CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.193 de 29 de Outubro de 2020

EMENTA N° 12.193 
Organização administrativa. Administração indireta. Empresa estatal não-dependente. Proposta de alteração de decreto para prever a possibilidade de delegação à CET, por ato do Executivo, das obrigações de implantação e conservação de ciclovias e ciclofaixas, em substituição à contratação da companhia para tal finalidade. Atividade não autossustentável financeiramente, que depende de recursos. Impossibilidade de utilização da posição de controlador para determinar que a empresa execute gratuitamente tais atividades para o Município. Condição de empresa não- dependente que demanda a contratualização da sua relação com o Município.

processo n° 6020.2020/0003873-8

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE MOBILIDADE E TRANSPORTES

ASSUNTO: Proposta de alteração do Decreto n° 58.728/2019, para o fim de permitir que as ações voltadas à implantação e conservação de ciclovias e ciclofaixas possam ser objeto de portaria de delegação de SMT.

Informação n° 1.055/2020-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Coordenadoria Geral do Consultivo

Senhor Coordenador Geral

A pasta interessada propôs alterar a parte final do parágrafo único do art. 2° do Decreto n° 58.728/2019, para prever a possibilidade de delegação à CET, por ato do Secretário, de ações de implantação e conservação de ciclovias e ciclofaixas. Atualmente, referido decreto prevê a possibilidade de contratação da CET para tal finalidade:

"Art. 2° Caberá à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes realizar os procedimentos licitatórios pertinentes para a contratação de serviços de que trata o artigo 1° deste decreto, bem como a formalização dos respectivos contratos, o acompanhamento e a fiscalização da execução das obras.

Parágrafo único. As atividades previstas no "caput" deste artigo poderão ser realizadas pelas empresas vinculadas à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes, mediante contratação."

A minuta proposta por SMT no SEI 029468581 altera a redação do parágrafo único supratranscrito, no seguinte sentido:

"Art. 2° (...)

Parágrafo único. As atividades previstas no "caput" deste artigo poderão ser realizadas pelas empresas vinculadas à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes, mediante portaria de delegação."

Encaminhado, o processo, à Assessoria Técnico-Legislativa, o órgão solicitou "manifestação dessa douta Coordenadoria quanto à existência de óbices à utilização do instrumento da delegação para a finalidade proposta na minuta encartada".

É o relato do necessário.

Considerando a instrução processual existente, parece-nos juridicamente inviável a atribuição de encargos à empresa municipal sem a correspondente contraprestação pelo Município. No caso de empresas dependentes do Tesouro, referida contraprestação pode se dar por meio de repasses orçamentários para a cobertura dos déficits decorrentes da execução da atividade empresarial. No caso de empresas não-dependentes (caso da CET), quando a execução da atividade não é por si só rentável, ou autossustentável financeiramente, o Município pode contratar a empresa municipal para a sua execução, garantindo os recursos que serão despendidos (desde que a atividade seja compatível com o objeto social da empresa estatal, obviamente).

A simples atribuição, pelo acionista controlador, de obrigação à empresa municipal, sem o correspondente custeio, implica, a nosso ver, em ofensa ao §1° do art. 4° da Lei federal n° 13.303/16, verbis:

Art. 4°. (...)

§1° A pessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista tem os deveres e as responsabilidades do acionista controlador, estabelecidos na Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e deverá exercer o poder de controle no interesse da companhia, respeitado o interesse público que justificou sua criação.

Cite-se, ainda, o disposto no art. 117 da LSA:

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

§1° São modalidades de exercício abusivo de poder:

(...)

c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

(... )

e)induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral;

f)contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;

Segundo Alexandre Santos de Aragão:

"Na verdade, a partir do momento em que o Estado impõe à sua estatal um comportamento deficitário, ele próprio, agora de forma reforçada pelo Estatuto das Estatais como veremos no Capítulo IV, deve prover os meios para compensá-la, sendo o repasse das verbas orçamentárias necessárias um desses possíveis meios.

E mais, sendo essas estatais longa manus do Estado na prestação de serviços públicos de sua competência, agindo deficitariamente da mesma forma que o Estado agiria se fosse ele próprio a prestá-los, nada mais natural que sofram analogamente algumas das mesmas restrições que este sofreria, por exemplo, para o aumento de despesas de pessoal. Afinal de contas a receita de ambos têm procedência no mesmo orçamento público, não no da própria estatal - nos negócios por ela celebrados."[1]

Ainda segundo o autor:

"Interpretando o art. 238 da Lei das S.A. c/c o art. 4°, § 1°, do Estatuto das Estatais, os fins públicos institucionais a que menciona podem justificar a mitigação (nunca a supressão) dos seus objetivos puramente lucrativos (ex.: um banco estatal pode fornecer crédito subsidiado a pequenos agricultores ou uma estatal de petróleo pode ter que construir um gasoduto de integração energética nacional atendendo a uma política governamental). Contudo, fugiria totalmente da lógica econômica, ainda que mitigada, inerente às sociedades de economia mista, a imposição a elas de fornecimento gratuito de produtos ou serviços (...).

(... )

Em primeiro lugar, deve-se buscar que a imposição de objetivos públicos implique operações comerciais menos lucrativas, mas não deficitárias, e mesmo assim com as devidas compensações"[2]

O autor cita exemplo envolvendo o Município de São Paulo:

"Reprimindo o abuso do poder de controle pelo Estado, a CVM, no Processo Administrativo Sancionador 07/2003, relatado pelo Diretor Marcelo Trindade, e que tinha por objeto o abuso do poder de controle, pelo Município de São Paulo, caracterizado pelo uso gratuito de seis carros da sociedade de economia mista Anhembi Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo S/A ("Anhembi"), por ele controlada, assim se manifestou:

'Certamente se estivéssemos diante de companhia aberta normal, com controlador privado, uma tal cessão seria remunerada, sob pena de ser unanimemente reconhecida como espúria. O que se passa é que, em se tratando de sociedade de economia mista, a percepção da distinção entre o interesse da empresa e o do controlador parece não ter sido tão clara para as pessoas envolvidas. Mas, como antes expus, mesmo em se tratando de sociedade de economia mista, a Lei é expressa quanto aos deveres e responsabilidades dos administradores, não tendo ficado nem de longe provado que a cessão gratuita dos automóveis se deu no interesse público que justificou a criação da companhia. Assim, considero verificado o ilícito, ainda que a apenação deva ser feita de maneira compatível com a intensidade econômica da conduta, que foi a de cessão de 6 (seis) automóveis.'"

Por sua vez, leciona Mario Engler Pinto Junior:

"Isso não significa, porém, que o Estado como acionista controlador público esteja legalmente autorizado a impor qualquer típo de sacrifício patrimonial à companhia controlada em prol do interesse público. O exercício qualificado do poder de controle acionário não pode chegar ao ponto de subverter o típo societário e violar o direito essencial de partícipar dos lucros sociais (cf. art. 109 da Lei 6.404/1976). Em matéria de contenção de lucros, existe um limite baseado na razoabilidade e proporcionalidade que, uma vez ultrapassado, gera a obrigação de o Estado compensar a companhia controlada ."[3]

Ademais, a imposição, à empresa estatal, de uma obrigação a ser por ela executada às suas expensas, sem qualquer contrapartida financeira a ser obtida no mercado ou do controlador, importaria numa doação da estatal ao controlador, o que é implicitamente vedado pela Lei complementar n° 101/2000, uma vez que o diploma legal proíbe empréstimos de estatais ao ente controlador[4]. Ora, se empréstimos se encontram vedados[5], com muito mais razão a doação pura e simples de bens ou serviços com valor financeiro ao controlador, em prejuízo da companhia. Vale lembrar que a LSA dispõe, no art. 154, §2°, 'a', que é "vedado ao administrador pratícar ato de liberalidade à custa da companhia", bem como "sem prévia autorização da assembléia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstímo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito".

Em conclusão, tratando-se de empresa estatal não dependente do Tesouro Municipal, não nos parece possível a mera atribuição de novo encargo à empresa por meio de ato de delegação pelo Secretário, em substituição à contratação da entidade para a execução da obrigação.

Sub censura.

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São Paulo, 29/10/2020.

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 227.775

PGM

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De acordo.

São Paulo, 29/10/2020.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

Procuradora Assessora Chefe - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

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[1] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas Estatais: o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista. 2a Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. Versão digital. Capítulo III.
[2]Idem, Capítulo IV.
[3]PINTO JUNIOR, Mario Empresa Estatal - Função Econômica e Dilemas Societários. São Paulo: Atlas, 2010. p. 350-355.
[4]36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.
(...).
Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:
(...);
II - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação;
[5]Num passado não muito distante eram comuns empréstimos de estatais ao controlador, os quais nunca eram pagos, ou eram celebrados em condições muito favoráveis ao controlador, ou ainda visavam apenas simular atos de liberalidade às custas da companhia

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processo n° 6020.2020/0003873-8

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE MOBILIDADE E TRANSPORTES

ASSUNTO: Proposta de alteração do Decreto n° 58.728/2019, para o fim de permitir que as ações voltadas à implantação e conservação de ciclovias e ciclofaixas possam ser objeto de portaria de delegação de SMT.

Cont. da Informação n° 1.055/2020-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho a Vossa Senhoria a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho, no sentido da inviabilidade jurídica da alteração proposta, tal como formulada na minuta encartada.

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São Paulo, 29/10/2020.

TIAGO ROSSI

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP 195.910

PGM

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processo nº 6020.2020/0003873-8

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE MOBILIDADE E TRANSPORTES

ASSUNTO: Proposta de alteração do Decreto n° 58.728/2019, para o fim de permitir que as ações voltadas à implantação e conservação de ciclovias e ciclofaixas possam ser objeto de portaria de delegação de SMT.

Cont. da Informação n° 1.055/2020-PGM.AJC

CASA CIVIL/ATL

Senhor(a) Assessor(a) Chefe

Encaminho, a Vossa Senhoria, a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral, que endosso, no sentido da inviabilidade jurídica da alteração proposta, tal como formulada na minuta encartada.

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São Paulo, 03/11/2020.

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo