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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.969 de 14 de Março de 2019

EMENTA N.° 11.969
Regime de pessoal. Servidor público ocupante exclusivamente de cargo em comissão. Licença parental de longa duração. Decreto municipal 58.091/2018 (artigo 2°, inciso III). Paternidade decorrente de gestação por substituição. Direito à licença. Ônus financeiro. Responsabilidade da Previdência Social durante os primeiros 120 (cento e vinte) dias e do Tesouro Municipal nos 60 (sessenta) dias restantes.

processo n° 6013.2018/0000881-0      

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE GESTÃO

ASSUNTO: Consulta sobre o Decreto 58.091/2018.

Informação n° 0345/2019-PGM.AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhor Procurador Coordenador

Trata-se de consulta formulada pela Secretaria Municipal de Gestão acerca da possibilidade jurídica de concessão, nos termos do Decreto municipal 58.091/2018, de licença parental de longa duração ao agente público Igor Cunha de Souza, ocupante de cargo em comissão.

A Divisão de Eventos Funcionais, da Secretaria Municipal de Gestão, informa que inexiste tal modalidade de licença no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, salientando, demais, a impossibilidade de cadastra-se o licenciamento do agente público, em virtude da ausência de codificação específica. Aponta ainda a inaplicabilidade do Decreto municipal n.° 58.091/2018 (SEI 7262662).

Pronunciando-se a respeito, a Coordenadoria Jurídica da Pasta (SMG-COJUR) expediu a manifestação retro (SEI 8695710), concluindo de modo contrário, propugnando que "o servidor, ainda que ocupante de cargo de provimento em comissão, faz jus à concessão da licença parental de longa duração de até 180 (cento e oitenta) dias", nos termos do artigo 2°, inciso III, do Decreto n.° 58.091/2018. Demais, "o ônus financeiro decorrente do pagamento de salário-maternidade a servidor(a) comissionado(a) é de responsabilidade da Previdência Social durante os primeiros 120 (cento e vinte) dias e do Tesouro Municipal nos 60 (sessenta) dias restantes".

É o relatório.

Preliminarmente, convém observar que o interessado apresentou certidão de nascimento expedida por autoridade consular brasileira em São Francisco (EUA). Contudo, para fins de produção de efeitos no Brasil, tal certidão consular deve ser transladada no competente cartório de registro civil localizado em território nacional (artigo 32, §1°, da Lei 6.015/1973 e Resolução CNJ 155/2012). Nesse sentido, a regularização da situação do interessado está condicionada à apresentação de referido documento.

A peculiaridade da situação ora tratada envolve a ocorrência da gestação por substituição e a respectiva paternidade de agente público municipal comissionado. Acresça a isso o fato de que o regime geral da previdência social, ao qual o agente comissionado está submetido, não prevê de modo expresso o beneficio.

No tocante às questões jurídicas arguidas, dois são os pontos específicos suscitados pela COJUR na consulta formulada. O primeiro diz respeito à incidência, in casu, do artigo 2°, inciso III, do Decreto 58.091/2018. O segundo refere-se ao respectivo ônus financeiro na hipótese de concessão de licença parental de longa duração.

Em relação a ambos, concorda-se plenamente com as conclusões expedidas pela COJUR.

De fato, no tocante ao primeiro ponto, verifica-se plena subsunção entre a situação do interessado e a hipótese prevista no artigo 2°, inciso III, do Decreto 58.091/2018, que prevê a licença parental de longa duração ao agente na hipótese de criança gerada por gestação de substituição. Consigne-se que o regime é aplicável aos agentes públicos comissionados, nos termos expressos do artigo 5° do mesmo regulamento[1].

Relevante observar que o dispositivo faz referência à "criança gerada por gestação de substituição, sendo o servidor mãe ou pai biológicos." Ocorre que a parte final do preceito não se compatibiliza com os fundamentos que vêm sustentando o pleno reconhecimento dos contornos modernos da entidade familiar.

Assim, plenamente legitimada, de um lado, a união continua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família (cf. entendimento do Supremo Tribunal Federal tomado no âmbito da ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF). Restaram garantidos os mesmos direitos civis concedidos à união estável formada por casais heteroafetivos. Trata-se de entendimento consolidado no âmbito desta Procuradoria Geral do Município, nos termos do parecer ementado sob o n. 11.635[2].

De outro lado, verifica-se ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial da paternidade e maternidade socioafetiva, prestigiando os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana como substrato da filiação civil. Com efeito, avaliza-se a possibilidade de o parentesco resultar de outra origem que não a consanguinidade, bem como o reconhecimento dos mesmos direitos e qualificações aos filhos, proibida toda designação discriminatória relativa à filiação, nos termos do artigo 1596 do Código Civil.

A propósito, vale apontar o próprio regramento do registro civil envolvendo a certidão de filhos havidos por reprodução assistida, nos termos do Provimento 63/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça, assentada nas premissa jurídicas acima.

Para além de tais aspectos, merece ênfase a incidência do princípio do melhor interesse da criança, verdadeiro corolário da doutrina da proteção integral consagrada no artigo 227, "caput", da Constituição Federal e fortemente correlacionada com o panorama dos direitos fundamentais. Nesse sentido, conforme jurisprudência do STJ, o postulado deve orientar o aplicador da norma jurídica, vinculando-se o ordenamento infraconstitucional aos seus contornos[3].

Por fim, convém apontar a necessidade de observância do quanto previsto no artigo 2°, §4°, inciso II, do Decreto 58.091/2018, que garante a licença parental de longa duração "desde que o cônjuge, companheira ou companheiro, quando vinculado a outro regime de previdência social, declare, em conjunto com o servidor municipal, sob as penas da lei, que não obteve benefício de idêntica natureza decorrente do mesmo processo de adoção ou guarda ou de mesma gestação de substituição."

Quanto ao segundo ponto arguido pela COJUR, concorda-se com a posição segundo a qual o ônus financeiro decorrente do pagamento do benefício previdenciário a servidor comissionado é de responsabilidade da Previdência Social durante os primeiros 120 (cento e vinte) dias e do Tesouro Municipal nos 60 (sessenta) dias restantes.

A Constituição Federal dispõe que o agente comissionado, sem vinculação efetiva com a Administração, submete-se ao regime geral de previdência (artigo 40, §13), motivo pelo qual aplicáveis os ditames da Lei federal 8.213/1991.

No entanto, tal diploma não prevê de modo específico o salário-maternidade para segurado do sexo masculino cuja paternidade tenha decorrido de gestação por substituição, embora tenha havido um avanço normativo no ano de 2013, conforme a inserção promovida pela Lei 12.873/2013, que reconheceu ao "segurado" a obtenção do beneficio previdenciário no caso de "adoção de criança".

Com efeito, os artigos 71 e 71-A dispõem, in verbis:

Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

Art. 71-A. Ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário- maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias.

Tal circunstância, contudo, não afasta a incidência do ônus à Previdência Social, haja vista as questões jurídicas acima expostas. Trata-se de corolário do "reconhecimento da união continua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família" (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF do STF), bem como do contexto jurídico assentado nos postulados da afetividade, da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança.

No âmbito dos estudos doutrinários voltados ao tema, cite-se o seguinte[4]:

"A nova redação do art. 71-A, definida pela Lei 12.873/13, não deixa dúvidas sobre o direito de percepção do salário-maternidade para o segurado que adotar ou obtiver guarda para fins de adoção de criança (...)" (ROCHA e BALTAZAR , 2014, p. 349), entretanto, não se vislumbra razão para a não concessão do beneficio (e da licença-maternidade) para as outras possibilidades de homoparentalidade, como a reprodução assistida".

No mesmo sentido posiciona-se Maria Berenice Dias, para quem "apesar de a lei falar exclusivamente da adoção, não há como deixar de fazer interpretação integrativa e assegurar o mesmo direito a quem fizer uso da reprodução assistida"[5].

Consigne-se, finalmente, que o óbice apontado pela Divisão de Eventos Funcionais - a impossibilidade de cadastro da licença em razão de ausência de codificação específica - não justifica o afastamento de um direito do servidor. Barreiras tecnológico-burocráticas devem ser ajustadas às posições jurídico-institucionais do Município; não o inverso.

Assim, o Município deve envidar esforços no sentido de buscar junto à Previdência Social a efetiva compensação pelo período de 120 dias arcados precariamente pelo Município no caso do agente Igor Cunha de Souza.

Diante de todo o exposto, conclui-se:

(i)O interessado tem direito à licença parental de longa duração, porquanto incidente in casu o artigo 2°, inciso III, do Decreto 58.091/2018;

(ii)O respectivo ônus financeiro é de responsabilidade da Previdência Social durante os primeiros 120 (cento e vinte) dias e do Tesouro Municipal nos 60 (sessenta) dias restantes.

À consideração superior.

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São Paulo, 14/03/2019.

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP 183.508

PGM

[1]"Artigo 5°. As disposições deste decreto aplicam-se também aos servidores admitidos nos termos das Leis n° 8.694, de 31 de março de 1978, n° 9.160, de 3 de dezembro de 1980, e n° 9.168, de 4 de dezembro de 1980, bem como aos que titularizem. exclusivamente, cargos de livre provimento em comissão."
[2]Ementa 11.635: "Servidor público. União estável. Proposta de inclusão da união estável, inclusive entre pessoas do mesmo sexo, como fato ensejador da concessão da licença-gala. Pertinência, sobretudo após a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4.277/DF, dando à norma contida no art. 1723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição "para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união continua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família". Possibilidade de alteração do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo para a extensão, às uniões estáveis formadas por pares homoafetivos, das licenças gala, nojo, adoção, maternidade, paternidade, por motivo de doença em pessoa da família e por motivo de afastamento do companheiro."
[3]CC 157.473/SP, 2° Seção, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 01/10/2018.
[4]PANDOLFO, Rafael. "Novas perspectivas das licenças maternidade e paternidade a partir da homoparentalidade", In: Revista da ABET, 16, n. 2, jul./dez.2017, p. 64.
[5]"Homoafetividade e os direitos LGBTI", 6.ed., 2014, Revista dos Tribunais, p. 223.

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processo n° 6013.2018/0000881-0      

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE GESTÃO

ASSUNTO: Consulta sobre o Decreto 58.091/2018.

Cont. da Informação n° 0345/2019-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Encaminho a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acolho integralmente.

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São Paulo, 14/03/2019.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

COORDENADORA GERAL DO CONSULTIVO SUBSTITUTA

OAB/SP 175.186

PGM / AJC

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processo n° 6013.2018/0000881-0      

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE GESTÃO

ASSUNTO: Consulta sobre o Decreto 58.091/2018.

Cont. da Informação n° 0345/2019-PGM.AJC

SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL

Senhora Chefe da Assessoria Jurídica

Encaminho a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente, no sentido de que: (i) o interessado tem direito à licença parental de longa duração, porquanto incidente in casu o artigo 2°, inciso III, do Decreto municipal 58.091/2018; (ii) o respectivo ônus financeiro é de responsabilidade da Previdência Social durante os primeiros 120 (cento e vinte) dias e do Tesouro Municipal nos 60 (sessenta) dias restantes.

Roga-se posterior envio à Secretaria Municipal de Gestão, para ciência das conclusões jurídicas alcançadas.

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São Paulo, 18/03/2019.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo