Processo n° 2007-0.129.746-4
INTERESSADO: Administração
ASSUNTO: Ocorrência n° 44/2007. Estrada de São José
Informação n° 0419/2017-PGM.AJC
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhora Procuradora Assessora Chefe
Diante da conclusão, alcançada no PA 2002-0.274.725-1, no sentido da natureza pública da denominada Estrada de São José (fls. 04/22 e 30/52), foi lavrada a ocorrência inicial, uma vez que foi constatada a incorporação do logradouro ao Clube de Campo São Paulo.
Ocorre que, antecipando-se à adoção das medidas possessórias pelo Poder Público, o mencionado clube ajuizou, em face da Municipalidade de São Paulo, ação declaratória buscando o reconhecimento da natureza particular da via. E, em sede de antecipação de tutela, o autor obteve decisão impedindo a PMSP de interferir na situação do imóvel ocupado por suas instalações (fls. 569/570 - 2o volume).
No entanto, considerando que foi formulada denúncia de ocupação de outras vias pelo mesmo clube (fls. 247/249 - primeiro volume), o presente processo passou a cuidar, durante o andamento do feito judicial, da análise dominial dos demais logradouros apontados (fls. 281, primeiro volume).
Realizados os estudos pertinentes, com base, inclusive, no trabalho do assistente técnico da PMSP no feito acima mencionado, concluiu- se que as demais vias também integrariam o patrimônio municipal (fls. 542/547 e 562/563, 2o volume).
Na sequência, conforme recomendado pelo AJC (fls. 564/566), foram anexados ao presente o laudo pericial, além do laudo apresentado pelo assistente técnico da Municipalidade no processo judicial (v. fls. 1.162).
Aliás, com fundamento no laudo do perito judicial, a ação declaratória acabou sendo julgada procedente (fls. 1.173/1.181). E a apelação da Municipalidade foi recebida somente no efeito devolutivo (fls. 1.182).
Por outro lado, em outro feito, a Municipalidade foi condenada a se abster, no desempenho da fiscalização que lhe compete, de restringir a atividade do clube em razão da apontada pendência (fls. 1.183/1.185).
O DEMAP, após examinar o laudo pericial, informou que o trabalho não apresenta argumentação técnica ou jurídica capaz de alterar a conclusão acerca do caráter público das vias em estudo (fls. 1.197/1.195).
Na sequência, diante das alegações do Clube de Campo São Paulo no TID 14431860, que passou a acompanhar o presente processo, foi solicitada nova manifestação do DEMAP, tendo a Assistência Técnica do Gabinete do departamento reiterado suas conclusões (fls. 1.276/1.291).
É o relatório do essencial.
De acordo com a denúncia de fls. 247/249, teriam sido ocupadas pelo Clube de Campo São Paulo, além da Estrada de São José, outras supostas vias, assinaladas na planta de fls. 291 (primeiro volume), com origem no loteamento Vila Biarritz (ruas Nantes, Rayon, Hendaye, Bordeaux, Lyon, Monte Carlo, Deauville, Marseille e Versailles), que não são objeto da ação declaratória ajuizada pelo clube (fls. 381/382). Daí a determinação de fls. 281 (primeiro volume) no sentido da realização do estudo dominial pertinente.
Após examinar o assunto, o DEMAP concluiu que as vias em questão integram o domínio público por força do concurso voluntário, em razão da alienação de diversos lotes confrontantes com os logradouros, conforme transcrições mencionadas (fls. 542/547).
Portanto, antes de mais nada, convém resgatar o exato conceito do instituto, tal como exposto por Eduardo Vianna Motta, ao examinar os modos de aquisição dos bens de uso comum do povo pelas pessoas jurídicas de Direito Público1.
Em síntese, como se sabe, compete ao poder público municipal a abertura de vias de circulação urbanas. Contudo, os particulares podem colaborar com a Administração nessa tarefa, transferindo gratuitamente ao patrimônio público os bens destinados a essa finalidade, uma vez que, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, tais bens são públicos.
Tal transferência ocorre mediante o chamado concurso voluntário, que já era admitido pela doutrina e pela jurisprudência mesmo antes da sua consagração na legislação brasileira.
Por essa razão, aliás, é que não há necessidade de registro imobiliário dos bens de uso comum.
No entanto, para a caracterização do concurso voluntário é indispensável, em primeiro lugar, a manifestação de vontade do particular no sentido de oferecer o bem, seja de forma expressa, mediante o requerimento de aprovação de parcelamento do solo, seja de forma tácita, mediante a simples abertura das ruas.
Em síntese, como se sabe, compete ao poder público municipal a abertura de vias de circulação urbanas. Contudo, os particulares podem colaborar com a Administração nessa tarefa, transferindo gratuitamente ao patrimônio público os bens destinados a essa finalidade, uma vez que, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, tais bens são públicos.
Tal transferência ocorre mediante o chamado concurso voluntário, que já era admitido pela doutrina e pela jurisprudência mesmo antes da sua consagração na legislação brasileira.
Por essa razão, aliás, é que não há necessidade de registro imobiliário dos bens de uso comum.
No entanto, para a caracterização do concurso voluntário é indispensável, em primeiro lugar, a manifestação de vontade do particular no sentido de oferecer o bem, seja de forma expressa, mediante o requerimento de aprovação de parcelamento do solo, seja de forma tácita, mediante a simples abertura das ruas.
Mas para o aperfeiçoamento do contrato administrativo do concurso voluntário, com a consequente transferência do domínio das vias e logradouros abertos, deve ocorrer também a aceitação desses espaços pela Administração, pois, se assim não fosse, o interesse particular estaria se sobrepondo ao interesse público, já que os munícipes decidiriam quando e onde implantar as vias públicas.
A respeito do assunto, merece ser reproduzida a seguinte lição de Eduardo Vianna Motta:
“Do fato do loteamento inicia-se o processo de formação do concurso voluntário. A vontade do particular, como vimos, pode decorrer de expressa manifestação, de formal declaração, ou decorrer de fatos, e então será de manifestação tácita. Para consumar-se o concurso voluntário, será de mister o acasalamento das duas vontades: a do particular e a da administração. Também está pode dar-se de maneira formal ou tácita. A manifestação da vontade da administração dá-se através da afetação. Sem a afetação, a coisa, embora oferecida irrevogavelmente, ainda é particular.(...) Essa afetação poderá ser tácita: a execução de obras, por exemplo" 2.
No mesmo sentido, a manifestação da então Secretaria dos Negócios Jurídicos no PA 2006-0.277.759-0 (informação n° 3.308/2013- SNJ.G), ressaltando que a afetação ao uso público pode assumir uma variedade de formas, expressas ou tácitas, como a regularização de um loteamento, a oficialização de vias ou mesmo a realização de obras públicas em logradouros abertos, não sendo possível o reconhecimento do uso público de um determinado espaço até a prática de algum desses atos, ainda que o local apresente as características correspondentes.
Pois bem, no caso dos autos, o loteamento Vila Biarritz (ou Jardim Biarrití) não foi aprovado ou regularizado pela PMSP (fls. 295, 308 e 383v°), tampouco inscrito (fls. 320), nada constando, ademais, a respeito da oficialização das vias mencionadas dentro da área em estudo (fls. 307 e 329). Também não foram localizadas desapropriações envolvendo o local (fls. 337/339). E não constam informações no âmbito do DGPI (fls. 340).
O excelente trabalho realizado pela Assistência Técnica do DEMAP G apurou, contudo, que o loteamento começou a ser implantado por Celestino Paraventi nas glebas das Transcrições 12.883 (fls. 219/220) e 12.896 (fls. 221/222), ambas do 1o CRI, por volta de 1932, com a demarcação das vias, tendo a venda dos lotes sido iniciada em 1934 (fls. 1.276 e 1.280). Posteriormente, após reaver diversos lotes que havia alienado a terceiros, Celestino Paraventi transmitiu parte da área das mencionadas transcrições (gleba B) ao Clube de Campo São Paulo, conforme Transcrição n° 24.444 / 1o CRI, de 14/01/1938, reproduzida às fls. 180 (fls. 1.278). Na sequência, o clube fechou a área com muros de concreto (fls. 1.281, primeiro parágrafo).
Desse modo, somente parte do loteamento previsto na planta particular encontra-se efetivamente implantado (fls. 1.281).
Ocorre que, por se tratar de parcelamento anterior ao Decreto-lei n° 58/37, deve prevalecer a configuração efetivamente implantada e não aquela prevista na planta do parcelamento. A propósito, a Informação n° 1066/2014-SNJ.G:
"Tal é o quadro, portanto, da aquisição de áreas públicas por força do parcelamento do solo, de acordo com o entendimento sustentado em manifestações anteriores: no caso dos loteamentos posteriores ao Decreto n. 58/37, a transferência dos bens ao patrimônio público ocorre por força dos atos formais de aprovação e inscrição, sem prejuízo, é claro, da afetação de áreas ao uso público; já no caso dos loteamentos anteriores a esse diploma normativo, a aquisição ocorria com base na afetação decorrente do concurso voluntário, o que trona relativo o valor de eventual planta de parcelamento, uma vez que não necessariamente o concurso voluntário ocorreu, na prática, de acordo com tal elemento formal".
No mesmo sentido, a Informação n° 1926/2015-SNJ.G:
"A utilização da configuração definida em plantas para a apuração das características do domínio municipal decorrente de parcelamentos do solo é uma possibilidade decorrente do regime instituído pelo Decreto-lei n. 58/37 (cf. f/s. 139/140), mas não merece interpretação ampliativa que permita a extensão desse regime aos loteamentos totalmente irregulares, que não tenham sido objeto de um ato formal de aprovação, inscrição, registro ou regularização. No caso presente, tem-se apenas uma planta depositada, que não pode ser adotada como fonte de efeitos jurídicos específicos. Os logradouros existentes naquela região não se tornaram públicos por força do depósito dessa planta, mas simplesmente pela afetação, de acordo com a configuração fática efetivamente implantada."
Portanto, no caso dos autos, cabe verificar se ocorreu, efetivamente, o concurso voluntário, nos termos expostos por Eduardo Vianna Motta na RT 338/43:
"O que é preciso, sim, para que se realize o contrato administrativo do concurso voluntário é a existência de inequívoca vontade de contratar pelas partes: inequívoca vontade de ofertar por parte do particular, e inequívoca vontade de aceitar, por parte da administração. Desde então, conjugadas as vontades, dar-se-á a transferência do domínio."
Porém, a simples abertura das ruas e a alienação de imóveis confrontantes não pode, isoladamente, ser considerada uma oferta dos logradouros. Vale lembrar, a propósito, o caso da Chácara Flora, loteamento também anterior ao Decreto-lei n° 58/37, em que a Municipalidade reconheceu a ausência do requisito da inequivocidade quanto à oferta pelo particular (Ementa n° 11.695).
Seja como for, não constam dos autos informações a respeito da aceitação das vias, mediante a sua afetação formal ou tácita.
A propósito, sem entrar na discussão a respeito da competência para a prática do ato (Câmara Municipal ou Executivo), tanto a Lei n° 2.611/23 (artigos 19 a 22), como o antigo Código de Obras Arthur Saboya - Lei n° 3.427/29 (artigos 543/551), cuja consolidação com a legislação posterior a respeito de construções, arruamentos, etc., foi aprovada pelo Ato n° 663/34 (artigos 762 e seguintes), exigiam expressamente a aceitação das vias abertas.
De fato, o Código Arthur Saboya proibia expressamente a abertura de vias de comunicação sem prévia licença da Prefeitura, determinando, ainda, a doação dos leitos dos logradouros ao Poder Público antes da expedição do alvará de aprovação do plano de arruamento. Além do mais, estabelecia que nenhuma via de comunicação poderia ser considerada oficialmente aberta ao trânsito público sem que tivesse sido previamente aceita pela Câmara, que a declararia incorporada ao domínio público.
No caso dos autos, porém, nada consta a respeito da oficialização das vias em estudo, a doação dos logradouros à Municipalidade, a sua aceitação pela Câmara ou mesmo a execução de obras no local. Assim, não me parece caracterizada a aceitação da Municipalidade.
Portanto, entendo que não existem fundamentos jurídicos para a Municipalidade sustentar a incorporação ao domínio público das vias não afetadas do loteamento Vila Biarritz, nos termos acima expostos.
Diferente é a situação da Estrada São José, objeto da ocorrência inicial, uma vez que, conforme exposto por PROJ, a via em questão consta da Revisão do Plano Rodoviário Municipal de 1967. Logo, ocorreu a aceitação do logradouro mediante a sua afetação ao uso público.
Por fim, acerca das passagens, mencionadas pela Assistência Técnica do DEMAP G (fls. 1.279, último parágrafo), cabe ressaltar que, de acordo com o antigo Código de Obras, elas não precisavam ser oficialmente recebidas pelo Prefeitura, já que a sua abertura representava uma forma simplificada de parcelamento do solo. Logo, o entendimento a respeito do assunto não pode ser aplicado ao caso em exame.
Com o exposto, recomendo, no caso de acolhimento, a remessa dos autos ao DGPI para as anotações cabíveis e oportuna devolução ao DEMAP para o que couber.
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São Paulo 10 / 04/2017.
RICARDO GUACHE DE MATOS
PROCURADOR ASSESSOR – AJC
OAB/SP 89.438
PGM
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1RT volumes 332/49, 333/49, 334/57, 335/67,336/39, 337/44, 338/43, 339/47 e 390/51.
2RT 338/43.
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De acordo.
São Paulo 11/04/2017.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Assessora Chefe – AJC
OAB/SP 175.186
PGM
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Processo n° 2007-0.129.746-4
INTERESSADO: Administração
ASSUNTO: Ocorrência n° 44/2007. Estrada de São José
Cont. da Informação n° 0419/2017 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral
Encaminho estes autos com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido de que não existem fundamentos jurídicos para a Municipalidade sustentar a incorporação ao domínio público das vias não afetadas do loteamento Vila Biarritz..
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São Paulo, 28/04/2017
TIAGO ROSSI
PROCURADOR DO MUNICIPIO
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
PGM
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Processo n° 2007-0.129.746-4
INTERESSADO: Administração
ASSUNTO: Ocorrência n° 44/2007. Estrada de São José
Cont. da Informação n° 0419/2017 - PGM.AJC
DGPI G
Senhora Diretora
Encaminho estes autos para ciência da manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo da Procuradoria Geral do Município, que acompanho, no sentido de que não existem fundamentos jurídicos para a Municipalidade sustentar a incorporação ao domínio público das vias não afetadas do loteamento Vila Biarritz.
Na sequência, após as anotações cabíveis, peço devolver o presente processo ao DEMAP.
Mantidos os acompanhantes mencionados às fls. 1.292.
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São Paulo, 28/04/2017
RICARDO FERRARI NOGUEIRA
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 175.805
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo