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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.967 de 12 de Março de 2019

EMENTA N.° 11.967
Organização administrativa. Representação dos empregados nas empresas municipais. Lei municipal 10.731/1989. Superveniência da Lei federal 13.303/2016. Submissão aos ditames da norma nacional. Artigo 173, §1°, da Constituição Federal. Estatuto jurídico das empresas estatais. Incidência do regime vertido no artigo 17 do Estatuto: requisitos e vedações para o exercício de função no Conselho de Administração e na Diretoria. Corolário dos princípios constitucionais da moralidade e da eficiência. Aplicabilidade do Decreto municipal 58.093/2018.

Processo n° 6067.2018/0007827-9

INTERESSADO: FORUM DAS REPRESENTAÇÕES DOS EMPREGADOS DAS EMPRESAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

ASSUNTO: Aplicação da Lei federal 13.303/2016 e do Decreto municipal 53.098/2018 para os diretores e conselheiros eleitos pelos empregados com base na Lei municipal 10.731/1989.

Informação n° 0326/2019-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhor Procurador Assessor Chefe

Cuida-se de consulta formulada pela Controladoria Geral do Município acerca da aplicação da Lei federal 13.303/2016 e do Decreto municipal 58.093/2018 aos conselheiros e diretores representantes dos empregados eleitos com fundamento da Lei municipal 10.731/1989. A questão decorreu da manifestação do Fórum de Diretores Conselheiros de Representação das Empresas Municipais, que afasta a submissão de seus integrantes ao regime da Lei federal 13.303/2016.

A Assessoria Jurídica da Controladoria Geral do Município expõe o seu entendimento (SEI 012077360), concluindo não restar dúvida sobre a "pertinência da aplicação da Lei 13.303/2016 às empresas públicas do Município de São Paulo".

Em seguida, pronunciando-se a respeito, a Assessoria Técnica da Secretaria do Governo Municipal expediu a consistente manifestação jurídica SEI 012483621, concluindo que "os conselheiros eleitos como representantes dos empregados com fundamento na Lei Municipal 10.731/89 deverão atender também os requisitos da Lei Federal (quando aplicáveis) e o Decreto Municipal 53.093/18, o que contribuirá para que as empresas estatais municipais tenham mais transparência e eficiência".

É o relatório.

A garantia de representação dos empregados nos colegiados que compõem a Administração encontra status constitucional, ex vi do artigo 10 da Carta Magna1. Ditames similares encontram-se plasmados na Constituição do Estado de São Paulo2 e na Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece em seu artigo 83, inciso II:

Art. 83 - Para a organização da administração pública direta e indireta é obrigatório, além do previsto nos artigos 37 e 39 da Constituição da República, o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - nas entidades da administração indireta, os órgãos de direção serão compostos por um colegiado, com a participação de, no mínimo, um diretor eleito entre os servidores e empregados públicos, na forma da lei, sem prejuízo da constituição de Comissão de Representantes, igualmente eleitos entre os mesmos.

Visando ao regramento do regime, a Lei municipal 10.731/1989 passou a dispor sobre a representação dos empregados nas empresas estatais municipais, garantindo a sua participação no Conselho de Administração, na Diretoria e no Conselho Fiscal. O diploma não impõe qualquer condicionamento ao exercício da função representativa, estabelecendo apenas os contornos gerais da respectiva eleição.

Ocorre que sobreveio a Lei federal 13.303/2016, que estabeleceu requisitos a serem preenchidos para os ocupantes das funções na Diretoria e no Conselho de Administração das empresas estatais. Segundo o artigo 17, os respectivos membros devem atender uma série de condições, entre as quais: 1ª) reputação ilibada e notório conhecimento (artigo 17, "caput"); 2ª) alternativamente, um dos requisitos das alíneas "a", "b" e "c" do inciso I do mesmo dispositivo3; 3ª) os requisitos estampados nos incisos II e III, cumulativamente4.

Em suma, as condições podem assim ser sintetizadas: i) reputação ilibada e notório conhecimento; ii) experiência profissional mínima; iii) formação acadêmica compatível com o cargo; iv) deter condição de elegibilidade.

Relevante apontar que, no caso de indicação de empregado da empresa estatal, o requisito da experiência profissional mínima pode ser dispensado, desde que atendidos os "quesitos mínimos" estampados nos incisos I a III do mesmo §5° do mesmo artigo 175.

Demais, o artigo 17, §2°, da Lei 13.303/2016 estabelece algumas vedações ao exercício da função. Já no tocante aos membros do Conselho Fiscal, a Lei 13.303/2016 faz remissão à Lei federal 6.404/76 (Lei da Sociedade por Ações), nos termos de seu artigo 26.

Visando a regulamentação da Lei federal 13.303/2016, foi expedido o Decreto municipal 58.093/2018, que dispõe sobre os princípios e normas de governança e de gestão aplicáveis às empresas estatais municipais. O seu artigo 11 estipula, em conformidade com a legislação federal, os requisitos de nomeação.

Diante desse cenário normativo, questiona-se se os ditames da lei federal, notadamente o seu artigo 17, irradiam efeitos sobre o Município de São Paulo, que conta com diploma a respeito.

A resposta é afirmativa, ante o caráter nacional da Lei 13.303/2016. O fundamento para tanto resulta da própria Constituição Federal, que alude ao "estatuto jurídico" das empresas estatais, o qual deverá dispor, entre outros aspectos, sobre "a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal" (artigo 173, §1°, inciso IV). Ao fazer alusão a um "estatuto" para a sua disciplina, a Lei Maior conferiu um elastério na incidência do respectivo diploma normativo, cujo alcance federativo geral preservará a própria uniformidade do regime das estatais.

Esse o entendimento que vem prevalecendo no âmbito doutrinário, conforme apontam Rafael Carvalho Rezende Oliveira6, Rafael Maffini7, Paulo Osternack Amaral8, entre outros. José dos Santos Carvalho Filho aponta, a despeito da controvérsia que o tema pode suscitar, a "necessidade de uniformizar essas entidades da administração descentralizada", motivo pelo qual "uma lei geral será mais satisfatória e eficaz do que leis estaduais, distritais e municipais, ainda mais se lembrarmos de que existem mais de cinco mil Municípios"9. Demais, "com o recurso a uma interpretação sistemática, poder-se-á considerar que somente lei uniforme poderá disciplinar melhor a matéria".

O mesmo entendimento é compartilhado por Carlos Ari Sundfeld, conforme ensinamento pronunciado em momento prévio à edição da Lei 13.303/2016, mas cujas razões subsistem para o estatuto jurídico das empresas estatais. Como integrante da comissão criada pelo Ministério do Planejamento em 2007 para formular proposta de lei sobre organização administrativa, assim expõe o jurista10:

"O anteprojeto contém normas gerais para toda a Administração brasileira, incluindo os Estados e Municípios.

(...) o arcabouço conceitual relativo à organização administrativa (classes e tipos de entidades, espécies de vínculos entre Administração Direta e Indireta e entre Estado e entidades não estatais) não pode existir apenas para a Administração Federal. Esse arcabouço é necessário à adequada incidência do regime constitucional de toda a Administração Pública, inclusive a Estadual e a Municipal."

A argumentação lançada pela entidade interessada, com assento em parecer desta Assessoria Jurídico-Consultiva, baseia-se no "princípio da mínima interferência da Administração", de modo que a "Lei municipal 10.731/89 afasta a aplicação da norma federal e do Decreto Municipal". No entanto, inexiste correlação lógico-jurídica entre a premissa adotada e a consequência emprestada. Além disso, o postulado da intervenção mínima merece ser compreendido à luz do ordenamento vigente, que estabelece as condições para o exercício do múnus pelos representantes dos empregados, entre as quais a satisfação de condições pessoais para tanto. Nesse sentido, inexiste contrariedade entre as conclusões ora alcançadas e o entendimento alcançado por esta Procuradoria Geral do Município no parecer incorporado na Informação 1.221/2016-PGM.AJC, cujas conclusões se impõem11.

A propósito dos requisitos legais contemplados na Lei 13.303/2016, impõem-se aqueles estampados em seu artigo 17, cujo desiderato está voltado à "profissionalização dos indicados para a administração das estatais, bem como à eliminação ou, ao menos, à minimização do emprego público-partidário das empresas do Estado"12. De um lado, são exigidos os requisitos subjetivos (ou de reputação), incorporados no "caput" do artigo 17. De outro, os "requisitos profissional-funcionais ou objetivos, que são específicos e pertinentes à formação, à experiência e ao histórico das pessoas indicadas"13. Verifica-se, assim, plena compatibilidade das condições legais com os princípios que norteiam a Administração Pública (inclusive a indireta), entre os quais o da moralidade e o da eficiência.

Sobre o alcance de tais condições, merece realce as lições de Rafael Maffini, para quem "tantos os requisitos subjetivos quanto os objetivos (...) são aplicáveis a todos os administradores das estatais (membros de Conselho de Administração e Diretoria), ainda que representantes dos empregados (...)."14 Esse, aliás, o regime vertido no Decreto federal 8.945/2016, que regulamenta no âmbito da União a Lei 13.303/2016. De acordo com o seu artigo 28, §6°, os requisitos do artigo 17 da lei aplicam-se "aos administradores das empresas estatais, inclusive aos representantes dos empregados e dos acionistas minoritários, e também às indicações da União ou das empresas estatais para o cargo de administrador em suas participações minoritárias em empresas estatais de outros entes federativos." (destaque nosso)

No que se refere à competência do COMAP, o Decreto municipal 58.093/2016 é expresso ao dispor que os requisitos de capacidade técnica são objeto de averiguação "por parte do comitê de elegibilidade da entidade, ou, na sua ausência, do Conselho Municipal de Administração Pública - COMAP".

Por fim, esclareça-se que não convém à Procuradoria Geral do Município analisar o caso específico relatado no SEI 8928619 e mencionado pela SGM-AT (SEI 012483621) - referente à eleição de Gilson Ferreira da Silva para o conselho de administração da COHAB -, seja porque a consulta formulada baseou-se no regime geral aplicável, seja porque a respectiva aferição já fora realizada pelos órgãos com atribuição para tanto.

À luz das ponderações tecidas, conclui-se que os representantes dos empregados das empresas municipais, eleitos conforme a disciplina da Lei municipal 10.731/1989, sofrem, no que couber, os influxos da Lei federal 13.303/2016, norma de caráter nacional, inclusive em relação às condições e vedações contidas em seu artigo 17, incidindo igualmente o respectivo regramento vertido no Decreto municipal 58.093/2018.

À consideração superior, rogando-se remessa à Secretaria Municipal do Governo, para ciência, e posterior envio à Controladoria Geral do Município.

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São Paulo, 12 de março de 2019.

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

Procurador do Município

OAB/SP n° 183.508

PGM/AJC

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1 In verbis: "Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação."

2 Conforme o seu artigo 115, inciso XXIII: "fica instituída a obrigatoriedade de um Diretor Representante e de um Conselho de Representantes, eleitos pelos servidores e empregados públicos, nas autarquias, sociedades de economia mista e fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, cabendo à lei definir os limites de sua competência e atuação". No mesmo sentido a prescrição contida no artigo 288: "É assegurada a participação dos servidores públicos nos colegiados e diretorias dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais, de assistência médica e previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação, na forma da lei."

3 Nos seguintes termos:

"I - ter experiência profissional de, no mínimo:

a) 10 (dez) anos, no setor público ou privado, na área de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou em área conexa àquela para a qual forem indicados em função de direção superior; ou

b) 4 (quatro) anos ocupando pelo menos um dos seguintes cargos:

1. cargo de direção ou de chefia superior em empresa de porte ou objeto social semelhante ao da empresa pública ou da sociedade de economia mista, entendendo-se como cargo de chefia superior aquele situado nos 2 (dois) níveis hierárquicos não estatutários mais altos da empresa;

2. cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS-4 ou superior, no setor público;

3. cargo de docente ou de pesquisador em áreas de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista;

c) 4 (quatro) anos de experiência como profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área de atuação da empresa pública ou sociedade de economia mista".

4 Assim redigido:

"II - ter formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado; e

III - não se enquadrar nas hipóteses de inelegibilidade previstas nas alíneas do inciso I do caput do art. 1° da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar no 135, de 4 de junho de 2010."

5 Assim redigido:

"I - o empregado tenha ingressado na empresa pública ou na sociedade de economia mista por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos;

II - o empregado tenha mais de 10 (dez) anos de trabalho efetívo na empresa pública ou na sociedade de economia mista;

III - o empregado tenha ocupado cargo na gestão superior da empresa pública ou da sociedade de economia mista, comprovando sua capacidade para assumir as responsabilidades dos cargos de que trata o caput."

6 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Panorama geral das licitações na Lei n° 13.303/2016 (Lei das Estatais). Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, Belo Horizonte, ano 15, n. 59, out./dez. 2017. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=249353>. Acesso em: 6 mar. 2019.

7 Comentários à lei das empresas estatais, 2018, p. 36.

8 Lei das estatais: espectro de incidência e regras de governança. In: Estatuto jurídico das empresas estatais, 2016, p. 62.

9 Manual de direito administratívo, 32.ed., 2018, p. 531.

10 Uma nova lei de normas gerais para a organização administrativa brasileira: o regime jurídico comum das entidades estatais de direito privado e as empresas estatais. In: Nova organização administrativa brasileira, 2010, p. 58.,

11 Relevante esclarecer que a análise procedida pela PGM-AJC envolveu eventuais impedimentos ao registro de candidatura ao cargo de Conselheiro Fiscal da empresa municipal SPObras.

12 RAFFINI, Rafael. Comentários à lei das empresas estatais, 2018, pp. 87-8.

13 RAFFINI, Rafael. Ob. cit., pp. 88-9.

14 Ob. cit., p. 89 (destaque nosso).

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Processo n° 6067.2018/0007827-9

INTERESSADO: FORUM DAS REPRESENTAÇÕES DOS EMPREGADOS DAS EMPRESAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

ASSUNTO: Aplicação da Lei federal 13.303/2016 e do Decreto municipal 53.098/2018 para os diretores e conselheiros eleitos pelos empregados com base na Lei municipal 10.731/1989.

Cont. da Informação n° 0326/2019-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente.

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São Paulo, 12/03/2019.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

COORDENADORA GERAL DO CONSULTIVO SUBSTITUTA

OAB/SP 175.186

PGM / AJC

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Processo n° 6067.2018/0007827-9

INTERESSADO: FORUM DAS REPRESENTAÇÕES DOS EMPREGADOS DAS EMPRESAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

ASSUNTO: Aplicação da Lei federal 13.303/2016 e do Decreto municipal 53.098/2018 para os diretores e conselheiros eleitos pelos empregados com base na Lei municipal 10.731/1989.

Cont. da Informação n° 0326/2019-PGM.AJC

SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL

Senhor Chefe da Assessoria Técnica

Encaminho, para ciência, a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente, no sentido de que os representantes dos empregados das empresas municipais, eleitos conforme a disciplina da Lei municipal 10.731/1989, sofrem, no que couber, os influxos da Lei federal 13.303/2016, norma de caráter nacional, inclusive em relação às condições e vedações contidas em seu artigo 17, incidindo igualmente o respectivo regramento vertido no Decreto municipal 58.093/2018.

Roga-se posterior envio à Controladoria Geral do Município.

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São Paulo, 18/03/2019.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo