EMENTA N° 11.727
2017-0.083.084-4
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO - DIRETORIA REGIONAL DE JAÇANÃ-TREMEMBÉ
ASSUNTO: Denúncia de assédio sexual - suspeita de constrangimento de professor às alunas - encaminhamento nos termos do art. 9o, § 1o - artigo 2o, § 1o, inciso II, da Lei Municipal n° 16.488/2016.
Informação n° 788/2017 - PGM-AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Sr. Coordenador Geral do Consultivo
Trata-se, atualmente, de consulta formulada pelo Departamento de Procedimentos Disciplinares - PROCED, no qual são suscitadas três questões: (a) a possibilidade de devolução à unidade de origem dos expedientes que tratam de denúncia de assédio sexual a fim de serem mais bem instruídos; (b) a obrigatoriedade de concordância da vítima maior de 18 (dezoito) anos para prosseguimento dos processos de investigação e exercício da pretensão punitiva; e (c) o modo pelo qual deverá ser colhido o depoimento da vítima criança ou adolescente.
Examinaremos separadamente cada uma dessas questões, mas, antes de tal providência, parece-nos importante uma breve reflexão sobre a Lei Municipal n° 16.488 de 2016.
Apesar de ser uma lei recente, cuja promulgação data de menos de 1 (um) ano, o seu objeto ("prevenção e combate ao assédio sexual") não é inédito, tampouco o seu conteúdo se encontra destacado do de outros textos normativos.
O assédio sexual é uma questão que tem ocupado lugar de destaque nos debates sobre a política de igualdade de gênero, em especial após ser considerado uma forma de violência contra a mulher pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher ("Convenção de Belém do Pará") e pela Lei Federal n° 10.224 de 2001.
Obviamente os homens também podem vir a sofrer assédio sexual no ambiente de trabalho. Contudo, é notório que se trata, em regra, de uma violência contra a mulher, fruto de uma sociedade patriarcal e marcada pela desigualdade de gênero, na qual esse comportamento é culturalmente tolerado.
A própria justificativa do Projeto de Lei esclarece que a ausência de menção ao gênero não teve a intenção de desconsiderar o assédio sexual como uma questão de desigualdade de gênero, pois só pretendeu abranger em tal conceito hipóteses outras, ainda que não tão frequentes, como o assédio sexual entre pessoas de mesmo gênero.
Assim sendo, a Lei Municipal n° 16.488/16 não só é fruto dos debates aos quais se tem assistido nas últimas décadas, como ainda integra o quadro normativo da política de igualdade de gênero, dado um dos seus objetivos centrais ser justamente a prevenção e a erradicação da violência contra a mulher.
Compreendido no âmbito daquela política, a interpretação de tal texto deve sempre considerar os seus objetivos; ou seja, não se deve adotar uma interpretação restritiva1, mas sim teleológica, tendo em vista a sua necessária conformidade com os fins da política voltada ao combate à violência contra a mulher.
Feitos esses esclarecimentos, passemos às questões suscitadas pelo PROCED.
*****
Os artigos 9o e seguintes da Lei Municipal n° 16.488/16 atribuem competência ao PROCED, exceto quanto aos integrantes da Guarda Civil Metropolitana, para a instauração dos processos disciplinares de investigação e de exercício da pretensão punitiva.
A lei municipal estabeleceu um procedimento próprio nos casos de assédio sexual, no qual foi dispensada a apuração preliminar e determinada a instauração de sindicância em todos os casos.
De fato, como bem asseverado pela Assessoria Jurídica do PROCED, a apuração preliminar tem grande importância para instrução do futuro processo disciplinar de exercício da pretensão punitiva, pois muitas vezes os pormenores do ambiente de trabalho são considerados de maneira mais efetiva pelos servidores que ali laboram e que conduziriam a apuração preliminar.
Entretanto, a opção da legislação municipal não foi nesse sentido, mas sim no de evitar os possíveis prejuízos à investigação decorrentes da influência do assediador ou da tolerância de seus pares com o comportamento configurador do assédio sexual, motivo pelo qual determinou a competência de um único órgão para adoção das providências investigativas.
Obviamente a instauração da sindicância não é automática. Essa providência dependerá de elementos mínimos, sem os quais PROCED estará impedido de adotar as medidas que lhe competem. Denúncias desprovidas de quaisquer indícios, sem elementos ao menos indicativos da conduta praticada, da autoria ou da identidade da vítima, não poderão ensejar a instauração da sindicância.
Em tais casos, caberá ao PROCED a solicitação das informações pertinentes aos órgãos municipais relacionados aos fatos, de modo a constituir uma instrução mínima que permita a instauração da sindicância. Entretanto, tal solicitação não significará a transferência de competência para outro órgão, pois PROCED continuará competente e, consequentemente, responsável pelo processamento da denúncia, devendo acompanhar as providências que aqueles órgãos adotarão para atendimento às suas solicitações.
Ao tratar do processamento da denúncia de assédio sexual, a lei municipal não só não estabeleceu como requisito a representação, a solicitação ou algum outro documento que expressasse a concordância da vítima, como ainda determinou que a adoção das providências independe de sua solicitação (artigo 11, caput e parágrafo único).
Não obstante essa previsão, PROCED entende necessária aquela concordância com a investigação, pois a legislação penal, ao tratar dos crimes correspondentes às infrações disciplinares, impõe a representação da vítima visando resguardar a sua intimidade.
Data maxima venia, entendemos de modo diverso do PROCED quanto à obrigatoriedade de solicitação da vítima por três razões diferentes.
A primeira é justamente a existência de previsão legal expressa, a qual não só não contradiz a política de prevenção e de erradicação da violência contra a mulher, como ainda está conforme àquela, como esclareceremos a seguir.
Outra é a independência entre as instâncias penal e administrativa, o que impediria a aplicação de exigências ali estabelecidas para os procedimentos administrativos.
O Superior Tribunal de Justiça - STJ, em situação análoga à presente, considerou que, em caso de omissão na lei, não é possível a aplicação de dispositivo penal para impor a representação do ofendido como requisito da instauração do processo administrativo disciplinar:
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO.
MAGISTRADO. ASSÉDIO SEXUAL. DISPONIBILIDADE REMUNERADA.
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES. NÃO-
OCORRÊNCIA.
1. O artigo 38 do Código de Processo Pena! não tem aplicação no âmbito administrativo, em que não há sequer o requisito de representação do ofendido para fins de instauração do processo administrativo disciplinar.
2. Além de não haver qualquer previsão legal de que, no julgamento de processo disciplinar, deve a prescrição ser examinada antes das demais questões de mérito, não há ocorrência de nulidade quando referida inversão não acarreta prejuízo ao impetrante.
3. A motivação sucinta de um dos votos proferidos no julgamento administrativo não implica em sua nulidade se o Órgão Especial da Corte Estadual, pelo voto do relator e de outros três magistrados, esposou longa e bem elaborada fundamentação ao tratar da questão da prescrição.
4. Não é nula a portaria que instaurou o processo disciplinar, em aditamento à anterior, quando seus termos atendem ao expressamente determinado em decisão judicial.
5. É cabível a participação do Ministério Público, como custos legis, no julgamento pelos próprios Tribunais de processos disciplinares envolvendo magistrados, diante do relevante interesse público envolvido. Aplicação do raciocínio do artigo 52, § 5o, da LOMAN.
6. Afasta-se a alegação de ofensa à ampla defesa se a portaria instauradora do procedimento administrativo descreveu minuciosamente os fatos imputados ao magistrado.
7. Não prospera a assertiva de que o depoimento de testemunho, prestado posteriormente à proposta, baseada também naquele depoimento, de instauração de processo disciplinar, seria prova forjada e montada ardilosamente, considerando que foi colhido, em sindicância, antes da expedição da portaria acusatória.
8. Não há de se falar em aplicação do princípio da isonomia para afastar a punição de magistrado que incorreu na prática de falta grave funcional consistente em assediar sexualmente servidoras e advogadas.
9. Recurso ordinário improvido.
(RMS 13.647/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 15/09/2008 - destaques nossos).
Por fim, a terceira razão é a aparente preocupação da lei com um dos graves entraves à efetividade das medidas previstas na política de combate à violência contra a mulher: a subnotificação.
De fato, são conhecidas as dificuldades de se estabelecer dados oficiais sobre a violência contra a mulher em virtude de o número de notificações ser muito inferior ao de casos, tendo em vista o receio de algum tipo de represália. Conforme relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito instituída com fim específico de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil, observa-se "uma grande subnotificação da violência, pois apenas um terço das mulheres reporta à violência sofrida às autoridades públicas"2.
O assédio sexual não foge a essa regra, pois, diante do medo de retaliação, especialmente no ambiente laboral, o número de vítimas que levam os fatos ilícitos ao conhecimento das autoridades competentes ou superiores não corresponde ao de casos, verificando-se uma subnotificação desses.
Nesse contexto, o artigo 11, caput e parágrafo único, da Lei Municipal n° 16.488/16 deve ser compreendido como uma previsão legal voltada a um dos objetivos da política de combate à violência contra a mulher, qual seja a ciência pelas autoridades competentes dos casos de assédio sexual, o que não se verifica atualmente em virtude da subnotificação.
Uma das questões mais complexas no que se refere ao procedimento de investigação de casos de violência é a colheita de depoimento de menores de 18 (dezoito) anos, o que levou à edição da Lei Federal n° 13.431/17, que estabeleceu duas formas pelas quais será colhido o relato de crianças e adolescentes sobre os atos de violência sofridos ou presenciados: escuta especializada e depoimento especial.
Art. 7° Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.
Art. 8o Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.
Apesar de se tratar de uma lei recente e ainda não haver produção doutrinária ou jurisprudencial a seu respeito, a diferença entre ambas as formas, percebida a partir da leitura daqueles dispositivos, reside no momento de sua realização e no órgão responsável pela colheita do relato.
O artigo 7o não estabelece um momento determinado para a realização da escuta especializada, mas impõe que se dê perante um órgão da rede de proteção à criança e ao adolescente, tratando-a como um procedimento de entrevista.
Por sua vez, o artigo 8o trata o depoimento especial como depoimento e esclarece que é realizado perante autoridade policial ou judiciária, motivo pelo qual só é possível ao longo do inquérito policial ou da instrução do processo judicial.
Quanto à força probatória, não faz distinção alguma entre ambas as formas, razão pela qual não é possível falar em gradação ou negar tal força a qualquer uma delas.
Pois bem, como salientado pelo PROCED, diante da edição da Lei Federal n° 13.431/17, surge a questão da forma que deverá ser adotada nos procedimentos administrativos disciplinares.
Como o fim da lei é justamente evitar a revitimização da criança e do adolescente decorrente da sua oitiva sobre os atos de violência que sofreu ou presenciou, as hipóteses em que essa oitiva pode ser realizada devem ser consideradas de maneira restritiva, de modo a afastar qualquer entendimento que busque ampliá-las.
Portanto, parece-nos inviável o depoimento especial nos procedimentos disciplinares, mas, quanto à escuta especializada, entendemos totalmente viável a sua realização, desde que obedecida a principal regra prevista naquela lei: a colheita se dê por um órgão da rede de proteção. A principal consequência dessa assertiva é a impossibilidade de a oitiva se realizar perante a Comissão Processante Permanente.
Como a Prefeitura dispõe de serviço de proteção social às crianças e adolescentes vítimas de violência, vinculado ao Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS, integrante da rede de proteção a crianças e adolescentes, acreditamos que a escuta especializada deve ser realizada pelos órgãos que compõem aquele serviço.
Entretanto, tal confirmação dar-se-á por meio de consulta à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social - SMADS, que deve ser feita por meio de expediente próprio.
São Paulo, 14/06/2017.
FÁBIO VICENTE VETRITTI FILHO
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP n° 255.898
PGM
1 Exceto, obviamente, no que diga respeito especificamente á configuração da conduta como infração disciplinar e á dosimetria da pena, dado o principio da presunção de inocência, o qual deve informar o processo administrativo disciplinar.
2 BRASIL. Congresso Nacional. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada "com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência", Brasília, Senado Federal, Secretaria Geral da Mesa, Secretaria de Comissões Coordenação das Comissões Especiais, Temporárias e Parlamentares de Inquérito, jul. 2013, p. 21. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/496481>.
De acordo.
São Paulo, 21/06/2017
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC
OAB/SP n° 175.186
PGM
2017-0.083.084-4
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO - DIRETORIA REGIONAL DE JAÇANÃ-TREMEMBÉ
ASSUNTO: Denúncia de assédio sexual - suspeita de constrangimento de professor às alunas - encaminhamento nos termos do art. 9o, § 1o - artigo 2° § 1o, inciso II, da Lei Municipal n° 16.488/2016.
Cont. da Informação n° 788/2017 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral do Município
Encaminho-lhe o presente com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, no sentido da competência do PROCED para realização do procedimento de investigação, da desnecessidade de solicitação da vítima para prosseguimento da investigação ou da responsabilização funcional e da possibilidade de escuta especializada por órgão integrante da rede de proteção à criança e ao adolescente.
São Paulo, 28/06/2017.
TIAGO ROSSI
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP Nº 195.910
PGM
2017-0.083.084-4
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO - DIRETORIA REGIONAL DE JAÇANÃ-TREMEMBÉ
ASSUNTO: Denúncia de assédio sexual - suspeita de constrangimento de professor às alunas - encaminhamento nos termos do art. 9o, § 1o - artigo 2o, § 1o, inciso II, da Lei Municipal n° 16.488/2016.
Cont. da Informação n° 788/2017 - PGM-AJC
DEPARTAMENTO DE PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES - PROCED
Senhor Procurador Diretor
À vista da manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Geral do Município, que endosso, no sentido no sentido da competência desse Departamento para realização do procedimento de investigação, da desnecessidade de solicitação da vítima para prosseguimento da investigação ou da responsabilização funcional e da possibilidade de escuta especializada por órgão integrante da rede de proteção à criança e ao adolescente, devolvo-lhe o presente para ciência e adoção das providências que julgar pertinentes.
São Paulo, 28/06/2017.
RICARDO FERRARI NOGUEIRA
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo