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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 1.563 de 21 de Dezembro de 2016

Informação n° 1.563/2016-PGM.AJC
Projeto de Lei que estabelece penalidades em virtude de condutas que configurem redução de pessoa à condição análoga a de escravo.

TID 15923728

INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal

ASSUNTO: Projeto de Lei que estabelece penalidades em virtude de condutas que configurem redução de pessoa à condição análoga a de escravo.

Informação n° 1.563/2016-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhor Procurador Assessor Chefe

Trata-se de solicitação de parecer acerca do Projeto de Lei 105/13, de autoria do Legislativo, aprovado nos termos do texto retro, que estabelece penalidades em relação aos estabelecimentos responsabilizados pelas condutas que configurem redução de pessoa à condição análoga a de escravo.

A propositura estabelece a incidência de multa no montante entre cem mil reais e cem milhões de reais, bem como a cassação de licença de funcionamento, nos casos de não pagamento da mula, de reincidência ou da comprovação da extrema gravidade da conduta. Neste caso, restaria vedada a concessão de nova licença pelo prazo de cinco a dez anos.

Demais, a aplicação de tais penas deverá ser precedida de procedimento, garantidos a ampla defesa e o contraditório. A abertura do processo administrativo ocorrerá em razão: (a) de decisões judiciais decorrentes do trânsito em julgado ou proferidas por órgão colegiado; (b) de decisões administrativas das quais não caiba recurso, de quaisquer órgãos da Administração Pública, após parecer favorável da Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Escravo; ou (c) decisão judicial condenatória de sócio administrador, sócio majoritário ou de responsável legal pelo estabelecimento, transitado em julgado ou proferida por órgão colegiado, pelo crime previsto no art. 149 do Código Penal.

A SGM-ATL encaminhou como acompanhante o Memorando n.° 817/2013-ATL-III, com as manifestações anteriores desta Procuradoria Geral do Município em relação a versões anteriores da propositura.

É o relatório.

Verifica-se inicialmente que o Projeto de Lei n.° 105/13 vem sendo sucessivamente objeto de alterações, conforme se verifica nas versões acostadas a fls. 03 e 29 do expediente acompanhante. A primeira versão tratava da imediata cassação da licença de funcionamento após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória pelo crime correspondente à conduta que configure a redução de pessoa à condição análoga a de escravo. Já a segunda dispunha sobre igual cassação após decisão proferida por órgão colegiado, em segundo instância e em qualquer esfera, pelo reconhecimento do mesmo crime.

No presente estágio, analisa-se a versão retro, cujo nítido propósito foi o de superar os entraves jurídicos apontados tanto pela Procuradoria Geral do Município quanto pela então Secretaria dos Negócios Jurídicos (cf. manifestações acostadas no expediente acompanhante).

No entanto, a despeito dos ajustes contemplados no texto e dos meritórios propósitos de que se reveste, o projeto de lei apresentado não reúne condições de sanção pelo Executivo, em virtude da subsistência de elementos que evidenciam sua inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.

Retome-se a manifestação da então Secretaria dos Negócios Jurídicos colacionada a fls. 22/26 do expediente acompanhante, no âmbito da qual restou reconhecida a inconstitucionalidade formal e material do substitutito de fls. 03 do acompanhante.

No tocante à inconstitucionalidade formal, sobressai-se a afronta ao art. 22, inciso I, da Constituição da República, que atribui à União competência privativa para legislar sobre direito penal. Isso porque o projeto aprovado determina, como consectário automático, a abertura de processo administrativo sancionatório após ciência de decisão judicial que reconheça a prática do crime estampado no art. 149 do Código Penal. A desconformidade decorre da criação de verdadeira pena restritiva de direito não prevista originariamente no art. 149 do Código Penal. "Usurpa competência federal, destarte, legislação municipal que amplia os efeitos ou consequências da condenação criminal para acrescer-lhe interdição temporária de direitos não contemplada no tipo punitivo que lhe deu causa" (fls. 23/24 do acompanhante)1.

Entre as inconstitucionalidades materiais apontadas, remanesce a ofensa ao princípio da proporcionalidade. Conforme apontado pela SNJ, o vigente art. 6º da Lei n.° 10.205/86 prevê penalidades por infrações tão graves quanto a da propositura então analisada, mas com reprimenda longe de equiparável. A bem da verdade, entre o texto apreciado pela SNJ e aquele objeto da presente análise, a desproporção sofreu notável incremento, principalmente em razão da estipulação de sanção pecuniária que pode atingir a cifra de cem milhões de reais2.

Subsiste, portanto, parcela das conclusões já lançadas pela então Secretaria dos Negócios Jurídicos no expediente acompanhante.

Outrossim, não se pode olvidar que a versão atual do PL n.° 105/13 aprovado pelo Legislativo padece de outra inconstitucionalidade formal, haja vista tratar de assunto cuja iniciativa legislativa é exclusiva do Chefe do Executivo Municipal. Com efeito, nos termos do art. 37, § 2º da Lei Orgânica do Município, temos o seguinte:

"§ 2°. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:

(...)

IV- organização administrativa e matéria orçamentária." (g.n.)

Não bastasse, há outros dispositivos na Lei Orgânica que deixam claro competir ao Prefeito tratar da organização da administração municipal e também de seu funcionamento. Confira-se:

Art. 69. Compete privativamente ao Prefeito, além de outras atribuições previstas nesta Lei:

I - exercer, com os Secretários Municipais, os Subprefeitos e demais auxiliares a direção da administração municipal

(...)

Art. 70. Compete ainda ao Prefeito:

(...)

XIV - dispor sobre a estrutura, a organização e o funcionamento da administração municipal, na forma estabelecida por esta Lei Orgânica." (g.n)

Ocorre que o projeto aprovado estipula competência inédita à Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Escravo (COMTRAE), colegiado integrante da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Nos termos da redação proposta ao art. 6º, §8°, da Lei n.° 10.205/86, a abertura de processo administrativo repressivo decorreria de decisão administrativa irrecorrível, acompanhada de parecer favorável de referida comissão. Trata-se, porém, de atribuição não prevista na Lei n.° 15.764/13 e nos Decretos n.° 54.432/13 e 56.110/15.

Vale ressaltar, como dado superveniente às manifestações da PGM, recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que apreciou a constitucionalidade das Leis n.° 11.157/15 e 11.274/16, ambas do Município de Sorocaba, que dispunham sobre a cassação de alvará de funcionamento de estabelecimentos que fizessem uso de trabalho escravo ou condições análogas.

De acordo com o TJ-SP, conforme trecho da ementa abaixo reproduzida (ADIn n.° 2145677-71.2016.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Francisco Casconi, julg. 30/11/2016):

INICIATIVA ORIUNDA DO PODER LEGISLATIVO LOCAL - INVIABILIDADE - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL CARACTERIZADA - LEIS QUE DISCIPLINAM MATÉRIA PRÓPRIA DE GESTÃO PÚBLICA, EM ATO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, CUJA INICIATIVA CABE EXCLUSIVAMENTE AO CHEFE DO EXECUTIVO - CRIAÇÃO DE CONDIÇÕES À MANUTENÇÃO E CONCESSÃO DE ALVARÁS DE FUNCIONAMENTO - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - OFENSA AOS ARTIGOS 5º, 24, §2°, 47, INCISOS II, XIV E XIX E 144, TODOS DA CONSTITUIÇÃO PAULISTA3.

Para além das inconstitucionalidades acima apontadas, o projeto aprovado contempla uma séria de incoerências que igualmente recomendam o seu veto, haja vista a contrariedade ao interesse público.

Em primeiro lugar, merece destaque a potencial incongruência entre, de um lado, os ilícitos e as sanções atualmente previstas nos §§ 2º e 3º do art. 6º da Lei n.° 10.205/86 e, de outro, a desconformidade e as penalidades objeto da propositura ora analisada. Para além da desproporção apontada acima, nota-se a adoção de mecanismos heterogêneos para apuração dos ilícitos, o que permite extrair uma indesejada desarmonia no regramento da função administrativo-repressiva. Tal aspecto já havia sido exposto por esta Procuradoria Geral do Município no parecer vertido na Informação n.° 1.115/2014-PGM.AJC (fls. 31/34 do expediente acompanhante). E a versão aprovada pelo Legislativo parece não superou tal inconsistência.

Em segundo lugar, entre as hipóteses de abertura de processo administrativo está a ciência de "decisões judiciais decorrentes do trânsito em julgado ou proferidas por órgão colegiado". A redação do preceito dá margem à interpretação de que decisões colegiadas não transitadas em julgado podem autorizar a tomada de medidas repressivas pelo Município, o que pode afrontar o princípio da presunção de inocência, como já exposto por esta PGM parecer acostado no expediente acompanhante.

Em terceiro lugar, a propositura veicula expressão que carreia indesejada generalidade - "extrema gravidade da conduta" (§5°, inciso II, alínea "c") -, de modo a gerar dificuldades no momento da aplicação do preceito.

Em vista do exposto, por conter tais contrariedades, propõe-se o veto integral à propositura.

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São Paulo, 21 de dezembro de 2016.

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP 183.508

PGM

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1 Tal aspecto já foi exposto por esta Procuradoria Geral do Município na análise de outras proposituras. Conforme o parecer ementado sob o n° 1.983: "Inconstitucionalidade. Previsão da punição de discriminação atentatória a direitos fundamentais, no art. 5º XLI da Constituição Federal. Matéria penal. Competência da União, ex vi do art. 22, inciso I da Carta Magna. Proposta de veto". No mesmo sentido o parecer ementado sob o n.° 11.517: "Projeto de Lei Municipal que estabelece penalidades administrativas em virtude de discriminação a pessoa idosa. Inconstitucionalidade. Previsão de punição de discriminação. Matéria penal. Competência da União (art. 22, inciso I, CF). Vício de iniciativa. Infrações definidas genericamente. Contrariedade ao interesse público. Pelo veto total."

2 A ausência de proporcionalidade apresenta-se patente pela mera verificação do que dispõe o art. 6º, §2°, da Lei n.° 10.205/86 (cf. dada pela Lei 11.785/95): "A constatação de práticas de racismo ou qualquer discriminação atentatória aos direitos e garantidas fundamentais sofrerá as seguintes penalidades: I-Advertência pelo Executivo Municipal em caso de denúncia de munícipe; II - Aplicação de multa no valor de 1000 Unidade Fiscal do Município-UFM em caso de flagrante delito verificado pelo agente municipal ou por condenação judicial; III - cassação da licença expedida em caso de reincidência ou não pagamento da multa autuada até que seja revisto o ato discriminatório ou sanada a dívida junto à municipalidade." Já o §3° do mesmo art. 6º dispõe (cf. redação dada pela Lei n.° 14.028/05): "Os estabelecimentos que permitirem a prática, facilitarem ou fizerem apologia, incentivo, mediação da exploração sexual de crianças e adolescentes, o comércio de substâncias tóxicas ou a exploração do jogo de azar terão suas licenças de funcionamento cassadas".

3 No corpo do Acórdão, restou apontado o seguinte: "O exame da Lei impugnada leva à conclusão que, de fato, houve intervenção do Legislativo no funcionamento do Executivo. Se para a execução de uma lei de iniciativa do Legislativo houver necessidade de providências imediatas a serem tomadas pelo Poder Executivo, interferindo em uma de suas funções típicas - exercício do Poder de Polícia Administrativa resta evidente a interferência de um Poder sobre o outro, na medida em que são impostas obrigações legais e alterações estruturais internas da Administração".

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TID 15923728

INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal

ASSUNTO: Projeto de Lei que estabelece penalidades em virtude de condutas que configurem redução de pessoa à condição análoga a de escravo.

Cont. da Informação n° 1.563/2016-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Transmito a Vossa Excelência, em atenção à inicial, com meu endosso, o parecer elaborado pela Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria, que propugna pelo veto total.

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São Paulo, 22/12/2016.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR ASSESSOR CHEFE - AJC

RESPONDENDO PELA COORDENADORIA DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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TID 15923728

INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal

ASSUNTO: Projeto de Lei que estabelece penalidades em virtude de condutas que configurem redução de pessoa à condição análoga a de escravo.

Cont. da Informação n° 1.563/2016-PGM.AJC

SGM/ATL

Senhora Assessora Especial

Retorno o presente, para ciência da precedente manifestação da Procuradoria Geral do Município, que propõe o veto integral do Projeto de Lei n.° 105/13, aprovado pelo Legislativo.

Mantido acompanhante (TID 11122813).

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São Paulo, 26/12/2016.

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo