CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 372/2009; OFÍCIO DE 24 de Março de 2010

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 372/09

Ofício ATL nº 44/10

Ref.: Ofício SGP-23 nº 00597/2010

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício em referência, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 24 de fevereiro de 2010, relativa ao Projeto de Lei nº 372/09, de autoria do Vereador Dalton Silvano, que “acresce parágrafo único ao artigo 1º e confere nova redação ao artigo 2º da Lei nº 13.111, de 14 de março de 2001, alterados pela Lei nº 13.719, de 9 de janeiro de 2004”.

A propositura pretende alterar referido diploma legal – que obriga os comerciantes de pilhas, pequenas baterias alcalinas e congêneres, a aceitar, como depositários, esses produtos quando descarregados, quebrados ou inutilizados, para seu posterior recolhimento por seus fabricantes ou revendedores, aos quais incumbe dar-lhes a adequada destinação – visando, em síntese, incluir as lâmpadas fluorescentes no alcance de suas disposições, estabelecendo, ainda, normas relativas à reciclagem e à disposição final desses produtos.

Compartilhando da preocupação com a preservação do meio ambiente e o combate à poluição em todas as suas formas que inspirou a propositura, vejo-me, contudo, compelido a apor-lhe veto total, por força das razões a seguir expendidas.

De início, cabe observar que os Municípios, com fundamento nos preceitos estampados nos incisos I e II do artigo 30 da Constituição Federal, detêm competência para legislar sobre assuntos restritos ao interesse local e para suplementar a legislação federal e estadual, no que couber.

Em primeiro plano, verifica-se que o recolhimento de lâmpadas fluorescentes – e sua consequente reciclagem – é tema que extrapola o interesse local. Ou seja, a proteção ao meio ambiente caracteriza-se pela transterritorialidade, reclamando normas de âmbito nacional, que alcancem e obriguem toda a cadeia produtiva de modo a conferir-lhes plena efetividade. Com efeito, seria pouco eficaz a imposição de recebimento dos descartes de lâmpadas apenas no Município de São Paulo se as legislações dos municípios vizinhos não estabelecessem dever semelhante. Até mesmo poder-se-ia configurar a situação de os comerciantes daqui arcarem com os descartes de produtos adquiridos em outros municípios, ferindo-se os princípios da isonomia e da livre concorrência. Daí se vê que o projeto em comento extravasa a competência municipal para disciplinar o assunto.

De outra parte, com relação à competência suplementar, o entendimento doutrinário é o de que tal competência está jungida ao interesse local (cf. Cretella Jr., José – Comentários à Constituição do Brasil de 1988, vol. IV, Forense, 1991, pág. 1890; Moraes, Alexandre – Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7ª ed., Atlas, pág. 731; e Menezes de Almeida, Fernanda D. – Competências na Constituição de 1988, Atlas, 1991, pág. 168 e ss.). Recai-se, de tal modo, na mesma situação acima exposta, de que a matéria não é restrita ao interesse exclusivo do município.

Ainda que assim não fosse, ou seja, se adotada a interpretação de que a competência legislativa municipal suplementar não está limitada ao interesse local, igualmente não seria possível a subsistência do projeto aprovado. É que não há legislação federal ou estadual que já discipline a obrigatoriedade do recebimento de descartes de lâmpadas fluorescentes, não havendo, portanto, o que ser suplementado.

Tal situação é completamente diferente daquela disciplinada pela lei que se pretende alterar. A Lei nº 13.111, de 2001, ao estipular as obrigações antes mencionadas, nada mais fez do que exercer a competência suplementar decorrente da existência de normas federais sobre a matéria.

De fato, no âmbito federal, a Resolução CONAMA 401/2008 estabelece, entre outras normas, a obrigação de que os estabelecimentos que comercializam pilhas e baterias portáteis, baterias de chumbo-ácido, automotivas e industriais e pilhas e baterias dos sistemas eletroquímicos níquel-cádmio e óxido de mercúrio, bem como a rede de assistência técnica autorizada pelos fabricantes e importadores, recebam dos usuários as pilhas e baterias usadas. Essa resolução não abrange as lâmpadas fluorescentes e não há notícia de lei federal ou de outra resolução do CONAMA que determine a obrigação de os comerciantes receberem os descartes desses produtos.

Observe-se, a propósito, que, no Estado de São Paulo, a Lei nº 12.300, de 2006, que institui a Política Estadual de Resíduos Sólidos, não prevê qualquer obrigação a comerciantes de receberem tais lâmpadas, desconhecendo-se, ademais, a existência de outras normas estaduais que determinem tal providência.

Registre-se, finalmente, a corroborar a afirmativa de que se trata de assunto de âmbito nacional, a existência do Projeto de Lei nº 203/91, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados. Ao criar o regime de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, institui o conceito de logística reversa, definida como “instrumento de desenvolvimento econômico e social, caracterizada por um conjunto de ações, procedimentos e meios, destinados a facilitar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos aos seus geradores para que sejam tratados ou reaproveitados em novos produtos, na forma de novos insumos, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, visando a não geração de rejeitos”.

Tal disciplina alcançará os fabricantes e revendedores de lâmpadas fluorescentes em todo o território nacional, de sorte que, somente então, o Município poderá legislar suplementarmente, se for o caso, de acordo com suas necessidades peculiares de âmbito local.

Deve-se considerar, ainda, a necessidade de edição pelo CONAMA de normas apropriadas sobre o assunto, a exemplo daquela em vigor para as pilhas e congêneres, uma vez que o mercúrio existente nas lâmpadas é metal extremamente tóxico, que requer cuidados especiais, de modo que a disciplina relativa à logística reversa das lâmpadas deve ser objeto de norma técnica específica, a qual defina, com precisão o procedimento para todo o processo de transporte, armazenamento, decomposição, separação, descontaminação e reaproveitamento dos materiais.

Nesse sentido, releva assinalar que o CONAMA retomou os estudos para a regulamentação do assunto, tendo o colegiado dela encarregado já definido as premissas e diretrizes norteadores de seus trabalhos, com o prazo de seis meses para concluir o texto final da resolução pertinente.

Diante disso, constata-se que ainda é prematura a instituição no Município de obrigatoriedade dessa monta, tanto em razão de ainda não ter sido cristalizada em norma federal a responsabilidade pós-consumo pela recepção desses resíduos, quanto pela ausência de norma técnica específica, necessária para disciplinar todos os aspectos envolvidos nesse procedimento de descarte e reciclagem.

Nessas condições, evidenciadas as razões que me levam a vetar integralmente o projeto aprovado, por inconstitucionalidade e ilegalidade, nos termos do § 1º do artigo 42 da lei Orgânica local, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo