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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 372/2007; OFÍCIO DE 8 de Fevereiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 372/07

Ofício ATL nº 45/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 0053/2008

Senhor Presidente

Por meio do ofício acima referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 372/07, de autoria do Vereador Domingos Dissei, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão de 18 de dezembro de 2007.

Em síntese, a mensagem objetiva instituir a Bolsa Universitária, a ser concedida aos servidores públicos municipais concursados e seus dependentes, em instituições privadas de ensino superior que venham a aderir ao programa.

Segundo o texto aprovado, a disponibilização das bolsas dar-se-á por meio da compensação de créditos tributários decorrentes, única e exclusivamente, do montante do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) devido por aquelas entidades educacionais ao Município, em percentual a ser definido pela Secretaria Municipal de Finanças.

Ainda, no caso de concessão de bolsas aos docentes e demais profissionais de educação, prevê a medida que as despesas daí decorrentes deverão ser consideradas para efeito de cômputo do percentual das receitas específicas da Educação, nos termos do artigo 2º, inciso VI, da Lei nº 13.245, de 26 de dezembro de 2001.

Contudo, embora reconhecendo o mérito da propositura, sou compelido a apor-lhe veto total, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município, ante sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir apresentadas.

Desde logo, resta patente que o projeto em relevo colima disciplinar matéria relativa a servidores públicos municipais da Administração Direta, Autárquica e Fundacional, cuja iniciativa das respectivas leis é de competência privativa do Chefe do Executivo.

Essa constatação configura, a toda evidência, invasão, pelo Legislativo, de competência constitucionalmente atribuída ao Executivo em caráter privativo e, pois, vício de iniciativa que ofende o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, tal como insculpido no artigo 2º da Constituição da República.

No que concerne à iniciativa do Executivo para propor as leis acerca de seus servidores, não bastassem a clareza e a objetividade do disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, aplicável por simetria aos demais entes federativos, conforme, aliás, acha-se consignado no artigo 37, inciso III, da Lei Maior Local, a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal encontra-se permeada por numerosas decisões a respeito do tema, como é o caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade processada nos autos nº 2.731-ES, com ementa assim redigida:

“Ementa: Constitucional. Servidor Público. Processo Legislativo. Iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. C.F., art. 61, § 1º, II, “c”. Iniciativa legislativa reservada a outro Poder: Princípio da Separação dos Poderes. C.F., art. 2º.

I – As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

II – Leis que disponham sobre servidores públicos são de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (C.F., art. 61, § 1º, II, “a”, “c” e “b”), à Câmara dos Deputados (C.F., art. 51, IV), ao Senado Federal (C.F., art. 52, XIII), ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça (C.F., art. 96, II, “b”).

III – Lei de iniciativa reservada a outro poder: não observância: ofensa ao princípio da separação dos poderes (C.F., art. 2º).

IV – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.”

Esclarecedor é o pronunciamento do então Ministro Carlos Velloso, proferido no v. Acórdão da supracitada ADI nº 2.731-ES:

“A lei objeto da causa padece, na verdade, do vício de inconstitucionalidade formal, porque, dispondo a respeito de servidores públicos, seu afastamento facultativo e remunerado, para atender entidade cooperativa singular e de grau superior, somente poderia ser proposta pelo Chefe do Executivo: C.F., art. 61, § 1º, II, c. Essa disposição constitucional e as demais que dizem respeito a servidores públicos, disciplinadoras do processo legislativo, são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios, conforme é da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: ADI 2.434-MC/AP, Ministro Sepúlveda Pertence, “D.J.” de 10.8.2001; ADI 1.279-MC/PE, Ministro Maurício Corrêa, “D.J.” de 15.12.1995; ADI 2.239-MC/SP, Ministro Ilmar Galvão, “D.J.” de 15.12.2000; ADI 546/DF, Ministro Moreira Alves, “D.J.” de 14.4.2000; ADI 2.408-MC/ES, Ministro Moreira Alves, “D.J.” de 09.11.2001; ADI 550/MT, Ministro Ilmar Galvão, “D.J.” de 18.10.2002; ADI 645/DF, Ministro Ilmar Galvão, “D.J.” de 13.12.1996; ADI 227/RJ, Ministro Maurício Corrêa, RTJ 177/1.013”. (J. 20.3.2003 – D.J. de 25.4.2003).

No mesmo sentido foi a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 13.294, de 14 de janeiro de 2002, do Município de São Paulo, de cujo v. Acórdão destaca-se, por elucidativo, o seguinte trecho:

“A Lei nº 13.294, de 14 de janeiro de 2002, do Município de São Paulo, que acrescentou parágrafos ao art. 12 da Lei Municipal nº 10.224/86, disciplinando as atividades da carreira de agentes vistores, arquitetos e engenheiros, ressente-se, efetivamente, de inconstitucionalidade.

Decorreu ela de iniciativa parlamentar, tratando de tema afeto à criação de funções e à fixação de deveres de servidores municipais, ou seja, de agentes vistores, arquitetos e engenheiros, relativos às atividades fiscais ligadas a licenças de localização, instalação e funcionamento de obras particulares e verificação da regularidade de edificações. Contém, portanto, vício de iniciativa, pois usurpou atribuições pertinentes a atividades próprias do Poder Executivo, relativas ao planejamento, regulamentação e gerenciamento dos serviços públicos municipais, ou seja, violou o princípio da independência e harmonia dos poderes e provocou invasão da competência do Executivo, pelo Legislativo, uma vez que a matéria nela tratada está entre aquelas que são da iniciativa exclusiva do Chefe daquele Poder, a quem incumbe exercer, com exclusividade, a direção superior da Administração.

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Assim se decidiu na ADIN nº 805-6 – RS: “A cláusula de reserva pertinente ao poder de instauração do processo legislativo traduz postulado constitucional de observância compulsória, cujo desrespeito – precisamente por envolver usurpação de uma prerrogativa não compartilhada – configura vício juridicamente insanável. A natureza especial que assume a cláusula referente à iniciativa reservada das leis caracteriza, em nosso sistema de direito, derrogação que excepciona o princípio geral da legitimação concorrente para a instauração do processo de formação das espécies legislativas”. (ADIN nº 111.859-0/4 – Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – votação unânime – Relator Des. Sousa Lima – J. 9.3.2005).

Já no que diz respeito à iniciativa privativa do Chefe do Executivo para iniciar o processo legislativo em matéria orçamentária, cumpre asseverar que tal prerrogativa decorre das normas previstas no artigo 165 da Constituição da República e, no caso do Município de São Paulo, nos artigos 37, § 2º, inciso IV, e 70, inciso VI, ambos de sua Lei Orgânica. A par disso, a medida desatende o disposto no artigo 13, inciso III, também da Lei Maior Local, que confere competência ao Legislativo apenas para autorizar isenções, anistias fiscais e remissão de dívidas, mas não para instituí-las.

Ademais, a compensação de créditos tributários prevista no projeto de lei configura incentivo fiscal do qual resulta renúncia de receitas, inserindo-se no rol dos instrumentos de planejamento das finanças públicas para a implantação e o desenvolvimento das políticas públicas, daí por que a iniciativa de leis relativas a essa matéria cabe tão-só ao Executivo, a quem compete a formulação e a implementação da política governamental.

Lapidar, a esse propósito, o ensinamento do emérito Professor Roque Antonio Carrazza, que ensina, com toda a clareza, que, em matéria tributária, a iniciativa das leis é ampla. Porém, esse raciocínio não se aplica às leis tributárias benéficas, que compreendem todas aquelas que acarretam diminuição de receita – como as instituidoras de isenções, anistias e parcelamento de débito, dentre outras – que continuam a ser de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Presidente, Governador ou Prefeito), em virtude de somente tal autoridade reunir condições objetivas para aquilatar os efeitos de leis desse tipo nas finanças públicas sob sua guarda e responsabilidade. Como assevera referido autor, “daí nossa conclusão de que a Constituição Federal fechou as portas da iniciativa das leis tributárias benéficas, seja para o Legislativo, seja para os cidadãos. (...). Desatendida essa exclusividade, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.” (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 20ª edição, Malheiros Editores, 2004, p. 290 e seguintes).

Nesse sentido, igualmente o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Vale dizer, toda renúncia fiscal, que implica necessariamente em redução da receita tributária, só pode ser concedida por lei, de iniciativa do Poder Executivo. A solução encontrada pelo legislador constituinte é sábia, porque, de um lado, impede o Poder Executivo de fazer benesses, mediante simples atos administrativos, ou decretos, exigindo, para outorga de benefícios fiscais, a edição de lei, o que submete a matéria ao exame do Legislativo. De outro, ao prever a reserva da iniciativa da lei ao Chefe do Poder Executivo, obsta que o Poder Legislativo, por vontade própria, aprove lei criando benefícios fiscais, em detrimento da receita do ente público, acarretando dificuldades, quando não inviabilizando, à continuidade dos serviços e obras públicos.” (ADIN nº 055.219-0/7-00, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. em 15.03.2000).

Por outro lado, impende observar que a mensagem aprovada está em desacordo com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a qual determina, expressamente, em seu artigo 14, que qualquer renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, além da demonstração de ter sido considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária Anual e de que não afetará as metas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Alternativamente, de acordo com o mesmo dispositivo legal, a propositura que conceder ou ampliar incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá demonstrar que essa renúncia será compensada pelo aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação de base de cálculo, aumento ou criação de tributo ou contribuição. Nesse caso, o ato que acarrete renúncia somente entrará em vigor quando estiver assegurada a compensação pelo aumento de receita, devendo a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual conter demonstrativo da estimativa e das medidas de compensação da renúncia de receita.

Da mesma forma, a Lei nº 14.473, de 11 de julho de 2007, que dispõe sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 2008, estabelece, em seu artigo 24, que os projetos de lei de concessão de anistia, remissão, subsídio, crédito resumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que impliquem redução discriminada de tributos ou contribuições e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado, deverão atender ao disposto no artigo 14 da Lei Complementar Federal nº 101, de 2000, devendo ser instruídos com demonstrativo evidenciando que não serão afetadas as metas de resultado nominal e primário.

Evidentemente, no caso da mensagem aprovada, nenhuma dessas exigências foi cumprida.

Ao contrário, o texto em exame sequer estabelece no seu bojo, de modo expresso e preciso, as condições e os limites que possibilitem o controle da quantidade de bolsas a serem concedidas e, por via de conseqüência, do montante de créditos tributários do ISS a serem compensados, matéria essa que, por ser de reserva legal, afigura-se descabida sua regulação pela Secretaria Municipal de Finanças, consoante preceituado no artigo 3º da medida.

Relativamente à possibilidade dos custos com as bolsas de estudos, no caso dos docentes e demais profissionais de educação, serem computados no percentual das receitas destinadas à Educação de acordo com a Lei nº 13.245, de 2001, é de se registrar que o aperfeiçoamento e a capacitação desses servidores já são objeto de programas específicos no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, não sendo necessária nova normatização a respeito do assunto, sob pena de inconveniente turbação das diretrizes atualmente observadas para o setor.

Não menos importante é destacar que o artigo 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzido pela Emenda Constitucional nº 37, de 12 de junho de 2002, é categórico ao estabelecer que, enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do artigo 156 da Constituição Federal, o ISS não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima de 2%, mandamento esse hoje já inteiramente atendido pelo Município de São Paulo.

Em arremate, bom é também esclarecer que o artigo 25 da Lei nº 13.476, de 30 de dezembro de 2002, regulamentado pelo Decreto nº 44.022, de 22 de outubro de 2003, já isenta parcialmente do ISS, inclusive de maneira mais democrática, os prestadores de serviço de ensino, instrução, treinamento, avaliação de conhecimentos, de qualquer grau ou natureza, que ministrem cursos de graduação e seqüenciais e ofertem, a título gratuito, vagas a munícipes selecionados pela Secretaria Municipal de Educação.

Pelo exposto, ante as razões apontadas, veto integralmente a medida aprovada, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

PrefeitoAo

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo