CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 1.397 de 7 de Dezembro de 2018

Informação n° 1397/2018-PGM.AJC
Execução fiscal contra do Município. Possibilidade de cadastro do Município no CADIN federal. Reconhecimento do débito antes do ajuizamento da execução. Situação específica. Possibilidade de pagamento. Não configuração da preterição da ordem cronológica de precatórios.

Processo nº 6011.2018/0001329-5

Informação n° 1397/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONTECIOSO

Sr. Coordenador Geral

Trata-se de expediente inaugurado pelo comunicado encaminhado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, no qual noticia a existência de débito do Município e a possibilidade de sua inclusão no Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal - CADIN (010693404).

Diante da existência de execução fiscal (autos n. 0065439-75.2004.403.6182, 12ª Vara Federal das Execuções Fiscais da Subseção Judiciária de São Paulo), encaminhou-se o presente ao Departamento Fiscal - FISC e ao Departamento Judicial - JUD, oportunidades nas quais foi trazido o histórico do processo judicial e do próprio débito.

Após a propositura da execução fiscal e o seu redirecionamento contra o Município, houve a apresentação de exceção de pré-executividade, suscitando a sua ilegitimidade, que foi reconhecida em primeiro grau, mas afastada pelo Tribunal, razão pela qual houve o prosseguimento do processo executivo. Discute-se, atualmente, o valor atualizado do débito (010763705).

No histórico da constituição e da cobrança do débito, chama atenção a existência de decisão da então Prefeita, no Processo Administrativo n. 2003-0.096.286-6, determinando o pagamento dos débitos apurados junto ao INSS - Instituto Nacional de Seguro Social (010763478).

O Departamento Judicial - JUD entendeu ser a decisão da Prefeita uma particularidade que, além de distinguir o presente de outros casos nos quais há débitos do Município junto à União passíveis de inscrição no CADIN Federal, parece ser suficiente para justificar o pagamento antecipado. Aquele Departamento também considerou que o estágio atual da cobrança dos valores devidos pelo Município ainda permitiria, em tese, a aplicação do recente parecer proferido por essa Assessoria Jurídico-Consultiva - AJC (011964308), dada a identidade do fundamento lógico, apesar da diversidade da posição processual (012026709).

A Secretaria Municipal da fazenda - SF reiterou as consequências extremamente danosas ao Município caso haja a sua inscrição no CADIN Federal, pois implicaria em impedimento à efetivação de qualquer operação de crédito, bem como à celebração de convênios com repasses de recursos federais (012033829 e 012035861).

A Assessoria Técnica do Contencioso Judicial - ATC desta Procuradoria, por sua vez, discordou do JUD, pois entendeu que o fundamento do citado parecer desta AJC seria diverso, seja porque se tratava, naquela oportunidade, de ação proposta em face do Município que se encontrava na fase de conhecimento, seja porque a quitação do débito em questão não configuraria uma transação, mas mero pagamento antecipado (012251603).

É o que nos cabe aqui relatar.

Inicialmente, antes de quaisquer considerações a respeito do mérito da questão, é importante salientar, como já realizado no citado parecer (Informação n. 1200/2018 - PGM. AJC), que as consultas relacionadas a pagamentos de débitos e eventual quebra da ordem cronológica de precatórios sempre são formuladas com base em elementos fáticos ou jurídicos próprios do caso concreto, motivo pelo qual não nos é dada a oportunidade de estabelecer, em abstrato, as hipóteses nas quais não estaria configurada a quebra daquela ordem. Em outras palavras, a ausência de preterição na ordem cronológica de pagamento de precatórios depende do exame dos elementos do caso concreto, não sendo possível estabelecer critérios ou requisitos in abstracto.

Outro ponto ressaltado no parecer desta AJC e cujo destaque também nos parece indispensável neste momento é o fato de a discussão aqui suscitada ser extremamente polêmica, havendo "lições doutrinárias favoráveis e contrárias, e decisões judiciais no mesmo sentido ambíguo, sem que se tenha constituído alguma linha dominante", as quais "parecem variar de maneira casuística, em função de especificidades concretas". Essa conclusão é ainda mais perceptível se o exame da questão considerar as polêmicas e as variações de entendimentos ao longo do tempo, em especial diante das Emendas Constitucionais editadas nas últimas duas décadas que trataram do pagamento de precatórios.

Por tais razões é importante examinar as particularidades do caso em tela, iniciando por aquela que nos parece ser a mais relevante de todas: a existência de decisão da então Prefeita determinando o pagamento dos débitos apurados junto ao INSS em razão da autuação do Centro de Apoio Social e Atendimento do Município de São Paulo - CASA.

Apesar de não ser possível identificar se o débito aqui tratado estava ou não incluído na análise que fundamentou aquela decisão, é inquestionável que ela reconheceu a responsabilidade do Município em relação a débitos decorrentes de infrações à legislação previdenciária pelo CASA e constituídos por meio de autos de infração lavrados pelo INSS.

Em outras palavras, a autuação do CASA pelo INSS e a responsabilidade do Município pelos débitos tributários dela originado foram objeto de deliberação pela então Prefeita, autoridade máxima do Município, que não só entendeu devidos os valores ao INSS, como determinou o seu pagamento. Não se tratou apenas de reconhecimento do débito, mas de determinação para o seu pagamento.

Como dito, não é possível saber ser o débito aqui discutido estava ou não inserto entre aqueles que foram objeto de decisão pela Prefeita, mas, ainda que não estivesse, não seria possível à Administração municipal tomar outra providência que não fosse a mesma ali adotada, reconhecendo a responsabilidade do Município e realizando o pagamento do débito.

Desconhecemos as razões que levaram à não realização do seu pagamento, porém, a partir dos elementos sabidos, aquela omissão não nos parece devida a uma mudança de entendimento da Prefeita ou a razões jurídicas que afastassem a responsabilidade do Município, mas sim a equívocos dos órgãos envolvidos ou eventualmente à impossibilidade material de quitar tais valores.

Desse modo, a discussão judicial da existência do débito ou da responsabilidade tributária do Município, com a apresentação de exceção de pré-executividade, mostrou-se contraditória com a decisão da Prefeita e demais providências adotadas pela Administração municipal. Muito provavelmente a deliberação da Prefeita sequer era conhecida do Procurador responsável pela defesa, tampouco do Procurador da Fazenda Nacional, caso contrário teria sido considerada na definição das providências ou mesmo levada ao conhecimento do juízo.

Em suma, diante da decisão da então Prefeita (010763478), o pagamento do débito deveria ter sido realizado, razão pela qual foram contraditórias e equivocadas as providências adotadas posteriormente pela Administração. A nosso ver, o pagamento do débito neste momento significaria apenas o implemento daquela decisão e o saneamento das falhas que levaram ao seu descumprimento e à defesa desse descumprimento no âmbito judicial.

Essa providência não nos parece representar uma preterição na ordem cronológica de precatórios, pois a discussão judicial não foi fruto da contrariedade da Administração Pública ao pagamento do débito (a declaração da sua autoridade máxima foi favorável a tal providência), mas sim, ao que se afigura, de eventuais equívocos ou da impossibilidade material de fazê-lo.

Aliás, pertinente a lição do Professor Adilson Dallari, ao esclarecer que "[s]e houver interesse público, pode a Fazenda Pública efetuar o pagamento de maneira voluntária, independentemente de constrição judicial. A execução judicial, mediante a expedição de precatório, somente se justifica se houver recusa no pagamento voluntário"1. De fato, se o Poder Público sempre entendeu devido certo valor, deixando de quitá-lo e ficando em mora por razões alheias à sua vontade, não faz sentido impor a existência de um processo judicial e a expedição de um precatório.

A propósito, se examinarmos exemplos usuais de pagamentos realizados pelo Município sem a expedição de precatório, como aqueles realizados em virtude de indenização administrativa ou mesmo em desapropriações amigáveis, cuja constitucionalidade in abstracto não é por ninguém questionada, percebemos que uma das principais características nesses casos, senão a principal, é justamente o reconhecimento do débito pela Administração municipal e a concordância com o seu pagamento.

Conforme lição de Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, ao tratarem da possibilidade de acordos na execução contra a Fazenda Pública, o pagamento de débitos pela Administração Pública, realizado com fundamento em decisão administrativa e consubstanciado em providência de mesma natureza, não se submete à sistemática do precatório por não se tratar de uma imposição do Poder Judiciário, mas sim de uma opção administrativa.

Vale ressaltar: em tais casos, o pagamento a ser feito pela Fazenda Pública não decorre dessa específica modalidade de manifestação judicial (o precatório), mas sim de providência administrativa. Num sistema, o pagamento é fruto de imposição do Poder Judiciário, que determina a inclusão de determinada ordem de pagamento na lei orçamentária. No outro, o pagamento decorre de opção administrativa, que, para ser válida, deve se coadunar com a previsão orçamentária já existente, além de atender aos preceitos da boa administração, não se beneficiando das garantias e privilégios que a Constituição confere aos precatórios.

Seria um sem sentido imaginar que débitos quitados administrativamente devessem obedecer à ordem cronológica dos precatórios. Por este caminho, qualquer obrigação oriunda de contrato celebrado pela Administração haveria de ser cobrada em juízo, a fim de preservar esta suposta "unicidade" na ordem de pagamentos efetuados pela Administração. Débitos judiciais incluídos no orçamento, por esta via, precederiam necessariamente ao pagamento de qualquer dívida oriunda da execução de um contrato administrativo. Para que fosse quitada a fatura de uma simples passagem aérea, neste sistema ficcional, todos os precatórios judiciais previstos para aquele exercício orçamentário haveriam de ser quitados (por serem precedentes à exigibilidade do crédito contratual), sob pena de uma suposta violação à isonomia fixada pelo art. 100 da Constituição Federal. Não é isto que determina a Constituição, por óbvio.2

A existência de uma declaração por parte da Administração, antes mesmo da propositura da execução fiscal e da apresentação de defesa, é uma particularidade de extrema relevância e a principal razão para que o pagamento do débito possa não ser considerado quebra da ordem cronológica dos precatórios. Entretanto, a partir do exame de algumas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP, percebemos que não é a única razão. Reitere-se: essas decisões são esparsas e não representam, de modo algum, a jurisprudência pacífica, dominante ou mesmo majoritária daquele Tribunal, pois, como dito acima, trata-se de matéria extremamente polêmica.

Uma razão poderia ser a ausência de definição do débito e de expedição de precatório3, pois aquele Tribunal já considerou que o credor deve estar em condições de exigir o seu crédito, mediante a expedição do ofício requisitório, para ser considerado como paradigma para fins de preterição da ordem cronológica4. Contudo, tal alegação não seria aderente ao caso, pois, ainda que não haja precatório, trata-se de débito inscrito em dívida ativa, o qual goza de certeza e liquidez (artigo 204 do Código Tributário Nacional e 3º da Lei Federal n. 6.830/80, Lei de Execuções Fiscais).

Poderia ser suscitada como razão a diversidade de dotações orçamentárias. Ao invés de o débito ser quitado com verbas públicas destinadas ao pagamento dos precatórios, a Administração destinaria a tal fim verbas de outra dotação, o que não prejudicaria os credores mais antigos.

A ausência de quebra da ordem cronológica em tal hipótese é indicada por Hugo Nigro Mazzilli5 e Adilson Dallari6 e foi reconhecida pelo TJSP em algumas oportunidades, como demonstra a ementa transcrita a seguir:

Agravo de Instrumento - Desapropriação em fase de liquidação - Acordo firmado entre expropriante e expropriados - Pagamento com 23% de desconto - Necessidade de imediata liberação da área para execução de melhoramento - Vantagem para o erario - Pagamento com dotação orçamentária diversa daquela referente ao pagamento de precatórios - Possibilidade do acordo - Ausência de violação ao artigo 100 e §§, da Constituição Federal. (TJSP; Agravo de Instrumento 9029449-11.2004.8.26.0000; Relator (a): Afonso Faro; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 8.VARA; Data do Julgamento: N/A; Data de Registro: 28/05/2004).

Pedido de seqüestro - Necessidade de comprovação de inversão da ordem cronológica dos pagamentos - Pagamentos parciais - Sem embargo a entendimento diverso, reafirma-se agora a motivação antes adotada pela Presidência do Tribunal de Justiça, para indeferimento do pedido seqüestro, porque os acordos foram realizados, por motivo específico e no interesse público, com financiamentos obtidos junto ao BID, o que afasta a alegação de quebra da ordem cronológica, porque justificada a extinção do precatório posterior - Inexistência de provas para configurar a preterição - Indeferimento quanto a pretensão de mudança do fundamento do pedido de seqüestro - Agravo não provido. (TJSP; Agravo Regimental 9024213-44.2005.8.26.0000; Relator (a): Celso Limongi; Órgão Julgador: Orgão Julgador Não identificado; Foro Central Cível - São Paulo; Data do Julgamento: N/A; Data de Registro: 16/08/2007)

A impossibilidade de sequestro em razão da diversidade de dotações orçamentárias parece ter recebido um novo colorido com as Emendas Constitucionais n. 62 e 94, as quais estabeleceram regimes especiais para os entes federados que estivessem em mora na quitação de precatórios vencidos.

Segundo a Emenda Constitucional - EC n. 62, que incluiu o artigo 97 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, os entes que estivessem em mora na data da sua publicação fariam o pagamento através do depósito, em conta especial, dos valores calculados de acordo com os critérios ali estabelecidos, baseados nas suas receitas, não podendo sofrer sequestro de valores, exceto no caso de não liberação tempestiva dos recursos.

Por sua vez, a EC n. 94 incluiu os artigos 101 a 105 na ADCT, os quais estabeleceram uma sistemática parecida no que se refere ao depósito em conta especial, à definição dos critérios para o cálculo dos valores a serem depositados e à impossibilidade de sequestro de valores, exceto no caso de os recursos não serem tempestivamente liberados.

O especial colorido que tais Emendas trouxeram à questão decorre da obrigação de depósitos em contas especiais de valores pré-definidos de acordo com critérios estabelecidos pelas próprias Emendas e da impossibilidade de sequestro de valores, exceto no caso de os recursos não serem liberados tempestivamente. Isso porque ficou ainda mais evidente a diferença entre verbas destinadas ao pagamento de precatórios e a outras finalidades: as primeiras são calculadas de acordo com critérios prévios e depositadas em conta especial, a ponto de as próprias Emendas vedarem o sequestro de valores se o ente federado estiver realizando corretamente tais depósitos.

Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, no texto citado anteriormente, também analisaram a questão do pagamento por meio de acordo e eventual desrespeito à ordem cronológica em face da EC n. 62:

Mais uma vez, não há que se falar em tratamento privilegiado ou em burla ao modelo constitucionalmente introduzido. A EC n° 62, além do parcelamento, criou também um inédito mecanismo de vinculação de receitas públicas à quitação dos créditos inscritos em precatórios. Tais dívidas públicas, portanto, apesar de terem passado a se sujeitar ao parcelamento, receberam uma garantia de recursos orçamentários que só a elas beneficia. A celebração de acordos para eliminar disputas judiciais que ainda não foram objeto de precatório em nada afeta essa garantia ou o prazo de quitação das dívidas.7

Vale transcrever a seguinte ementa de julgamento do Órgão Especial do TJSP que enfrentou a questão da preterição da ordem cronológica diante da EC n. 62:

1 - MANDADO DE SEGURANÇA. Impetração contra ato do Presidente deste E. Tribunal de Justiça que extinguiu pedido de sequestro de rendas públicas. 2. Alegação de ilegalidade. Inocorrência. No regime especial de pagamento da EC 62/2009 a única possibilidade de sequestro de rendas públicas está prevista no artigo 97, § 10, inciso I, do ADCT, e não diz respeito à hipótese de preterição de direito de precedência, e sim à hipótese de não liberação tempestiva dos recursos de que tratam o inciso II do § 1° e os §§ 2° e 6°, do mencionado art. 97, o que não ocorre no presente caso. 3. Quebra de ordem cronológica, ademais, que não ficou suficientemente caracterizada nos autos. Os acordos questionados pelo impetrante (e que teriam preterido o direito de precedência de seus precatórios) foram realizados com apoio na Lei Municipal n° 10.182, de 30 de outubro de 1986 e Decretos 51.378, de 31 de março de 2010, 52.011, de 17 de dezembro de 2010, 52.312, de 13 de maio de 2011 e 54.789, de 24 de janeiro de 2014. Conjunto de normas que atende as exigências do artigo 30 da Resolução n° 115 do Conselho Nacional de Justiça e do artigo 97, § 8°, inciso III, do ADCT, uma vez que traça normas genéricas, abstratas e impessoais, de forma que qualquer credor, inclusive o impetrante desde que aceitasse o deságio proposto de 50% - poderia ter realizado transação semelhante, em iguais condições, e sem aparente ofensa aos princípios da razoabilidade, moralidade e impessoalidade. 4. De qualquer forma, ainda que se reconhecesse a existência de irregularidade na formalização dos acordos (por falta de autorização de lei específica), esse fato, mesmo assim, não resultaria no efeito almejado pelo impetrante, porque a conta destinada ao pagamento de precatórios em ordem cronológica (em cuja fila estão localizados os precatórios do impetrante) continua recebendo normalmente os recursos destinados a esse fim (50%), independentemente da utilização (correta ou não) dos recursos da conta referente ao recebimento dos recursos destinados ao pagamento de acordos, o que já é suficiente para afastar a alegação de ocorrência de preterição. 5. Direito líquido e certo inexistente. Segurança denegada. (TJSP; Mandado de Segurança 2052113-09.2014.8.26.0000; Relator (a): Ferreira Rodrigues; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 17/12/2014; Data de Registro: 14/01/2015 - destaques nossos).

A partir da leitura do acórdão, parece-nos evidente que o Órgão Especial do TJSP entendeu que não há quebra da ordem cronológica se o ente federado está realizando pontualmente os depósitos na conta especial. Ou seja, aquele Tribunal não apreciou apenas a possibilidade de sequestro de valores, pois também examinou a existência ou não de preterição na ordem cronológica de pagamento de precatórios, chegando à conclusão de que não há tal preterição quando houver liberação tempestiva dos recursos, nos moldes da Emenda Constitucional.

Outra razão apontada pela doutrina8 e em algumas decisões do TJSP9, e indicada no citado parecer desta AJC (Informação n. 1200/2018 - PGM.AJC)10, é o interesse público consubstanciado na vantajosidade que pode existir no pagamento do débito de forma diversa daquela prevista na sistemática do precatório. Tal hipótese é evidente nos casos em que há transação ou acordo com algum tipo de desconto ou benefício ao Poder Público, mas não acreditamos que se resuma a esses casos.

A noção de vantajosidade que aqui nos interessa não deve ser confundida com a concessão de um benefício ou mesmo com a melhora de status de alguém, pois muitas vezes a vantajosidade significa a mera manutenção do status quo. Essa assertiva torna-se mais clara se a ilustrarmos com um exemplo puramente imaginário: um governo estabelece em seu plano o objetivo de restringir ou mesmo afastar direitos ou garantias fundamentais; passado o mandato do governante e após muitas discussões e embates, eles permanecem incólumes. Nesse exemplo, não há como negar que a manutenção do seu status inicial demonstra a existência de uma imensa vantagem aos cidadãos daquele pobre país (ainda que eles próprios desconheçam a importância de se manter aquele status inicial).

Examinando o débito em questão e as consequências advindas do seu não pagamento, especificamente da inscrição do Município no CADIN Federal, percebemos claramente existir uma vantagem (e consequente interesse público) na manutenção do status atual da Municipalidade (não inscrição no CADIN Federal), pois, ainda que ausente a concessão de algum desconto no valor do débito tributário, o seu pagamento neste momento afastará a certeza de que o Município sofrerá um prejuízo gigantesco, como bem pontuado pela SF.

Aliás, vale transcrever aqui o seguinte trecho da manifestação do Procurador Geral de Justiça no processo do Agravo de Instrumento citado acima (autos n. 9029449-11.2004.8.26.0000), na qual foi suscitada como razão para a correção do pagamento realizado pela Administração Pública ao seu credor o fato de que a manutenção do débito traria prejuízos à situação dos cofres públicos, dados os gastos que viria a arcar no futuro:

Quanto às demais justificativas apresentadas, cumpre observar que, se não concluísse rapidamente a desapropriação de imóveis localizados no vale do Córrego do Franquinho, com vistas ao cumprimento do cronograma de obras estabelecido com o BID, os cofres públicos municipais sairiam prejudicados, em face da necessidade de arcar com o ônus da comissão de crédito incidente sobre o saldo não utilizado do financiamento.

Essa justificativa apresenta significativa relevância, pois demonstra que a quitação antecipada do paradigma não decorreu do singelo propósito de beneficiar o seu titular, em detrimento dos credores melhor posicionados na ordem cronológica de pagamentos, mas sim para salvaguardar o interesse público, em especial o Erário Municipal, que seria obrigado a suportar despesas extras em razão do atraso no cronograma das obras.

Por fim, acreditamos ser importante reiterar algo que temos afirmado em outras ocasiões11: a relação entre dois entes federados não pode ser interpretada como se fosse entre um ente federado e um particular.

A ordem de precedência cronológica em que estão os credores do Estado tem por fim assegurar a impessoalidade e a objetividade no trato da questão, de modo a evitar que o Poder Público possa escolher quais pessoas teriam seus créditos quitados, beneficiando certos credores em detrimento dos demais. Essa finalidade perde a razão de ser quando credor e devedor são entes federados. O tratamento constitucional e legal dispensado ao Estado é marcado por privilégios e deveres que afastam qualquer tentativa de se estabelecer uma isonomia com os particulares. Além disso, não podemos nos esquecer que os entes federados formam um único Estado, a República Federativa do Brasil. Ainda que inquestionável a autonomia dos entes federados, trata-se, em última instância, de uma unidade, motivo pelo qual o relacionamento entre eles deve ser marcado por cooperação e coordenação, mostrando-se incongruente a tentativa de igualá-lo àquele existente entre ente federado e particulares.

Por essas razões, se refletirmos sobre o caso em tela, perceberemos que é absurdo dizer que o Município estará ferindo a isonomia ou a objetividade ao pagar o débito tributário, ainda que objeto de execução fiscal, sob o argumento de que estará tratando de modo diferente a União e os credores particulares, escolhendo e beneficiando a primeira em detrimento dos demais: a União, os Estados ou os Municípios nunca serão tratados como mero particulares, pois sempre terão privilégios ou deveres que não alcançam esses últimos, e a própria existência de débitos de natureza tributária e do CADIN demonstra essa diferença.

Diante do quanto exposto até aqui, entendemos que o pagamento, nesta ocasião, do débito oriundo da autuação do CASA pelo INSS não configura preterição na ordem cronológica dos precatórios, mas apenas o implemento da decisão da então Prefeita, autoridade máxima no Município, que reconheceu a responsabilidade desse e determinou o pagamento do débito, saneando-se as falhas que levaram ao seu descumprimento e à defesa desse descumprimento no âmbito judicial. Contudo, ainda que tal razão não fosse suficiente per se a justificar tal providência, se examinarmos a realização do pagamento daquele débito a partir do conjunto de todas as razões aqui suscitadas, em especial a existência da deliberação da Prefeita, a diversidade de dotação orçamentária, a vantajosidade do pagamento e o fato de o credor ser a União, chegaremos à conclusão, a partir de um juízo de ponderação12, que o pagamento neste momento é viável e não representará ofensa à ordem cronológica de precatórios.

Todavia, conquanto tenhamos esse entendimento, não nos é dada a possibilidade de afirmar que o mesmo é pacífico, dominante ou mesmo majoritário, seja na doutrina, seja na jurisprudência. Consequentemente, não é admissível asseverar, de forma categórica ou mesmo segura, que o pagamento ao INSS não configura quebra da ordem cronológica dos precatórios, tampouco o oposto.

Ademais, o significado que será atribuído ao pagamento do débito neste momento e antes da expedição do precatório é ainda mais incerto se considerarmos a ausência de uma definição clara, em muitos casos, dos atos que configuram quebra da ordem cronológica em comparação com aqueles que justificam o sequestro de valores. Essa delimitação é fundamental porque o sequestro de valores não é a única consequência da preterição da ordem cronológica, pois a autoridade pode vir a ser responsabilizada, inclusive por ato de improbidade13.

Obviamente, não nos parece crível que o pagamento de certo débito seja considerado como quebra da ordem cronológica se tal providência não pode ser admitida como fundamento do sequestro de valores; ou seja, se não é admissível, em certo caso, o sequestro de valores em virtude do pagamento a credor mais novo, tal providência não pode ser interpretada como quebra da ordem cronológica para nenhum fim. É incongruente que não se admita o sequestro de valores, cuja essência é justamente a preservação do direito que goza o credor mais antigo, razão de ser da própria ordem cronológica, mas se aceite a responsabilização da autoridade, com fins meramente retributivos. Desse modo, se as Emendas Constitucionais n. 62 e 96 determinam que não é possível o sequestro de valores, também estão afirmando que não há quebra da ordem cronológica se a liberação de recursos for realizada tempestivamente.

Considerando a ausência de segurança, fruto da variação de entendimentos e das polêmicas existentes sobre tema, acreditamos ser mais adequado que se busque uma decisão judicial que autorize o pagamento do débito, na própria execução fiscal ou em ação própria. Aliás, essa medida se mostra adequada não só porque possivelmente permitirá a realização do pagamento com fundamento em decisão judicial, mas também porque, caso haja um posicionamento contrário por parte do Poder Judiciário, o seu indeferimento poderá ser utilizado como fundamento de eventual pedido judicial de suspensão da inscrição do Município no CADIN Federal ou de seus efeitos.

Mostrar-se-á absurdo que a Administração Pública municipal sofra as consequências da inscrição no CADIN Federal e, ao mesmo tempo, esteja impedida de realizar o pagamento do débito. É notória a extrema importância (muitas vezes dependência) de recursos federais na gestão municipal, razão pela qual será criado um cenário desesperador se a Prefeitura deixar de realizar operações de crédito ou celebrar convênios com a União. Acreditamos que o Poder Judiciário, ciente dessa situação, ou permitirá o pagamento do débito tributário, pelas razões elencadas acima, ou suspenderá a inscrição no CADIN Federal ou os seus efeitos, pelas consequências gravosas ao Município dela advindas.

Diante de todo o exposto, sugerimos o retorno do presente ao JUD, para que tal Departamento estude e proponha as medidas judiciais pertinentes, na própria execução fiscal ou por meio de ação própria, visando à realização do pagamento do débito tributário ou à suspensão da inscrição do Município no CADIN Federal ou dos efeitos dessa inscrição.

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São Paulo, 07/12/2018.

FÁBIO VICENTE VETRITTI FILHO

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP n° 255.898

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 07/12/2018.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP n° 175.186

PGM

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1 DALLARI, Adilson Abreu. Acordo para recebimento de crédito perante a fazenda pública. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 239, p. 177-192, jan. 2005. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43866>. Acesso em: 14 Nov. 2018. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v239.2005.43866, p. 191.

2 SUNDFELD, Carlos Ari; CAMARA, Jacintho Arruda. Acordos na execução contra a Fazenda Pública. Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n. 30, jul./set. 2010. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=69424>. Acesso em: 18 nov. 2018.

3 Nesse sentido, vale transcrever o seguinte trecho do citado parecer desta AJC (Informação n. 1200/2018-PGM.AJC): "E, no caso concreto, o estado do processo é inicial. Segundo consulta realizada no ESAJ, o feito anda está na fase petitória, não tendo ocorrido a formação do título executivo judicial, o que, a rigor, favorece a possibilidade da transação."

4 Seqüestro - Indeferimento - O precatório da requerente não se encontra vencido para cumprimento da obrigação - Paradigma indicado como violador da preterição não possui ofício protocolado junto ao DEJPRE — Inexistência de quebra da ordem cronológica Agravo improvido. (...) É certo, neste sentido, como se vem decidindo, que credor mais recente, mesmo ainda não munido de precatório já protocolado, se pago antes de outro mais antigo pode servir de base à demonstração da preterição que dá sustento ao seqüestro. Esta a lição expressa de Araken de Assis, in Manual do Processo de Execução, RT, 4ª ed, pág. 700 e Vicente Greco, in Da Execução contra a Fazenda Pública, Saraiva, 1986, pág. 95. Mas não menos certa a exigência de que ao menos este credor já o seja em condições de exigir seu crédito, mediante a expedição do devido precatório. Sem isso, de resto, nem se configurará crédito passível de autorizar a formação de precatório; situação diversa aí sim com possibilidade de preterição - de precatório que pode ser expedido e não é, ou é mas não está protocolado. (TJSP; Agravo Regimental 9046442-32.2004.8.26.0000; Relator (a): Luiz Tâmbara; Órgão Julgador: Orgão Julgador Não identificado; Foro Central Cível - São Paulo; Data do Julgamento: N/A; Data de Registro: 16/03/2005 -destaques nossos).

5 Em si, os acordos muitas vezes são vantajosos para o Município, mesmo porque, sobre fazerem estancar a correção monetária incidente sobre essa parte do débito municipal, ainda não raro incluem dispensa de pagamento de juros compensatórios ou mesmo permitem o pagamento do acordo em várias parcelas; entretanto, é mister evitar burla à lei, com pagamentos a inverter a ordem dos precatórios sob o pretexto de transação. Sob certas condições, podem-se admitir acordos sem que haja fraudulenta inversão da ordem de pagamentos. Pressupõe-se sejam feitos sob valores sensivelmente inferiores ao crédito originário, significando, porém, quitação da dívida; senão uma pseudo-transação poderia elidir a garantia constitucional, com verdadeiras inversões da ordem de pagamento de precatórios (AgRg n. 2.480-0, RT, 575/73). Não se admite, porém, que o numerário usado para pagar os acordos, ainda, que vantajosos para o Erário Municipal, provenha da mesma verba destinada ao pagamento dos precatórios judiciais (cf. AR n. 5.123-0 e 3.269-0-TJSP; Seqs. n. 8.753-0/4, 6.313-0, 2.649-0 e 1.718-0-TJSP). (MAZZILLI, Hugo Nigro. Notas sobre o pedido de seqüestro contra a Fazenda Pública. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 80, n. 673, p. 237-239, nov., 1991 - destaques nossos).

6 Ob. cit.

7 SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Ob. cit.

8 SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Ob. cit.; MAZZILLI, Hugo Nigro. Ob cit.; DALLARI, Adilson Abreu. Ob. cit.

9 Agravo de Instrumento 9029449-11.2004.8.26.0000; Relator (a): Afonso Faro; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 8.VARA; Data do Julgamento: N/A; Data de Registro: 28/05/2004.

10 "Este proveito ou ganho da Administração, representado pelo interesse público, justifica a realização de transações e respectivos pagamentos, mesmo quando pendentes ações judiciais. (...) Note-se, porém, que eventual acordo somente poderá ser aceito se o interesse público estiver bem caracterizado, com vantagem manifesta para a Autarquia."

11 Ementa 11.748 desta AJC.

12 "O intérprete autêntico, ao produzir normas jurídicas, pratica a júris prudentia e não uma júris scientia. O intérprete autêntico, então, atua segundo a lógica da preferência, e não conforme a lógica da conseqüência [Comparato 1979/127]: a lógica jurídica é a da escolha entre várias possibilidades corretas. Interpretar um texto normativo significa escolher uma entre várias interpretações possíveis, de modo que a escolha seja apresentada como adequada [Larenz 1983/86]. A norma não é objeto de demonstração, mas de justificação. Por isso a alternativa verdadeiro/falso é estranha ao direito; no direito há apenas o aceitável (justificável). O sentido do justo comporta sempre mais de uma solução [Heller 1977/241]" (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 9ª ed., rev e ampl. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 41).

13 TJSP; Apelação 0006707-54.2002.8.26.0053; Relator (a): Luís Francisco Aguilar Cortez; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 3ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/05/2017; Data de Registro: 18/05/2017; TJSP; Apelação 0015134-94.2011.8.26.0127; Relator (a): Maria Olívia Alves; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Carapicuíba - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/03/2016; Data de Registro: 22/03/2016.

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Processo nº 6011.2018/0001329-5

Cont. da Informação n° 1397/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, no sentido da possibilidade de pagamento do débito em questão, mas, devido à ausência de segurança na adoção de tal providência, com a sugestão de retorno ao Departamento Judicial para que estude e proponha as medidas judiciais pertinentes.

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São Paulo, 10/12/2018.

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP n° 195.910

PGM

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Processo nº 6011.2018/0001329-5

Cont. da Informação n° 1397/2018-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA

Sr. Secretário

À vista da manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Geral do Município, que endosso, no sentido da possibilidade de pagamento do débito em questão, bem como da ausência de segurança na adoção de tal providência, encaminho-lhe o presente para realização de estudos e definição das medidas judiciais pertinentes, visando à realização do pagamento do débito tributário ou à suspensão da inscrição do Município no CADIN Federal ou dos efeitos dessa inscrição, observada a urgência que o caso requer.

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São Paulo, 11/12/2018.

LUCIANA SANT'ANA NARDI

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

SUBSTITUTA

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Processo nº 6011.2018/0001329-5

JUD/G

Sr. Diretor,

Encaminho nos termos do Encaminhamento PGM/CGC 013266054, por equívoco endereçado à Secretaria da Fazenda.

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São Paulo, 12/12/2018.

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP n° 195.910

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo