processo n° 2012-0.100.508-2
INTERESSADA: Municipalidade de São Paulo
ASSUNTO: Abertura de matrícula.
Informação n° 1811/2017-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador Geral
Trata o presente de providenciar a abertura de matrícula para o imóvel municipal situado entre a Avenida Dr. Abraão Ribeiro e as ruas Norma Pieruccini Giannotti, do Bosque e James Holland, que constitui remanescente de terra devoluta, sujeita ao domínio municipal em razão de leis estaduais de organização municipal, área que está em comum, em tal quadra, com imóvel adquirido pela Urbe por força de desapropriação.
Cogita-se alterar a destinação da área, que poderia ser utilizada para a produção de unidades habitacionais. Aliás, chegou a ser autorizada a doação do bem à COHAB-SP, por meio da Lei n° 13.936/04, a qual, contudo, foi considerada inconstitucional pela Procuradoria Geral do Município (Ementa n° 10.751- PGM.AJC).
Tal companhia municipal, de todo modo, vem acompanhando as providências relacionadas ao imóvel, tendo oferecido elementos técnicos voltados a instruir a abertura da matrícula. Chegou até mesmo a formular, em nome próprio, um pedido com esse fim ao registro predial, que se frustrou em vista da exigência de apresentação de título aquisitivo e formalização da doação referida (fls. 161).
DEMAP-13 entende inviável a simples abertura da matrícula, dada a ausência de um título de propriedade idôneo, ao passo que DEMAP-12 considera admissível pedido de usucapião, pela via judicial ou extrajudicial.
A Diretoria do Departamento mencionou que o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem entendido necessária a ação discriminatória para o registro da propriedade em tais casos. Considera-se o pedido de usucapião, pois, uma alternativa para a obtenção do registro, já que a lei não exclui o Poder Público dos legitimados ao usucapião extraordinário. Por outro lado, DEMAP lembrou que será necessária a complementação dos elementos técnicos por parte de CGPATRI, nos termos de precedentes da Procuradoria Geral do Município (fls. 188/197).
É o relatório do essencial.
Não há dúvida nenhuma quanto à inadequação prática do procedimento discriminatório instituído pela Lei Federal n° 6.383/76 aos remanescentes urbanos de terras devolutas. De fato, se para as áreas rurais faz sentido realizar uma ampla apuração, a partir de uma extensa propriedade, de quais foram as áreas que remanesceram em poder do Estado - por não terem sido transferidas, de alguma forma, para o patrimônio privado isso não faz sentido algum quando a área discutida já é um remanescente incorporado à cidade e cortado por logradouros.
Certamente foi isso que levou à inclusão, na Lei n° 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), de um procedimento próprio para a abertura de matrícula para áreas urbanas sem registro anterior cujo domínio decorreu da legislação, inclusive para terras devolutas, dispensado o procedimento discriminatório (art. 195-B). Lamentavelmente, ignorando a realidade paulista, o dispositivo facultou o uso desse instrumento somente à União, aos Estados e o Distrito Federal.
É claro que seria possível dar uma interpretação extensiva ao preceito, considerando-o aplicável nas situações semelhantes. De fato, se não há prejuízo ao sistema registrai no caso de abertura de matrícula em favor dos outros entes, seria despropositado questionar tal medida apenas porque desencadeada pelo Município, sobretudo se baseado em uma lei estadual. A rigor, o regime peculiar aplicável aos bens públicos, o prestígio aos documentos oficiais e à legitimidade dos atos administrativos, somada à ausência de impugnação por parte de particulares, eventualmente cientificados por edital do pedido formulado, poderia tornar admissível um procedimento inominado de abertura de matrícula por parte dos entes: públicos, ainda que não houvesse uma autorização legislativa específica para tanto.
Sem embargo, a verdade é que as circunstâncias fáticas e a alternativa da formulação do pedido de usucapião parecem ter resolvido pragmaticamente a questão, que agora será adequadamente reservada ao campo da erudição relativa aos conhecimentos próprios do direito registrário e suas polêmicas. Com efeito, já não se imagina situação em que o Município possa, sem oposição de terceiros, sustentar o domínio de bem público não registrado que não esteja em sua posse. Nesse sentido, há duas situações possíveis: ou o bem se encontra na posse de terceiro e este não concordará com um pedido de abertura de matrícula formulado pelo Município, sendo então necessária uma medida judicial prévia, ou o bem já está na posse pacífica do Município, viabilizando o usucapião. Assim, é possível concluir que a alternativa do pedido de usucapião realmente dá cobertura às situações de ausência de litígio, resolvendo pragmaticamente as questões relativas ao registro de bens municipais, ao passo que as situações conflituosas deverão ensejar o ajuizamento das ações adequadas.
Assim, restaria apenas uma questão quanto a um eventual enfraquecimento da tese da Municipalidade quanto ao domínio das terras devolutas, em razão do ajuizamento de pedido de reconhecimento da propriedade em razão da posse prolongada do bem, que constitui a essência do usucapião. Não parece ser esse, contudo, o melhor entendimento. Na verdade, a Municipalidade apenas faria o requerimento de usucapião pela facilidade procedimental em comparação com a ação discriminatória, cuja viabilidade, em tese, nunca seria descartada. Poderia até mesmo ser ressalvado no requerimento que a Municipalidade não deixou de reconhecer como seus os imóveis que lhe foram outorgados por lei, tendo optado pelo pedido de usucapião por preencher os requisitos para um procedimento que atualmente se mostra mais simples.
Ademais, vale notar que o instituto do usucapião muitas vezes é utilizado para solucionar questões de inviabilidade de registro da propriedade: mesmo havendo justo título, é possível que este não seja suficiente para proporcionar o registro - e pode ser mais fácil para o adquirente, ainda que tenha uma boa tese para justificar a viabilidade do registro, pleitear o usucapião do que polemizar com o registrador. Situação análoga aconteceria no caso presente, uma vez que o título que fundamenta o domínio municipal sobre o bem, segundo a compreensão adotada pela Municipalidade, vem sendo entendido pelos órgãos competentes como inapto a proporcionar o correspondente registro. Nesse sentido, seria possível sustentar a existência de usucapião ordinário, caracterizado pelo justo título e pela boa fé, o que, todavia, nem mesmo se mostra necessário no caso, uma vez que a Municipalidade está na posse do bem por tempo superior a qualquer prazo de prescrição aquisitiva estabelecido na legislação.
É certo que a Municipalidade se considera proprietária do bem desde as referidas leis de organização judiciária e não somente a partir do decurso do prazo de usucapião - esta seria, na prática, a diferença entre as teses. Todavia, não parece que haja discussão quanto a questões jurídicas e patrimoniais quanto a esse período que corresponderia à diferença entre essas duas datas de aquisição, até mesmo porque não há notícia de questionamentos quanto à posse do bem pela Municipalidade. Por outro lado, conforme se mencionou, a opção pela segunda tese seria feita apenas para os fins estritos de submissão a um procedimento mais eficiente de obtenção de matrícula, e não para alterar o posicionamento da Urbe no tocante ao momento em que se tornou titular do bem. A propósito, vale considerar que a Municipalidade adota a tese segundo a qual o domínio municipal não depende de registro, sendo este necessário tão somente por ocasião de uma eventual passagem do bem para o domínio privado (cf. Informação n° 792/2016 - PGM-AJC), de modo que a abertura de matrícula constitui uma providência para uma atuação futura, e não para a discussão de questões passadas - que se presumem resolvidas pelo título que fundamenta o domínio da Municipalidade e pelo cadastro municipal, que goza de presunção de legitimidade.
Por fim, não parece haver motivo para que a Municipalidade ingresse pela via jurisdicional, certamente mais morosa, na ausência de um litígio quanto à área, como ocorre no caso em exame. De fato, o pedido extrajudicial pode implicar custos, mas eles devem ser considerados inerentes à gestão do bem e não serão necessariamente evitados em juízo, até mesmo em razão da possibilidade de designação de perícia. Ademais, se a lógica da legislação processual civil é a solução consensual de conflitos (art. 3°, §§ 2° e 3°, da Lei n° 13.105/15), não haveria motivo para levar desnecessariamente a juízo um pedido em razão de uma discutível conveniência da parte. Por outro lado, a formulação do pedido judicial poderia levar até mesmo a uma suspeita quanto à existência de alguma dificuldade no caso - o que não corresponderia à realidade -, justamente porque a nova legislação tende a gerar requerimentos extrajudiciais sempre que isso seja possível. Assim sendo, deduzir o pedido em juízo num primeiro momento poderia implicar até mesmo algum risco à melhor solução do caso.
Ante o exposto, sugere-se seja acolhida a sugestão de DEMAP, sendo o presente encaminhado a CGPATRI, nos termos da Informação n. 298/2017- PGM.AJC, para a instrução necessária à formulação do pedido, que deverá, caso se entenda adequado o entendimento aqui sustentado, ser formulado ao Cartório de Registro de Imóveis competente.
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São Paulo, 15/12/2017.
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 173.027
PGM
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De acordo.
São Paulo, 20/12/2017.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC
OAB/SP 175.186
PGM
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processo n° 2012-0.100.508-2
INTERESSADA: Municipalidade de São Paulo
ASSUNTO: Abertura de matrícula.
Cont. da Informação n° 1811/2017-PGM.AJC
PGM
Senhor Procurador Geral
Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que endosso, sugerindo remessa a CGPATRI para elaboração dos elementos técnicos necessários à formulação de pedido extrajudicial de usucapião do bem em questão, a fim de providenciar a respectiva matrícula.
São Paulo, 21/12/2017.
TIAGO ROSSI
PROCURADOR DO MUNICÍPIO
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
PGM
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processo n° 2012-0.100.508-2
INTERESSADA: Municipalidade de São Paulo
ASSUNTO: Abertura de matrícula.
Cont. da Informação n° 1811/2017-PGM.AJC
CGPATRI
Senhora Coordenadora
Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral, que acolho, para elaboração dos elementos técnicos necessários à formulação de pedido extrajudicial de usucapião relativo à área pública em questão.
Mantidos os acompanhantes (fls. 197).
São Paulo, 22/12/2017.
RICARDO FERRARI NOGUEIRA
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 175.805
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo