Processo nº 6021.2020/0040681-3
INTERESSADO: Antonio de Almeida Alves de Oliveira
ASSUNTO: Retificação de área.
Informação n. 168/2021 - PGM-AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador Geral
Trata o presente de pedido de retificação de área relativo aos imóveis situados entre os números 457 e 563 da Rua Barnabé Coutinho, na Freguesia do Ó (doc. 034556867, fls. 39).
Na instrução efetuada, identificou-se que os imóveis têm origem no loteamento aprovado Vila Albertina (ARR 0049 - doc. 035068841 e 035068923). As áreas destinadas aos logradouros do loteamento foram doadas à Municipalidade por meio de escritura, devidamente transcrita (doc. 037919339).
Ao analisar o caso, por meio de estudo de sobreposição, DEMAP-31 identificou interferência da área retificanda com logradouro previsto na planta correspondente ao referido loteamento (doc. 035904567).
PARHIS informou que, embora o loteamento estivesse implantado antes de 19.12.1979, conforme comprovado pelo levantamento GEGRAN 1972, o alinhamento da Rua Barnabé Coutinho, com a qual confrontam os imóveis retificandos, não estava então definido (doc. 037673874).
Para a unidade oficiante, a doação dos logradouros à Municipalidade não constituiria um empecilho à aplicação do entendimento objeto do parecer correspondente à Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, dado o caráter causal da referida doação e a prevalência dos atos de oficialização, que têm por referência logradouros abertos, conforme análise efetuada na Informação n. 2842/2014 - SNJ-G. No entanto, no caso presente, não caberia invocar a regularização sumária da desconformidade existente - entre a planta aprovada e a situação fática - pelo fato de não estar demonstrada uma situação consolidada anterior a 19.12.1979 no trecho em questão. Sem embargo, poderia ser aplicado ao caso o entendimento objeto do parecer ementado sob o n. 12.088 - PGM-AJC, pois se trata de confrontação com logradouro oficial por ocasião da entrada em vigor do art. 102 da Lei n. 16.642/17, havendo a informação de que o imóvel observa o alinhamento existente e os limites constantes do Mapa Digital da Cidade. Assim, não obstante a doação recebida pela Urbe, a unidade oficiante entendeu cabível desistir da impugnação já apresentada (doc. 037924417).
Acolhendo tal entendimento, a Diretoria de DEMAP submeteu a esta Coordenadoria a questão relativa a se o recebimento de logradouros em doação, por parte da Municipalidade, afastaria a aplicação do entendimento objeto das Ementas n. 11.773 e 12.088 - PGM-AJC (doc. 038588012).
É o breve relato do processado.
Não parece haver motivo para divergir do entendimento do DEMAP quanto à possibilidade de que os entendimentos acolhidos nos pareceres a que se referem as Ementas n. 11.773 e 12.088 - PGM-AJC sejam aplicados também aos casos em que houve a doação formal de áreas à Municipalidade, no âmbito do parcelamento do solo.
Com efeito, nos termos da Lei n. 3427/29, a doação constituía um requisito para a aceitação oficial das vias pelo Município (art. 547, parágrafo único), mas isso só acontecia depois que as obras eram executadas de acordo com a aprovação (art. 543). Era a Câmara Municipal que aceitava as vias de comunicação, declarando-as incorporadas ao domínio público; a partir de então, elas podiam ser consideradas oficialmente abertas ao trânsito público (art. 544).
A Consolidação do Código Arthur Saboya (Ato n. 663/1934) foi ainda mais explícita, deixando claro que a doação de leitos dos logradouros não podia ter efeitos autônomos, à margem da efetivação do arruamento. Embora a doação dos logradouros fosse exigida para a própria expedição do alvará de aprovação, a efetividade de tal negócio jurídico ficava condicionada ao recebimento oficial da rua (art. 746, § 1°).
Ao limitar a eficácia da doação à futura aceitação dos logradouros abertos, os preceitos referidos aproximavam o contrato de doação da própria concepção do concurso voluntário: de fato, como os efeitos da doação eram condicionados a um ato unilateral do Município, ela acabava por constituir, na prática, uma espécie de oferta solene, formal, que se colocava no contexto da abertura das vias, mas que não implicava, por si só, a incidência do domínio público sobre elas.
Assim, tais dispositivos, de uma parte, fixavam a origem dominial das vias que viessem a ser abertas, afastando a possibilidade de qualquer reclamo por parte do particular, que já concordava, desde logo, com a incorporação de tais espaços ao patrimônio público; de outra parte, afastavam a possibilidade de que a Urbe recebesse em doação tais áreas apenas para fins de acréscimo patrimonial, e não para compor o resultado do parcelamento do solo, pois o negócio jurídico não produzia efeitos caso as vias não viessem a ser recebidas e oficializadas. Seria o caso, por exemplo, do arruamento apenas aprovado e que acabou por não ser executado pelo interessado, ou mesmo do arruamento que, implantado de modo imperfeito ou incompleto, não levou à existência de vias executadas nas áreas que integraram a doação primitiva (Informação n. 2842/2014 - SNJ-G).
Portanto, conforme raciocínio desenvolvido no parecer citado, embora pudesse haver um contrato de doação, o domínio público somente se aperfeiçoava com o ato pelo qual a Municipalidade recebia oficialmente as áreas doadas. Isso deve ser entendido como uma decorrência da oficialização dos logradouros, a qual somente podia ter por referência a situação implantada, e não a projetada. Por isso, em caso de discrepância entre a planta de parcelamento e a realidade fática, acolhida pela oficialização, era esta que devia prevalecer.
O mesmo raciocínio se aplica ao caso presente, em que a doação ocorrida não foi, contudo, acompanhada de uma abertura do logradouro nos termos da planta aprovada. Essa discrepância se refletiu no ato de oficialização, que não teve por objeto a praça circular prevista na planta de loteamento, mas apenas a Rua Barnabé Coutinho, conforme existente no local. Portanto, mesmo com a doação realizada, nunca foi possível sustentar o domínio público sobre os logradouros previstos na planta, já que eles não foram abertos e oficializados exatamente segundo a configuração aprovada.
Não obstante, é preciso notar que a situação dos autos é significativamente distinta daquela que foi analisada nos pareceres a que se referem as ementas n. 11.773 e 12.088 - PGM-AJC. Nesses casos, que tratam, respectivamente, dos efeitos dominiais decorrentes da regularização sumária do parcelamento do solo e da estabilização dos alinhamentos oficiais, considera-se a existência de uma situação projetada, juridicamente eficaz, que se resolveu em função de atos legislativos segundo os quais ficou definida a prevalência da situação implantada. Antes do advento de tais normas legais, todavia, os logradouros deviam efetivamente ser considerados integrantes do patrimônio municipal, nos termos das plantas oficiais, tendo sido legítimas as medidas tomadas em virtude dessa qualificação jurídica.
O mesmo não se aplica ao caso presente, que remonta ao período anterior ao regime do Decreto-Lei n. 58/37. De fato, foi tal ato normativo que trouxe para o ordenamento jurídico nacional a possibilidade de transferência de imóveis ao Poder Público por força de atos formais como a inscrição e a aprovação do parcelamento, gerando uma propriedade resolúvel que pode tornar-se plena, em seguida, com a implantação do logradouro (Ementa n. 11.773 - PGM-AJC). Antes da vigência do Decreto-Lei n. 58/37, não havia base jurídica anterior que pudesse sustentar a aquisição do domínio por meio de tais atos meramente formais.
No regime anterior ao Decreto-Lei n. 58/37, a aquisição das áreas correspondentes aos logradouros dependia, em síntese, da afetação de tais espaços, como decorrência do chamado concurso voluntário, conforme brilhante estudo de antigo integrante da advocacia pública paulistana1. Assim, a simples aprovação do loteamento, no regime anterior ao Decreto-Lei n. 58/37, não podia ensejar a transferência de áreas ao domínio público. Mesmo que houvesse uma doação dessas áreas, ela produzia efeitos práticos, como visto, de uma mera oferta. Somente a efetiva abertura dos logradouros e oferecimento destes, já abertos, à aceitação da Municipalidade, é que os fazia serem incorporados ao patrimônio municipal.
Nessa linha, a verificação da incorporação, ao domínio público, de logradouros de parcelamentos anteriores Decreto-Lei n. 58/37 exige uma demonstração de elementos fáticos pertinentes à abertura e ao oferecimento dos logradouros, o que não se dá no caso dos loteamentos aprovados no regime posterior. Não basta, para os vetustos parcelamentos, o ato formal de aprovação ou inscrição; é necessária a averiguação dos aspectos negociais envolvidos, o que somente pode ocorrer mediante a análise dos elementos probatórios pertinentes (Informações n. 465/2014 e 1066/2014 - SNJ-G).
Se essa análise não revela a incorporação do logradouro ao domínio municipal, ou se essa incorporação não ocorre nos termos da planta aprovada, não é necessário um procedimento específico de regularização (Informação n. 4175/07 - SNJ-G) ou uma intervenção legislativa para a modificação dos efeitos da aprovação (Ementas n. 11.773 e 12.088 - PGM-AJC), como ocorre nos casos posteriores a 1937. Com efeito, nesses casos mais antigos, não há domínio público decorrente da aprovação, nem mesmo em caráter resolúvel.
Nesses casos, pois, é apenas indispensável verificar se o logradouro, em algum momento, teria sido efetivamente implantado de modo diverso daquele hoje existente no local. Não havendo prova de que a via teria sido implantada com a configuração projetada, tendo sido, nessa hipótese, objeto de invasão, impõe-se a conclusão de que o domínio público jamais se consolidou segundo a configuração prevista na planta do loteamento.
De todo modo, em atenção à consulta formulada, situada no contexto dos efeitos dominiais relativos aos procedimentos de parcelamento do solo, cabe notar que a doação formal de áreas destinadas como públicas em tais procedimentos nunca teve um caráter autônomo. No regime anterior ao Decreto-Lei n. 58/37, como negócio jurídico causal, ela se subordinava à aceitação dos logradouros, ao passo que, no regime sucessivo, passou a vincular-se aos atos formais de aprovação e inscrição, responsáveis, por si sós, pela aquisição do domínio por parte do Município (Informação n. 4175/07 -SNJ.G).
Por seu caráter acessório, tal doação segue a sorte dos atos principais relativos à aquisição do domínio público. Assim é que, por exemplo, em caso de caducidade ou modificação de uma dada aprovação, a doação original já não prevalece, mesmo que não seja objeto de distrato ou alteração específica. O mesmo vale em relação à regularização do parcelamento por meio de procedimento administrativo ou no caso de modificações decorrentes da lei, conforme exposto nos pareceres objeto das ementas n. 11.773 e 12.088 - PGM-AJC. Nessa linha, se os atos principais de aprovação e inscrição devem ser entendidos como atingidos diretamente por certos dispositivos legais, segundo as hipóteses por eles definidas, o mesmo deve ocorrer com as doações subjacentes.
Diante do exposto, não obstante seja possível, em tese, afirmar que a doação dos logradouros não constitui um empecilho à aplicação do entendimento objeto das Ementas n. 11.773 e 12.088 - PGM-AJC, o caso concreto em exame não se mostra similar a esses precedentes. Com efeito, trata-se de loteamento aprovado anteriormente ao advento do Decreto n. 58/37, em que não se verificou a existência de uma configuração projetada eficaz, da qual tenha resultado uma situação de domínio resolúvel em favor da Municipalidade.
Nesse cenário de aquisição do domínio por força da afetação, não estando caracterizado o domínio público em configuração diversa daquele correspondente à situação implantada, não parece haver como questioná-la. Assim, sugere-se seja o presente restituído a DEMAP, para que se autorize a manifestação de desinteresse no feito.
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São Paulo, 17/02/2021
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 173.027
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 17/02/2021
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC
OAB/SP 175.186
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1 São as palavras do autor: "A lição de Hely Lopes Meirelles é corretíssima, no considerar que a incorporação se dá por ato administrativo da autoridade municipal, afetando os bens ao uso comum. Há, entre a sua e a nossa opinião, absoluta identidade na solução, divergindo elas, todavia quanto ao ato administrativo que opera a afetação. Para o eminente municipalista, tal ato é o da aprovação do plano de loteamento, enquanto que para nós, e com vistas exclusivas à legislação paulistana, a afetação só se dá com a aceitação, expressa ou tácita, dos logradouros; vale dizer, para nós é necessário o fato do loteamento como pressuposto da incorporação. Quando o particular elabora o seu plano de arruamento e loteamento, e o submete à aprovação administrativa, êle começa de desencadear um processo de formação contratual: o poder público, examinando o plano apresentado, poderá introduzir modificações, ou o particular terá de elaborar o seu plano partindo de diretrizes dadas pela administração. Poderá o particular não se conformar com as modificações introduzidas, e, embora de posse de alvará de arruamento, não usará do seu direito. Interromperá o processo de convolação de particulares para públicas, quanto às vias de comunicação desenhadas. Se a mera aprovação do plano importasse na afetação e incorporação, o particular, embora não começasse de arruar e lotear, já não poderia utilizar-se, privativamente, e para seu exclusivo proveito das áreas destinadas ao uso público no plano, bem como, no caso de alienação global da área arruanda, já não venderia segundo a descrição do seu titulo, mas segundo a que decorresse do nôvo estado, isto é, só poderia vender as quadras. Da mesma forma, a municipalidade, se o particular não abrisse as vias públicas, poderia executar o arruamento, sem indenizar o proprietário, compelindo-o, assim, a uma ação na qual é o nosso pensar - êle ainda não se teria engajado inapelàvelmente. O raciocínio de Hely Lopes Meirelles é rigoroso, pelo que êle considera necessário uma revogação do ato de aprovação, revogação essa que a administração poderá deferir ou não. Mas o sistema legal vigente no Município de São Paulo não é assim: prevê-se prazo de caducidade para as licenças de arruamento (Código de Obras, art. 727). Esgotado o prazo, exaure-se a autorização administrativa. Assim, pois, e segundo a legislação paulistana, só com a execução do arruamento, com o fato do loteamento, e com a aceitação pela Municipalidade, que é a afetação, e ato operativo da incorporação, é que o bem convola de particular em público. E só após a execução do arruamento e afetação dos logradouros é que a Municipalidade comunicará ao Registro de Imóveis competente quais os que foram entregues ao trânsito público, em obediência ao art. 772 do Código de Obras. Essa comunicação - que caiu em desuso - não tem efeitos quanto à incorporação em si mas é medida de cautela que visa a terceiros" (Motta, Eduardo Vianna. Bens de uso comum do povo. Natureza jurídica da relação entre eles e a pessoa de direito público. Modos de aquisição. Artigos publicados na Revista dos Tribunais, n. 332 a 340, de junho de 1963 a fevereiro 1964, disponíveis, em texto consolidado, na Revista dos Tribunais on Line, de cuja página 40 foi extraído o excerto ora transcrito).
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Processo nº 6021.2020/0040681-3
INTERESSADO: Antonio de Almeida Alves de Oliveira
ASSUNTO: Retificação de área.
Cont. da Informação n. 168/2021 - PGM.AJC
PGM
Senhora Procuradora Geral
Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido da inviabilidade da caracterização do domínio público segundo a configuração projetada da planta de loteamento, propondo, assim, a remessa a DEMAP, para que se autorize a manifestação de desinteresse no feito, com a desistência da impugnação oferecida.
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São Paulo, 18/02/2021
TIAGO ROSSI
PROCURADOR DO MUNICÍPIO
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
PGM
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Processo nº 6021.2020/0040681-3
INTERESSADO: Antonio de Almeida Alves de Oliveira
ASSUNTO: Retificação de área.
Cont. da Informação n. 168/2021 - PGM.AJC
DEMAP
Senhor Diretor
Com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido da inexistência de fundamentos para impugnação ao pedido, encaminho-lhe o presente, para que se autorize a manifestação de desinteresse no feito.
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São Paulo, 24/02/2021
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 169.314
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo