processo n° 2013-0.043.004-0
INTERESSADO: COMPANHIA SÃO PAULO DE DESENVOLVIMENTO E MOBILIZAÇÃO DE ATIVOS - SPDA
ASSUNTO: Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura - FMSAI. Cessão de direitos creditórios devidos pela SABESP. Constituição de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios - FDIC. Complementação.
Informação n° 441/2014-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhor Procurador Assessor Chefe
Retorna o presente a esta Assessoria Jurídico-Consultiva após manifestações de fls. 102/113 e 801/811, em que foram feitos alguns apontamentos em relação à operação financeira aventada.
Em um primeiro parecer (Informação n° 1.772/2011-PGM.AJC - fls. 102/113), esta assessoria manifestou-se, a pedido da interessada, analisando alguns aspectos de uma operação que, à época, foi descrita apenas em tese pela SPDA. Naquela ocasião foi relatado o interesse daquela empresa pública em planejar a alienação de créditos que o Município detém em face da Sabesp a um fundo privado que, por sua vez, lançaria cotas no mercado lastreadas no referido crédito. Como a questão foi colocada em tese, foram juntados poucos elementos aptos a individualizar a operação, de forma que a compreensão desta foi feita apenas com base no descritivo feito pela própria SPDA.
Já na segunda manifestação (Informação n° 1.226/2013- PGM.AJC - fls. 801/811), foram considerados os diversos documentos da operação carreados aos autos, em especial as minutas contratuais, bem como as ponderações da d. assessoria jurídica da Secretaria de Governo e da SPDA. Face aos elementos trazidos nos autos foram destacadas algumas ponderações e recomendações acerca da operação que se pretende levar a cabo.
A partir da referida manifestação, a SPDA elaborou robusta nota técnica (fls. 813 e ss.), abordando especificamente as questões suscitadas naquela segunda manifestação da PGM/AJC. Juntamente com a nota técnica, a empresa trouxe aos autos cópias de diversos pareceres da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), relativas a diferentes operações de securitização de recebíveis, algumas caracterizadas como operações de crédito, outras não. Além destes, foram juntados pareceres da Advocacia Pública do Estado de Minas Gerais e da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, tratando de operações de securitização realizadas por aqueles entes, bem como pareceres de escritórios de advocacia tratando do mesmo tema.
Feita esta breve introdução e adotando, para evitar repetições desnecessárias, o relatório de fls. 801/803, passamos a analisar as questões levantadas por esta PGM/AJC, à luz dos esclarecimentos e elementos constantes da nota técnica elaborada pela SPDA.
Já de início, cumpre informar que não serão retomados nesta manifestação os apontamentos e recomendações que foram acatados pela SPDA, limitando-se aqui apenas às questões controvertidas, relativas à aderência da operação à legislação vigente, em especial às normas de direito financeiro e à Lei autorizativa promulgada recentemente.
No dia 15 de fevereiro do corrente foi publicada no Diário Oficial da Cidade a Lei n° 15.969, de 14/02/20141, autorizando expressamente o Município a "ceder, a título oneroso, os direitos creditórios previstos no inciso I do art. 5° da Lei n° 14.934 . de 18 de junho de 2009'.2 Tratam-se, referidos créditos, de pagamentos periódicos feitos pela SABESP ao Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura - FMSAI, por força de contrato celebrado entre aquela empresa e o Município de São Paulo.
Referida Lei, vale dizer, foi promulgada após a última manifestação desta assessoria jurídica e deve, a partir de sua vigência, estabelecer as diretrizes para a execução da operação tendente à cessão dos direitos creditórios em questão. Assim, a partir do advento da norma em questão, a análise jurídica da presente operação, objeto desta manifestação, deve ser feita à luz do que prescreve o referido diploma, obviamente em conjunto com as demais normas que regulam o tema.
Referida Lei, no seu artigo 1o, além de autorizar a cessão dos créditos a que se refere, estabelece alguns requisitos que deverão ser observados e que serão analisados ao longo desta manifestação.
A redação do artigo § 1o exige que a cessão seja definitiva e que o Município abstenha-se de assumir qualquer compromisso ou obrigação, perante o cessionário, de responsabilidade pelo efetivo pagamento por parte da SABESP. Neste ponto, cuidou o legislador de garantir que referida cessão não viesse a ser caracterizada como uma operação de crédito e a análise deste aspecto será feita no próximo item desta manifestação.
Já o parágrafo 2o exige que, no caso de operação envolvendo o mercado de capitais, exatamente o caso presente, sejam observadas as normas regulatórias definidas pela Comissão de Valores Mobiliários.
Na pretendida operação o Município irá realizar a cessão dos créditos a um Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios - FDIC e os investidores aportarão recursos neste Fundo (R$ 360 milhões), mediante aquisição de cotas seniores, com promessa de devolução do principal, acrescido de correção monetária pelo IPCA e juros a serem arbitrados no momento da colocação do papel no mercado.
Estas operações são reguladas pela Comissão de Valores Mobiliários por meio da Instrução CVM n° 356/2001 e suas alterações posteriores e a lei municipal autorizativa, como não poderia deixar de ser, menciona a obrigatoriedade de observação das normas pertinentes a este tipo de operação. Assim, deve a interessada submeter à CVM o competente pedido de registro do fundo, nos termos do artigo 8o e seguintes daquela citada Instrução, requisito indispensável para o seu prosseguimento.
O parágrafo 3o do artigo 1o vincula a utilização dos recursos captados às finalidades previstas no artigo 6o da Lei n° 14.934/20093. A extensa documentação trazida ao expediente indica que a destinação planejada dos recursos está em consonância com o disposto na Lei. Apenas cabe acrescentar que os responsáveis pela cessão e pela aplicação dos recursos captados devem garantir que ao longo da existência deste fundo todos os montantes sejam efetivamente investidos nas áreas listadas no citado artigo 6o da Lei que criou o FMSAI, inclusive os recursos eventualmente originados pelo resgate das cotas subordinadas de titularidade do Município.
Por fim, a Lei limita a cessão aos créditos vincendos em até 5 anos contados da sua publicação, o que deverá ser observado e ajustado pela SPDA, uma vez que as previsões juntadas ao processo são anteriores à edição da referida norma.
Uma das questões mais relevantes a ser dirimida refere-se à caracterização ou não da cessão de crédito pretendida como operação de crédito, assim conceituada nos termos do inciso III, do art. 29, da Lei de Responsabilidade Fiscal 4 e no "caput" e §1°, do art. 3°, da Resolução do Senado Federal n° 43/2001.5
A análise sobre o eventual enquadramento da referida cessão dos créditos do FMSAI e constituição de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios - FDIC, deve ser analisada quanto a seu eventual enquadramento no conceito de operação de crédito, tendo em vista o óbice imposto ao Município para celebrar ajustes dessa natureza em razão de seu excessivo endividamento.
Ao definir operação de crédito no artigo 29 da LRF, o legislador optou por dar conceito bastante extenso, listando hipóteses específicas e incluindo as "operações assemelhadas" dentre elas. Por certo tal cuidado foi pautado pela necessidade de adoção de novos padrões de responsabilidade fiscal pelos entes públicos e pela necessidade de conter o endividamento público.
Assim, a interpretação do citado dispositivo da LRF deve buscar os elementos caracterizadores de uma operação de crédito, comuns a qualquer uma das situações listadas, a fim de se verificar se o caso presente está ou não enquadrado nas hipóteses previstas na Lei.
Assim estabelece LRF quanto às operações de crédito:
"Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:
...
III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;
..."
Além das hipóteses listadas no inciso III, a LRF prevê outras equiparações a operações de crédito no parágrafo 1 ° do mesmo artigo 29 e no artigo 37, senão vejamos:
" Art 29...
§1° Equipara-se a operação de crédito a assunção, o reconhecimento ou a confissão de dívidas pelo ente da Federação, sem prejuízo do cumprimento das exigências dos arts. 15 e 16.
..."
"Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:
I - captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, sem prejuízo do disposto no § 7° do art. 150 da Constituição;
II - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação;
III- assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão; aceite ou aval de título de crédito, não se aplicando esta vedação a empresais estatais dependentes;
IV - assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços.
Na mesma linha é o que dispõe a Resolução do Senado n° 43/2001:
"Art. 3° Constitui operação de crédito, para os efeitos desta Resolução, os compromissos assumidos com credores situados no País ou no exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemeípadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.
§1o Equiparam-se a operações de crédito:
I - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha; direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de títulos de crédito;
II - assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços."
Com exceção do disposto nos incisos I e II do artigo 37, que não se referem às questões aqui abordadas, é possível concluir-se que a assunção de compromisso financeiro ou obrigação em razão de alguma das hipóteses citadas é, como se vê, o elemento caracterizador das operações de crédito, independentemente da natureza da operação a ser encetada.
Nesta linha, é necessário compreender a operação de cessão de crédito proposta para identificar se haveria algum compromisso financeiro assumido pelo Município que pudesse caracterizá-la como operação de crédito.
Referida operação envolve a cessão onerosa dos créditos decorrentes do citado contrato com a SABESP a um Fundo de Investimentos, que faria a venda de quotas a investidores interessados. É o que consta na Cláusula 2.1 do Contrato de Cessão e Aquisição de Direitos Creditórios e Outras Avenças (fls. 1107/1123), in verbis:
2.1. A PMSP, neste ato, cede e transfere ao Cessionário, em caráter irrevogável, irretratável e definitivo, sem direito de regresso ou qualquer tipo de coobrigação, a partir da assinatura deste Contrato, de acordo com os termos, condições e limitações desta Cláusula 2a e da Cláusula 3a a seguir (a "Cessão"), 100% (cem por cento) dos Direitos Creditórios relativos ao trimestre com encerramento em [•] de [•] de 2013 e dos [07] ([sete]) trimestres imediatamente subsequentes (cada um deles, um "Trimestre de Referência Original" e os "Direitos Creditórios Cedidos"), juntamente com todos os direitos, garantias, privilégios, preferências, prerrogativas e ações a estes relacionados, livres e desembaraçados de qualquer ônus, restrições de qualquer natureza, que, de qualquer modo, possam obstar a cessão e o pleno exercício, pelo FIDC (...)"(grifos no original, o negrito foi inserido)
Trata-se, portanto, de uma cessão de crédito onerosa, hipótese prevista no artigo 286 e seguintes do Código Civil e perfeitamente aplicável à Administração Pública.
A cessão de direitos creditórios é uma das modalidades de alienação de bens intangíveis e, neste caso, estes seriam transferidos definitivamente ao patrimônio do fundo de investimento, conforme especificado nos documentos da operação.
Resta então verificar se a cessão de direitos creditórios aqui proposta estabelece algum tipo de assunção de compromisso ou obrigação financeira que possa caracterizá-la como uma operação de crédito.
Apenas havendo a alienação definitiva e irrevogável dos créditos do patrimônio do FMSAI para o patrimônio do fundo é que se poderia configurar uma alienação de ativos. Remanescendo vínculos do Poder Público com os créditos cedidos após a sua alienação, não estaríamos diante de uma cessão de crédito, mas sim de uma operação financeira de crédito, cujos recebíveis nada mais seriam do que uma garantia de adimplemento.
Neste sentido, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional6, ao analisar casos de cessão de crédito decorrentes de exploração de recursos naturais (royalties), entende que tais operações só não são caracterizadas como operações de crédito "se elas forem definitivas, assemelhadas a uma compra e venda à vista de um bem incorpóreo - o crédito."
A presente operação prevê que a cessão será "em caráter irrevogável, irretratável e definitivo" e o risco pelo adimplemento dos créditos será do cessionário e, pelas regras do FDIC, dos cotistas seniores.
Ao cedente, por óbvio, cabe a responsabilidade pela existência do crédito no momento da cessão, conforme estipula o artigo 295 do Código Civil7. Entretanto, para que a operação não seja caracterizada como operação de crédito a responsabilidade do Poder Público não pode se estender ao adimplemento dos créditos sob pena de caracterização de uma assunção de compromisso ou obrigação financeira.
Neste ponto cabe abordar o papel das cotas subordinadas nesta operação, a fim de se assegurar que as mesmas não configuram garantia direta ou indireta ao adimplemento dos créditos, o que configuraria uma operação de crédito.
O FDIC em questão será composto de cotas seniores e cotas subordinadas. As cotas seniores são aquelas destinadas aos investidores do fundo. As cotas subordinadas, de titularidade do Município, subordinam-se às cotas seniores para efeito de amortização, resgate e distribuição dos rendimentos. Por esta razão, seu valor pode variar ao longo da existência do fundo, a depender da performance dos créditos e das demais variáveis envolvidas, tais como índices de inflação e juros.
Neste sentido é o esclarecimento prestado pela SPDA no item 136 da Nota Técnica, in verbis:
"136. As cotas subordinadas de fundos de recebíveis têm por finalidade precípua permitir o recebimento oelo originador de todo o excedente de ganhos obtidos pela carteira após o pagamento dos cotistas seniores. Por outro lado, em caso de inadimplência, as cotas subordinadas são as primeiras a sofrer perdas, por isso não costumam ser distribuídas a investidores nem receber classificação de risco."
Como já dito, é a Instrução CVM n° 356/2001, com suas alterações posteriores, que regulamenta os fundos de investimento em direitos creditórios - FDIC. No artigo 2°, que traz as definições gerais, é que há a conceituação das diversas classes de cotas:
Art. 2° Rara efeito do disposto nesta instrução, considera-se:
...
XI - cota de classe sênior: aquela que não se subordina às demais para efeito de amortização e resgate;
XII - cota de classe subordinada: aquela que se subordina às demais para efeito de amortização e resgate;
As cotas subordinadas só serão remuneradas após o pagamento das remunerações dos cotistas seniores e das demais despesas do fundo. No caso do FDIC em análise, funcionarão como um mecanismo a garantir que rendimentos extras, decorrentes de performance acima da inicialmente grevista, sejam direcionadas ao patrimônio público.
Nem se diga, neste ponto, que a existência das cotas subordinadas seriam uma evidência de que a cessão dos créditos não seria definitiva e que o ingresso de eventual excedente ao final da operação representaria um vínculo do Município com os créditos cedidos.
Não se pode confundir as cotas subordinadas, de titularidade do Município após a constituição do fundo, com os créditos cedidos anteriormente? No caso deste FDIC, o Município é um cotista e eventual excedente recebido nada mais será do que rendimento destas cotas e não retorno dos créditos anteriormente cedidos ao patrimônio do Poder Público.
Também cumpre diferenciar a operação aqui proposta com outra situação análoga, relatada em um dos pareceres encartados aos autos (Parecer PGFN/CAF N° 948/2010 - fls. 881/886), em que a PGFN descaracteriza a cessão definitiva dos créditos porque parte significativa destes retornava ao cedente, configurando aquela cessão (cessão de direitos creditórios relativos a royalties) como operação de crédito.
Naquele caso, o Estado do Pará estabeleceu com o Banco do Brasil um mecanismo que limitava o valor que o banco cessionário iria receber ao longo dos períodos de vigência da operação, ficando eventuais excedentes com o Poder Público. A opinião daquela procuradoria foi exposta nos seguintes termos:
"6. Tais circunstâncias, especialmente, aquela citada no subitem b.1 [os montantes repassados pela União que excederem ao limite mínimo de débito estipulado para cada mês ficarão disponíveis ao Estado], descaracterizam o instituto da cessão definitiva do crédito, não se verificando, no caso, a transferência definitiva da titularidade dos créditos ao Banco do Brasil, já que os valores excedentes ao valor da prestação mensal pré-fixada não deixaram de constituir receita corrente do Estado do Pará. Logo, o principal efeito jurídico da cessão de crédito definitiva, qual seja, a transferência da titularidade dos créditos do cessionário, não se aperfeiçoou no momento do ajuste contratual".
É possível constatar que se trata de hipótese diversa da proposta ora analisada, pois o excedente retido pelo Estado do Pará é de fato parte dos créditos que supostamente teriam sido cedidos. Cabe ressaltar que naquele caso não houve a constituição de um fundo e a respectiva subscrição de cotas, mas sim uma venda direta dos créditos ao Banco, que pagou antecipadamente por eles, mas avençou receber o valor máximo fixado no contrato, independentemente do fluxo de pagamentos, assumindo apenas o risco de recéber eventualmente menos, caso os valores dos royalties não alcançassem aquele montante fixado. Vê-se que se trata de uma operação de abertura de crédito, cuja garantia de adimplemento para o banco é o fluxo de recebimento dos royalties.
No caso do FDIC proposto pela SPDA, o Município cede definitivamente os créditos e se transforma em cotista do mesmo ao subscrever algumas cotas subordinadas, fazendo jus a um eventual rendimento, em caso de performance superior à prevista. As cotas, como dito, têm natureza diversa dos créditos cedidos e com eles não se confundem.
Importante ainda notar que a emissão de cotas subordinadas de titularidade do cedente ou instituidor do fundo é praxe na constituição de FDIC's e nem por isso o caráter definitivo da cessão de crédito, que origina o fundo, é questionada, seja pela CVM, órgão responsável pela regulação deste mercado, seja por qualquer uma das partes envolvidas.
Outro aspecto relevante envolvendo as cotas subordinadas é a eventual garantia que ela possa representar aos cotistas seniores, uma vez que as cotas seniores têm prioridade no recebimento dos rendimentos.
De fato, o risco pela performance dos créditos é do cessionário, mas a depender do montante representado pelas cotas subordinadas, elas podem, sim, configurar garantia de adimplemento e espécie de coobrigação do cedente, nos termos do inciso XV, do artigo 2o, da citada Instrução CVM n° 356/20018. Assim, na hipótese de o montante de créditos cedidos ao fundo ser muito superior ao valor previsto para remuneração dos cotistas, estaria configurado um "colchão" suficiente para garantir qualquer problema corp o fluxo financeiro dos créditos9.
Este excedente, também chamado de colaterização, é normalmente representado pelas cotas subordinadas. A simples existência das cotas subordinadas em uma operação desta natureza, o que, como já dito, é praxe do mercado, não configura por si só coobrigação do cedente. É preciso avaliar, no caso concreto, se o montante destinado à colaterização é suficientemente alto para consistir em uma garantia efetiva para os investidores, sem riscos de inadimplemento.
Daí que a relação entre o montante representado pelas cotas subordinadas em relação ao somatório total do valor antecipado, estimativa das remunerações e das demais despesas do fundo, é relevante para essa aferição.
Neste caso, nos termos do Regulamento do FIDC, o Município fará a subscrição de 35 cotas subordinadas (art. 24, §6° 10), no valor de R$ 25.000,00 (art. 24, §8°, "d"11), perfazendo o total de R$ 875.000,0012.
Este montante, portanto, representa ínfimos 0,15% do total dos créditos cedidos e, obviamente, não teria o condão de prestar-se como garantia aos investidores.
Sob esta perspectiva, portanto, não se pode dizer que as cotas subordinadas nesta operação poderiam ser caracterizadas como uma garantia colateral, dando a operação o caráter de operação de crédito.
Obviamente que as cotas subordinadas, ao longo da operação do fundo, poderão ter seu valor significativamente majorado, pois ao contrário das cotas seniores - que possuem valor de resgate previamente conhecido e remuneram ps investidores devolvendo o principal, acrescido de juros e correção monetária - possuem valor variável, a ser calculado de acordo com a regra do art. 30 do Regulamento do FIDC, que assim dispõe:
"Artigo 30. A emissão da primeira classe de Cotas Subordinadas ocorrerá na mesma data da primeira subscrição de Cotas Seniores.
Parágrafo único. A partir da Data da 1a Subscrição de Cotas Subordinadas, seu valor unitário será calculado todo Dia Útil, para efeito de determinação de seu valor de integralização, amortização ou resgate, devendo corresponder ao valor do Patrimônio Líouido, deduzido o valor das Cotas Seniores em Circulação, dividido pelo número de Cotas Subordinadas em Circulação na respectiva data de cálculo." (grifou-se)
Assim, em razão da forma de cálculo constante do parágrafo único do artigo 30 do Regulamento do FIDC, o valor inicial das cotas subordinadas (R$ 875.000,00) pode ser aumentado, dependendo da performance do fundo e de alguns indicadores que são definidores da remuneração prevista. Para fazer face à imprevisibilidade de indicadores como a inflação (IPCA), por exemplo, é que há a reserva encontrada pela subtração do fluxo total alienado pelo fluxo efetivamente utilizado (fls. 1300). Neste caso, em um cenário otimista, este excedente de reserva13 não utilizado aumentaria significativamente o valor das cotas subordinadas. Mesmo neste caso, o valor total das cotas subordinadas representaria aproximadamente 3,8% do total de créditos cedidos, número extremamente baixo para ser considerado como uma garantia efetiva ao investidor. Apenas como ilustração, chama-se a atenção para a manifestação da Secretaria do Tesouro Nacional citada no parecer PGFN/CAF N9 948/2010 (fls. 881/886), que considera ter sido prestada garantia em caso cuja colaterização atingia 160% da obrigação assumida:
"(...) a cláusula contratual acima citada - ao fixar a totalidade das transferências de compensação financeira da União ao Estado como parâmetro para determinação dos direitos cedidos - acaba por estabelecer indiretamente uma espécie de garantia, a qual pode ser considerada elevada para esta modalidade de transação, superando em mais de 160% o montante das operações, o que torna praticamente nulo o risco do banco".
Mais do que isto, é importante observar que o valor das cotas subordinadas só aumentará se a performance do fundo ficar acima das expectativas e o cenário econômico comportar-se de forma mais positiva do que o esperado. Nesta hipótese, é bom frisar, não haveria necessidade de nenhum excedente para garantir o retorno dos investidores, pois o fundo terá sido capaz de gerar o fluxo necessário para remunerá-los. Portanto, eventual variação positiva do valor das cotas subordinadas também não poderá ser qualificada como espécie de garantia colateral.
Ainda seguindo a linha do que explica a SPDA em sua Nota Técnica (item 135 - fls. 850), a cota subordinada também não poderia ser entendida corno uma garantia por não se amoldar ao conceito previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal e por não gerar endividamento ou responsabilidade futura.
Neste sentido, cumpre frisar que a SPDA, acatando recomendação desta PGM/AJC, alterou a regulamentação do fundo, tornando facultativa a subscrição e integralização de novas cotas na hipótese de o nível de subordinação das cotas seniores fique inferior à relação mínima prevista no Regulamento do Fundo (art. 43)14 .
Mais ainda, o próprio regulamento do fundo (art. 42, p.u.), alerta que "(...), o volume de Cotas Subordinadas a ser subscrito a qualquer tempo e, o Nível de Subordinação das Cotas Seniores (i) não oferecem proteção relevante aos Cotistas Seniores em caso de eventual inadimplência dos Direitos Creditórios ou (ii) caracterizam coobrigação da PMSP", deixando claro o risco embutido na operação e a ausência de outros mecanismos colaterais de garantia.
É de se concluir que não seria possível cogitar de assunção de obrigação ou compromisso financeiro do Município em relação aos valores eventualmente pagos pela cessão dos créditos em questão, afastando-se, assim, qualquer hipótese de qualificação da operação pretendida como uma operação de crédito daquelas listadas nos artigos 29 e 37 da LRF.
Em primeiro lugar, cumpre reforçar que não cabe a esta Procuradoria Geral do Município avaliar as justificativas e a conveniência econômica da operação ora pretendida.
Por óbvio, a avaliação econômico-financeira da operação é tema de competência da interessada, da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico, do Conselho Gestor do FMSAI e das Pastas também envolvidas.
Além das Notas Técnicas SPDA n° 1/2012 (fls. 04/09), n° 2/2013 (fls. 235/239) e sem número/2013 (fls. 813/855), da apresentação juntada às % 240/275 e da Nota Técnica SF/ASECO n° 6, de 13 de junho de 2013 (fls. 554/563), foram juntados ao presente expediente várias outras manifestações e documentos indicando a conveniência e oportunidade na realização desta operação. De qualquer modo, como dito, esta é uma avaliação que não diz respeito a esta PGM/AJC, razão pela qual não abordaremos esta questão aqui nesta manifestação.
Entretanto, uma recomendação importante é no sentido de que os responsáveis pela operação garantam que os interesses do Município sejam protegidos ao longo de toda o tempo de duração deste fundo, envidando-se permanentemente os melhores esforços para reduzir ao máximo os custos arcados pelo Poder Público e para maximizar o retorno financeiro do Município. Assim, não basta que a vantajosidade, conveniência e oportunidade da operação sejam demonstradas apenas neste momento inicial, mas é dever dos gestores púb|icos garantir que o negócio seja o melhor possível para o interesse público até a sua conclusão.
Na Informação n° 1.226/2013, esta PGM/AJC teceu comentários acerca das contratações envolvendo a estruturação, constituição e gestão do referido fundo.
A SPDA, por sua vez, elaborou detalhada e minuciosa argumentação acerca das peculiaridades da operação pretendida, defendendo a regularidade dos procedimentos adotados (Nota Técnica - fls. 813 e seguintes).
A par das ponderações trazidas tanto pela PGM como pela SPDA naquela oportunidade, o certo é que esta Assessoria Jurídica não tem competência para falar sobre os procedimentos adotados pela interessada nestas contratações.
De fato, a competência para licitações e contratações no âmbito municipal, por força da Lei Municipal 13.278/2002, neste caso, é da própria interessada. Portanto, a análise jurídica e formal dos procedimentos adotados é de responsabilidade da SPDA.
Acrescente-se a isto o fato de que nem mesmo uma análise abstrata, feito a título colaborativo, poderia ser realizada, uma vez que, como noticiado nos autos, as contratações já foram realizadas.
Assim, em que pese os muito bem articulados argumentos trazidos pela SPDA em sua Nota Técnica, não cabe nenhuma análise sobre o assunto por esta PGM/AJC, uma vez que a verificação de regularidade jurídica e formal das contratações compete exclusivamente à interessada.
Antes de sintetizar as conclusões alcançadas nesta manifestação, cabem algumas observações importantes sobre o entendimento aqui alcançado.
O tema aqui tratado, muito embora não seja inédito e já tenha sido utilizado por diversos entes da federação em diferentes modalidades, ainda não tem entendimento consolidado entre os órgãos de controle nem tampouco ainda é objetp de jurisprudência relevante.
Apenas para ilustrar as divergências ainda existentes em relação a este tema, cabe mencionar que o Tribunal de Contas da União, conforme notícia veiculada pela imprensa15, está questionando o FIDC estruturado pelo Banco do Brasil para a Prefeitura de Belo Horizonte. O citado caso está sendo processado em sigilo, razão pela qual não dispomos de maiores informações sobre o mérito, mas tão somente a notícia veiculada de que os órgãos técnicos daquela Corte de Contas apontaram irregularidades naquela operação.
Muito embora haja semelhanças em relação à forma de captação dos recursos (FDIC), os créditos, no caso de Belo Horizonte, são relativos a débitos tributários vencidos e parcelados pelo contribuinte, com respectiva confissão de dívida.
Ainda no sentido da indefinição quanto a estas modalidades de operação, tafnbém vale citar um caso ocorrido envolvendo o Município de Americana, no Estado de São Paulo.
Naquele caso, há uma medida judicial suspendendo operação semelhante à pretendida pela SPDA16. O STF manteve a decisão de suspender a operação, muito embora não tenha entrado no mérito, mas apenas sob o argumento de que poderia haver prejuízos com o prosseguimento da operação.
Nunca é demais lembrar que os fatos podem sempre receber uma nova interpretação jurídica pelos órgãos de controle, e o que não era considerado uma operação de crédito pode passar a sê-lo.
Assim, tais observações destinam-se apenas a reforçar que, muito embora este parecer seja favorável ao prosseguimento da operação pretendida, em razão da ausência de definições mais assentadas sobre estes mecanismos de securitização, pode haver questionamentos judiciais e de órgãos de controle em relação a eventual concretização deste fundo.
É exatamente esta a ressalva constante do Parecer PGFN/CAF n° 1941/2012 (fls. 907/911), cujo item 4 assim dispõe:
"Em suma, o processo de verificação pelo MF dos limites e condições para a realização de operações de crédito pelos entes da federação - inclusive no que toca às operações anteriormente realizadas e não comunicadas - é condição necessária, mas não suficiente para a aferição, em última instância, da regularidade das mesmas, podendo os órgãos legitimados a fiscalizar a gestão fiscal do ente adotar entendimento diverso e atuar em pleno acordo com tal entendimento".
Portanto, os elementos aqui apresentados devem ser devidamente sopesados pela Superior Administração antes de se decidir sobre a realização da operação.
Feito este breve comentário, concluímos que:
- A operação pretendida pela SPDA e detalhada nos documentos acostados a este expediente não se configura como operação de crédito, tal qual definida pela Lei de Responsabilidade Fiscal;
- A análise de viabilidade econômico-financeira, de conveniência e de oportunidade competem à SPDA, à Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico, ao Conselho Gestor do FMSAI e às Pastas afins, reforçando-se que, independentemente da análise inicial realizada antes da constituição do FDIC, os responsáveis devem zelar permanentemente para que o interesse público seja preservado até a conclusão desta operação;
- Não compete à esta PGM/AJC analisar os atos relativos às contratações necessárias à estruturação, constituição e administração do fundo, cuja responsabilidade é da interessada, no caso a SPDA;
- Consideradas as observações relativas a eventuais questionamentos, a operação pretendida pela SPDA está em consonância com a lei municipal autorizativa (Lei n° 15.969/2014).
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São Paulo, 13/03/2014.
GUILHERME BUENO DE CAMARGO
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP n° 188.975
PGM
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De acordo.
São Paulo, 13/03/2014.
TIAGO ROSSI
Procurador Assessor Chefe-AJC
OAB/SP 195.910
PGM
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INTERESSADO: COMPANHIA SÃO PAULO DE DESENVOLVIMENTO E MOBILIZAÇÃO DE ATIVOS - SPDA
ASSUNTO: Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura - FMSAI. Cessão de direitos creditórios devidos pela SABESP. Constituição de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios - FDIC. Complementação.
Cont. da Informação n° 441/2014 - PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho o presente à Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, a respeito da nota técnica SPDA de fls. 813 e ss. e dos demais documentos que instruem este processo, referentes à cessão dos direitos creditórios municipais, detidos em face da Sabesp, a fundo de investimento em direitos creditórios a ser constituído, onde se conclui que:
- A operação pretendida pela SPDA e detalhada nos documentos acostados a este expediente não se configura como operação de crédito, tal qual definida pela Lei de Responsabilidade Fiscal;
- A análise de viabilidade econômico-financeira, de conveniência e de oportunidade competem à SPDA, à Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico, ao Conselho Gestor do FMSAI e às Pastas afins, reforçando-se que, independentemente da análise inicial realizada antes da constituição do FDIC, os responsáveis devem zelar permanentemente para que o interesse público seja preservado até a conclusão desta operação;
- Não compete à esta PGM/AJC analisar os atos relativos às contratações necessárias à estruturação, constituição e administração do fundo, cuja responsabilidade é da interessada, no caso a SPDA;
- Consideradas as observações relativas a eventuais questionamentos, a operação pretendida pela SPDA está em consonância com lei municipal autorizativa (Lei n° 15.969/2014).
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São Paulo, 13/03/2013.
ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 173.527
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo