Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 656/05
OF. ATL nº 114/08
Ref.: Ofício SGP 23 nº 1725/2008
Senhor Presidente
Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 656/05, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 9 de abril de 2008, de autoria do Vereador Russomanno, o qual altera o item 11.2.1 da Seção 11.2 – Aberturas (portas e janelas) do Capítulo 11 – Compartimentos – da Lei nº 11.228, de 25 de junho de 1992 (Código de Obras e Edificações).
Sem embargo do louvável propósito que inspirou seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, sendo indeclinável seu veto total, por ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.
Com o intuito de suprimir barreiras arquitetônicas nos edifícios públicos e privados para permitir percursos acessíveis, que unam a edificação à via pública e aos serviços de uso comum, a propositura fixa a largura mínima de 0,80m (oitenta centímetros) para todas as portas, modificando a redação do item 11.2.1 do Código de Obras e Edificações que, atualmente, assim determina:
“11.2.1 – Com a finalidade de assegurar a circulação de pessoas portadoras de deficiências físicas, as portas situadas nas áreas comuns de circulação, bem como as de ingresso à edificação e às unidades autônomas, terão largura livre mínima de 0,80m (oitenta centímetros)”.
Como se vê, o projeto versa sobre tema vinculado à política pública de ampliação da acessibilidade das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, decorrente do dever constitucional do Estado, por intermédio de seus entes federativos, de cuidar da proteção e garantia desse segmento expressivo da população, previsto no inciso II do artigo 23 da Carta Magna, à luz do qual se erigiu verdadeiro sistema normativo próprio, tanto no âmbito da União quanto do Estado e do Município de São Paulo.
O texto aprovado, entretanto, dispõe sobre questão inteiramente regulada não só pela legislação federal como também municipal, conflitando com o ordenamento vigente.
Na esfera federal, a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabelece as normas gerais e critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, estando regulamentada pelo Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. De acordo com seu artigo 18, “a construção de edificações de uso privado multifamiliar e a construção, ampliação ou reforma de edificações de uso coletivo devem atender aos preceitos da acessibilidade na interligação de todas as partes de uso comum ou abertas ao público, conforme os padrões das normas técnicas de acessibilidade da ABNT”, devendo ser observadas, na promoção da acessibilidade, as regras gerais previstas no citado decreto, complementadas pelas normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e pelas disposições contidas na legislação dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, conforme preconiza seu artigo 14.
Por sua vez, a NBR 9050:2004 da ABNT estipula os critérios e parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade.
Segundo seu item 1.3.1, os espaços, mobiliário, edificações e equipamentos urbanos que vierem a ser projetados, construídos, implantados, reformados ou ampliados devem atender ao disposto na sobredita Norma para serem considerados acessíveis, definindo-se os equipamentos urbanos como “todos os bens públicos e privados, de utilidade pública, destinados à prestação de serviços necessários ao funcionamento da cidade”, nos termos do item 3.17.
Por outro lado, seu item 1.3.3 determina que “as edificações residenciais multifamiliares, condomínios e conjuntos habitacionais devem ser acessíveis em suas áreas de uso comum, sendo facultativa a aplicação do disposto nesta Norma em edificações familiares. As unidades autônomas acessíveis devem ser localizadas em rota acessível”, não necessitando ser acessíveis as entradas e áreas de serviço ou de acesso restrito (v. item 1.3.4).
Por fim, no tocante às condições gerais dos acessos, preceitua, em seu item 6.2, que “nas edificações e equipamentos urbanos todas as entradas devem ser acessíveis, bem como as rotas de interligação às principais funções do edifício”, cujas portas devem ter largura mínima de 0,80m (oitenta centímetros), prevista em seu item 6.9.2.1.
Verifica-se, portanto, que a legislação federal supracitada direciona tais normas aos equipamentos e edificações de uso público ou coletivo e às áreas de uso comum das edificações de uso privado.
Ocorre, porém, que a propositura, nos moldes em que se acha redigida, acaba por estender essa largura mínima a todas as portas, inclusive àquelas que a NBR 9050:2004 dispensa expressamente de sua adoção, consoante acima apontado, alcançando não só as dependências internas das edificações e das habitações residenciais, como até mesmo as entradas e áreas de serviço de uso restrito, excetuadas dessa regra por seus itens 1.3.3, 1.3.4 e 6.2.7.
Resta claro, pois, que, ao atribuir caráter geral à disposição que deve ser observada em situações específicas, a alteração veiculada no texto aprovado excede os limites legais e os critérios técnicos definidos pela legislação federal mencionada e pela NBR 9050:2004, além de impor ônus indevidos e despiciendos, do que deflui também seu descompasso com o interesse público.
Também na esfera municipal, o assunto está normatizado quer pelo Código de Obras e Edificações – cujos termos vigentes de seu item 11.2.1 acham-se em plena conformidade com as normas federais já assinaladas –, quer pela Lei nº11.345, de 14 de abril de 1993, a qual dispõe sobre a adequação das edificações à pessoa portadora de deficiência, integrando ao COE a NBR 9050 da ABNT, bem como suas atualizações e alterações, nos lindes por ela fixados.
Lembre-se, a propósito, que o Decreto nº 45.122, de 12 de agosto de 2004, consolida a regulamentação da matéria, composta pela lei acima referida e por outras relativas aos demais aspectos da acessibilidade.
Por conseguinte, constata-se que a questão focalizada no projeto em apreço encontra-se devidamente disciplinada tanto pela legislação federal quanto municipal, que lhe conferem tratamento normativo próprio, com o qual não se coaduna a propositura, incidindo em ilegalidade e contrariedade ao interesse público.
Ante o exposto, demonstrados os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na sua totalidade, com amparo nas razões ora explicitadas, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando a Vossa Excelência, na oportunidade, meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo