casos, uma vez que viabiliza a cessão do bem, com sua utilização pelo particular, mantida a possibilidade de uma revogação pautada pelo interesse público municipal, sem que assista ao permissionário o direito de requerer indenização a respeito, uma vez que a precariedade é da natureza de tal ato.
Contudo, a análise aqui efetuada não alcança o texto dos termos de permissão de uso lavrados, até porque nenhum destes foi juntado ao expediente. Não obstante, é muito razoável esperar que eles tragam cláusulas condizentes com o acima exposto, mencionando expressamente a precariedade da cessão e a possibilidade de sua revogação por motivo de interesse público, não somente pela natureza da permissão em si, mas pela própria previsão legal de "remanejamento, provisório ou definitivo, dos equipamentos de infraestrutura urbana, sempre que for solicitado pela Municipalidade para a realização de obras públicas ou por qualquer outro motivo de interesse público, sem qualquer ônus para a Administração Municipal" (art. 7°, VIII, da Lei n. 13.614/03).
Dessa precariedade decorrem, em especial, as possibilidades de impor ao permissionário uma utilização menos intensa do espaço público, por meio do compartilhamento. De fato, quem pode revogar a permissão, pode, a fortiori, restringir o seu alcance. Nesse sentido, seria uma opção dada ao permissionário, podendo ele optar entre compartilhar os dutos ou desistir da permissão, com o quê os dutos - municipais - ficariam livres para outorga a terceiros.
Vale notar, a propósito, que os limites jurídicos para uma revogação dessa espécie poderiam estar apenas em um possível desvio de finalidade, o qual estaria excluído, nessa hipótese, justamente pela diretriz legal relativa ao compartilhamento de redes (art. 1°, I e III da Lei n. 13.614/03). Em verdade, longe de constituir um abuso por parte do administrador na gestão dos bens públicos, a determinação de compartilhamento corresponderia ao cumprimento de tal diretriz, de modo inteiramente compatível com o regime legal vigente.
Neste caso, nem mesmo seria o caso de considerar necessária uma indenização àquele que tenha edificado de boa-fé, nos termos do Código Civil (art. 1.255, in fine). Na verdade, a boa-fé deve ser reconhecida àquele que edifica em terreno alheio entendendo ser seu proprietário; do contrário, sabendo estar em terreno alheio, ocupante deve conformar-se às regras estabelecidas. Assim, não havendo previsão de indenização alguma, não parece possível sustentá-la como devida, tão somente com base na boa-fé.
Por outro lado, cabe considerar a hipótese de que tais redes tenham sido instaladas sem o instrumento correspondente de permissão de uso. Neste caso, ainda que possa ser inadequado presumir a má-fé, sobretudo em relação a entidades municipais, o fato é que não parece aceitável reconhecer ao ocupante direitos mais amplos do que aqueles que existiriam em caso de regular outorga de permissão. Nesse sentido, não seria distinta a conclusão no sentido da titularidade municipal dos dutos e da desnecessidade de indenização àquele que os instalou.
Em se tratando de uma instalação realizada para a prestação de serviços públicos municipais, a situação parece ainda mais clara, incluindo não somente os dutos, mas até mesmo as redes instaladas. Neste caso, deve-se reconhecer às empresas municipais a capacidade de gerir tais ativos, em vista da prestação de serviços públicos. Não obstante, trata-se de bens afetados a tal serviço, que devem, assim, ser considerados reversíveis ao patrimônio municipal, já que o próprio serviço é de titularidade do Município. Em última análise, portanto, as próprias redes utilizadas na prestação de serviços municipais pertencem à Urbe.
Neste caso, o Município não tem poderes para adotar alguma ingerência na utilização dos dutos apenas por ser proprietário destes, mas também porque detém competência para organizar os serviços ali instalados e exigir que as empresas que os exploram atuem desta ou daquela forma em prol do interesse público municipal, observada a necessidade de compatibilização de cada serviço com outros bens e interesses coletivos. Em um cenário tecnológico distinto, deve-se impor às empresas municipais que compatibilizem suas estruturas como já fazem na superfície das ruas: assim como não há motivo para temer conflitos entre semáforos e equipamentos de corredores de ônibus, por mais que possam competir por um mesmo espaço físico, tampouco parece que isso possa acontecer na utilização das redes de dados subterrâneas.
Em qualquer caso, o compromisso é com a continuidade da prestação do serviço público, que deve ser respeitada também nos casos de necessidade de retirada de redes - é por isso que, como visto, a lei menciona o dever de providenciar seu remanejamento (art. 7°, VIII). De todo modo, não parece ser isso que se encontra em questão no caso, uma vez que a Secretaria consulente menciona o propósito de manter a prestação dos serviços que se utilizam dos dutos.
É claro que essas observações, relativas às redes utilizadas para a prestação de serviços municipais, são feitas apenas em tese, para mostrar que a Municipalidade tem poderes não somente como titular de determinados bens, mas como titular de serviços públicos. Evidentemente, não são aqui analisadas as muitas situações concretas que podem existir nesse contexto, que podem incluir outras complexidades, notadamente se envolverem terceiros. Caso essas situações apresentem relevância para a estruturação de ações por parte da Pasta consulente, elas poderão ser objeto de nova consulta, com o detalhamento necessário a uma orientação mais conclusiva.
Sendo públicos os dutos, é possível que a Administração Municipal deles se utilize, segundo o modelo que se entender mais adequado, observada a necessidade de evitar a interrupção dos serviços que já estão sendo prestados. Em tese, podem ser utilizados para isso os institutos relacionados à cessão de bens públicos - concessão, permissão ou autorização de uso, conforme o caso (art. 114, caput, da Lei Orgânica do Município). Também pode ser concebida alguma espécie de concessão de serviço público que pressuponha a utilização dos dutos pelo concessionário. Em qualquer dos casos, é possível a cobrança de contrapartidas pecuniárias do particular envolvido. De todo modo, não parece possível avançar mais na análise a respeito, dada a ausência de questões mais concretas. Analisado o assunto em tese, a conclusão deve ser de que nada obsta a exploração dos dutos por parte do Município, observada a continuidade dos serviços ali instalados, que pode ser garantida mediante o remanejamento das redes, caso necessário.
De igual forma, o questionamento a respeito da imposição de encargos adicionais aos permissionários relativos ao pleno uso de tais dutos, bem como quanto ao ato administrativo ou normativo de menor hierarquia para tanto, não parece oferecer os elementos necessários para uma resposta cabal. Há, por exemplo, a questão da própria viabilidade técnica desses possíveis encargos adicionais, bem como da devida caracterização da justificativa específica para sua imposição. Em princípio, o compartilhamento de instalações é uma diretriz da Lei n. 13.614/03 (art. 1°, I e III) e a mesma lei prevê o dever de remanejamento de equipamentos por qualquer motivo de interesse público (art. 7°, VIII). Assim sendo, em tese, poderá ser considerada a imposição de exigências compatíveis com esses fundamentos, a serem feitas pelo Diretor de CONVIAS, no âmbito da gestão dos termos de permissão de uso. A propósito, tendo em vista que o deferimento da permissão se dá por despacho do Diretor de CONVIAS (art. 19 do Decreto 44.755/04), a revogação ou o apostilamento da permissão, para o fim de alterá-la, deverá ser efetuado por ato de igual natureza, em atenção ao paralelismo das formas.
Ante o exposto, sugere-se o retorno do presente a SMIT, observado, no que diz respeito aos últimos quesitos, ora respondidos em tese, que uma análise definitiva a respeito somente poderá ser feita a partir de propostas concretas de aproveitamento dos dutos e de alteração das permissões de uso em vigor.
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São Paulo, 20/03/2019.
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 173.027
PGM
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1 Bevilaqua, Clovis. Direito das Coisas, 1° vol. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1941, p. 155.
2 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas, 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 216.
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Processo nº 6023.2018/0000529-8
INTERESSADO: Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia
ASSUNTO: Dutos subterrâneos instalados por empresas municipais. Possível organização de políticas públicas. Programa cidade inteligente.
Cont. da Informação n. 0372/2019-PGM.AJC
PGM
Senhor Procurador Geral
Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que os dutos instalados em próprios municipais pertencem ao Município, podendo este explorá-los da forma adequada, segundo os instrumentos estabelecidos no ordenamento jurídico, tema que, assim como a imposição de eventuais encargos adicionais ao permissionário, não é passível de uma análise conclusiva, tendo em vista a inexistência de uma controvérsia devidamente configurada a respeito.
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São Paulo, 21/03/2019.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA DO MUNICÍPIO
COORDENADORA GERAL DO CONSULTIVO SUBSTITUTA
OAB/SP 175.186
PGM
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Processo nº 6023.2018/0000529-8
INTERESSADO: Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia
ASSUNTO: Dutos subterrâneos instalados por empresas municipais. Possível organização de políticas públicas. Programa cidade inteligente.
Cont. da Informação n. 0372/2019-PGM.AJC
SMJ
Senhor Secretário Adjunto
Com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral, que acolho, encaminho-lhe o presente, com a conclusão de que os dutos situados no subterrâneo de bens municipais pertencem ao Município, podendo ser explorados por meio dos instrumentos legais cabíveis, de acordo com o modelo a ser proposto, o qual, assim como a imposição de encargos ao permissionário, somente poderá ser analisado conclusivamente a partir da configuração de questões concretas relativas ao tema.
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São Paulo, 03/04/2019.
GUILHERME BUENO DE CAMARGO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 188.975
PGM
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Processo nº 6023.2018/0000529-8
SMIT
Sr. Secretário Adjunto
Por ordem do Procurador Dr. José Fernando Brega, retifico o encaminhamento, 015494892 onde se lê SMJ, leia-se SMIT.
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São Paulo, 09 de abril de 2019
Cláudia loannou Albuquerque
AGPP-AJC
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo