CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 68 de 18 de Janeiro de 2018

Informação nº 68/2018 - PGM-AJC
Projeto de Lei n. 87/17 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de implantação de creches em todos os polos geradores de tráfego e dá outras providências.

TID n. 17314133

INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal - Assessoria Técnico Legislativa

ASSUNTO: Projeto de Lei n. 87/17 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de implantação de creches em todos os polos geradores de tráfego e dá outras providências.

Informação n. 68/2018 - PGM-AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

Tendo a Câmara Municipal aprovado o Projeto de Lei n. 87/17, o qual agora aguarda deliberação do Senhor Prefeito quanto à sua sanção ou veto, SGM-ATL solicita manifestação a respeito do texto, em todos os seus aspectos.

É o breve relato.

Sem questionar os propósitos que nortearam o mérito da proposta, o fato é que não parece aceitável, sob a perspectiva jurídico-formal, seja sancionado o projeto de lei em questão, tendo em vista que ele extrapola a competência do Município para disciplinar a matéria e conflita com o princípio da livre iniciativa.

Com efeito, conforme tem sido observado por esta Procuradoria Geral, devem ser considerados inconstitucionais os projetos de lei que impõem obrigações indevidas à iniciativa privada no âmbito da atuação econômico-empresarial, impondo-lhe custos excessivos ou condicionamentos que não se relacionem ao interesse local (cf. Informação n. 1.274/2014 e Informação n. 1.171/2012-PGM.AJC).

No caso em exame, o exercício da atividade edilícia e empresarial ficaria condicionado à execução de um serviço que a própria Constituição incumbe ao Estado - ao dispor que é dever deste garantir educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade (art. 208, IV, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 53/06). Existiria, no caso, um desempenho forçado de um serviço público por parte do empresário, sem nenhum fundamento relacionado ao interesse local.

Haveria, por certo, uma razão para a exigência de implantação de creches por parte dos empresários, mas essa razão não estaria restrita ao interesse local. Seria o fato de que é o ônus de deixar a criança em uma creche decorre do próprio vínculo laboral. Nesse sentido, seria legítimo impor ao empregador que oferecesse meios para atender à necessidade que ele próprio gerou. No entanto, trata-se de matéria relativa ao direito do trabalho, que está na órbita legislativa federal (art. 22, I).

Aliás, nos termos dessa competência, existe regra específica, editada pela União, no tocante ao dever de prover creches. É o que consta da Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 389 - Toda empresa é obrigada:(...)

§ 1º - Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação.

§ 2º - A exigência do § 1º poderá ser suprida por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais.

Diante de tal dispositivo, na melhor das hipóteses, poderia ser considerada a possibilidade de que o Município complementasse tal regime, à luz das peculiaridades locais. Todavia, isso tampouco se mostra possível, pois se uma determinada matéria já é regulada por lei federal, tendo sido editada, pois, no âmbito da competência correspondente, não pode o Município pretender dispor de modo diverso sobre o mesmo tema. O assunto já foi objeto de análise por esta Procuradoria Geral, no âmbito do parecer ementado sob o n. 11.653, ocasião em que assim se consignou:

É certo que ao Município é facultado legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da CR) ou suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, II, da CR). Existem, todavia, limites ao exercício dessa competência: a norma municipal deve ser compatível com as normas federais e estaduais, não podendo ampliá-las, restringi-las ou contrariá-las, sob pena de ofensa ao princípio federativo. Além disso, a lei municipal deve exteriorizar não uma inovação, mas antes um ajuste das normas das outras esferas às peculiaridades locais.

Esse é o entendimento que vem sendo adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado, em sede de controle concentrado de constitucionalidade:

"O exame da lei acoimada de inconstitucional leva à conclusão de que houve ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual, pois que a proteção ao deficiente ou ao idoso não constitui matéria em que prepondera o interesse local (art. 30, l da CF). Não se pode afirmar que exista predomínio desse interesse. Nem se pode afirmar que haja aqui campo para legislação que suplemente a federal ou a estadual (art. 30, II, da CF). Aqui, o que o Município pode é suprir lacunas e omissões, ou ainda ajustar as normas federais ou estaduais a peculiaridades locais, mas desde que presente o requisito primordial para tanto, o interesse local (cf., Alexandre de Moraes, ob. cit, p. 306).

(...)

Tudo isso mostra que a legislação federal tem cuidado da matéria. Não se pode, pois, falar em omissão. Talvez se possa falar em silêncio eloqüente do legislador, que tem cuidado de concretizar a proteção e a integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV, da Constituição Federal). Nem há, como dito, preponderância do interesse local, em tal matéria, de modo a justificar a ingerência municipal".1

Por outro lado, é preciso considerar que o projeto de lei em comento se coloca em conflito com o princípio da livre iniciativa pelo fato de não configurar uma adequada ponderação entre os bens constitucionais envolvidos. A propósito, a Lei Orgânica do Município indica precisamente as razões que podem justificar o condicionamento das atividades empresariais pelo Poder Público Paulistano:

Art. 160 - O Poder Municipal disciplinará as atividades econômicas desenvolvidas em seu território, cabendo-lhe, quanto aos estabelecimentos comerciais, industriais, de serviços e similares, dentre outras, as seguintes atribuições:

I - conceder e renovar licenças para instalação e funcionamento;

II - fixar horários e condições de funcionamento;

III - fiscalizar as suas atividades de maneira a garantir que não se tornem prejudiciais ao meio ambiente e ao bem-estar da população;

IV - estabelecer penalidades e aplicá-las aos infratores;

V - regulamentar a afixação de cartazes, anúncios e demais instrumentos de publicidade;

VI - normatizar o comércio regular, o comércio ambulante por pessoa física e jurídica nas vias e logradouros públicos e a atividade mercantil transitória em pontos fixos e em locais previamente determinados sem prejuízo das partes envolvidas;

VII - regulamentar a execução e controle de obras, incluídas as edificações, as construções, reformas, demolições ou reconstruções, os equipamentos, as instalações e os serviços, visando a observância das normas urbanísticas de segurança, higiene e qualidade de vida em defesa do consumidor e do meio ambiente.

À luz da Lei Orgânica, portanto, não há fundamento para que a Municipalidade restrinja a atividade edilícia ou empresarial para os fins de ampliar ou aperfeiçoar os serviços de educação infantil. Na verdade, a maior das leis paulistanas apenas reflete aquilo que vem sendo considerado com uma das dimensões do princípio da proporcionalidade, que é a adequação entre a restrição estabelecida em um direito ou bem e o resultado pretendido. No caso em exame, o oferecimento de creche em nada se relaciona com a existência de um polo gerador de tráfego, ainda que este se conceitue de modo específico para os fins da pretendida lei (art. 2º). Isso, aliás, fica ainda mais bem caracterizado diante do fato de que não há como presumir que qualquer polo gerador de tráfego terá funcionárias com filhos na idade correspondente em número suficiente para justificar que a creche exigida tenha no mínimo 100 vagas (art. 3º).

Em verdade, a exigência de uma creche e a definição de suas dimensões são temas que só poderiam ter relação com o número de empregados, o que remonta à matéria pertinente ao direito do trabalho, já analisada acima, afastando qualquer vínculo com o ordenamento territorial, este, sim, de competência municipal (art. 30, VIII, da Constituição da República).

Assim sendo, com as considerações ora efetuadas, sugere-se retorno do presente à Assessoria Técnico-Legislativa da Secretaria de Governo, com proposta de veto à proposta aprovada.

.

São Paulo, 18/01/2018.

JOSE FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

.

1 TJSP - Órgão Especial - Direta de Inconstitucionalidade n° 0057175-69.2011.8.26.0000 - Relator Des. Campos Mello, j. 26.10.2011.

.

.

TID n. 17314133

INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal - Assessoria Técnico Legislativa

ASSUNTO: Projeto de Lei n. 87/17 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de implantação de creches em todos os polos geradores de tráfego e dá outras providências.

Cont. da Informação n. 68/2018 - PGM.AJC

PGM

Senhor Procurador Geral

Nos termos do parecer retro, que endosso, encaminho-lhe o presente com manifestação quanto ao projeto de lei em questão, aprovado pela Edilidade paulistana, sugerindo seja objeto de veto, por ultrapassar os limites da competência municipal e entrar em conflito com o princípio da livre iniciativa.

.

São Paulo, 19/01/2018.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

.

.

TID n. 17314133

INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal - Assessoria Técnico Legislativa

ASSUNTO: Projeto de Lei n. 87/17 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de implantação de creches em todos os polos geradores de tráfego e dá outras providências.

Cont. da Informação n. 68/2018 - PGM.AJC

SGM-ATL

Senhora Assessora Especial

Restituo-lhe o presente, para as providências cabíveis, com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, propondo o veto art. 4º do projeto de lei em exame, por motivo de ilegalidade, tendo em vista situar-se além das competências legislativas municipais, não se compatibilizando, ademais, com direito fundamental à livre iniciativa.

.

São Paulo, 19/01/2018.

RICARDO FERRARI NOGUEIRA

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 175.805

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo