processo n° 6021.2020/0012117-7
INTERESSADO: PROCED
ASSUNTO: Processo Administrativo de Responsabilização de Pessoa Jurídica - PA n° 2017-0.006.816-0 - Mazetto Sociedade de Advogados - Irregularidades apuradas durante a gestão da Fundação Theatro Municipal de São Paulo por meio da Organização Social Instituto Brasileiro de Gestão Cultural - Ação de improbidade administrativa ajuizada pelo ministério público do estado de São Paulo - Sobreposição de sanções impostas por regimes autônomos de responsabilização.
Informação n° 628/2020-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Procurador Coordenador
Proced, considerando o desfecho de procedimento administrativo conduzido pela Controladoria Geral do Município (CGM), suscita nova e pertinente dúvida relacionada à conveniência do ajuizamento de ação em face do escritório Mazetto Sociedade de Advogados, com base na Lei Federal n° 12.846/13, "visando tanto a publicação da decisão às expensas do escritório condenado quanto a perda dos valores ilicitamente recebidos".
Conforme ponderado, apesar da independência dos regimes de responsabilização (art. 30 da Lei n° 12.846/13), a pretensão relacionada ao perdimento de valores agregados ilicitamente ao patrimônio do escritório foi deduzida pelo Ministério Público na ação de improbidade ora em trâmite perante a 11° Vara da Fazenda Pública (n° 1058019-61.2016.8.26.0053), cujo polo ativo não é integrado pelo Município.
Assim, em resumo "haveria, então, pedido para aplicação de idêntica sanção na hipótese de ajuizamento da ação pelo Município (ressarcimento do prejuízo), ainda que com embasamento na Lei Anticorrupção, atraindo inevitável discussão acerca da existência ou não de bis in idem" (029201359).
Não se verifica, em princípio, óbice jurídico à concomitância de demandas visando, sob fundamentos diversos (Leis 8.429/92 e Lei 12.846/13), a reparação de mesmo danos impostos ao erário por conduta recriminável. O que não se pode tolerar — como aliás sustentado por Proced, e acolhido por esta Coordenadoria, em situação aproveitável na presente hipótese[1] — é que o erário se enriqueça impropriamente à custa do eventual condenado, impondo-lhe indenização dobrada. É certo que, em virtude da novidade do debate, o tema naturalmente está sujeito a divergências. Assim, por exemplo, ao entendimento do Professor Luciano Ferraz, mencionado por Proced, contrapõem-se o de Emerson Garcia e de Landolfo Andrade, abaixo transcritos, não por acaso integrantes do Ministério Público:
"(...) A partir do que foi exposto, é possível afirmar que, ao nos depararmos com uma conduta para a qual concorrem a pessoa jurídica e o agente público, será necessário avaliar o seu possível enquadramento no âmbito da LIA e da LRPJ.
Na maneira como tem sido concebido e estruturado o sistema brasileiro de direito sancionador, podemos extrair dois princípios fundamentais em relação à coexistência de distintas esferas de responsabilização. De acordo com o primeiro, o sistema reconhece a independência entre as instâncias de responsabilização, que podem ser divididas em penal, cível lato sensu (rectius: responsabilização judicial com a aplicação de sanções não penais), cível stricto sensu (rectius: reparação do dano), administrativa e política. No âmbito de cada instância de responsabilização, é vedado o bis in eaden, de modo que, para cada conduta, há de corresponder um único feixe de sanções, salvo, obviamente, se forem distintos os bens jurídicos atingidos e houver distinção de tipologia. Cremos que esses princípios hão de direcionar a coexistência da LPRJ com as demais normas sancionadoras do sistema.
Acresça-se a inviabilidade fática de certas sanções serem executadas mais de uma vez, como é o caso da reparação de danos e da perda de bens. Isso, obviamente, não impede sejam aplicadas em mais de uma relação processual, já que o verdadeiro óbice é o de que sejam executadas mais de uma vez.
Não é demais lembrar que a LRPJ, em sua redação original, dispôs, de maneira expressa, em seu art. 30, que a aplicação das sanções nela revistas "não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I - ato de improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e II - atos ilícitos alcançados pela Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC instituído pela Lei n. 12.462, de 4 de agosto de 2011". (in "A Nova Lei de Responsabilização das Pessoas Jurídicas: Convergências e Divergências com a Lei de Improbidade Administrativa", Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro n° 58, out./dez. 2015, p. 150, destacamos)
"(...) Wallace Paiva Martins Júnior, por exemplo, ao cotejar as Leis 8.429/1992 e 12.846/2013, descarta a possibilidade de aplicação simultânea dos dois diplomas. Para o autor, as diferentes instâncias de responsabilização se excluem: ou há improbidade administrativa decorrente de conduta ilícita de agente público, hipótese em que só incide a LIA, por força do princípio da especialidade, ou há prática de ato lesivo à Administração Pública resultante de comportamento ilícito de pessoa jurídica de direito privado, hipótese só alcançada pela LAE.
Essa solução, conclui Wallace, resolve o problema da semelhança entre algumas sanções previstas nos dois diplomas, caso da multa, do perdimento de bens e da proibição de receber incentivos, fiscais ou creditícios do Poder Público, cuja incidência cumulativa importaria em bis in idem.
Não nos parece ter sido essa a intenção do legislador. Afinal, adotado esse entendimento, no sentido de que os sistemas de responsabilização são excludentes, chegaríamos à seguinte incoerência: se uma empresa fraudar um processo licitatório, sem contar com o auxílio de um agente público, ficará sujeita às severas sanções da LAE, entre as quais merecem destaque a dissolução compulsória, que equivale à pena de morte da pessoa jurídica, e a pena de multa, que pode comprometer até 20% do seu faturamento bruto. Agora, se essa mesma empresa contar com o auxílio de um agente público para fraudar o processo licitatório, o que revela maior reprovabilidade em sua conduta, não será alcançada pelas severas sanções da LAE, a ela se aplicando as sanções da LIA, claramente mais brandas, até mesmo porque concebidas com foco na punição dos agentes públicos.
Definitivamente, a tese da exclusão dos sistemas não é a melhor solução para a superação das aparentes incompatibilidades entre a LIA e a LAE. Muito ao contrário, considerando o escopo da LAE, que busca completar o microssistema de defesa do patrimônio público, entendemos que sua aplicação pode ser concomitante à aplicação da LIA.
Em reforço a essa linha interpretativa, a LAE estabelece que sua aplicação não impede a imposição de cominações decorrentes de atos de improbidade administrativa (art. 30, I). Da mesma forma, A LIA dispõe em seu artigo 12 que a aplicação das sanções nele previstas não exclui a aplicação de outras sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica." (in Diálogo entre a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei de Anticorrupção Empresarial , http://geniuridico.com.br/2020/06/107lei-improbidade-anticorrupcao-empresarial/#edn1 , destacamos)
A jurisprudência não é refratária às conclusões acima reproduzidas, admitindo, não raro, a convivência de procedimentos judiciais autônomos, com causas de pedir próximas inconfundíveis, visando ao ressarcimento do erário oriundo de um mesmo fato[2], com a comunicação entre si dos efeitos de pagamentos que por meio deles se realizem:
Ementa: 1. O Tribunal de Contas tem atribuição fiscalizadora acerca de verbas recebidas do Poder Público, sejam públicas ou privadas (MS n° 21.644/DF), máxime porquanto implícito ao sistema constitucional a aferição da escorreita aplicação de recursos oriundos da União, mercê da interpretação extensiva do inciso II do art. 71 da Lei Fundamental.
2. O art. 71, inciso II, da CRFB/88 eclipsa no seu âmago a fiscalização da Administração Pública e das entidades privadas.
3. É cediço na doutrina pátria que 'o alcance do inciso [II do art. 71] é vasto, de forma a alcançar todos os que detenham, de alguma forma, dinheiro público, sem seu sentido amplo. Não há exceção e a interpretação deve ser a mais abrangente possível, diante do princípio republicano, (...)'. (OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro . 3° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 564).
4. O Decreto n° 200/67, dispõe de há muito que 'quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprego na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes.'.
5. O Tribunal de Contas da União, sem prejuízo de sua atuação secundum constítutíonem, atua com fundamento infraconstitucional, previsto no art. 8° da Lei Orgânica desse órgão fiscalizatório.
6. As instâncias judicial e administrativa não se confundem, razão pela qual a fiscalização do TCU não inibe a propositura da ação civil pública, tanto mais que, consoante informações prestadas pela autoridade coatora, 'na hipótese de ser condenada ao final do processo judicial, bastaria à Impetrante a apresentação dos documentos comprobatórios da quitação do débito na esfera administrativa ou vice-versa.'. Assim, não ocorreria duplo ressarcimento em favor da União pelo mesmo fato. (..)" (MS 26969/DF, rel. Min. Luiz Fux, DJe 11/12/2014, destacamos)
"Apesar da inexistência de omissão, é de se ressaltar que a questão discutida não tem relação com o decidido naqueles autos, porquanto aqui trata-se de ação de ressarcimento em decorrência de responsabilidade civil da instituição financeira, enquanto que no AREsp 701.562 trata-se de existência de dano ao erário no contexto de ação por prática de ato de improbidade administrativa. Tratando-se de esferas de responsabilização diferentes, a civil e a administrativa, não há qualquer contradição no julgamento." STJ, EDcl nos EDcl no AgInt no REsp 1602196 , DJe 24/9/2019)
Nesse contexto, afigura-se prematura a fixação em caráter normativo pela PGM do entendimento de que a tramitação de ação de improbidade inibirá necessariamente o ajuizamento pelo Município de ação fundada na Lei n° 12.846/13 que visaria, em igual medida, obter o ressarcimento dos danos previamente apurados em regular procedimento administrativo de responsabilização de pessoa jurídica.
A recomposição do patrimônio municipal postulada com esse fundamento talvez possa, a depender do caso concreto, efetivar-se mais celeremente que a pretendida sob o ângulo da improbidade. Pode ocorrer que o Município, diante da possibilidade de manejo de ambos os procedimentos, prefira um ao outro, persevere apenas no que eventualmente já estiver em andamento ou entenda por bem cumulá-los, discernindo os casos de modo a emprestar eficiência às medidas de recomposição do erário.
Posto isso, os elementos reunidos na presente hipótese autorizam, salvo melhor juízo, cogitar a propositura de ação em face de Mazzetto Sociedade de Advogados, com fundamento na Lei 12.846/2013, para reaver o valor de R$ 840.000,00 apurados pela CGM (027794141).
O Município não integra o polo ativo da correlata ação de improbidade promovida pelo Ministério Público, cujo andamento tende a se eternizar dada a figuração de dezessete réus no polo passivo, dois deles domiciliados no exterior (Valentim Proczinski e Old and New Montecarlo), e dada a expressão financeira da condenação que se lhes pretende impor solidariamente (R$ 129 milhões) a despeito da particularidade de suas condutas. Passados mais de quatro anos da distribuição da ação, aguarda-se ainda o retorno das cartas rogatórias expedidas em 2019. A independência em relação a essa iniciativa do Ministério Público fortalece as medidas judiciais que o Município venha a adotar isoladamente.
Entretanto, considerando a noticia de que beneficiários dos desvios intermediados pelo referido escritório de advocacia teriam assumido formalmente o compromisso de ressarcir o erário (José Luiz Herência e Willian Nacked), convém que seja verificado previamente se esses danos específicos foram abrangidos no cumprimento de eventual acordo relacionado às irregularidades flagradas na gestão da Fundação Theatro Municipal.
Desse modo, sugiro a restituição do presente a Proced para aprofundamento da instrução antes da deliberação a respeito da conveniência do ajuizamento de ação com base na Lei de Anticorrupção para cobrança judicial dos valores apontados no relatório conclusivo do Processo Administrativo de Responsabilização de Pessoa Jurídica instaurado contra Mazetto Sociedade de Advogados (PA n° 2017-0.006.816-0).
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São Paulo, 13/07/2020
ANTONIO MIGUEL AITH NETO
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP n° 88.619
PGM
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De acordo.
São Paulo, 13/07/2020.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE – AJC
OAB/SP 175.186
PGM
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processo n° 6021.2020/0012117-7
INTERESSADO: PROCED
ASSUNTO: Processo Administrativo de Responsabilização de Pessoa Jurídica - PA n° 2017-0.006.816-0 - Mazetto Sociedade de Advogados - Irregularidades apuradas durante a gestão da Fundação Theatro Municipal de São Paulo por meio da Organização Social Instituto Brasileiro de Gestão Cultural - Ação de improbidade administrativa ajuizada pelo ministério público do estado de São Paulo - Sobreposição de sanções impostas por regimes autônomos de responsabilização
Informação em continuação n° 628/2020-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Sra. Procuradora Geral,
Encaminho-lhe o presente nos termos da manifestação retro desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho.
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São Paulo, 13/07/2020
TIAGO ROSSI
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP 195.910
PGM
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processo n° 6021.2020/0012117-7
INTERESSADO: PROCED
ASSUNTO: Processo Administrativo de Responsabilização de Pessoa Jurídica - PA n° 2017-0.006.816-0 - Mazetto Sociedade de Advogados - Irregularidades apuradas durante a gestão da Fundação Theatro Municipal de São Paulo por meio da Organização Social Instituto Brasileiro de Gestão Cultural - Ação de improbidade administrativa ajuizada pelo ministério público do estado de São Paulo - Sobreposição de sanções impostas por regimes autônomos de responsabilização
Informação em continuação n° 628/2020-PGM.AJC
PROCED
Senhor Diretor,
Com meu acolhimento à manifestação do Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral do Município, restituo-lhe o presente para aprofundamento da instrução, previamente à deliberação sobre a propositura de ação de ressarcimento em face de Mazetto Sociedade de Advogados, fundada na Lei Federal n° 12.846/13.
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São Paulo, 14/07/2020
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 169.314
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo