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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 64 de 23 de Janeiro de 2017

Informação nº 0064/2017-PGM.AJC
Aplicação de multa relacionada a construção desconforme aos parâmetros da Resolução nº 07/CONPRESP/2004 (art. 31, II, c/c artigo 22, XIII, da Lei nº 10.032/1985)

Processo 2005-0.155.099-9

INTERESSADO: LUIZ AUGUSTO DE ARRUDA BOTELHO

ASSUNTO: Aplicação de multa relacionada a construção desconforme aos parâmetros da Resolução nº 07/CONPRESP/2004 (art. 31, II, c/c artigo 2º, XIII, da Lei nº 10.032/1985)

Informação nº 64/2017-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhor Procurador Assessor Chefe

O Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) solicita manifestação desta AJC quanto a questões apontadas às fls. 88/90 pelo consciencioso Procurador do Município Fabio Vicente Vetritti Filho, integrante do CONPRESP. Em virtude de não haver no caso concreto notícia da data em que teria ocorrido reforma de imóvel em desconformidade à Resolução nº 07/CONPRESP/2004, indagou-se "quanto (a) à necessidade de identificação da data de alteração desconforme do imóvel para fins de responsabilização do infrator e (b) à possibilidade de se considerar infrator o sucessor a qualquer título".

Pois bem. O apontamento da data de alteração desconforme do imóvel é imprescindível à lavratura do correspondente auto, sobretudo por não se tratar de infração de caráter permanente1.

Como bem ponderado pela Assessoria Jurídica de SMC as fls. 79, "sem a resposta desta questão não se mostra possível cogitar da aplicação da penalidade de multa, que pode ter ocorrido antes do tombamento ambiental municipal de ofício e de seu complemento". Não se descumpre dever que ainda não surgiu. A Administração deve evitar a aplicação retrospectiva de vedação legal, cuidando de não ofender os princípios constitucionais da legalidade e do nulla poena sine lege (art. 5º, II e XXXIX, da CR) que circunscrevem o campo de incidência das sanções administrativas:

"As leis são editadas para regular os casos atuais e futuros (tempus regit actum) e não os fatos que já ocorreram e foram regulados por norma diversa. Na verdade, a irretroatividade da lei é corolário do princípio da legalidade; é uma garantia ao cidadão e também uma certeza do Direito; decorre do princípio da segurança jurídica, inerente ao regime democrático. Significa, em termos de penas administrativas, a impossibilidade de a norma jurídica, que comina infração ou sanção administrativa, atingir condutas anteriores à edição dela (exceto para beneficiar o suposto infrator, como veremos depois)." (Heraldo Garcia Vita, A sanção no Direito Administrativo, Malheiros, 2003, página 112)

Em manifestação anterior, já assentou esta PGM que os autos relacionados aos tipos previstos na Lei nº 10.032/85 deverão conter a data da infração: "Os autos lavrados mencionarão, sem espanto, a data da infração (que pode ter caráter permanente), o fundamento legal antecedente e o valor da multa, apurado consoante critérios estabelecidos em lei e especificados em decreto. (...) Tendo em vista que o fato gerador da infração é a demolição do bem, é também relevante, como bem destacado pela Assessoria Jurídica do DPH, que se defina administrativamente a data do evento" (informação nº 768/2011 nº PGM/AJC).

No que tange ao segundo questionamento, não parece possível estender a multa fundada na Lei nº 10.032/85 a quem suceda o infrator a qualquer título, "alcançando aqueles que adquirem o domínio posteriormente, à semelhança da disciplina do uso e da ocupação do solo - Lei Municipal nº 16.402/162".

A sujeição passiva da multa ora tratada é estabelecida no momento da infração e, em caráter solidário, abrangerá, nos amplos termos do §2º do art. 31 da Lei nº 10.032/85, o proprietário, o usufrutuário, o superficiário e o possuidor a qualquer título do imóvel e, ainda, o responsável técnico e o empreiteiro da obra lesiva ao bem tutelado:

Art. 31. (...)

§ 2º Serão considerados infratores, para os efeitos do disposto neste artigo, solidariamente responsáveis com o proprietário:

I - o usufrutuário, o superficiário e o possuidor do bem imóvel a qualquer título;

II - o responsável técnico pela obra ou intervenção;

III - o empreiteiro da obra.

O adquirente de imóvel flagrado em irregularidade anterior à aquisição poderá ser pessoalmente instado "a reconstruir ou restaurar o bem tombado às suas custas, de conformidade com as diretrizes traçadas pelo órgão técnico de apoio" (art. 34 da Lei nº 10.032/85)3, mas tal não autoriza sua sujeição a multa que, decorrente de fato gerador distinto, foi imposta a seus antecessores ao cabo de regular procedimento administrativo4.

O caráter propter rem da obrigação de "reconstruir ou restaurar o bem tombado" imposta ao proprietário (ainda que não seja este o infrator) está previsto na legislação. Para que o adquirente não alegue ignorância da obrigação que assumirá, determina o §3º do art. 26 da referida Lei 16.402/16 a averbação, na respectiva matrícula, das penalidades que pesem sobre imóvel incluído em Zona Especial de Preservação Cultural (ZEPEC):

Art. 26. São excluídos do enquadramento como ZEPEC os imóveis que tenham perdido a condição de tombados ou protegidos, sem prejuízo da aplicação do disposto no art. 68 da Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 -PDE5, e demais sanções previstas na legislação específica.

§ 1º A demolição, destruição proposital ou causada pela não conservação ou descaracterização irreversível do imóvel tombado ou em processo de tombamento acarretará a aplicação das seguintes penalidades:

I - multa, conforme Quadro 5 e legislação específica;

II - a extinção da faculdade de transferência do potencial construtivo e, caso tenha sido realizada, a devolução em dobro e corrigida do valor correspondente ao potencial construtivo transferido referenciado no cadastro de valores da outorga onerosa do direito de construir, conforme Quadro 14 da Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 - PDE;

III - coeficiente de aproveitamento básico passará a ser igual a 0,1 (um décimo);

IV - o fator de interesse social e o fator de planejamento da outorga onerosa do direito de construir passarão a ter o valor igual a 2 (dois) cada um;

V - impedimento de aplicação de todos os incentivos previstos nesta lei.

§ 2º A emissão de autorizações e licenças para novas construções e atividades nos casos previstos no parágrafo anterior dependerá da celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta Cultural nos termos do art. 173 da Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 - PDE, e deverá observar as seguintes condições:

I - os usos deverão apresentar finalidade voltada à promoção de atividades culturais, serviços públicos sociais ou habitação de interesse social, atestada pelo órgão municipal de planejamento urbano;

II - deverão ser respeitados todos os parâmetros da zona incidente e as penalidades previstas no parágrafo anterior.

§ 3º As penalidades deverão ser averbadas nas matrículas dos imóveis objetos da demolição, destruição proposital ou causada pela não conservação ou descaracterização irreversível do imóvel enquadrado como ZEPEC.

A inerente responsabilidade do proprietário pela recuperação do imóvel tombado ou em processo de tombamento é autônoma em relação às sanções administrativas reservadas aos infratores designados pela Lei nº 10.032/85. O proprietário atual do bem poderá circunstancialmente ser o infrator da lei, submetendo-se à correspondente sanção administrativa e inscrição em dívida ativa, mas não necessariamente o será. Mutatis mutandis.

"Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada.

O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental.

A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental. Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai.

Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.

A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual "[s]em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". (STJ, apud REsp 1489819, Rel. Min, Hermann Benjamin, DJE 20/10/2016, destacamos)

Desse modo, é possível afirmar, em conclusão, que (a) é necessário identificar a data de descumprimento das obrigações previstas na Lei nº 10.032/85 para fins de imposição da correlata multa administrativa e (b) em que pese ao caráter propter rem de determinadas obrigações relacionadas à proteção de bens tombados, não é possível submeter o proprietário do imóvel, de modo retrospectivo, a multa administrativa cujo fato gerador seja anterior à aquisição, dado o princípio segundo o qual "nenhuma pena passará da pessoa do condenado" (art. 5º, XLV, da CR).

 

São Paulo, 23/01/2017

ANTONIO MIGUEL AITH NETO

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 88.619

PGM

 

De acordo, 

São Paulo, 03/02/2017

TIAGO ROSSI

PROCURADOR ASSESSOR CHEFE

RESPONDENDO PELA COORDENAÇÃO GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

 

1 É permanente, por exemplo, a infração prevista no §1º do art. 34 da Lei 10.032/85, relacionada ao atraso na reconstrução ou restauração de bem tombado: Art. 34 - Sem prejuízo das sanções estabelecidas nos artigos anteriores, o proprietário também ficará obrigado a reconstruir ou restaurar o bem tombado às suas custas, de conformidade com as diretrizes traçadas pelo órgão técnico de apoio. §1º - Ser-lhe-á cominada multa
independentemente de notificação de pelo menos 1% (um por cento) do valor venal, por dia, até o início da reconstrução ou restauração do bem imóvel. Se móvel, a multa será de no mínimo 10 (dez) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN's) ao dia.  § 2º - Na falta de ação do proprietário, no prazo de 60 (sessenta) dias, o CONPRESP poderá tomar as providências cabíveis procedendo conforme o previsto nos artigos 22 e §§. (Alterado pelo Art. 8º. da Lei 10.236/86). § 3º - A possível ação prevista no parágrafo anterior, não exclui a multa que continuaria a ser aplicada.

2 Art. 139. Para os efeitos desta lei, considera-se infrator o proprietário, o possuidor ou seu sucessor a qualquer título e a pessoa física ou jurídica responsável pelo uso irregular ou não conforme, de acordo com as definições desta lei e o tipo de infração cometida. 

3 Mutatis mutandis:"A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem" (REsp 1.090.968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010). "O novo proprietário assume o ônus de manter a reservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento. Precedentes" (REsp 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira,Segunda Turma, DJ 4.10.2007; em igual sentido, entre outros, REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 7.10.2002;REsp 843.036/PR, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 9.11.2006; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.3.2011; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.2.2011).

O não pagamento da multa ensejara a inscrição do débito em dívida ativa cuja certidão aparelhara execução a ser ajuizada pelo Município em desfavor dos infratores. É vedado modificar o sujeito passivo designado na certidão de dívida ativa; consoante disposto na súmula ne 392 do STJ, "a Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução".
5 Art. 68. Os proprietários de imóveis classificados como ZEPEC, que sofreram abandono ou alterações nas características que motivaram a proteção, deverão firmar Termo de Ajustamento de Conduta Cultural - TACC visando à recomposição dos danos causados ou outras compensações culturais.

 

 

Processo 2005-0.155.099-9

INTERESSADO: LUIZ AUGUSTO DE ARRUDA BOTELHO


ASSUNTO: Aplicação de multa relacionada a construção desconforme aos parâmetros da Resolução nº 07/CONPRESP/2004 (art. 31, II, c/c artigo 2º, XIII, da Lei nº 10.032/1985)

Continuação da informação nº 64/2017-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA

Exmo. Secretário,

Encaminho o presente em devolução para prosseguimento com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral do Município, que acolho, conclusiva no sentido de que (a) é necessário identificar a data de descumprimento das obrigações previstas na Lei nº 10.032/85 para fins de imposição da correlata multa administrativa, e (b) não é possível submeter o proprietário do imóvel, de modo retrospectivo, a multa administrativa cujo fato gerador seja anterior à aquisição.

 

São Paulo, 07/02/2017

RICARDO FERRARI NOGUEIRA

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 175.805

PGM

 

 

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo