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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 81 de 20 de Janeiro de 2017

Informação n° 0081/2017-PGM.AJC
Proposta de celebração de acordo de cooperação para realização do evento Campus Party. Disponibilização do espaço pelo Município. Singularidade do objeto. Hipótese de inexigibilidade de chamamento público, nos termos do art. 31 da Lei federal n° 13.019/14.

TID 16027675

INTERESSADO: SECRETARIA DE INOVAÇAO E TECNOLOGIA 

ASSUNTO: Proposta de celebração de acordo de cooperação para realização do evento Campus Party. Disponibilização do espaço pelo Município. Singularidade do objeto. Hipótese de inexigibilidade de chamamento público, nos termos do art. 31 da Lei federal n° 13.019/14.

Informação n° 0081/2017-PGM.AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhor Procurador Assessor Chefe

Trata-se de consulta, formulada pela pasta interessada, acerca da configuração, no caso mencionado, da hipótese de inexigibilidade de chamamento público prevista no caput do art. 31 da Lei federal n° 13.019/14.

Em suma, a Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia pretende apoiar a realização do evento CAMPUS PARTY na cidade de São Paulo neste ano de 2017, por meio (unicamente) da disponibilização do espaço onde será realizado, nos termos da minuta de acordo de cooperação que instrui este expediente. Em contrapartida, a entidade civil que promove o evento terá as obrigações também previstas na referida minuta.

Diante da entrada em vigor, para os Municípios, do regime legal previsto na Lei federal n° 13.019/14, em especial da regra prevista no art. 29 do referido Estatuto1, foi solicitado parecer jurídico acerca do processo de parceria, em especial quanto à caracterização ou não de hipótese de inexigibilidade para a sua celebração.

A d. assessoria jurídica de SMIT se manifestou, no parecer que inaugura este expediente, no sentido de caracterização da singularidade do objeto, o que configura, portanto, hipótese de inexigibilidade, nos termos do art. 31 da Lei federal n° 13.019/14. Considerando abalizada doutrina sobre o tema, SMIT/AJ pondera haver elementos suficientes que induzem à unicidade do objeto da parceria, inviabilizando qualquer competição, como: o fato da Campus Party constar, em decorrência de lei municipal, do calendário oficial de eventos da Cidade de São Paulo (Lei n° 16.455/16); informações no sentido de que o evento é o maior evento de tecnologia e cultura digital do mundo; reconhecimento internacional, marcado por parceria com a ONU (PNUD); e detenção, exclusiva, pelo Instituto Campus Party do Brasil, do uso da marca e da possibilidade de realizar tal evento.

É o relato do necessário.

Colocamo-nos de acordo com a manifestação de SMIT/AJ.

De início, importa ressaltar que a Lei federal n° 13.019/14 passou a prever o chamamento público como procedimento prévio necessário para a celebração de grande parte das parcerias entre o Estado e organizações da sociedade civil. A princípio, quando da publicação da lei, tal procedimento apenas era previsto para a celebração dos termos de fomento ou de colaboração, os quais envolvem a transferência de recursos financeiros do ente público para a entidade privada2. Em 2015, entretanto, a Lei federal n° 13.204/15, que modificou sensivelmente o diploma legal de 2014, introduziu alteração no art. 29, que passou a prever a realização de chamamento público também para a celebração de acordos de cooperação quando o objeto envolver a celebração de comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso patrimonial - como parece ser o caso, na medida em que o Município irá disponibilizar o espaço para a realização do evento.

A mesma lei que prevê a regra do chamamento também contempla hipóteses de dispensa e inexigibilidade. Interessa-nos especificamente o caput do art. 31, verbis: "Será considerado inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto da parceria ou se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica, especialmente quando: (...)".

Vê-se que o diploma legal alude à "natureza singular do objeto", tomando uma noção - a de 'singularidade' - que já era prevista na Lei federal n° 8.666/93, mais especificamente no art. 25, inc. II, que alude à inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos especializados de natureza singular. Considerando que existe parca doutrina a respeito da Lei federal n° 13.019, ao mesmo tempo em que sobejam ensinamentos sobre a Lei federal n° 8.666, e considerando que, segundo nos parece, a noção de objeto singular não se modifica em função do instrumento que irá formalizar a parceria (se termo de fomento, colaboração, acordo de cooperação, ou contrato), podemos nos aproveitar das lições (acerca de tal conceito) difundidas por comentadores das hipóteses de inexigibilidade trazidas pela Lei federal n° 8.666/93.

Assim, conforme doutrina de Marçal Justen Filho, reproduzida na manifestação inaugural, "objeto singular é aquele que poderia ser qualificado como infungível, para valer-se de categoria da Teoria Geral do Direito. São infungíveis os objetos que não podem ser substituídos por outros de mesma espécie, qualidade e quantidade. Um objeto singular se caracteriza quando a sua identidade específica é relevante para a Administração Pública, sendo impossível a sua substituição por equivalentes"(g.n.)3.

Para Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, "singular é a característica do objeto que o individualiza, distingue dos demais. É a presença de um atributo incomum na espécie, diferenciador. A singularidade não está associada a noção de preço, de dimensões, de localidade, de cor ou forma" (g-n.)4.

Segundo Mareio Cammarosano:

"Para que seja viável uma competição é imprescindível, do ponto de vista lógico mesmo, que haja pluralidade de objetos e pluralidade de ofertantes. Se o objeto pretendido for único, ou se apenas uma pessoa, física ou jurídica, puder atender a Administração Pública, a inviabilidade de competição é manifesta. Tem-se aí singularidade absoluta, do objeto ou do prestador, singularidade essa que também pode decorrer de um fato, evento ou circunstância por força da qual um bem, semelhante a outros, passa a ser único, como uma caneta com a qual um personagem histórico tenha assinado um documento importantíssimo. Mas é de reconhecer também a inviabilidade de competição quando o que a Administração pretenda, não obstante seja do tipo que uma pluralidade de pessoas possa em tese prestar, é algo que necessariamente se apresentará consubstanciando peculiaridades de relevo, singularizantes, consoante o contratado seja A, B, ou C. Peculiaridades de relevo, singularizantes, decorrentes do estilo, da criatividade, da orientação pessoal indissociável de quem, executando um contrato, cumprirá a obrigação assumida necessariamente a seu modo, em rigor incotejável pela impossibilidade de estabelecimento prévio de parâmetros objetivos de comparação hábeis á antecipada identificação de qual haveria de ser considerada a melhor forma de se obter, a final, no futuro, a plena satisfação do objeto do contrato, em razão mesmo de sua natureza." (g.n.)5

O caso em análise, considerando a instrução do expediente, parece se amoldar a qualquer dos conceitos de singularidade apontados - aliás, muito próximos entre si.

Obviamente, são diversos os eventos de tecnologia e promoção da cultura digital realizados regular ou esporadicamente no Brasil e no mundo, com diversos tamanhos, organizados de diversas formas, e com diferentes objetivos específicos. O evento apontado neste expediente (a Campus Party), portanto, está longe de ser o único evento de tecnologia. Porém, dentro da constelação dos eventos com foco no meio digital, ele parece se destacar por ser o maior do tipo no mundo, como colocado por SMIT/CCCD. Ainda de acordo com a manifestação do órgão técnico da pasta interessada, além de ser o maior do mundo, trata-se de um evento global, realizado em diversos países, o que lhe confere um alcance e repercussão sem igual e possibilita a vinda de palestrantes renomados, como ocorreu em anos anteriores. Cuida-se, portanto, de um modelo de evento de indubitável sucesso, replicado em diversos lugares, e que vem sendo realizado em São Paulo desde 2008, tendo sido alçado ao calendário oficial de São Paulo em 2016 - o que evidencia a sua relevância para a cidade.

Ademais, o seu modelo e estrutura são peculiares, tanto em função do tempo do evento, como de outras características especiais, como a possibilidade de nele acampar, de interação entre as pessoas nos meios físico e digital, da existência de espaço para as Startups buscarem talentos e investimentos, de organização por conteúdo, e de desenvolvimento de soluções tecnológicas de desenvolvimento sustentável, em parceria com a ONU, etc.. Enfim, trata-se de um modelo próprio que, ainda que possa ser eventualmente replicado por outras organizações, não alcançaria a amplitude do evento em questão.

O fato de ter sido inserido no calendário oficial da cidade, ao lado de eventos como o Carnaval, a maratona de São Silvestre e a Fórmula 1, é emblemático da sua singularidade. Assim como, para a Cidade de São Paulo, não interessa a atração de uma corrida de veículos qualquer, mas interessa a atração da Fórmula 1, em razão da sua dimensão e repercussão, também pode não interessar a realização de um evento de tecnologia qualquer, mas pode importar a atração da Campus Party. Da mesma forma que seria inviável -impensável, aliás - a realização de chamamento público para celebração de parceria com a organização da Fórmula 1 para a realização do Grande Prêmio no Brasil, tampouco soa pertinente a realização de chamamento no presente caso, dadas as características especiais do evento, características estas que justamente atraem o interesse do ente público na sua atração e promoção.

Obviamente, a singularidade de um evento - ou de um objeto qualquer - não significa que o Poder Público terá interesse ou condições de promovê-lo e apoiá-lo. Isso dependerá de uma análise de conveniência e oportunidade pelo gestor público. Grandes e notórios eventos esportivos, de música, ou feiras de arte e cultura podem ou não demandar apoio estatal. A questão do mérito do apoio, ou da capacidade do Estado em apoiá-lo não tem, portanto, relação com a singularidade do evento. Mas, caso o gestor público decida, justificadamente, pelo apoio estatal, dado o interesse público municipal na sua realização na cidade, a natureza singular será relevante para verificação da viabilidade do chamamento público, caso seja justamente esta singularidade o que é perseguido pelo Poder Público.

Em suma, diante da instrução do presente, em especial a manifestação de SMIT/CCCD e o plano de trabalho apresentado, e considerando o acima exposto, parece-nos que o objeto da parceria que se deseja entabular enquadra-se no caput do art. 31 da Lei 13.019/14.

Sub censura.

 

São Paulo, 20/01/2017

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor-AJC

OAB/SP n° 227.775

PGM


De acordo.

São Paulo, 20/01/2017.

TIAGO ROSSI

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP nº 195.910

PGM

 

 1 Art. 29. Os termos de colaboração ou de fomento que envolvam recursos decorrentes de emendas parlamentares às leis orçamentárias anuais e os acordos de cooperação serão celebrados sem chamamento público, exceto, em relação aos acordos de cooperação, quando o objeto envolver a celebração de comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso patrimonial, hipótese em que o respectivo chamamento público observará o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei n° 13.204, de 2015)

2 O art. 24 da Lei 13.019/14, mesmo após as alterações promovidas pela Lei 13.204/15, manteve redação que dá a entender que o chamamento se restringiria às parcerias formalizadas mediante termo de colaboração ou de fomento: "Art. 24. Exceto nas hipóteses previstas nesta Lei, a celebração de termo de colaboração ou de fomento será precedida de chamamento público voltado a selecionar organizações da sociedade civil que tornem mais eficaz a execução do objeto".

3 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 10a Ed. São Paulo: RT, 2016.

4 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A inexigibilidade de licitação e a notória especialização. Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 5, n. 53, maio 2006.
5 Inexigibilidade de licitação - Conceito e preconceito. Fórum de Contratação e Gestão Pública -FCGP, Belo Horizonte, ano 15, n. 170, fev. 2016.

 

 

TID 16027675

INTERESSADO: SECRETARIA DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA

ASSUNTO : Proposta de celebração de acordo de cooperação para realização do evento Campus Party. Disponibilização do espaço pelo Município. Singularidade do objeto. Hipótese de inexigibilidade de chamamento público, nos termos do art. 31 da Lei federal n° 13.019/14.

Cont. da Informação n° 81/2017-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA

Senhor Secretário

Encaminho a Vossa Excelência a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que endosso, no sentido de que, considerados os elementos que instruem este expediente, em especial a manifestação de SMIT/CCCD, o objeto da parceria em questão ostenta natureza singular, o que configura, nos termos do art. 31 da Lei federal n° 13.019/14, hipótese de inexigibilidade de chamamento público.

 

São Paulo, 20 /01/2017.

RICARDO FERRARI NOGUEIRA

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP n° 175.805

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo