Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 306/11
Ofício ATL nº 64/12
Ref.: OF-SGP23 nº 1861/2012
Senhor Presidente
Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia de lei decretada por essa Egrégia Câmara, nos termos do inciso I do artigo 84 de seu Regimento Interno, relativa ao Projeto de Lei nº 306/11, de autoria do Vereador Attila Russomanno, que dispõe sobre a obrigatoriedade da disposição das mesas de bares e restaurantes, de forma a manter corredor de passagem, facilitando o acesso de pessoas deficientes e obesas aos sanitários, no Município de São Paulo.
De acordo com a justificativa apresentada, a propositura objetiva obrigar os bares e restaurantes a destinarem corredor de passagem para facilitar o acesso de seus frequentadores aos banheiros, mormente das pessoas com deficiência e obesas, em virtude de vários desses estabelecimentos, a despeito de todas as normas protecionistas e asseguradoras vigentes, manterem espaço diminuto entre suas mesas, impedindo sobremaneira a locomoção adequada e a livre circulação em seu interior.
Sem embargo de seu meritório propósito, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, nos termos das considerações a seguir aduzidas.
O projeto aprovado determina aos bares e restaurantes que disponham suas mesas de forma a manterem corredor de passagem com a distância mínima de 1,10m (um metro e dez centímetros) de largura, devendo se adequar no prazo de 3 anos, sob pena de advertência e multa diária no valor de R$ 300,00.
Desde logo, observa-se que a propositura legisla sobre matéria já regida pela Norma NBR 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, organismo de normalização no Brasil, ao qual compete coordenar, orientar e supervisionar o processo de elaboração de normas técnicas brasileiras.
A Norma NBR 9050 define os critérios e parâmetros técnicos a serem observados no projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade, inclusive das pessoas com mobilidade reduzida, cujo conceito compreende tanto as pessoas com deficiência, quanto os idosos, obesos e gestantes, dentre outros.
Referida norma atende, ainda, a padrões de desenho universal, que devem ser observados em novos projetos e construções, bem como em ampliações ou reformas de edifícios públicos e privados destinados ao uso coletivo, ou de áreas comuns de circulação, sendo adotada como referência e regramento técnico pela legislação federal, estadual e municipal, incluídos o Código de Obras e Edificações do Município e o Decreto Federal nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que regulamenta a legislação federal referente à acessibilidade.
Ocorre, todavia, que a NBR 9050 confere ao assunto tratamento diverso daquele instituído pelo texto vindo à sanção.
Com efeito, enquanto o projeto em comento adota a medida única de 1,10m, a NBR 9050 preconiza, em seu item 6.9.1.1, que os corredores em edificações e equipamentos urbanos devem ser dimensionados de acordo com o fluxo de pessoas e a distância a ser percorrida, definindo, para tanto, quatro larguras mínimas diferentes, aplicáveis às hipóteses previstas em suas alíneas “a” a “d”, estipuladas em 0,90m (noventa centímetros) para corredores de uso comum com extensão de até 4,00m (quatro metros) e acima de 1,50m (um metro e cinquenta centímetros) para locais com grande fluxo de pessoas.
Demais disso, a supracitada Norma Técnica estabelece, em seu item 8.2.3, que restaurantes, refeitórios, bares e similares devem ter, pelo menos, 5% (cinco por cento) do total de mesas, com, no mínimo, uma, acessíveis a pessoas cadeirantes, localizadas junto às rotas acessíveis e, preferencialmente, distribuídas por todo o espaço, de forma a estar integradas às demais e em locais onde sejam oferecidos todas as comodidades e serviços disponíveis no estabelecimento, garantindo, ainda, uma faixa livre de circulação de 0,90m (noventa centímetros), nos termos de seu item 9.3.3.3.
Como se vê, o projeto aprovado não se coaduna com o regramento federal, vez que institui exigência em desacordo com a disciplina sistemática que a NBR 9050 dispensa à matéria, contemplando um conjunto harmônico de normas, baseadas em estudos técnicos desenvolvidos ao longo dos anos e atualizados permanentemente, as quais devem ser aplicadas de forma conjugada, a fim de propiciar condições de acessibilidade autônoma adequada e segura.
Por outro lado, no âmbito municipal, releva destacar que a sobredita NBR 9050 foi integrada expressamente pela Lei nº 11.345, de 14 de abril de 1993, ao Código de Obras e Edificações do Município, o qual, como se sabe, é a lei maior que estabelece as disposições construtivas das edificações e de instalação de equipamentos considerados essenciais à circulação e à segurança de seus ocupantes.
Além disso, a mencionada lei, que dispõe sobre a adequação dos edificicios à pessoa com deficiência, estabelece também, em seu artigo 2º, as edificações que devem obedecer tais normas, quais sejam, os locais de reunião com mais de 100 pessoas – que abrangem restaurantes, lanchonetes e congêneres, nos termos do artigo 2º, inciso II, alínea “g”, do Decreto nº 45.122, de 12 de agosto de 2004, que consolida a regulamentação das leis atinentes à acessibilidade – e qualquer outro uso com mais de 600 pessoas.
Portanto, nos termos da legislação municipal vigente, apenas os restaurantes, bares, lanchonetes e congêneres que comportem mais de 100 pessoas estão sujeitos a se adaptar às normas em questão, haja vista que os estabelecimentos de menor porte, instalados geralmente em imóveis de dimensões limitadas, não dispõem de espaço físico e de condições materiais para tais adequações, sob pena de inviabilizar o exercício da própria atividade econômica, em prejuízo da livre iniciativa.
A propósito, como observa a Procuradoria Geral do Município, a lei deve sempre ater-se ao princípio da razoabilidade, não havendo como exigir o impossível.
Assim, a propositura contraria não só o regramento federal que rege a matéria, como também a normatização municipal aplicável, vez que, ao impor a medida, indistintamente, a todos os restaurantes e bares, acaba por atingir aqueles que, com fundamento no Código de Obras e Edificações, não estão a ela obrigados, incidindo, pois, em inconstitucionalidade e ilegalidade.
Finalmente cabe ponderar que a fixação, por leis esparsas, de regras isoladas e divergentes das medidas e padrões universais adotados pelas normas técnicas brasileiras acaba por suscitar dúvidas quanto a seu cumprimento, ante seu teor contraditório, o que, a toda evidência, não consulta ao interesse público.
Por todo o exposto, na conformidade das razões ora expostas, explicitando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, não obstante seu louvável intuito, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
JOSÉ POLICE NETO
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo