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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.929 de 7 de Janeiro de 2019

EMENTA N° 11.929
Ementa 11.727. Lei Federal n° 13.431/17. Colheita do relato dos fatos mediante escuta especializada por órgão integrante da rede de proteção à criança e ao adolescente. Competência. Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS.

Processo n° 6024.2018/0004466-3

 

Informação n° 1566/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Sr. Coordenador Geral do Consultivo

Trata-se de expediente iniciado por email encaminhado pelo Departamento de Procedimentos Disciplinares - PROCED à Coordenadoria de Proteção Social da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social - SMADS/CPE, no qual foi questionado se já fora constituído grupo ou órgão para a escuta especializada de crianças e adolescentes.

Em resposta, conforme Informação SMADS/CPE n° 8942470, aquela Coordenadoria noticia que o Município propôs a formalização de Grupo de Trabalho para discutir a aplicabilidade da Lei Federal n° 13.431/17, sem trazer maiores informações a respeito, bem como que "as equipes técnicas dos serviços que compõe a rede socioassistencial não realizam procedimentos que se caracterizam processo de responsabilização ou investigativos", pois têm como premissa a proteção social. Por fim, sugere (a) a avaliação da possibilidade da não realização de oitiva da criança e/ou adolescente, considerando a existência de processo judicial da referida situação de violência, bem como a existência de oitiva realizada por outros órgãos ou entes como o Conselho Tutelar, o Ministério Público ou a Vara da Infância e Juventude; (b) a recondução da solicitação à equipe técnica da unidade escolar que conduziu o primeiro acolhimento e/ou ao NAAPA - Núcleo de Apoio e Acompanhamento para Aprendizagem da DRE -Diretoria Regional de Ensino referenciada; e (c) a escuta de familiares e/ou pessoas do convívio das crianças e/ou adolescentes que vivenciaram a situação de violência.

Com o retorno ao PROCED, diante da negativa apresentada pela SMADS/CPE, aquele Departamento encaminhou o presente a esta Assessoria Jurídico-Consultiva - AJC para estudo das medidas a serem adotadas nos casos em que a escuta especializada se faz imprescindível ao seu desfecho.

É o que nos cabe aqui relatar.

A questão aqui tratada já foi analisada por esta AJC, conforme Parecer ementado sob o n° 11.727, juntado ao presente. Entretanto, diante da manifestação da SMADS/CPE, em específico no que se refere à alegação de falta de competência para realização da escuta especializada, retomamos, ou melhor, voltamos ao exame da questão.

Para tanto, acreditamos pertinente transcrever a análise realizada naquela ocasião:

Uma das questões mais complexas no que se refere ao procedimento de investigação de casos de violência é a colheita de depoimento de menores de 18 (dezoito) anos, o que levou à edição da Lei Federal n° 13.431/17, que estabeleceu duas formas pelas quais será colhido o relato de crianças e adolescentes sobre os atos de violência sofridos ou presenciados: escuta especializada e depoimento especial.

Art. 7° Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.

Art. 8° Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.

Apesar de se tratar de uma lei recente e ainda não haver produção doutrinária ou jurisprudencial a seu respeito, a diferença entre ambas as formas, percebida a partir da leitura daqueles dispositivos, reside no momento de sua realização e no órgão responsável pela colheita do relato.

O artigo 7° não estabelece um momento determinado para a realização da escuta especializada, mas impõe que se dê perante um órgão da rede de proteção à criança e ao adolescente, tratando-a como um procedimento de entrevista.

Por sua vez, o artigo 8° trata o depoimento especial como depoimento e esclarece que é realizado perante autoridade policial ou judiciária, motivo pelo qual só é possível ao longo do inquérito policial ou da instrução do processo judicial.

Quanto à força probatória, não faz distinção alguma entre ambas as formas, razão pela qual não é possível falar em gradação ou negar tal força a qualquer uma delas.

Pois bem, como salientado pelo PROCED, diante da edição da Lei Federal n° 13.431/17, surge a questão da forma que deverá ser adotada nos procedimentos administrativos disciplinares.

Como o fim da lei é justamente evitar a revitimização da criança e do adolescente decorrente da sua oitiva sobre os atos de violência que sofreu ou presenciou, as hipóteses em que essa oitiva pode ser realizada devem ser consideradas de maneira restritiva, de modo a afastar qualquer entendimento que busque ampliá-las.

Portanto, parece-nos inviável o depoimento especial nos procedimentos disciplinares, mas, quanto à escuta especializada, entendemos totalmente viável a sua realização, desde que obedecida a principal regra prevista naquela lei: a colheita se dê por um órgão da rede de proteção. A principal consequência dessa assertiva é a impossibilidade de a oitiva se realizar perante a Comissão Processante Permanente.

Como a Prefeitura dispõe de serviço de proteção social às crianças e adolescentes vítimas de violência, vinculado ao Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS, integrante da rede de proteção a crianças e adolescentes, acreditamos que a escuta especializada deve ser realizada pelos órgãos que compõem aquele serviço.

Como se percebe a partir da leitura do trecho transcrito, trata-se de verdadeiro silogismo: "somente órgão integrante da rede de proteção à criança e adolescente pode realizar a escuta especializada"; "o CREAS é órgão integrante da rede de proteção a crianças e adolescentes"; "logo, o CREAS pode realizar a escuta especializada".

Diante de previsão expressa, não há como negar que a Lei Federal n° 13.431/17 atribuiu competência aos órgãos da rede de proteção para a realização da escuta especializada, razão pela qual, por consequência, está autorizada a sua realização pelo CREAS. Não se diga que a menção feita pela lei a "órgão da rede de proteção" exclui o CREAS, pois, caso a lei quisesse excluí-lo, teria feito tal ressalva expressamente.

Quanto ao argumento da SMADS/CPE, no sentido de o CREAS não realizar procedimentos de responsabilização ou investigativos, ainda que correto, não afasta a competência daquele órgão para a realização de um ato específico do procedimento administrativo disciplinar, qual seja a escuta especializada.

A conclusão do parecer, que se deu a partir da interpretação do texto legal, não impõe ao CREAS a realização de procedimentos disciplinares em casos nos quais haja ofensa a crianças ou adolescentes, os quais continuam a ser realizados pelos órgãos competentes em cada Pasta, na Procuradoria Geral do Município, na Ouvidoria-Geral do Município, na Secretaria Municipal da Justiça etc. Simplesmente considerou que cabe ao CREAS a realização do ato específico da escuta especializada, dentre tantos outros que compõem o procedimento disciplinar.

Aliás, é justamente o fato de o CREAS ter como premissa a proteção social (e integrar a rede de proteção à criança e ao adolescente), tal qual afirmado pela SMADS/CPE, que o faz competente para a realização da escuta especializada - competente no sentido usual da palavra, de ter capacidade para fazer algo -, pois conta com profissionais que têm conhecimento e aptidão para a colheita do depoimento de crianças e adolescentes sem revitimizá-las.

Dada essa capacidade do CREAS para a oitiva de crianças e adolescentes, a Lei Federal n° 13.431/17 dotou-o de competência - no sentido jurídico da palavra, de "poder de agir atribuído para o desempenho de funções juridicamente definidas"[1] - para a escuta especializada.

Obviamente, como salientado pela SMADS/CPE, a escuta especializada só deverá ocorrer se imprescindível à instrução do processo, de modo a evitar a revitimização da criança ou do adolescente. Entretanto, essa conclusão da SMADS/CPE não é uma novidade para esta AJC e para o PROCED, pois se trata de entendimento consolidado de ambos, como informado pela Chefia de PROCED 2.

Por fim, como salientado pelo PROCED, a definição da instrução dos processos disciplinares cabe àquele Departamento, pois tal competência, no sentido jurídico, foi-lhe atribuída expressamente pela legislação municipal, não cabendo a outros órgãos da Administração Municipal questionar a pertinência de providência por ele solicitada ou valorar a sua importância para o procedimento disciplinar.

Em suma:

a) O Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS, por ser integrante da rede de proteção a crianças e adolescentes, tem competência, em sentido jurídico, para a realização da escuta especializada, conforme previsão expressa da Lei Federal n° 13.431/17;

b) Essa competência, em sentido jurídico, fundamenta-se no fato de aquele órgão ter capacidade para a realização da escuta especializada (competência no sentido usual da palavra), dada a aptidão e o conhecimento dos profissionais que o integram; essa capacidade do CREAS permite a promoção da proteção das crianças e adolescentes ao evitar que sejam revitimizados em sua oitiva, o que vai de encontro à premissa de proteção social de suas atividades;

c) A decisão quanto à pertinência e à importância da escuta especializada para fins de instrução de procedimentos disciplinares cabe única e exclusivamente ao PROCED, dada a competência desse órgão estabelecida na legislação municipal.

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[1] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de direito administrativo. 2.ed. rev., atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2013.

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São Paulo, 07/01/2019.

FÁBIO VICENTE VETRITTI FILHO

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP n° 255.898

PGM

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De acordo.

São Paulo, 26/12/2018.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP n° 175.186

PGM

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Processo n° 6024.2018/0004466-3

Cont. da Informação nº 1566/2018–PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, no sentido de o Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS, por ser integrante da rede de proteção a crianças e adolescentes, ter competência para a realização da escuta especializada, conforme previsão expressa da Lei Federal n° 13.431/17.

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São Paulo, 04/01/2019.

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP n° 195.910

PGM

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Processo n° 6024.2018/0004466-3

Cont. da Informação n° 1566/2018-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL - SMADS Senhor Secretário

À vista da manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Geral do Município, que endosso, no sentido de o Centro de Referência Especializado da Assistência Social-CREAS, por ser integrante da rede de proteção a crianças e adolescentes, ter competência para a realização da escuta especializada, conforme previsão expressa da Lei Federal n° 13.431/17, encaminho-lhe o presente para ciência e adoção das providências que julgar pertinentes.

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São Paulo, 16/01/2019

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo