EMENTA Nº 11.542
Direito Administrativo. Licitação. 1. O rol de multas moratórias, previsto no instrumento convocatório ou contrato, deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no escalonamento que faz da severidade das penalidades, dentro do previsto pela Lei nº 8.666/93. Inaplicabilidade do princípio constitucional do não confisco, porquanto esse é dirigido aos tributos e não às multas moratórias ou por infrações contratuais. 2. Os valores alcançados pela somatória das várias multas impostas pelo cometimento reiterado de infrações pela empresa contratada ao longo da vigência do contrato e que, em tese, podem superar, até mesmo, os valores contratados, não constitui motivo para a mudança da sua base de cálculo, nem mesmo para a configuração de onerosidade superveniente indutora do desequilíbrio econômico-financeiro do ajuste. A onerosidade excessiva na aplicação de penalidades administrativas por demora no cumprimento contratual no âmbito da Administração Pública somente poderá se dar na medida em que demonstrada a falta de pertinência, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito na imposição de tais penalidades.
processo n° 2010-0.276.083-2
INTERESSADO: SMG-CGBS/DGSS
ASSUNTO: Contrato decorrente da Ata de Registro de Preços nº 43/2007-DGSS – prestação de serviços de telefonia móvel pessoal (SMP), plano digital pós pago, com fornecimento de aparelhos telefônicos móveis em regime de comodato. Aplicação de penalidade por demora no cumprimento contratual. Análise da existência de excessiva onerosidade pelo total das multas impostas.
Informação n° 2.583/2010 – PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhora Procuradora Assessora Chefe,
1 – O presente PA foi aberto em função dos fatos contidos no PA nº 2009-0.002.015-2 e instruído com cópias dele extraídas, que apontam que em 27 de janeiro de 2009, o Subprefeito de Santana/Tucuruvi autorizou a contratação da empresa VIVO S/A, detentora da Ata de RP nº 043/2007-CGBS/DGSS, para prestar serviços de telefonia móvel local e fornecer em comodato 65 aparelhos do item III (linha com cota mensal de até R$ 150,00), pelo prazo de 12 meses, totalizando R$ 34.800,00. Foi emitida a nota de empenho de fls. 32 para o exercício de 2009 no valor de R$ 32.286,67, ficando o restante, de R$ 2.513,33 para onerar a dotação própria do exercício de 2010.
A Ordem de Serviço nº 001/SP-ST/CAF/2009 foi expedida em 27 de janeiro de 2009 e, nesse mesmo dia, a empresa em questão procedeu à retirada da nota de empenho, passando a fluir o prazo de 30 dias previsto no item 4.2 da Ata de RP para entrega do objeto (vide fls. 22 e 20, verso).
Contudo, conforme relatado às fls. 29/30, o objeto da Ata de RP em questão somente foi entregue para a SP/ST em 29 de maio de 2009, com atraso de mais de 90 dias, motivo da proposta feita por SP-ST/CAF/SAS de aplicação das penalidades previstas nos itens 7.1.3 e 7.1.6 da Ata de RP, a primeira alcançando o valor de R$ 6.457,33 e a segunda o valor de R$ 39.389,73 (cf. fls. 36).
Notificada para apresentar sua defesa prévia, a empresa VIVO S/A, apesar de reconhecer uma falha no tocante a quantidade real dos aparelhos, pois o sistema acusava erroneamente uma quantidade muito superior do que a existente em estoque, fato que ocasionou transtornos para a VIVO e seus clientes, não negou o atraso em sua defesa, mas requereu a reconsideração da aplicação da multa até mesmo por reputá-la excessiva em se levando em consideração o período de sucesso do contrato em detrimento da mera aplicação da penalidade (cf. fls. 41/48).
Em face do teor dessa defesa prévia, SP-ST, às fls. 50/51 ponderou pela aplicação apenas da penalidade prevista no item 7.1.3, no valor de R$ 6.457,33 à empresa infratora, encaminhando o presente PA a DGSS para a efetivação da aplicação da penalidade na condição de órgão gestor da Ata, conforme dispõe o artigo 18, § 6º, do Decreto Municipal nº 44.279/03, além do próprio item 7.1 da Ata em questão.
DGSS/AJ faz, então, uma longa explanação às fls. 52/55 contestando a proposta de aplicação da penalidade prevista no item 7.1.3 do Edital por entender que a infração praticada pela VIVO é de entrega dos aparelhos de telefone fora do prazo, ou seja, inexecução parcial, e não de inexecução total da obrigação, tal como previsto no referido item 7.1.3, agravado pelo fato de que o percentual da multa é calculado sobre o valor total do Contrato.
Conclui, assim, pela onerosidade das penalidades aplicadas ante as irregularidades constatadas e traz, para ilustrar essa conclusão, o ocorrido em vários outros processos acompanhantes deste, mas cada qual, com peculiaridades diferentes da tratada no presente, indagando, por fim, a esta PGM/AJC se a aplicação da penalidade moratória de R$ R$ 6.457,33 pelo atraso de mais de 90 dias para a entrega dos aparelhos de telefonia móvel, proposta por SP-ST, seria adequada, razoável e proporcional ao descumprimento contratual ocorrido.
Também indaga a) se é possível a aplicação de multa em valores superiores ao valor do contrato? Em caso negativo, quais seriam os limites? b) se é possível a aplicação de multa por inexecução total do contrato, nos casos em que houve efetivamente a sua execução, mesmo que falha? c) se é possível, nos casos ora em análise, a despeito da previsão contida na Ata de RP nº 043/2007, que as penalidades sejam aplicadas em referência aos valores dos meses em que ocorreram as irregularidades e não ao valor total da nota de empenho?
É o quanto basta relatar.
2 – No caso tratado no PA nº 2009-0.002.015-2, origem da consulta ora em análise, não me parece existir qualquer dúvida quanto ao descumprimento do prazo contratual para entrega dos aparelhos celulares por parte da VIVO S/A; aliás, esta empresa não nega tal fato na defesa que apresentou às fls. 41/48, confirmando ter atrasado a entrega dos aparelhos celulares em mais de 90 (noventa) dias da data da retirada da nota de empenho, dificultando a utilização do plano de minutos, também previsto no ajuste, pelos servidores da Subprefeitura de Santana.
A instrução do presente também não demonstra que a SP/ST tenha, a qualquer tempo, se manifestado no sentido de que o atraso perpetrado pela contratada tornou inútil a prestação dos serviços para aquela Subprefeitura ou que o objeto contratual não lhe interessasse mais.
Houve, isso sim, um atraso substancial no cumprimento de parte do objeto contratual contratado, atraso esse que só não causou prejuízo maior à Administração porque, durante esse período, SP-ST continuou a usar os aparelhos celulares antigos e remanescentes de contrato anterior conseguindo, com isso, ter acesso aos pacotes de minutos e utilizar a franquia de 100 minutos para ligações locais (cf. fls. 101, do PA nº 2009-0.002.015-2).
Dessa forma, parece-me bem apropriada a proposta de aplicação da multa moratória prevista no item 7.1.3, da Ata de RP nº 043/2007-CGBS/DGSS, que determina a aplicação de “multa de 20% sobre o valor da Nota de Empenho por inexecução total da obrigação, que se configura pelo descumprimento da obrigação por prazo superior a 30 dias contados do recebimento da Nota de Empenho ou Ordem de Fornecimento”, à empresa VIVO S/A que, em agosto de 2009, alcançava o valor de R$ 6.457,33.
Quanto a aplicação da penalidade prevista no item 7.1.6, de multa de 1% ao dia sobre o valor da nota de empenho até a data do efetivo cumprimento da obrigação, por problemas constatados e relacionados ao objeto entregue e não substituídos no prazo determinado pela SP-ST, a instrução do presente PA não traz qualquer referência ou comprovação da conduta culposa da empresa contratada nesse evento, muito menos comprovação de sua negativa em substituir o objeto entregue no tempo determinado pela Administração, de forma que, apenas com base em indícios do evento ilícito imputado à empresa contratada, não nos é possível analisar se, na aplicação da punição prevista no item 7.1.6 à empresa em tela, houve ofensa aos princípios da legalidade, proporcionalidade, moralidade e culpabilidade, entre outros.
Em que pese isso, e tratando especificamente da multa moratória prevista no item 7.1.3 da Ata de RP, ainda que a sua redação possa suscitar a dúvida referida na consulta formulada por SMG/CGBS/DGSS.G./AJ de fls. 54, quanto a possibilidade da aplicação de multa por inexecução total do contrato, nos casos em que houve efetivamente a sua execução, mesmo que falha, mister esclarecer, primeiramente, que a demora injustificada na execução da prestação contratual acarreta, como sanção a ser primeiramente cogitada, a aplicação da multa, tal como referido no artigo 86, da Lei nº 8.666/93, condicionada à sua previsão no edital e no contrato. Nesse sentido, aliás, o TJ/SP já decidiu que “se não há previsão da cláusula penal nem no ato convocatório e nem no contrato, não há como exigi-la[1]”.
Os instrumentos convocatórios e contratos trazem, assim, cláusulas de multa aplicáveis de forma cumulativa ou progressiva tão logo se esgote o prazo avençado para o adimplemento da obrigação pelo contratado o que não elide que se promova, também, a rescisão do contrato por ato unilateral da Administração, com fundamento no artigo 78, incisos III, IV e V, da Lei de Licitações.
Nesse sentido, Marçal Justen Filho refere que é usual que o instrumento contratual estabeleça um prazo de tolerância. Esgotado o prazo para o adimplemento, incidirá multa (progressiva ou cumulativa), mas não ocorrerá a rescisão se o particular sanar o defeito dentro de um certo termo. Dentro dele, o adimplemento evita a rescisão e a única sanção cabível será a multa. Se o contrato não dispuser acerca dos prazos para incidência da multa moratória e para rescisão por inadimplemento, caberá à Administração demonstrar que a demora tornou a prestação inútil para ela”.
Esse é, justamente, o mote da multa constante do item 7.1.3 da Ata de RP nº 043/2007-CGBS/DGSS que, ao equiparar o descumprimento da obrigação por prazo superior a 30 dias a uma inexecução total do ajuste para efeitos da multa de 20% sobre o valor total do ajuste, não sinaliza para um descumprimento contratual parcial ou total, mas sim pela demora na entrega do objeto contrato.
Vale dizer, a aplicação da multa moratória a que alude o item 7.1.3 da Ata de RP em comento só se faz devida em ocorrendo o cumprimento tardio da obrigação e em se demonstrando que, apesar da morosidade, esse cumprimento não se tornou inútil à Administração, e independe e nem se confunde, por outro lado, com a aplicação da multa por inexecução contratual total ou parcial.
A previsão de aplicação de multas moratórias no instrumento convocatório e no Edital, com fundamento no artigo 86, da Lei nº 8.666/93, que, em escala, vão se tornando cada vez mais custosas ao contratado infrator de acordo com o tempo de atraso na entrega do bem ou serviço encontra sua razão de existir em princípios como o da reprobabilidade da conduta e da proporcionalidade da penalidade; ou seja, a penalidade a ser imposta deve ser proporcional e compatível com a gravidade da infração cometida pelo contratado.
Por isso, um atraso de 10 dias na entrega do bem ou dos serviços contratados não pode receber uma penalidade igual à que seria aplicável na ocorrência de um atraso de até 30 dias ou, então, superior a esse prazo. De acordo com o tempo de atraso, há um tipo de prejuízo para a Administração mas que, ainda, não justifica a rescisão contratual porque essa seria desproporcional e incompatível com o descumprimento temporal na entrega do objeto.
São penalidades que, quando aplicadas, visam ressarcir os danos causados pela demora na execução do ajuste, com observância dos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade e moralidade inerentes à Administração Pública, encontrando como limites para a sua aplicação, principalmente, a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Por certo, o atraso na entrega do objeto contratado pode ser objeto de imposição de multa moratória, desde que esta vá “até o limite de sua própria substância, de tal modo que não só de nada aproveite a quem o praticar como também perca tudo que envolveu na prática daquele ato[2]".
Passar desse limite significa reverter toda a função que a aplicação de uma multa moratória tem no âmbito de um contrato administrativo - de prevenir ou dissuadir condutas ou impor uma privação de direitos com finalidade repressiva (de castigo), o que nos leva a concluir que, muito antes de se chegar perto desse limite, a Administração tem o dever de verificar se não seria o caso de promover a aplicação de outras sanções, essas sim pelo descumprimento parcial ou total do ajuste, decretando, quiçá, a própria rescisão do contrato, com fulcro no artigo 78, da Lei nº 8.666/93, principalmente frente a constatação de danos ou prejuízos gravosos para a Administração decorrentes da demora no cumprimento contratual, a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, ou mesmo, a declaração de inidoneidade, tal como previstas nos incisos III e IV, do artigo 87, da Lei nº 8.666/93.
Por obvio, a aplicação de multas que acabarão alcançando valores superiores ao do próprio valor do contrato ou a tentativa de minimizá-los depois do fato consumado não é uma saída ou uma situação desejável. Contudo, nesse contexto, considerando que a multa moratória prevista no Edital e na Ata de RP encontra amparo legal e incide em função da constatação do mero inadimplemento da obrigação, refoge ao administrador ou gestor públicos discricionariedade para promover a redução do percentual da multa prevista, ou mesmo a base sobre a qual a mesma deve ser calculada.
Ainda que muitos doutrinadores, como Celso Antonio Bandeira de Melo refiram que “as multas têm que atender ao princípio da proporcionalidade, sem o quê serão inválidas. Além disso, por muito grave que haja sido a infração, as multas não podem ser confiscatórias, isto é, de valor tão elevado que acabem por compor um verdadeiro confisco. Nisso há prazível concórdia tanto na doutrina como na jurisprudência[3]”, certo é que “o princípio constitucional do não-confisco não se reporta às sanções por atos ilícitos ou multas moratórias, pois elemento da estrutura limitativa do Estado ao poder de tributar, de natureza ôntica diversa das multas. O percentual da multa moratória, além disso, tem expressa previsão legal e constitui meio inibitório para que o contribuinte não protraia o pagamento do tributo. (TJ/SP – 7ª C. Dir. Púb., Ap. Cív. s/ rev. nº 312.116-5/8-00, Rel. Des. Nogueira Diefenthaler, julg. 21.08.2006. No mesmo sentido: Ap. Cív s/ Rev. n° 527.887-5/8-00; Ap. Cív s/ Rev. n° 358.099-5/5-00; Ap. Cív. s;/ Rev. nº 272.095.5/0-00; Ap . Cív. s/ Rev; nº 568.104-5/6-00; Ap. Cív. s/ Rev. nº 251.106-5/9-00; Ap. Cív. s/ Rev. nº 352.734-5/0-00[4].
De qualquer forma, o artigo 58, incisos III e IV, da Lei de Licitações possibilita a ampla fiscalização dos contratos administrativos e confirma a prerrogativa dos órgãos públicos de aplicar sanções sempre que observadas inexecuções contratuais. Acerca do tema, ensina Hely Lopes Meirelles que "a aplicação de penalidades contratuais é outra prerrogativa da Administração na execução de seus ajustes (art. 58, IV). Enquanto nos contratos privados nenhuma das partes pode impor diretamente penalidades à outra, nos contratos administrativos a própria Administração valora as infrações e aplica as sanções correspondentes".
Com esse viés, a aplicação de multa moratória de 20% sobre o total do ajuste em função de um atraso de mais de 90 dias na entrega dos aparelhos de telefonia móvel, para um contrato com prazo de vigência de 12 meses, tal como prevista no item 7.1.3 da ata em questão, não me parece que viola o princípio da proibição de excesso, nem mesmo que possa inviabilizar a empresa VIVO S/A do ponto de vista econômico: antes disso, parece-me bem ajustada ao bem jurídico afetado, cumprindo sua função de reprimir a conduta lesiva à Administração e de desestimular a inexecução contratual, além de compensar a Administração por perdas e danos diretos.
Nesse sentido, a decisão proferida pela 17ª Câmara Cível do TJ/RJ merece transcrição:
“CONTRATO ADMINISTRATIVO - CUMPRIMENTO IMPERFEITO CULPOSO - APLICAÇÃO DE MULTA E INABILITAÇÃO TEMPORÁRIA PARA LICITAR COM A ADMINISTRAÇÃO - CONDUTA ADMINISTRATIVA INCENSURÁVEL - O regime administrativo adotado pela dogmática brasileira consagrou as cláusulas exorbitantes do direito comum, das quais constitui espécie a imposição unilateral de penalidade, sendo vedada ao particular a invocação da denominada exceptio non adimplet contractus, regra de ouro dos contratos comutativos, mas de direito privado, não dos contratos públicos. No caso em exame, aplicáveis o princípio da licitação e as regras que lhe são inerentes, ainda que se trate de empresa pública, o que se dá por expressa disposição constitucional (art. 173, § 1º, III, da CF). Qualquer sanção administrativa contratual pressupõe existência do respectivo motivo, que se consubstancia em inadimplemento culposo, pois a demonstração de alguma justificativa plausível pelo particular contratante exclui a punição in fieri. E esta necessidade de justificativa do ato punitivo é respaldada pela regra de contenção de eventual arbítrio do administrador público, sabido que o princípio da proporcionalidade se manifesta na vertente da proibição do arbítrio, que pode ser obviada mediante a realização de uma operação racional que prepara e condiciona o exercício da vontade (administrativa). É sabido que a existência do motivo não comporta apreciação discricionária, todavia a apreciação do conteúdo do motivo deve ser realizada de acordo com a lei quando esta o fixar. Na hipótese em exame, o motivo da punição aplicada encontra-se elencado no art. 86 da Lei nº 8.666/93: atraso injustificado na execução do contrato administrativo, a justificar multa, que não impede a aplicação de outras sanções previstas na lei, dentre as quais a suspensão temporária para licitar. A fundamentação apresentada pela autoridade administrativa infirma a suposta justificação invocada na sentença. A empresa pública agiu ao abrigo da lei de regência, não merecendo seu atuar qualquer censura. Quanto à aplicação da multa em grau máximo (20%) e à suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração, tais medidas restritivas têm previsão legal e são ponderadas pelo administrador em cada caso concreto dentro de uma margem de discricionariedade restrita, que se legitima pela via da fundamentação adequada. Esta fundamentação deve adequar-se aos três elementos que governam o conteúdo do princípio da proporcionalidade e que costumam ser observados de forma sucessiva: pertinência, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, revelando-se a pertinência pela adequação do meio ao fim perseguido, para atender o objetivo escolhido; a necessidade, a seu turno, deve corresponder à dosagem adequada para atender a finalidade da medida; a proporcionalidade em sentido estrito proíbe medidas desproporcionais, ou de uma severidade excessiva. Observados estes parâmetros, averbe-se que a dosimetria máxima aplicada é prevista pela própria lei de licitação, não podendo, portanto, ser acoimada de excessiva; a pertinência visa a assegurar o bom funcionamento do serviço público em ordem a justificar punições para inibir condutas que possam prejudicar essa dinâmica funcional; a proporcionalidade em sentido estrito se vê ajustada pela pertinência e necessidade. Logo, nada justifica a pretendida redução da penalidade administrativa. Provimento ao recurso. (Apelação Cível - Processo nº 2007.001.60111, Des. Edson Vasconcelos, em 27/02/2008).
Portanto, a análise da onerosidade excessiva na aplicação de penalidades administrativas por demora no cumprimento contratual no âmbito da Administração Pública somente poderá se dar na medida em que demonstrada a falta de pertinência, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito na imposição de tais penalidades.
Se, de fato, a empresa contratada deixou de entregar os aparelhos celulares no prazo avençado, ou deixou de substituir no prazo devido os aparelhos entregues que apresentaram defeitos, ou se cobrou por pacotes e serviços de minutos não contratados, a somatória de todas as penalidades previstas no contrato e que possuem base legal para a sua imposição e cobrança, não as torna excessiva ou onerosa. Há nessa ação apenas o cumprimento da sua função de reprimir a conduta lesiva à Administração e de desestimular a inexecução contratual, além de compensar a Administração por perdas e danos diretos. Ainda mais quando não se visualiza na própria redação do rol das penalidades descritas na Ata de RP ou no Contrato dela decorrente uma severidade desproporcional nos distintos percentuais das penalidades ali previstos, ou o não estabelecimento de limitador razoável. Se os valores das multas impostas chegou ao total que chegou, não foi porque o rol de penalidades destoa da realidade ou foge da autorização legislativa existente para tanto, mas sim porque efetivamente houve um descumprimento contratual reiterado e persistente por parte da própria contratada.
Como ensina Celso Antonio Bandeira de Melo, “uma vez identificada a ocorrência da infração administrativa, a autoridade não pode deixar de aplicar a sanção; Com efeito, há um dever de sancionar, e não uma possibilidade discricionária de praticar ou não tal ato[5].”
Pelo exposto, pode-se concluir que:
a) as Unidades Requisitantes que se utilizaram da Ata de RP nº 043/2007-DGSS, ao constatar a mora ou prática das infrações contratuais cometidas pela empresa detentora da Ata, tal como referido no presente, não poderiam ter deixado de adotar as providências tendentes a aplicação das penalidades listadas na sua Cláusula 7ª;
b) esse rol, por sua vez, na sua formatação não deixa transparecer qualquer traço de ofensa aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade no escalonamento que faz da severidade das penalidades contidas desde o seu item 7.1.1 até o item 7.1.9, pautando-se dentro do permitido pelo arcabouço jurídico nessa matéria, em especial pela Lei nº 8.666/93;
c) inaplicável ao caso concreto o princípio constitucional do não confisco, porquanto esse é dirigido aos tributos e não às multas moratórias ou por infrações contratuais;
d) os valores alcançados pela somatória das várias multas impostas pelo cometimento reiterado de infrações pela empresa contratada e que, em tese, podem superar, até mesmo, os valores contratados, não constitui motivo para a mudança da sua base de cálculo, nem mesmo para a configuração de onerosidade superveniente indutora do desequilíbrio econômico-financeiro do ajuste;
e) a onerosidade excessiva na aplicação de penalidades administrativas por demora no cumprimento contratual no âmbito da Administração Pública somente poderá se dar na medida em que demonstrada a falta de pertinência, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito na imposição de tais penalidades.
f) o total dos valores de todas as multas impostas à contratada não deve ser considerado para efeitos de configuração de desproporção entre o valor individual da multa e as circunstâncias de fato que lhe deram ensejo.
São Paulo, 22/11/ 2010.
CECÍLIA MARCELINO REINA
PROCURADORA ASSESSORA - AJC
OAB/SP 81.408
PGM
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De acordo.
São Paulo, 25/11/2010.
LILIANA DE ALMEIDA F. DA S. MARÇAL
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC
OAB/SP n° 94.197
PGM
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processo n° 2010-0.276.083-2
INTERESSADO: SMG-CGBS/DGSS
ASSUNTO: Contrato decorrente da Ata de Registro de Preços nº 43/2007-DGSS – prestação de serviços de telefonia móvel pessoal (SMP), plano digital pós pago, com fornecimento de aparelhos telefônicos móveis em regime de comodato. Aplicação de penalidade por descumprimento contratual. Análise da existência de excessiva onerosidade na sua aplicação.
Cont. Informação n° 2.583/2010-PGM.AJC
SNJ.G
Senhor Secretário,
Encaminho o presente a Vossa Excelência com as conclusões alcançadas pela Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, quanto as dúvidas postas por SMG/AJ.
Acompanham PA’s 2008-0.230.338-9, 2008-0.252.702-3, 2008-0.283.376-0, 2008-0.3131408, 2008-0.314.316-4, 2009-0.100.076-7, 2009-0.100.084-8, 2009-0.132.641-7, 2009-0.157.221-3, 2009-0.192.790-9, 2009-0.221.923-1, 2009-0.251.681-3 e 2009-0.287.044-7.
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São Paulo, / / 2010.
CELSO AUGUSTO COCCARO FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 98.071
PGM
INTERESSADO: SEMPLA
ASSUNTO: Contrato decorrente da Ata de Registro de Preços nº 43/2007- DGSS — prestação de serviços de telefonia móvel pessoal (SMP), plano digital pós pago, com fornecimento de aparelhos telefônicos móveis em regime de comodato. Aplicação de penalidade por descumprimento contratual. Análise da existência de excessiva onerosidade na sua aplicação.
SEMPLA
Senhor Secretário
Encaminho este processo com a manifestação exarada pela Procuradoria Geral do Município às fls.60/73, que acolho, para adoção das providências cabíveis.
Mantidos os acompanhantes relacionados às fls. 73.
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São Paulo, 15/12/2010.
CLÁUDIO LEMBO
Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos
SNJ.G
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo